PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO Autor: Gustavo Gomes Tavares da Silva Orientador: Dr. Antônio Souza Prudente GUSTAVO GOMES TAVARES DA SILVA ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília – UCB - como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito. Orientador: Prudente Brasília 2009 Prof. Dr. Antônio Souza Trabalho de autoria de Gustavo Gomes Tavares da Silva, intitulado “ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em ___/___/2009, pela banca examinadora constituída por: ________________________________________ Prof. Dr. Antônio Souza Prudente Orientador ________________________________________ Nome do componente da banca com titulação ________________________________________ Nome do componente da banca com titulação Brasília 2009 À família, em especial aos meus pais, Maria Gomes Tavares da Silva e Delmiro Pereira da Silva, pelos anos de dedicação e apoio, sempre acreditando nesta vitória. E à Renata Patrícia pelo amor, paciência, incentivo e crença. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Professor Doutor Antônio Souza Prudente pela orientação e apoio dedicado à realização deste trabalho e aos demais docentes que contribuíram para o meu aperfeiçoamento intelectual durante esses cinco anos de academia. Aos meus pais Maria e Delmiro que me deram a vida e me ensinaram a vivêla com dignidade e a lutar pelo que acredito ser verdade. Aos meus irmãos Lidiane e André, e a minha namorada Renata, meu profundo reconhecimento pela sensibilidade com que souberam compreender a razão da minha luta e que sempre acreditaram no meu esforço e participação em minha felicidade. E a todos os amigos que fizeram parte desta grande construção que hoje ganha novas perspectivas de conquistas futuras. “Ser ecologista, não é apenas ser contra aquilo que se chama Progresso, não é apenas ser anti qualquer coisa ou anti tudo ou porque está na moda, não é apenas ser por certas manifestações com o seu quê de folclore (que também é, aliás, importante); ser ecologista é, sobretudo acreditar que a vida pode ser melhor se as mentalidades mudarem e tiverem em consideração os ensinamentos que a velha Terra e ainda o velho Universo não cessam de nos transmitir”. Fernando Pessoa RESUMO SILVA, Gustavo Gomes Tavares da. Estudo prévio de impacto ambiental como instrumento de eficácia do princípio da precaução. 2009. 72 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)–Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. A presente pesquisa procura fazer uma análise sobre o reconhecimento do direito ambiental como preceptivo constitucional e a sua evolução na legislação ambiental brasileira. O dever de todos em proteger os interesses ambientais para as presentes e futuras gerações. A adequada definição de bem jurídico e interesses transindividuais a serem tutelado pela Constituição Federal e a legislação infraconstitucional. Relevância da atuação do Poder Público para assegurar a proteção do meio ambiente mediante instrumentos extrajudiciais e judiciais. Assim como, os fatores geradores das tutelas ambientais. O direito de acesso à Justiça como forma de assegurar a efetiva proteção ao ambiente ecologicamente equilibrado. Ressaltando-se a importância da avaliação prévia de impacto diante das atividades potencialmente causadoras de danos ambientais. E isso tudo focalizado no estudo prévio de impacto ambiental e a relevância que esse instituto trouxe a ordem jurídica de proteção ao meio ambiente, razão pela qual será considerado como instrumento jurídico de eficaz do princípio da precaução. Palavras-chave: Direito Ambiental. Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Princípio da Precaução. LISTA DE ABREVIATURAS CF = Constituição Federal CONAMA = Conselho Nacional do Meio Ambiente EPIA = Estudo Prévio de Impacto Ambiental IBAMA = Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis ONGs = Organizações Não Governamentais ONU = Organização das Nações Unidas PNMA = Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente RIMA = Relatório de Impacto do Meio Ambiente STF = Supremo Tribunal Federal STJ = Superior Tribunal de Justiça TAC = Termo de Ajustamento de Conduta SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..............................................................................................................10 CAPÍTULO 1 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO AMBIENTAL ....13 1.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE ................................................................... 13 1.2 BEM AMBIENTAL ............................................................................................. 16 1.3 O DIREITO DO MEIO AMBIENTE: NATUREZA JURÍDICA ........................... 17 1.4 EVOLUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ................ 19 CAPÍTULO 2 - DIREITO AMBIENTAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ......22 2.1 MEIO AMBIENTE CONSTITUCIONAL – DIREITO FUNDAMENTAL DE 3º GERAÇÃO ......................................................................................................... 22 2.2 OS DESTINATÁRIOS DA NORMA CONSTITUCIONAL AMBIENTAL .......... 24 2.3 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: FATOR GERADOR DAS TUTELAS AMBIENTAIS ..................................................................................................... 25 2.4 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL ......................... 27 2.4.1 Surgimento na legislação ambiental .............................................................29 2.4.2 Distinção entre princípio da precaução e princípio da prevenção ...........31 2.4.3 Linhas de concretização .................................................................................33 CAPÍTULO 3 - AVALIAÇÃO PRÉVIA DE IMPACTO E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE AMBIENTAL ............................................................................................38 3.1 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EPIA .................................. 38 3.1.1 Conceito e destinação .....................................................................................39 3.1.2 Função e natureza ............................................................................................42 3.1.3 Competência para exigir o EPIA ....................................................................42 3.3 INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO DIANTE DAS INCERTEZAS DE DANO AMBIENTAL ........................................................................................... 43 3.3.1 O papel do Ministério Público na defesa do meio ambiente ......................43 3.3.2 Atuação do Poder Judiciário na remoção do ilícito ambiental ..................46 3.4 EPIA COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO .....................................................................................................50 CONCLUSÃO ...............................................................................................................58 REFERÊNCIAS .............................................................................................................61 ANEXO A – MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ADI 3.540-MC DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ......................................................................................................................67 ANEXO B – AGRAVO DE INSTRUMENTO 2005.01.00.064020-0/MG DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO ...................................................69 ANEXO C – APELAÇÃO CÍVEL 2006.39.02.001166-2/PA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO .......................................................................70 10 INTRODUÇÃO Diante da alteração do modelo tradicional da exploração econômica dos recursos naturais, tem se observado que a temática da tutela ao meio ambiente passou a ser tratada por todos com a máxima seriedade. Essa preocupação surgiu a partir do momento em que a sociedade percebeu que a busca incansável pelo desenvolvimento econômico alcançaria a curto espaço de tempo o limite do bem ambiental. Com o advento da Constituição Federal de 1988, surge no Brasil, o pensamento de desenvolvimento sustentável como forma de suavizar os impactos da ação humana. Assim, o Texto Constitucional inovou a ordem jurídica brasileira, ao dedicar todo um capítulo ao meio ambiente. Dentre as diversas medidas de proteção ambiental, tem-se o inciso IV do § 1º do art. 225 da Carta Magna. Preceptivo constitucional que estabelece a realização de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. O intuito desse estudo é evitar a ocorrência de impactos ambientais adversos, muitas vezes irreversíveis, através de uma atuação preventiva de danos, que crie alternativas menos impactantes para o ambiente. Dessa forma, será exposta a temática meio ambiente como uma objeto de diversas discussões jurídico-ambientais, principalmente acerca dos perigos irreversíveis que as atividades podem importar para os seres humanos e os ecossistemas. A criação e instituição do estudo prévio de impacto ambiental possibilita fazer uma análise da sua evolução e aplicação como principal instrumento jurídico de avaliação precautiva do meio ambiente, ante a atividade humana. Outra questão a ser abordada no explanar do trabalho está focada na importância de diferenciar o princípio da precaução do princípio da prevenção, tendo em conta que a aplicabilidade de ambos os institutos vem sendo bastante prejudicada com a confusão realizada por magistrados, inclusive ambientalista. Há nesse sentido, a necessidade de uma atuação cautelosa e preventiva quando nos referimos a intervenções ao meio ambiente. Talvez por isso, o princípio da precaução seja fundamental no estudo prévio de impacto ambiental. 11 Por conseguinte, o presente estudo pretende demonstrar, em um primeiro momento, os aspectos inerentes ao Direito Ambiental: o dimensionamento dos riscos e sua gestão na sociedade após a revolução industrial, para, num segundo momento, chegar-se ao ponto central da análise: o princípio da precaução, suas origens, significados, graus de implementação, distinção com os demais princípios afins, linhas de concretização e visão crítica. O trabalho monográfico em questão originou-se com intuito de realizar um estudo mais detalhado sobre o estudo prévio de impacto ambiental visando fundamentar a aplicabilidade do princípio da precaução diante de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente. O sistema de chamada adotado foi o numérico, sendo realizada a indicação da referência completa em nota de rodapé e lista de referência em ordem alfabética. Foi utilizado o recurso itálico para as palavras estrangeiras e o negrito para enfatizar palavras ou expressões. Quanto ao método, utilizou-se o método hipotético-dedutivo; realizando-se uma pesquisa profunda da doutrina, da jurisprudência, bem como da legislação brasileira e estrangeira sobre o assunto. O desenvolvimento do tema demandou certo esforço, pois o princípio da precaução suscita, atualmente, grandes controvérsias entre os doutrinadores, bem como entre os magistrados experientes que quando se deparam com ações ambientais não sabem qual o caminho a ser percorrido no controle da qualidade ambiental. A pesquisa temática também abrangeu o Direito Comparado, em decorrência da riqueza teórica e da problemática do assunto. A atual sociedade está passando por um momento efêmero, à medida que os avanços tecnológicos expõem a pessoa a novas práticas irreversíveis que instigam o ordenamento jurídico, solicitando regulamentação. Esta pesquisa monográfica foi dividida em 03 capítulos. No capítulo I, tratou-se do conceito de meio ambiente; bem ambiental; direito do meio ambiente: natureza jurídica; evolução e consolidação da legislação ambiental. No capítulo II, abordam-se o meio ambiente constitucional, como direito de terceira geração; os destinatários da norma constitucional ambiental; degradação do meio ambiente: fator gerador das tutelas ambientais; o princípio da precaução no 12 direito ambiental brasileiro: surgimento na legislação ambiental, distinção entre princípio da precaução e princípio da prevenção e as linhas de concretização. Por fim, no capítulo III, foram analisados a avaliação prévia de impacto ambiental e os instrumentos de controle ambiental; estudo prévio de impacto ambiental: conceito e destinação, função e natureza, competência para exigir; intervenção do Poder Judiciário diante da incerteza de dano ambiental: o papel do Ministério Público na defesa do meio ambiente, atuação do Poder Judiciário na remoção do ilícito ambiental e o EPIA como instrumento de eficácia do princípio da precaução. 13 CAPÍTULO 1 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO AMBIENTAL 1.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE Preliminarmente, faz-se necessário destacar que a terminologia empregada meio e ambiente são equivalentes por trazerem em seu conteúdo a ideia de “âmbito que circunda”. Neste sentido, Paulo Affonso Leme Machado 1 assevera que estas palavras são sinônimas, considerando que uma envolve a outra, ou seja, seria desnecessária a complementação de ambiente pela palavra meio. Entretanto a expressão meio ambiente já está consagrada na legislação, na doutrina, na jurisprudência e na própria sociedade. Assim sendo, a legislação brasileira definiu meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências, alterações, e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, inciso I, da Lei n.º 6.938/81). Segundo Luís Paulo Sirvinskas, 2 é importante consignar que a definição legislativa de meio ambiente não é adequada, pois ela não abrange de maneira ampla todos os bens protegidos. O conceito legal estaria por restringir a proteção ao meio ambiente natural. Alguns doutrinadores tais como José Afonso da Silva, Paulo Affonso Leme Machado, José Rubens Morato Leite e outros esmiuçam essa definição legal de meio ambiente dando uma nova construção do conceito que se pretende edificar na doutrina pátria. Luís Paulo Sirvinskas 3 divide o meio ambiente em: a) meio ambiente natural - integra a atmosfera, as águas interiores, superfícies e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna, a flora, o patrimônio genético e a zona costeira, todos eles esculpidos no art. 225 da Constituição Federal; b) meio ambiente cultural – integra os bens de natureza material e imaterial, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (CF, art. 215 e 216); c) meio ambiente artificial – acomodam os equipamentos urbanos, os edifícios ______________ 1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1988. p. 69. 2 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 29. 3 SIRVINSKAS, 2007, p. 29. 14 comunitários (arquivo, registro, biblioteca, pinacoteca, museu e instalação científica ou similar) (CF, arts. 21, XX, 182 e s. e 225) e, por fim, d) meio ambiente do trabalho – conforme menção de Sirvinskas 4 em seu estudo, esse ambiente integra o proteção do homem em seu local de trabalho, como observância às normas de segurança previstas nos artigos 200, VII e VIII, e 7º, XXII, ambos da Constituição Federal. Conforme ensina José Rubens Morato Leite 5, o conceito de meio ambiente deriva do homem, e a ele está relacionado; entretanto, interdepende da natureza como duas partes de uma mesma fruta ou dois elos do mesmo feixe. Menciona também, que o meio ambiente engloba, sem dúvida, o homem e a natureza, com todos os seus elementos. Assim, se ocorrer uma danosidade ao meio ambiente, esta se estende à coletividade humana, considerando tratar-se de um bem difuso6 interdependente. Coaduna com essa posição o Princípio 1 da Eco/92 7, em que coloca os seres humanos no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, defendendo uma visão antropocêntrica na proteção jurídica do meio ambiente. Por outro lado, frisa-se que a tendência atual é evoluir para um panorama muito menos centrado na figura do homem, em que a proteção da natureza mereça um substancial aperfeiçoamento. Dentro desse novo paradigma da proteção ambiental, com vistas a preservar os recursos naturais às gerações futuras, pressiona-se um condicionamento humano, político e coletivo mais consciente com relação às necessidades ambientais. Evidentemente a sociedade se vê a cada momento envolvida pela construção de valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a preservação ambiental, bem como, a lidar com que se denominou desenvolvimento sustentável, ou seja, é necessário que haja o equilíbrio entre duas situações antagônicas: de um lado, tem-se a necessidade da preservação do meio ambiente; de outro, o incentivo ao desenvolvimento socioeconômico que deverá primar por uma utilização racional dos recursos naturais. É relevante salientar que a ______________ 4 SIRVINSKAS, 2007, p. 30. LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 70-71. 6 Difuso, a título ilustrativo, tem, como uma de suas características, a indeterminabilidade dos sujeitos, logo, é de fato um direito de interesse anônimo. 7 Princípio 1: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. Rio de Janeiro: Thex, 1995. p. 168. 5 15 questão ambiental não é uma preocupação de um país, mas da comunidade internacional. Esses devem despertar sua para levantarem a bandeira protetiva ao meio ambiente, pois o futuro da humanidade está intimamente ligada à preservação do meio em que vive. 8 O direito positivo brasileiro acompanhando essa tendência trouxe em seu bojo a proteção jurídica do meio ambiente do tipo antropocêntrica - amparada legalmente no art. 225, caput, da Constituição Federal e na Lei n.º 6.938/81 – tendo em vista que esses preceptivos delimitam um direito ao meio ambiente equilibrado, como bem de interesse da coletividade e essencial à sadia qualidade de vida.9 Feitas essas colocações acerca da definição legal do meio ambiente, vem a lume conceituar juridicamente o meio ambiente. A doutrina brasileira prevalece no posicionamento da conceituação globalizante e abrangente, assim como, acepção dada pelo legislador que optou por definir realçando a interação e a interdependência entre o homem e a natureza. Para José Rubens Morato Leite e a maioria dos doutrinadores, o legislador brasileiro acertou ao acoplar “na sua definição de meio ambiente, uma concepção mais atual e vasta, que aceita vários elementos, em oposição ao conceito restrito de proteção aos recursos naturais 10.” Na opinião de José Afonso da Silva conceitua-se meio ambiente como a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.” 11 Fiorillo acrescenta ainda que a definição legal em apreço foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pois a Magna Lex buscou não só tutelar o meio ambiente natural, mas também o cultural, o artificial e o do trabalho. 12 Desta feita, o legislador constituinte preferiu por trazer ao ordenamento pátrio um conceito jurídico indeterminado, com o escopo de ampliar o espaço de incidência da norma. Sendo possível vislumbrar que o legislador brasileiro utilizou a terminologia meio ambiente em vez de ambiente, apenas com o intuito de dar aos textos legislativos uma maior precisão significativa. ______________ 8 FIORILLO, 2007, p. 23. Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 10 LEITE, 2003, p. 80. 11 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 2. 12 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 21. 9 16 1.2 BEM AMBIENTAL Em meio ao trato que nosso ordenamento jurídico destina ao meio ambiente ecologicamente equilibrado concluí-se da previsão constitucional que bem ambiental é aquele de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, logo um bem de natureza jurídica difusa. Para Rui Piva, “trata-se de um bem difuso, um bem protegido por um direito que visa assegurar um interesse transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Há um reconhecimento geral no sentido de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado um bem de uso comum do povo.” 13 Esse bem, embora de uso comum, não se confunde com os denominados bens públicos, muito menos com os bens particulares ou privados. Sob esse enfoque conceitual Maria Helena Diniz define-os como: Bem particular “é aquele pertencente à pessoa natural ou a pessoa jurídica de direito privado”, enquanto o bem público “é o que tem por titular do seu domínio uma pessoa jurídica de direto público interno, podendo ser federal, se pertencente à União, estadual, se do Estado, ou municipal, se do Município”.14 O aludido bem, definido como transindividual, tem como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. A esse bem a norma constitucional atribuiu natureza indivisível, ou seja, o bem ambiental “não pode ser fracionado por sua natureza, por determinação de lei ou vontade das partes.” 15 Com isso, a existência jurídica do bem ambiental está assegurada pela somatória dos elementos constitucionais: bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Na concepção de Fiorillo, “o bem ambiental é, portanto, um bem que tem como característica constitucional mais relevante ser essencial à sadia qualidade de vida, sendo ontologicamente de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais.” 16 ______________ 13 PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 114. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1, p. 394. 15 DINIZ, 1998, v. 1, p. 393. 16 FIORILLO, 2007, p. 63. 14 17 Essa nova realidade jurídica trazida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, demonstra que o legislador constituinte atribuiu tanto ao Poder Público quanto à coletividade a defesa e o uso consciente que importe assegurar às gerações futuras as mesmas condições experimentadas pelas presentes gerações. Esclarece o Texto Constitucional em seus fundamentos da República Federativa do Brasil, enquanto Estado democrático de direito que a saudável qualidade de vida deve ser também pretendida ao se garantir a dignidade da pessoa humana. No entendimento Celso Antonio Pacheco Fiorillo, 17 para que a pessoa possa ter uma qualidade de vida digna é necessário que lhe seja assegurado o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança, ao lazer, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, prec eptivo constitucional do art. 6º, caput.18 Por tudo isso, a Constituição Federal ao anunciá-lo como essencial à qualidade de vida, recepcionou o conceito de meio ambiente estabelecido na Política Nacional do Meio Ambiente (art. 3º, inciso I, da Lei n.º 6.938/81), qual seja, “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” Note-se que a partir da atual Carta Magna criou-se uma nova categoria de bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida. 1.3 O DIREITO DO MEIO AMBIENTE: NATUREZA JURÍDICA O direito ao meio ambiente diz respeito à proteção de interesses transindividuais que ultrapassam os limites da esfera de direitos e obrigações de cunho individual 19. Trata-se da proteção do que se denominou doutrinariamente de interesses difusos, tendo um objeto indivisível e a titularidade indeterminada, posto ______________ 17 FIORILLO, 2007, p. 53. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 19 FIORILLO, 2007, p. 6. 18 18 que seja impossível identificar em uma coletividade quais os integrantes que tenham interesse na manutenção do meio ambiente equilibrado. Depreende-se então, que todos os indivíduos possuem interesses à conservação do meio ambiente equilibrado, embora não haja uma relação jurídica que os una, e sim, uma situação fática que se sobrepõe aos interesses particulares. Buscando um conceito do que seja direito difuso Rodolfo Camargo Mancuso, assim leciona: Os interesses difusos pertencem ao gênero “interesses meta ou superindividuais”, ai compreendidos aqueles que depassam a órbita, latu sensu. Nesse campo, o primado recebia em valores de ordem social, como “o bem comum” a “qualidade de vida”, os “direitos humanos” etc. os conflitos que ai podem surgir trazem a marca da impessoalidade, isto é, discute-se em torno de valores, de idéias, de opções, fazem-se escolhas políticas; não está em jogo a posição de vantagem de A em face de B e, sim, cuida-se de aferir qual a postura mais oportuna e conveniente dentre um leque de alternativas, aglutinadas nos diversos grupos sociais interessados, naquilo que se pode chamar, com a doutrina italiana, “conflitualidade intrínseca”.20 Como bem observou Mancuso, o direito difuso será aquele que se encontra propagado pela coletividade, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo. Vale ressaltar que os direitos coletivos diferem-se dos difusos em razão da possibilidade de se determinar os seus titulares. Atente-se a definição legal dos direitos coletivos stricto sensu, promovido pela Lei n.º 8.078/90, em seu art. 81, parágrafo único, inciso II, o qual preceitua que: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Logo, é factível inferir que há entre esses titulares uma relação jurídica que os unem entre si ou com a parte contrária, ou seja, existirá um direito de cunho coletivo a ser tutelado que identificam quais são os seus titulares beneficiados. ______________ 20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 120. 19 1.4 EVOLUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Apesar de antigo o fenômeno da degradação ambiental, o mesmo vinha sendo tolerado, mesmo com legislações esparsas tratando timidamente do tema, como algo ainda não preocupante e necessário ao desenvolvimento social. Entretanto, na década de 70, a questão ambiental ganha dimensão mundial, e comunidade internacional propõem a diversas nações a necessidade de se debater a construção de uma consciência ambiental pautada nas necessidades da coletividade. No mesmo período, foi realizado a Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente, realizada em Estocolmo, em junho de 1972, dando origem à Declaração sobre o Meio Ambiente, constante de 26 princípios norteadores da postura do homem frente às questões ambientais. A partir de então, passou-se a ter as nações em geral como signatárias desses princípios, inclusive a própria República Federativa do Brasil. Assim, essa declaração abriu caminho para que a legislação brasileira e estrangeira reconhecesse a doutrina protetiva com a promulgação de normas ambientais mais amplas e efetivas. Além disso, alguns movimentos ambientalistas brasileiros ganharem maior expressão em diversas disposições legais acerca da questão ambiental. Por outro lado, antes do Direito Ambiental firma-se no ordenamento jurídico brasileiro e o país ganhar reconhecimento internacional de vanguardista das discussões ambientais, a evolução legislativa do país percorreu vários caminhos até estabelecer uma política ambiental a nível nacional. Diante desse contexto, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin 21 ensina que a evolução da legislação ambiental brasileira se deu em três fases ou momentos históricos, que são a fase de exploração desregrada, a fase fragmentária e a fase holística. O primeiro momento histórico tem-se o intervalo entre o descobrimento e a década de 1930. Nessa fase não existe a preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos protetores de determinados recursos ambientais. O homem-natureza buscava a conquista de novas fronteiras (agrícolas, pecuárias e ______________ 21 BENJAMIN, Antônio Herman. Introdução ao direito ambiental brasileiro. Revista de Direito Ambiental, v. 4, n. 14,1999, p. 50/52. 20 minerarias). Édis Milaré22 aponta que o esbulho do patrimônio natural e a privatização do meio ambiente eram muito comuns nesse período. A legislação era omissa, desprezava os conflitos ambientais em detrimento da economia de exploração. No segundo momento, a fase fragmentária, o legislador passa a ter preocupação com alguns recursos naturais, embora não com o meio ambiente em si mesmo considerado. O Estado determinou controles legais de exploração, mas somente aqueles recursos naturais que pudessem ter algum valor econômico aos interesses comerciários. Essa tutela ao meio ambiente caracteriza-se com dispersa, ou seja, assegura-se o todo a partir das partes, como afirma Antônio Herman V. Benjamin. Finalmente, com o advento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente 23, inicia-se à fase holística, em que o legislador vai além do modelo fragmentário até então experimentado pelo país. A partir desse momento passou a existir do Estado uma intenção de defender integralmente o ambiente que circunda o ser humano. Observe-se que, mesmo antes do advento da Constituição Federal de 1988, a proteção ambiental já era regida pela Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Ademais, havia também o Código Florestal, o Código da Caça, o Código das Águas, o Código de Mineração e outras leis esparsas. E somente com a criação da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, é que as ações civis públicas tornaram-se constantes e eficazes contando com a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em seguida, o legislativo aprovou a Lei n.º 9.605/98 que protege administrativa, civil e penalmente o meio ambiente. O constituinte originário percebendo a necessidade de constitucionalização do tema ambiente, uma tendência mundial, elevou a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao status de direito humano fundamental, impondo a defesa e preservação do meio ambiente tanto ao Estado como aos cidadãos, ampliando os sujeitos de direitos às futuras gerações. Logo, a concretização jurídica no Texto Constitucional de 1988 não só representou um grande avanço e inovação em vários aspectos como o reconhecimento internacional da Carta Magna, apelidada de “Constituição Verde”. ______________ 22 23 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 118. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. 21 Assim sendo, pode-se identificar no texto constitucional vigente direito e deveres ambientais explícitos e implícitos. Para Antônio Herman Benjamin, são explícitos certos direitos incorporados, por exemplo, no art. 225. E implícitos aqueles direitos constitucionalizados que, embora não cuidando de maneira exclusiva ou direta do ambiente, acessoriamente ou por interpretação terminam por assegurar valores ambientais, como direito à vida, à saúde, etc.24 Sob outro enfoque, Herman Benjamin localiza direitos ambientais materiais e outros que têm caráter total ou preponderantemente instrumental. Pertencem àquela categoria os direitos e obrigações com claro conteúdo substancial, por exemplo, o dever de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais” 25 . Instrumentais são os que se prestam à execução ou implementação dos direitos e obrigações materiais, alguns com feição estritamente ambiental como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. 26 Diante desse processo evolutivo, observa-se que há por parte do Estado e sociedade a preocupação quanto ao controle das atividades nocivas ao ambiente, buscando-se o estabelecimento e a aplicação efetiva dessas normas jurídicoambientais. Destaque-se ainda que a verdadeira proteção ambiental no Brasil surgiu com a execução da Lei n.º 6.938/81, pois esse dispositivo afastou-se de todos aqueles outros antecessores, além de incorporar no ordenamento jurídico brasileiro diversos instrumentos preventivos de proteção. ______________ 24 BENJAMIN, Antônio Herman. Manual prático da promotoria de justiça do meio ambiente. São Paulo: IMESP, 2005. v. 1, p. 13. 25 Constituição Federal, art. 225, parágrafo 1º, inciso I. 26 BENJAMIN, 2005, v. 1, p. 14. 22 CAPÍTULO 2 - DIREITO AMBIENTAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 2.1 MEIO AMBIENTE CONSTITUCIONAL – DIREITO FUNDAMENTAL DE 3º GERAÇÃO A doutrina moderna apresenta a classificação de direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira gerações. Todas histórica e cronologicamente reconhecidas pelo Texto Constitucional vigente. Manoel Gonçalves Ferreira Filho identifica, na atual Carta, os direitos fundamentais sob a ótica do titular do direito. Assim, verifica-se que os direitos individuais, de grupo, coletivos e difusos. 27 Nesta linha de pensamento, Celso de Mello acentua em seu voto como Relator: Enquanto os direitos da primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formulações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constitui um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.28 Deste modo, direitos de primeira geração são aqueles que representam a defesa do indivíduo perante as atividades do Estado. Impõe-se a este um dever de abstenção em certas matérias ou domínio da atividade humana. 29 Exemplificam-se como direitos civis e políticos, compreendendo as liberdades tradicionais negativas ou formais. Quanto aos direitos de segunda geração, definidos positivos, reais ou concretos. Alguns doutrinadores entendem que estes reforçam o princípio da igualdade, em que o Estado passa a exercer uma atividade prestacional no sentido ______________ 27 FERREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 100. 28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno – MS n. 22164/SP. Relator: Min. Celso de Mello. Diário da Justiça, 17 nov. 1995. Seção I, p. 39.206. 29 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES, Vidal Serrano Júnior. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 64. 23 de buscar a separação das carências individuais e sociais. A exemplo destes temos os direitos previdenciários, trabalhistas, etc. Por fim, encontram-se no Texto Constitucional os direitos de terceira geração. Definidos como os direitos de liberdade ou fraternidade que integram os direitos difusos e coletivos. Esta definição do que seja direito de terceira geração exige do Estado e da coletividade uma postura positiva, em detrimento da preservação do ambiente para das presentes e futuras gerações. Concatenando com esse pensamento, Paulo Bonavides 30 afirma que os direitos de terceira geração são dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade e tendem a cristalizar-se em quanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Para Daniela A. Rodrigueiro, os direitos de terceira geração [...] reclamam por um meio ambiente equilibrado, saudável, como qualidade de vida; reclamam pelo patrimônio comum da humanidade, progresso, paz, autodeterminação dos povos, reclama pela proteção à infância e à juventude, reclamam enfim pelos direitos dos consumidores.31 Desta forma, cumpre salientar, que a proteção ambiental é inquestionavelmente um direito fundamental de terceira geração, sendo estes direitos de solidariedade e fraternidade que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida. Alexandre de Moraes em seus estudos doutrinários ressalta que a Constituição determina como obrigação do Poder Público a defesa, a preservação e a garantia do ato fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, suscitando a utilização de todos os meios legislativos, administrativos e judiciais necessários à sua efetiva proteção. 32 Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a referida matéria em vários julgados, entre eles: “Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração” (RTJ 155/206). Como se vê, o STF se posicionou favorável a fundamentalidade da proteção do meio ambiente de forma harmônica e integrada. ______________ 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 523 RODRIGUEIRO, Daniela A. Dano moral ambiental: sua defesa em juízo, em busca de vida digna e saudável. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 34. 32 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 26. 31 24 2.2 OS DESTINATÁRIOS DA NORMA CONSTITUCIONAL AMBIENTAL O reconhecimento do direito ao ambiente como um dos direitos fundamentais da pessoa humana foi um importante marco ao constituinte de 1988. Ao mencionar “todos”, no art. 225, o legislador pretendeu transparecer que toda a coletividade tem direito a viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Possibilitando assim, uma abordagem transindividual (direitos difusos e coletivos) para defini-lo. Esse dispositivo constitucional por não estar de forma clara ultrapassa os limites da esfera de direitos individuais, tornando seus titulares indetermináveis. Como acentua Fiorillo, direito difuso é “aquele que se encontra difundido pela coletividade, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo”. Os coletivos, por sua vez, diferem dos difusos em razão da determinabilidade dos titulares 33, ou seja, os interesses são de natureza indivisível, mas abrangem uma determinada natureza ou classe de pessoas, reunidas por uma relação jurídica fundamental, como a agressão do direito pertencente a uma categoria de trabalhadores. Observa-se o que traz Hugo Nigro Mazzilli 34 em seus ensinamentos acerca dos direitos difusos e coletivo: Os interesses difusos compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas. Cabe, também aqui, uma advertência. [...] se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; entretanto, no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação fática subjacente, e sim, da própria relação jurídica viciada que une todo o grupo. Desta forma, os interesses difusos abarcam um grupo de pessoas indefinido sendo que o vinculo que liga esses titulares de direito é uma posição de fato como o direito ao meio ambiente equilibrado. Quanto aos interesses coletivos, direciona-se a determinado grupo ou classe de pessoas que estabelecem uma relação jurídica com partes contrárias, como o que se estabelece no direito do trabalho. ______________ 33 FIORILLO, 2007, p. 9. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 50, 52. 34 25 Pondera Marcelo Abelha Rodrigues 35 seguindo a mesma posição do pensamento de Fiorillo, destaca que os destinatários desses direitos fundamentais são todos os indivíduos, nacionais, estrangeiros residentes ou não no país, apátridas, independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil. Conforme essa corrente, o homem é a razão da tutela constitucional, ele é o centro. E os outros seres serão preservados, pois estão inseridos no equilíbrio do ecossistema. 2.3 DEGRADAÇÃO AMBIENTAIS AMBIENTAL: FATOR GERADOR DAS TUTELAS A consciência ecológica sempre esteve ligada ao princípio de preservação ambiental. O evoluir da história da humanidade mostra que a proteção do meio ambiente se iniciou quando o homem passou a perceber o valor da natureza, como forma de criação divina. Nos dias atuais essa conscientização protetiva acentuou-se, tendo em conta a necessidade de preservar os recursos naturais para as futuras gerações. Assim, discorre Daniela A. Rodrigueiro: [...] o direito ambiental enquanto direito difuso e fundamental, inegavelmente sempre existiu; todavia, com o crescer das chamadas consciências coletivas e o despojar-se dos interesses particulares para consagração dos interesses de grupo é que surgiram as primeiras ordenações sobre a matéria.36 Com o surgimento dessa conscientização coletiva o combate à degradação da natureza ganhou destaque e reconhecimento internacional, por meio das Organizações Não Governamentais - ONGs. Desta maneira, foram criados institutos jurídicos de proteção ambiental, haja vista que o nível de degradação não só atingiu o bem estar, mas também a qualidade de vida humana, podendo em um espaço de tempo comprometer até a sobrevivência das espécies. Édis Milaré, dentro deste enfoque, reconhece que a degradação ambiental está intimamente ligada ao dano ambiental: “Dano ambiental é a lesão aos recursos ______________ 35 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 51/55. 36 RODRIGUEIRO, 2004, p. 53. 26 ambientais com a conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico.” 37 Percebe-se que, a busca pela conscientização ambiental deve ser alcançada a nível internacional visto que a instituição de uma tutela protetiva abrange todo o sistema global. Pondera Daniela A. Rodrigueiro que a tutela da qualidade do meio ambiente, portanto, existe em função da manutenção da qualidade de vida, enquanto forma de direito fundamental da pessoa humana, garantidor da sua própria dignidade. 38 Por conseguinte a Constituição Federal de 1988 abraça o direito à vida impondo ao Estado e a sociedade uma relação de solidariedade na preservação ambiental para as presentes e futuras gerações. Com a declaração de Estocolmo na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, a comunidade internacional viu surgir à conscientização coletiva em prol da proteção ambiental. Caberia complemento sobre declaração de Estocolmo. Tem razão José Afonso da Silva ao afirmar a importância do Direito à vida como balizador da tutela ao meio ambiente: O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: A qualidade de vida. 39 Portanto, a legislação ambiental brasileira ao consagrar o direito à vida busca perpetuar a conscientização coletiva de preservação para as gerações que estão por vir. Estabelecendo assim um dever solidário entre o povo e o Estado na efetividade das tutelas ambientais por meio da Política Nacional do Meio Ambiente que beneficia as atuais e futuras gerações humanas. ______________ 37 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 643. RODRIGUEIRO, 2004, p. 53 39 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros 1996. p. 44. 38 27 2.4 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL A primeira adoção expressa do princípio da precaução no âmbito internacional foi em 1987, na Segunda Conferência Internacional do Mar do Norte: “Emissões de poluição potencialmente poluentes deveriam ser reduzidas, mesmo quando não haja prova científica evidente do nexo causal entre as emissões e os efeitos.” 40 Maria Alexandra de Sousa Aragão sustenta que este princípio deriva do Vorsorgeprinzip, do ordenamento jurídico alemão, que exige a atuação mesmo antes de impor qualquer ação preventiva. 41 Dessa maneira, diante das crescentes mudanças e o início da conscientização ambiental, a nível internacional, criaram-se várias teses a serem utilizadas por doutrinadores para definir e descrever o princípio da precaução como uma forma de proteção ao meio ambiente. Algumas dessas correntes encontraram suas definições na própria Declaração do Rio de 1992 (Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), que buscava inovar por meio de uma parceria com a comunidade internacional, setores da sociedade diretamente ligados à exploração ambiental. Com vistas a efetivar essa cooperação entre os Estados, discutiu-se a edição de acordos internacionais que priorizassem os interesses da coletividade e tutelassem a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, reconhecendo assim à proteção integral e interdependente da Terra. Em especial o princípio 15, trouxe as linhas gerais que instituem a obrigação precautiva para impedir danos ambientais. Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. A legislação ambiental brasileira procurou manter em suas entrelinhas o caráter preventivo, razão pela qual se orienta mais no sentido de proteger preventivamente do que atuar de maneira repressiva. Sabe-se ainda, que grande ______________ 40 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 69. 41 ARAGÃO, 1997, p. 68. 28 parte da degradação ambiental é irreparável, o que reforça a necessidade de conter antecipadamente situações que tem por fim trazer prejuízos ambientais. Em análise minuciosa para desvendar em que consiste o princípio da precaução, Édis Milaré, observa: “é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis”. 42 Como bem acrescenta Cristiane Derani, este princípio “está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana.” 43 Sempre que existir o simples perigo de dano grave ou não reversível, falta de certeza científica absoluta não poderá ser aproveitada como causa para se postergar a escolha de medidas eficazes, a fim de conter a degradação ambiental. Conclui-se então, que a ausência de certezas concretas não impossibilita o dever da sociedade e Estado de atuarem antecipadamente, tendo em conta que os prejuízos ambientais advindos poderão ser irreversíveis para as presentes e futuras gerações. Com efeito, este princípio reforça a regra de que as agressões ao ambiente, uma vez consumados, são normalmente de reparação trabalhosa, incerta e custosa a toda sociedades. Assevera José Rubens Morato, em breve análise, os elementos que evidenciam a importância de se proteger por meio da prevenção do que por medidas paliativas: Assim, deve-se considerar não só os riscos ambientais iminentes, mas também os perigos futuros provenientes de atividades humanas e que eventualmente, possam vir a comprometer uma relação intergeracional e de 44 sustentabilidade ambiental. Por esta forma, a Constituição Federal dá ao meio ambiente aspectos de direito fundamental, concentrando em seu art. 225, instrumentos de proteção e preservação do ambiente que permitam reduzir ou eliminar impactos danosos antes que se estabeleça o nexo de causalidade. Ademais se encontra em consonância ______________ 42 MILARÉ apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito ambiental: o princípio da precaução e sua abordagem judicial. Revista de Direto Ambiental, São Paulo, v. 6, n. 21, p. 92-10, jan.-mar. 2001. 43 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 167. 44 LEITE, 2003, p. 47. 29 com tais ações protetivas, linhas de pensamento no sentido de rejeitar atividades potencialmente danosas tomando-se medidas de gestão da incerteza científica, ainda que, limitando o lucro imediato de alguns setores econômicos. Cabe assinalar que a legislação ambiental não almeja aplicar o princípio da precaução com o intuito de prejudicar o desenvolvimento humano. Na verdade, o que se deve buscar com a implementação desse princípio, tanto na ordem jurídica como legislativa, é a durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e naturais. E mais, esse princípio estaria por desempenhar um papel de grande relevância justamente por definir quando um desenvolvimento é sustentável ou não. Portanto, o princípio da precaução dever ser aplicado sobre o conceito de uso sustentável, atentando-se ao uso do ambiente de maneira que prejudique menos possível e “garanta a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do Homem.” 45 2.4.1 Surgimento na legislação ambiental A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil46 inseriu as bases para adoção de políticas públicas conciliáveis com o desenvolvimento econômico-social e o resguardo efetivo do ambiente ecologicamente equilibrado. Com isso, o legislador dessa nova Lei, reconheceu medidas protetivas tendentes a minimizar os impactos ambientais provenientes da emissão de substâncias poluentes, crescentes em meados dos anos oitenta. Paulo Affonso Leme Machado observa: “indiscutivelmente se tornou obrigação prevenir ou evitar a ocorrência do dano ambiental, quando este pudesse ser detectado antecipadamente.” 47 No entanto, expressamente, ainda não havia no conjunto de preceitos jurídicos do Brasil nenhuma disposição acerca do princípio da precaução. Cabe ressaltar que o princípio da precaução já estava presente no ______________ 45 FIORILLO, 2007, p. 29. BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981. 47 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Mallheiros, 2003. p. 55. 46 30 Direito Alemão desde os anos setenta, ao lado de outros princípios balizadores da proteção precautiva. Com a regulamentação da Resolução n.º 001/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, definiu-se então as primeiras diretrizes gerais de implementação ao estudo de impacto ambiental, vindo posteriormente a oferecer as primeiras interpretações acerca da efetividade do princípio da precaução, até então, implícito nas linhas da resolução. Posteriormente, surgiu à necessidade do legislador dar ao meio ambiente caráter de força normativa a ser gravada na Constituição. Assim, inseriu-se no art. 225, § 1º, inciso V, da Carta Magna, essa nova ordem constitucional garantidora do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Concomitantemente, o legislador infraconstitucional tratou de imprimir no bojo do § 3º, art. 54, da Lei n.ºº 9.605, de 1988, medidas penalizadoras prescritas ao infrator de ações precautivas exigidas pelo Poder Público. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, abarcou, em sua declaração de princípios, o princípio da precaução, assim colacionado como o Princípio 15: De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. A entrada definitiva do princípio da precaução no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu com a realização de duas convenções internacionais assinadas, confirmadas e publicadas oficialmente pelo Brasil, quais sejam: a Convenção da Diversidade Biológica 48 e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 49 Em breves comentários Paulo Affonso Leme Machado compara as duas Convenções e tece algumas conclusões importantes para o estudo em questão: “As duas Convenções apontam, da mesma forma, as finalidades do emprego do princípio da precaução: evitar ou minimizar os danos ao meio ambiente. Do mesmo ______________ 48 Assinada no Rio de Janeiro em 05 de julho de 1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 2, de 03.02.1994, tendo entrado em vigor para o Brasil em 29 de maio de 1994. 49 Assinada em Nova York em 09 de maio de 1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº. 1, de 03.02.1994, no que passou a vigorar para o Brasil em 29 de maio de 1994. 31 modo, as duas Convenções são aplicáveis quando houver incerteza científica diante da ameaça de redução ou de perda da diversidade biológica ou ameaça de danos causadores de mudança do clima”. 50 Dessa forma, o objetivo final será sempre o desenvolvimento sustentável para garantir os direitos aos recursos naturais necessários a sobrevivência humana. 2.4.2 Distinção entre princípio da precaução e princípio da prevenção Um estudo comparado acerca desses dois princípios se torna relevante quando da análise e efetividade da gestão dos riscos ambientais. No entanto, alguns doutrinadores defendem ser desnecessário diferenciá-los no plano constitucional, tendo em conta que o Texto Constitucional não faz qualquer tipo de distinção entre esses dois institutos preventivos, e muitas vezes os tratam como sinônimos. Cumpre, entretanto registrar que “precaução” e “prevenção” guardam semelhanças nas definições dos dicionários. No entanto, há características próprias para cada um dessas acepções fundamentais, conforme o texto da Declaração do Rio de Janeiro/92 e de convenções internacionais. Dessa forma, parte da doutrina ambientalista procurar lecionar no sentido de distinguir esses dois termos, muitas vezes, impressos no estudo do vanguardista Paulo Affonso Leme Machado. Para esse autor, se aplica o princípio da precaução ainda quando existe a incerteza, não aguardando que esta se torne certeza, ou seja, na dúvida, opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente ecologicamente equilibrado (in dúbio pro salute ou in dúbio pro natura). 51 Na mesma linha Cristiane Derani, delimita a extensão do princípio da precaução: “Defesa contra perigo ambiental iminente, afastamento ou diminuição de risco para o ambiente, proteção à configuração futura do ambiente, principalmente com a proteção e desenvolvimento das bases naturais de existência.” 52 ______________ 50 MACHADO, 2003, p. 59. MACHADO, 2003, p. 64-67. 52 DERANI, 1997, p. 165. 51 32 No que tange à efetividade do princípio da prevenção, o perigo iminente deixar de ser potencial, e passa a ser cientificamente comprovado por meio de elementos seguros. “É um conduta racional ante a um mal que a ciência pode objetivar e mensurar que se move dentro das certezas da ciência.” 53 Assim Leme Machado traz o lume cinco itens que deve ser observados e aplicados ao princípio da prevenção: 54 1º) Identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2º) Identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3º) Planejamento ambiental e econômico integrados; 4º) Ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; 5º) Estudo de Impacto Ambiental. Desta feita, o Estado diante da implementação dos instrumentos normativos e da política ambiental poderá agir antecipadamente, pois para que haja ação preventiva é necessária à formação de conhecimento do que prevenir. Cabe ainda ressaltar que a prevenção não é estática, mas sim dinâmica, a todo o momento busca atualizar e reavaliar, para poder influenciar na elaboração das novas políticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário. Consoante Kiss:55 [...] a diferença entre os princípios da prevenção e da precaução está na avaliação do risco ao meio ambiente. Precaução surge quando o risco é alto. Este deve se acionado nos casos onde a atividade pode resultar em degradação irreversível, ou por longo período, do meio ambiente, assim como nos casos onde os benefícios derivados das atividades particulares é desproporcional ao impacto negativo ao meio ambiente. Já a prevenção constitui o ponto inicial para alargar o direito ambiental e, especificamente, o direito ambiental internacional. Por tudo isso, constata-se que há um liame entre esses dois princípios quando estabelecem medidas antecipatórias que inviabilizem situações de agressão ______________ 53 HAMMERSCHIMIDT, Denise. O risco da sociedade contemporânea e o princípio da precaução no direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 8, n. 31, jul.-set. 2003, p. 147. 54 MACHADO, 2003, p. 73. 55 KISS apud LEITE, 2003, p. 50. 33 ambiental. Portanto, a atuação precautiva, tal como a preventiva sempre buscara soluções antecipatórias, ou seja, em caso de dúvida ou ante a falta de evidência científica, se deve agir prematuramente, buscando sempre provar a real necessidade da atividade de desenvolvimento e os potenciais de risco ou perigo, como preconiza o princípio da precaução. E diante da certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido como determina o princípio da prevenção. Por outro lado, é importante reafirmar que a tarefa de atuar preventivamente de ser vista como uma responsabilidade compartilhada, exigindo uma atuação de todos os setores da sociedade, inclusive do Estado e a coletividade, ou seja, cada “um dos seres humanos, individual e socialmente considerados.” 56 2.4.3 Linhas de concretização Acerca do princípio da precaução, observa-se que este tem dentre seus alicerces dois pressupostos de aplicabilidade imediata que merece atenção: primeiro a falta de evidência científica e em segundo a possibilidade de que as condutas humanas causem danos às gerações futuras quando das situações potencialmente danosas ao habitat dos seres vivos. Trabalha-se então com um risco que não se pode medir e nem avaliar, visto que, a lógica a ser aplicada amplia o foco da incerteza e reforça o dever de prudência. Diante da imprecisão quanto à aplicação do princípio da precaução, Freitas Martins57 identifica sete idéias fundamentais de concretização deste, a seguir enumeradas. I. “Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência.” Note-se que no primeiro momento a doutrinadora buscou enfatizar um dos pilares do princípio da precaução, comentando o dever de atuação ante a falta de ______________ 56 A expressão é de Antônio Herman Benjamin. Introdução ao direito ambiental brasileiro. In: ______. Manual prático da promotoria de justiça do meio ambiente. São Paulo: IMESP, 2005. v. 1, p. 12. 57 MARTINS apud HAMMERSCHIMIDT, Denise. O risco da sociedade contemporânea e o princípio da precaução no direito ambiental. Seqüência: revista do Curso de Pós-graduação em Direito da UFSC, v. 23, n. 45, p. 113-117, dez. 2002. 34 evidência científica. Daí a importância que se dá a gestão dos riscos ambientais quando houver alguma prova de que a atividade desenvolvida ameace causar danos irreparáveis. Acrescente-se ainda, que essa medida preventivo-antecipatória se torna em longo prazo menos onerosa para a sociedade e menos nociva ao ambiente. II. “Inversão do ônus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada atividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os riscos a ela associadas são aceitáveis.” Procedimentalmente, o princípio da precaução impõe sobre aqueles que desejam empreender uma ação, o ônus da prova de que ela não prejudicar á o ambiente. Tal obrigação deve evidenciar que a atividade considerada não é potencialmente danosa ao meio ambiente, ainda que alterando o status quo ambiental. Esta interpretação exigiria que infratores e Estados poluidores estabelecessem que suas atividades e a liberação de determinadas substâncias não afetariam adversa ou significativamente o meio ambiente, antes da concessão do direito de liberar substâncias poluidoras ou realizar a atividade proposta. 58 Assim sendo, a entidade ou Estado interessado em empreender ou continuar determinada atividade deve provar que ela não resultará em prejuízos, em vez de se ter que provar que haverá danos ambientais. 59 III. “In dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum.” Este princípio pressupõe uma conduta genérica in dubio pro ambiente, ou seja, o ambiente sempre irá prevalece sobre uma atividade de perigo ou risco, ainda que não haja certeza científica sobre elo de causalidade e os seus efeitos. Sabe-se que a incerteza científica é inerente a todas as atividades ambientais, entretanto prima-se por uma abordagem precaucionária amplamente aplicável quando subsistirem possibilidades de dano aos direitos do homem ou ao meio ambiente. Caliess, 60 citado por Freitas Martins, acrescenta que os argumentos a favor ou contra um determinado projeto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses econômicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do ______________ 58 SANDS apud VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros. Principio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 37. 59 WOLFRU apud VARELLA; PLATIAU, 2004, p. 25. 60 CALIESS, 1997 apud HAMMERSCHIMIDT, 2002, p. 115. 35 ambiente (in dubio contra projectum), conferindo-se prioridade à prognose negativa sobre a prognose positiva. Observe-se, ainda, que a Declaração do Rio em seu princípio 15 enfatiza esses argumentos esboçados por meio de duas premissas: o dano ambiental tem de ser irreversível e as medidas a serem tomadas devem ser economicamente viáveis, ou seja, é preciso que se atente a ponderação dos custos e benefícios da degradação e sua redução. A Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima preconiza que “as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível”. Afirma Philipe Sands: “para que o princípio da precaução seja aplicado, a ameaça ao meio ambiente deve ser “séria” ou “irreversível”, mesmo que ainda não haja nenhuma limitação com base na viabilidade econômica das medidas, que não devem ser adiadas.” 61 IV. “Concessão de espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância ambiental não devem ser forçados, ainda menos transgredidos.” Essa ideia fundamental trata, especificamente, da efetivação de mecanismos que proporcionem um limite de segurança quando da fixação de valores para reprimir circunstâncias de risco desconhecidas e de normas de qualidade que os administrem. Ou seja, o princípio da precaução deverá ter como plano de atuação níveis de tolerabilidade os quais se compatibilizem com os que a sociedade pode suportar. Cumpre ainda destacar que a autoridade pública por meio de seus órgãos competentes determinará quais são os níveis de risco aceitável para a sociedade. Como adverte Paulo de Bessa Antunes, ao definir o “princípio do limite”, apoiado na instrução do art. 225, §1º, inciso V, da Constituição Federal: “é o princípio pelo qual a Administração tem o dever de fixar parâmetros para as emissões de partículas, de ruídos e de presença a corpos estranhos no meio ambiente, levando em conta a proteção da vida e do próprio meio ambiente.” 62 Segundo Freitas Martins o princípio da precaução concretiza-se, então, na fixação de limites de segurança tão baixos quanto possíveis, critério que envolve a adoção das melhores tecnologias disponíveis, disposição de meios técnicos e humanos aptos a fornecerem uma indicação precisa dos níveis de qualidade, a ______________ 61 62 SANDS apud VARELLA; PLATIAU, 2004, p.32 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 37. 36 sujeição do desenvolvimento de atividades que apresentem riscos para o ambiente a procedimento de controle e monitorização e, naturalmente, a formação e sensibilização dos agentes econômicos para os riscos ambientais e sua gestão.63 V. “Exigência de desenvolvimento e introdução de melhores técnicas disponíveis.” Pode-se observar que a aplicação do princípio da precaução sugere também um nível de proteção desejado por meio do uso da melhor tecnologia disponível e das melhores práticas disponíveis, para reduzirem a degradação ambiental. Assim, Freitas Martins procurou demonstrar a necessidade do uso de meios alternativos de proteção que coadunem com padrões exigidos de sustentabilidade. Desta forma, compreendido a obrigação do uso da melhor prática ou tecnologia disponível, é dever dos Estados substituírem atividades ou substâncias prejudiciais por atividades ou substâncias menos poluentes, direcionando assim o exercício da boa prática ambiental.64 Logo, os objetivos a serem alcançados é o uso de métodos e técnicas operacionais limpos, que conservem e preservem os recursos naturais ou que minimizem ao máximo quaisquer impactos adversos no ambiente. VI. “Preservação de áreas e reservas naturais e a proteção das espécies.” A sexta idéia fundamental a ser enfrentada é a concessão de uma margem aos sistemas ecológicos para funcionarem em total liberdade, e que tenha por objetivo prevenir lesão a bens ambientais estratégicos. Com efeito, o princípio da precaução estaria por garantir a potencialidade e sensibilidade da diversidade genética dos processos ecológicos essenciais e dos sistemas em que se sustenta a vida na Terra. Destaque-se ainda o exemplo citado pela notável autora, acerca da recente invocação do princípio da precaução que constitui o fundamento para o nãolevantamento da moratória na caça às baleias em vias de extinção, por se entender que, no atual estágio de conhecimentos, ainda não foi demonstrado que esta espécie encontra-se fora de perigo. 65 ______________ 63 MARTINS apud HAMMERSCHIMIDT, 2002, p. 116. Previsto na Agenda 21, seção 19.44. 65 MARTINS apud HAMMERSCHIMIDT, 2002, p. 117. 64 37 VII. “Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade.” Por fim, a autora trata da contribuição inestimável de novas pesquisas no tratamento de incertezas científicas, mediante o estabelecimento de mecanismos oficiais de informação sobre os níveis de riscos. Assim, os riscos ambientais, deverão ser geridos por entidades ou Estado que busquem a implantação de atividades utilizadoras de recursos ambientais disponíveis. As políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais serão precedidas de estudos de avaliação do impacto ambiental, os quais podem constituir um relevante instrumento do princípio da precaução, na medida em que contribuírem para assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível. 66 Diante dessa análise, o estudo prévio de impacto ambiental, se destaca como um instrumento de extrema relevância para o princípio da precaução, tendo em vista ser um dos mais significativos instrumentos de compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação do meio ambiente. Por último, entende grande parte dos estudiosos de direito ambiental que havendo incerteza em relação à possibilidade futura de dano ao homem e ao meio ambiente, a solução deve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucro imediato, por mais atraente que seja para as gerações presentes. ______________ 66 MARTINS apud HAMMERSCHIMIDT, 2002, p. 117. 38 CAPÍTULO 3 - AVALIAÇÃO PRÉVIA DE IMPACTO E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE AMBIENTAL 3.1 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EPIA Demonstrada sua existência na atuação preventiva do dano ambiental, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental constitui um dos mais importantes instrumentos de proteção da política nacional do meio ambiente. Esse instrumento com características marcadamente administrativo e preventivo foi elevado a nível constitucional após um longo processo de amadurecimento do poder legislativo brasileiro. Iniciado pela Lei n.º 6.803, de 3 julho de 1980, que cuida das “diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição”. Seu campo de aplicação era, portanto, bastante limitado, cobrindo apenas áreas críticas de poluição e, nestas, regulando somente as zonas de “uso estritamente industrial”. 67 Sobreveio a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981) introduziu de forma expressa, a avaliação de impactos ambientais, em seu art. 9º, inciso III, entes eles o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. “A partir desse diploma legal o EPIA adquire alcance imensamente mais extenso do que previsto anteriormente na Lei n.º 6.803/80”.68 Em seguida, o Decreto n.º 88.351, de 1° de Junho de 1983, ao regulamentar a Lei n.º 6.938/81, também tratou expressamente da matéria em questão. Com fundamento nessa lei, o Conselho Nacional do Meio Ambiente 69 baixou a Resolução 001/86, regulamentando o instituto do estudo de impacto ambiental (EPIA). Essa resolução definiu impacto ambiental, alistou as principais atividades industriais sujeitas à realização do estudo de impacto ambiental, diretrizes e atividades técnicas ______________ 67 BENJAMIN, 2005, v. 1, p. 22. BENJAMIN, 2005, v. 1, p. 22. 69 Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão consultivo e deliberativo, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que tem sua finalidade delimitada pela Lei n.º 6.938/81, art. 6º dispõe que o CONAMA tem por finalidade assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. 68 39 do EPIA, a elaboração por equipe multidisciplinar, as despesas e, finalmente, o acesso público ao iter.70 E por derradeiro, essa resolução foi alterada pela Resolução n.º 237, de 19 de dezembro de 1997, ampliando o rol exemplificativo das atividades que devem submeter-se ao estudo prévio de impacto ambiental. Ademais, cabe destacar que o presente estudo será realizado e posteriormente divulgado junto com o relatório de impacto ambiental – RIMA. Esse relatório tem por finalidade precípua informar de forma clara e acessível à sociedade todo o estudo técnico feito no EPIA. Assim, em respeito ao princípio da informação ambiental, o RIMA deverá retratar fielmente o conteúdo do estudo, de modo compreensível e menos técnico. 3.1.1 Conceito e destinação A implantação de qualquer atividade potencialmente degradadora que possibilite algum tipo de reflexo direto ou indireto sobre a qualidade ambiental, ou como bem definiu a Constituição Federal sobre o “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, deve sujeitar-se a uma análise minuciosa dos seus impactos e um controle prévio eficaz. Para que haja a realização do EPIA é preciso definir preliminarmente impacto ambiental. Assim, impacto (do latim impactus) significa “choque” ou “colisão”;71 vem do particípio passado do verbo impingere, com o sentido de impingir ou forçar contra. Na terminologia do Direito Ambiental, a palavra aparece também com esse sentido de choque ou colisão de substâncias (sólidas, líquidas ou gasosas), de radiações ou de formas diversas de energia, decorrentes da realização de obras ou atividades, com danosa alteração do ambiente natural, artificial, cultural ou social. 72 O conceito normativo encontra-se descrito na Resolução n.º 001/86, em seu art. 1º, com seguinte redação: “considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por ______________ 70 BENJAMIN, 2005, v. 1, p. 23. MACHADO, 2003, p. 214. 72 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Avaliação de impacto ambiental no direito brasileiro. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 12, n. 45, 1988, p. 72. 71 40 qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem- estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais. Por sua vez, “o impacto ambiental é toda intervenção humana no meio ambiente causadora de degradação da qualidade ambiental. Pode ser um impacto positivo (ação que resulta na qualidade ambiental) ou negativo (ação que resulta em danos à qualidade de vida). Diante disso, sociedade e Estado devem primar por uma intervenção que estimule os impactos positivos. Assim sendo, o estudo prévio de impacto ambiental nada mais é do que a avaliação, através de estudos realizados por uma equipe técnica multidisciplinar, da área onde o postulante pretende instalar a indústria ou exercer atividade causadora de significativa degradação ambiental, procurando ressaltar os aspectos negativos e/ou positivos dessa intervenção humana.” 73 Em suma, “é um estudo de prováveis modificações nas diversas características socioeconômicas e biofísicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto.” 74 Neste viés, urge destacar que nenhum outro instrumento jurídico melhor encarna a vocação preventiva do Direito Ambiental do que o EPIA. “Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano, antes de sua manifestação, que se criou o EPIA. Daí a necessidade de que o EPIA seja elaborado no momento certo: antes do início da execução, ou mesmo de atos preparatórios, do projeto.” 75 Édis Milaré leciona em seus estudos que os objetivos alcançados pelo estudo prévio de impacto ambiental devem se sujeitar a três condicionantes básicos: a transparência administrativa, a consulta aos interessados e a motivação da decisão ambiental. 76 ______________ 73 FIORILLO, 2007, p. 122-123. JAIN Et Al. apud MILARÉ, Édis. Direito ambiental: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 493. 75 BENJAMIN, Antônio Herman. Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 88, n. 317, 1992, p. 30. 76 MILARÉ, 2005, p. 493. 74 41 A transparência administrativa considera os efeitos ambientais de um determinado projeto, alcançada no momento em que o órgão público e o proponente liberam todas as informações de que dispõe respeitado apenas o sigilo industrial. A consulta aos interessados “consiste na efetiva participação e fiscalização da atividade administrativa por parte da comunidade, a ponto de poder exprimir suas dúvidas e preocupações antes que seja muito tarde.” Milaré, afirma que não basta somente a transparência da atividade administrativa, é fundamental a participação da sociedade na defesa do interesse público seja satisfeita e para que também não haja decisões ambientais arbitrarias. E por último, faz menção à motivação da decisão ambiental que vem a ser a exposição dos motivos que determinaram a prática do ato. Ademais, consoante Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ensinam o fundamento da exigência de motivação é o princípio da transparência da Administração Pública (que deriva do princípio da publicidade). De forma mais ampla, a cidadania fundamenta a exigência de motivação, uma vez que esta é essencial para assegurar o efetivo controle da Administração, inclusive o controle popular. 77 Michel Prieur citado por Édis Milaré 78 delimita o ponto cerne do estudo de impacto ambiental, qual seja: evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental, expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar (mieux vaut prevenir que guérir). Por tudo isso, confirma-se a necessidade de que o EPIA seja realizado no momento anterior a implementação efetiva da obra ou atividade, ou até mesmo antes dos atos preparatórios do projeto a ser desenvolvido. O seu status de preceptivo constitucional dada pelo legislador originário teve como escopo resguardar preventivamente o meio ambiente – direito humano fundamental - da ação potencialmente causadora de degradação ambiental. ______________ 77 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2008. p. 408-409. 78 PRIEUR, 2004, p. 71 apud MILARÉ, 2005, p. 197. 42 3.1.2 Função e natureza Leme Machado traz em sua obra o esboço da utilidade do estudo prévio de impacto ambiental. Para o autor as verificações e análises desse estudo terminam por um juízo de valor, ou seja, uma avaliação favorável ou desfavorável ao projeto em questão. Reforça ainda, que nenhuma avaliação prévia poderá abster-se de emitir uma avaliação do projeto. O objetivo desse procedimento administrativo de avaliação é dar suporte consistente de informação “às Administrações Públicas, de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior.” 79 De acordo com esse pensamento Nelson Bugalho acrescenta que a natureza do EPIA é de “um procedimento público, muito embora não realizado por nenhum órgão da Administração Pública, mas por esta exigida.” 80 Isto é, na prática a Administração Pública exige a realização e apresentação do estudo, entretanto a elaboração do documento é realizada por equipes multidisciplinares. Por fim, conclui-se que esse é um procedimento público, ou seja, não é possível um estudo privado efetuado por uma equipe multidisciplinar sob a encomenda do proponente do projeto, tendo em conta que é imprescindível a intervenção inicial do órgão público ambiental competente para tal ato desde os atos preparatórios. 3.1.3 Competência para exigir o EPIA A exigência do estudo prévio de impacto ambiental no Brasil foi entregue aos órgãos estaduais competentes, exceto os casos de expressa competência federal, da competência do IBAMA, ou de exclusivo interesse local, de responsabilidade dos órgãos municipais. ______________ 79 80 CHAMBAULT apud MACHADO, 2003, p. 209. BUGALHO, Nelson. Estudo prévio de impacto ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 14, n. 15, p. 18-33, jul./set. 1999. 43 O órgão público estadual que tem competência para exigir das atividades econômicas ou obras potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental o estudo prévio de impacto ambiental, conforme reza o art. 10 da Lei n.º 6.938/81, e 17 e s. do Dec. n.º 99.274/92). Cabe ressaltar que os Municípios também poderão exigir o estudo prévio e de impacto de acordo com seu peculiar interesse, segundo o art. 6º da Resolução n.º 237/87 do CONAMA. 81 Édis Milaré tecendo comentário acerca dessa distribuição de competências em matéria de gestão ambiental afirma que a desconfiança da eficiência das estruturas ambientais, tanto em âmbito institucional quanto político, fez com que o legislador concedesse ao CONAMA competência para “determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados [...]”.82 Por essa razão é que o órgão público federal (IBAMA) exige, muitas vezes, em caráter supletivo o estudo prévio de impacto ambiental como forma de afastar preliminarmente o risco de deterioração significativa da qualidade ambiental. Ainda que haja um federalismo cooperativo para a solução de interesse comum, inexiste atualmente o poder de revisão dos atos do Estado pela União, assim como dos atos dos Municípios pelos Estados, conforme prescreve o art. 18, da Constituição Federal. Por essa forma, caberá ao Ministério Público (ou qualquer outro legitimado por lei), como tutor dos interesses coletivos e individuais indisponíveis, atuar no sentido de garantir a realização do estudo prévio de impacto ambiental. 83 3.3 INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO DIANTE DAS INCERTEZAS DE DANO AMBIENTAL 3.3.1 O papel do Ministério Público na defesa do meio ambiente ______________ 81 SIRVINSKAS, 2007, p. 124-125. Art. 8º, II, da Lei n.º 6.938/81 83 MILARÉ, 2005, p. 505. 82 44 O reconhecimento da defesa do meio ambiente na Constituição Federal de 1988 enquadrou-se ao âmbito de atribuição84 do Ministério Público quanto à tutela dos interesses difusos. Segundo define o art. 127 da Carta Magna, o Parquet é respeitado como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Instituição voltada à representação judicial dos interesses sociais o Ministério Público tem grande responsabilidade na preservação ambiental como parte legítima que vela por interesses sociais. Com isso, esse órgão parcialmente ligado à estrutura do poder estatal tornouse referência em representação dos interesses coletivos, pois a Lei Maior lhe assegurou independência funcional, autonomia e legitimidade investigatória, consolidando-o como, uma instituição essencial ao regime democrático e à justiça ambiental. No fim da década de 80, momento de grande mobilização social foi que se fez o uso da Lei n.º 6.938/81, instituindo a política de proteção ao meio ambiente que passou a ganhar novas vertentes, quais sejam: a responsabilidade do poluidor, mesmo que não haja culpa na conduta, e a atribuição ao Ministério Público diante da faculdade de propor ações judiciais de natureza civil com a finalidade de evitar ou reparar danos ambientais. Ainda neste sentido, foi instituída pelo legislador infraconstitucional a Lei n.º 7.347/85 que resguarda ao Ministério Público Federal ou Estadual, a disciplina processual da ação civil pública e do inquérito civil. Essa lei, diferentemente das anteriores, previu um poderoso instrumento administrativo exclusivo do Órgão Ministerial, que o instaura e preside, e a finalidade é de verificar a ocorrência potencial ou não de danos ao ambiente. Assim cabe salutar que a própria Carta Magna vigente, a par de manter a titularidade concorrente do Ministério Público para a ação civil pública ambiental, ______________ 84 Segundo De Plácido e Silva, “... atribuição” tem “a significação de prerrogativa, privilégio, competência. É tido, também, no sentido de concessão: atribuição de aposentadoria. E, sendo assim, representa: a) a soma de poderes outorgados ou conferidos à pessoa para que validamente pratique certos e determinados atos; b) competência conferida à pessoa, investida em função de cargo público, dentro da qual, criada a sua alçada, possa exercer as suas atividades. Pela soma de atribuições, então assinaladas, conhecem-se os poderes que lhe são dados e, assim, limita a órbita de suas funções, dentro da qual se acentua a legalidade e procedência de seus atos.” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.). 45 ainda alargou o objeto da ação popular, admitindo-a agora não só para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe como também para anular ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Assegurou-se que todos têm direito ao meio ambiente devidamente equilibrado, bem comum do povo e essencial à s adia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Poderá também, o representante do órgão ministerial celebrar acordos extrajudiciais, em matéria ambiental, de modo a desafogar o já saturado aparelho judiciário. Atualmente, tem se utilizado bastante do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC 85, esse recurso extrajudicial tem por escopo promover uma solução consensual antes de eventual propositura da ação civil pública. Com a pactuação desse termo de ajustamento se obterá um título executivo extrajudicial, além da possibilidade do degradador do dano adaptar-se as normas legais vigentes, evitando a morosidade das demandas judiciais. Diante de toda essa transformação colocou-se o Brasil entre os países pioneiros, na tutela ambiental, ao instituir novas funções constitucionais ao Ministério Público, fazendo deste a instituição mais bem conceituada na defesa, dos interesses sociais, difusos e coletivos, na ordem civil. A mudança na legislação foi fruto de uma nova realidade brasileira, e trouxe com sua implantação mudanças inovadoras diante das questões ambientais. O Ministério Público passou então a desempenhar um papel definitivamente decisivo quando nesta mesma época, o Estado já se apresentou incapaz de destinar melhores recursos e materiais para melhor firmação dos órgãos fiscalizadores. Como bem assevera Édis Milaré, [...] a existência secular do Direito pátrio de normas de proteção ao ambiente não se constituiu historicamente em óbice à escalada de degradação do nosso patrimônio natural. O desrespeito a essa legislação era compreensível em razão de dois fatores básicos: a ausência de uma consciência social quanto ao problema ecológico e a falta de imperatividade do comando legal, decorrente sobretudo da conhecida ineficácia dos 86 aparelhos de fiscalização do Estado. ______________ 85 Esse instituto jurídico foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio por meio das seguintes leis: Lei n.º 8.078/90, art. 211 – Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei n.º 8.069/90 – Código de Defesa do Consumidor 86 MILARÉ, 2005, p. 241. 46 As inovações legislativas já citadas trouxeram para a esfera judicial uma parte muito importante, que foi o enfrentamento da conscientização da sociedade por meio da força coercitiva das normais ambientais. Diante desse processo de aperfeiçoamento foi que o Ministério Público passou a desempenhar esse papel determinante, criando órgãos especializados de proteção ao ambiente e compostos por promotores de justiça altamente qualificados e engajados na defesa de direitos difusos. Além disso, esses órgãos foram instituídos para adotar a iniciativa de promover administrativamente, ações cautelares para prevenir ações civis públicas com o intuito de reparar danos ambientais. Com a publicidade alcançada e os resultados positivos referente às primeiras medidas judiciais, a demanda aos serviços do Ministério Público aumentou significativamente. Foi então que se confirmou a imagem do promotor justiça do Meio Ambiente como instância, eficaz na resolução de denúncias a danos ambientais. E é observando milhares de ações propostas que se pode confirmar que a tutela jurisdicional deixou o meio acadêmico e se tornou realidade, disponível ao alcance social, razão pela qual a sociedade civil tem na figura do representante do Ministério Público o caminho que se mostra eficaz a alcançar essa tutela dos direitos coletivos potencialmente vulneráveis ao poderio econômico representado pelo capital. Por tudo isso, é nítida e plausível toda essa importância dada pelo legislador constituinte ao órgão ministerial brasileiro, e por sinal vanguardista em relação às instituições do mesmo gênero no mundo. Isto porque, são diversas as medidas intentadas pelo Ministério Público Brasileiro que tiveram relevância na proteção do meio ambiente, na esfera judicial. Ademais, tais circunstâncias demonstram que atuação ministerial desfaz antigos conceitos de impunidade para aqueles que degradavam inconscientemente o patrimônio natural e não eram apenas com medidas coercitivas. 3.3.2 Atuação do Poder Judiciário na remoção do ilícito ambiental 47 O Poder Judiciário, um dos três poderes existentes do Estado democrático de direito, tem por finalidade dirimir conflitos com base no sistema legal vigente, possibilitando assim, a garantia dos direitos individuais e da sociedade. Sua estrutura organizacional encontra-se expresso na Constituição Federal em seu art. 92 e seguintes. A esse poder estatal foi reservado à apreciação da tutela ambiental, vez que, será por meio dele que a sociedade civil tornará efetivo o exercer da cidadania em prol do meio ambiente. E para que a sociedade brasileira pudesse receber informações sobre as diversas intervenções que atinjam o meio ambiente, foi introduzindo no ordenamento jurídico medidas judiciais fundadas no princípio da democracia, como a ação popular e a ação civil pública, este forma de superar todas as lacunas até então existentes na processualista brasileira. Com a edição da Lei n.º 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, o processo judicial deixou de ser um mero instrumento de tutela de interesses individuais, para então servir também de efetivo mecanismo para as tutelas dos interesses transindividuais. Com advento do Código de Defesa do Consumidor, a ordem jurídica que tutela os interesses e direitos transindividuais, se modernizou trazendo à flama toda relevância social do Poder Judiciário na apreciação das ações coletivas em defesa do meio ambiente. E o que se espera dos juízes brasileiros “é a sensibilidade a esses valores e à gravidade da missão que lhes dá a ordem jurídica de dizer a última palavra em casos de alegada lesão”. 87 Serão responsáveis por darem um fim aos conflitos ambientais e criarem precedentes judiciais, que sejam referências para a promoção de normas mais efetivas, e desta forma orientar e servir de diretrizes para teses jurídicas e julgados concretos que representem a vontade legal. E nas palavras de Édis Milaré: [...] as decisões dos Magistrados assumem posição fundamental não apenas para as decisões de litígios que envolvam o Meio Ambiente como bem jurídico, mas também na construção de cidadania, e no impulso da 88 democracia participativa. ______________ 87 DINAMARCO, Cândido Rangel. O poder judiciário e o meio ambiente. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 631, n. 77, maio 1988, p. 28. 88 ANTUNES, 2001, p. 475. 48 Logo, a visão desses magistrados deverá englobar ao mesmo tempo o saber jurídico, socioeconômico e ecológico, isto porque, as questões ambientais se transformam e evoluem conforme as ansiedades da sociedade. Além disso, os temas ambientais demandam uma complexidade conceitual e operacional inerentes ao desenvolvimento sustentável. Analisando ainda essa atuação do Poder Judiciário Milaré apresenta a dicotomia que a magistratura brasileira enfrenta ao se deparar com situações concretas no exercício funcional das varas e tribunais: Na tutela jurisdicional do meio ambiente pode o juiz defrontar-se com duas posições geralmente antagônicas, que não atendem à necessidade social de desenvolvimento sustentável. De um lado, a defesa cega de determinados bens ambientais, numa visão reducionista e eivada de insensibilidade ante o imperativo de avanços econômicos e sociais. De outro, as falácias que mascaram a inviabilidade ecológica de empreendimentos, estes sim insensíveis à preservação a qualidade ambiental e dos recursos naturais necessários às presentes e futuras gerações. Diante de tudo isso, o magistrado deverá cultivar no exercício de suas atribuições a imparcialidade em busca de decisões acertadas e justas, principalmente quando for decidir entre posições antagônicas, conflitantes sobre questões ambientais, em que por um lado manifesta-se a força de movimentos e instituições ambientalistas radicais, e do outro lado representantes de interesses meramente econômicos. Muitos são os interesses a conciliar, no amplo espectro dos direitos constitucionais, como a propriedade, a livre iniciativa, o empreendimento, a qualidade de vida com todos os seus fatores e componentes, a informação, e assim por diante. “O Direito Ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. Mais do que um solucionador de conflitos interindividuais, é ele um administrador de situação controvertida. É um construtor da cidadania, um impulsionador da democracia participativa e estimulador do crescimento da dignidade humana até a plenitude possível”, essa é a tese de José Renato Nalini.89 Ainda inserido nesse contexto, Édis Milaré cita em sua obra Kazuo Watanabe. Este com a sua percepção demonstra a vital importância do aperfeiçoamento e atualização dos magistrados brasileiros ao lidar com os desafios rotineiros que o tema resplandece. ______________ 89 NALINI, José Renato. Ética e justiça. 2. ed. Campinas: Millenium, 2003. p. 86. 49 [...] é o recrutamento mais aprimorado de juízes e seu permanente aperfeiçoamento cultural, face à crescente complexidade das relações sociais, transformações sociais rápidas e profundas, criação assistemática de leis que privilegiam mais a eficácia de planos econômicos do que a eqüidade e a justiça das relações jurídicas, a crescente administrativização do direito que é utilizado como instrumento de governo, economia de massa a gerar intensa conflituosidade, configuração coletiva dos conflitos de interesses relativos a relevantes valores da comunidade, como meio 90 ambiente e outros interesses difusos. Assim é importante salientar que a ciência jurídica está intimamente ligada a essa busca pela visão humanista e interdisciplinar pelos juízes no exercício da magistratura. A relevância do meio ambiente ecologicamente equilibrado é cada vez maior e sentida pela sociedade, tendo em vista que o Estado-Administrador muitas vezes se mostra inoperante perante as agressões ambientais. Mesmo com todo o respaldo legal que a legislação ambiental brasileira atribuiu aos órgãos executivos, é cada vez maior a presença da matéria ambiental no judiciário, em especial, aquelas ações que versem sobre a omissão do Estado no controle ambiental das atividades potencialmente poluidoras. Por isso mesmo, é de extrema relevância que os juízes e desembargadores entendam a complexidade e a dimensão das ações ambientais, não bastando apenas serem tecnicistas do Direito Ambiental como muitos. Embora o Poder Judiciário brasileiro tenha resultados satisfatórios na solução da questão ambiental, a excessiva intervenção desse poder em material ambiental, atualmente bastante discutida no Brasil, tem comprovado que a proteção ambiental feita por órgãos administrativos ambientais, em face da constante preferência judiciária, perde a função típica de agente de implantação das políticas ambientais e o transforma em mero executor de decisões judiciais, ou do Ministério Público. Desta forma, esses órgãos passariam a ser somente meios de condução das políticas determinadas pelo Poder Judiciário por provocação dos representantes do Parquet. Embora concorde com o exposto acima Paulo de Bessa Antunes acredita que a intervenção em questões ambientais em nosso país tem sido até pequena e, em grande parte dos casos, as posições governamentais têm sido mantidas, pelo menos na instância do Supremo Tribunal Federal, que raramente tem negado legitimidade à ação administrativa. 91 ______________ 90 MILARÉ, Édis. Ação civil pública: Lei 7.347/85 – Reminiscência e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995. p. 327. 91 ANTUNES, 2001, p. 480. 50 Logo, cabe também observar que a tendência crescente das questões ambientais tem chegado às instâncias superiores e até mesmo sendo objeto de análise dos membros do Supremo Tribunal Federal, seja pelo tramite da ação direta de inconstitucionalidade, seja pelo caminho da Reclamação (avocatória) ou dos Recursos Extraordinários. Por meio dessas vias jurídicas é que a justiça ambiental espera alcançar a efetividade e concretude das decisões judiciais que primam por um desenvolvimento sustentável. Parece cada vez mais claro que, ante as enormes repercussões políticas, econômicas e sociais que as questões ambientais demandam, elas necessitem cada vez mais de decisões uniformes e que possam ter validade para uma base territorial mais ampla e, até mesmo, nacional. 92 Dá-se importância também à Justiça Federal e Justiça dos Estados por serem mais abrangentes e efetivos no processar e julgar da matéria ambiental que rotineiramente abrange inúmeras situações da mais diversa natureza. Assim sendo, tem-se em nível nacional os órgãos que podem resguardar a proteção ambiental, quais sejam o STF e o STJ. Enquanto que as demais medidas, não concedidas expressamente aos juízes e tribunais, serão de competência das Justiças Estaduais. 3.4 EPIA COMO PRECAUÇÃO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA A aplicabilidade do princípio da precaução está intimamente ligada com o estudo prévio de impacto ambiental que algumas atividades exigem. Ainda que parte da doutrina lecione no sentido de afirmar que o estudo em questão deva ser usado tanto no princípio da prevenção como no da precaução, é importante observar que o correto seria utilizá-lo antes de qualquer atividade potencialmente degradadora, no sentido de que a prudência é o melhor caminho a ser seguido. Da mesma maneira, a declaração do Rio de Janeiro/92 aconselhou de forma clara e objetiva que o estudo prévio de impacto ambiental deverá ”ser utilizado nas atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o ______________ 92 BESSA, Paulo. Poder judiciário e meio ambiente: complexidades em uma sociedade democrática. O Eco, 13 jul. 2007. Disponível em: <http://www.oeco.com.br/paulo-bessa/43-paulo-bessa/16935oeco_23121>. Acesso em: 26 abr. 2009. às 19:34. 51 meio ambiente.” 93 . Embora a Rio 92 tenha trazido no âmago dos debates ambientais o presente estudo prévio de impacto ambiental, a legislação brasileira já havia instituído o presente instrumento jurídico de prevenção na Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, § 1°: “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Paulo Affonso Leme Machado afirma que nesse estudo avaliam-se todas as obras e todas as atividades potencialmente causadoras de degradação significativa ao meio ambiente. Busca o autor então definir, citando Aurélio Buarque Holanda Ferreira, o termo “potencialmente” como aquilo que abrange não só o dano de que não se duvida como o dano incerto e o dano provável. 94 Quanto a Resolução 1/86 tem-se no seu art. 6°, inciso II, que o estudo prévio de impacto ambiental desenvolverá nos seguintes termos: [...] a análise dos impactos ambientais do projeto de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: [...] os impactos positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. Observe-se que é inevitável o uso do estudo prévio de impacto ambiental para determinar a extensão e a magnitude do impacto que a ação degradadora poderá causar. Por fim, a regulamentação supracitada faz menção a uma investigação apurada do grau de reversibilidade em contra ponto com a irreversibilidade de dano ambiental. Ressalte-se ainda a necessidade de uma equipe multidisciplinar comprometida e independente para avaliar tecnicamente os riscos da atividade. No caso da aplicação do princípio da precaução, é imprescindível que se use um procedimento de prévia avaliação, diante da incerteza do dano, sendo este procedimento o já referido estudo prévio de impacto ambiental. Outras análises, por ______________ 93 Declaração do Rio de Janeiro/92 - Princípio 17: “A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de uma autoridade nacional competente”. 94 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 79. 52 mais aprofundadas que sejam não podem substituir esse procedimento ambiental. 95 Ademais é essencial que o princípio da precaução esteja sob o manto dos mais diversos princípios constitucionais, dentre os quais o princípio da informação e da participação perene da sociedade civil e organizações não-governamentais. Serão esses legitimados que tornarão viável a implementação da defesa preventiva e precautiva do meio ambiente. Diante dos impactos e danos causados ao meio ambiente, o Estado deve adotar políticas voltadas para a proteção do meio ambiente, contudo, de frear qualquer tipo de atividade que possa trazer destruição ambiental. Dessa forma a legislação infraconstitucional ambiental evoluiu e criou normas de tutela ambiental indispensáveis ao desenvolvimento sustentável. Com isso também surgiu à necessidade de se buscar meios alternativos para alcançar o mesmo fim tendo em vista que o ser humano seria um dos grandes beneficiados. Apesar da preocupação com o meio ambiente no Brasil ser recente, observase que o país em relação aos demais Estados, caminha a passos largos em relação ao sistema legislativo ambiental, exemplo claro disso foi à instituição da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). A partir dessa orientação foi que se iniciou o processo de construção da base legal para tentar colocar o meio ambiente como tema principal em detrimento das decisões que primavam pelo capital. Assim sendo, passou-se a cogitar a possibilidade de inclusão dessa base legal nas gestões das políticas públicas e em preceptivos constitucionais, vindo a se concretizar com a Constituição Federal de 1988. O Texto Constitucional passou então a reconhecer o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida como direitos fundamentais. Superando ainda a tese antropocêntrica em relação ao meio ambiente e reconhecendo o valor intrínseco da natureza, ou seja, a tendência atual é progredir para um panorama menos concentrado na figura do ser humano, e mais focado no aperfeiçoamento da preservação dos recursos naturais às futuras gerações. Deve-se observar que o bem ambiental a ser tutelado pelo Estado será o de uso comum do povo, o qual o legislador achou melhor defini-lo em uma visão mais ampla. Desse modo, reafirma-se o que o sistema normativo ambiental apregoa uma proteção pauta nos interesses coletivos e não apenas nos interesses individuais. ______________ 95 MACHADO, 2006, p. 80. 53 A construção de uma consciência ecológica é outro ponto essencial nas questões ambientais a nível nacional e internacional, pois esse é um dos prérequisitos para a formação de uma sociedade humanizada e comprometida com os interesses das gerações futuras. De tal sorte, a política ambiental não deve levar em conta apenas a atuação do poder público, sobretudo as ações solidariamente responsáveis que envolvam tanto o Estado quanto à coletividade. O impasse acerca da incerteza científica leva a sociedade e o Estado a tomarem medidas de caráter preventivas antes que os danos ambientais se mostrem irreversíveis. Ainda que o risco seja potencial é preciso que haja instrumentos que o elimine ou reduza os efeitos da magnitude do dano. E dentre todas as ferramentas de proteção do meio ambiente, destaca-se o estudo prévio de impacto ambiental. Esse instrumento de identificação de riscos e danos, em regra, é utilizado para qualquer tipo de atividade ou obra potencialmente poluidora. É procedimento meramente administrativo, mas de extrema relevância na atuação precautiva dos órgãos executivos competentes, quando corretamente empregado. Demais, com o intuito de garantir o efetivo amparo desses direitos fundamentais à Constituição Federal impõe ao poder judiciário a prerrogativa de analisar instrumentos que proporcionem uma tutela preventiva e efetiva. Por conseguinte, será garantido à efetiva proteção jurisdicional ao meio ambiente exigindo-se técnicas diferenciadas em juízo podendo ser exercida tanto através de ações coletivas 96 quanto por ações de cunho individual97. Surge também à necessidade da processualística brasileira tratar de maneira distinta esses instrumentos que afastam a consumação e previna a prática reiterada de ilícitos ambientais irreversíveis. Logo, a tutela inibitória torna-se um meio impar que agrega todas essas características genuinamente preventiva e impeditiva da intervenção humana desmedida. Ao Estado compete à sucumbência da prestação de uma tutela preventiva e precautiva para a proteção da incolumidade do meio ambiente em desfavor de danos irreparáveis resultantes de uma atividade lesiva ou modelo econômico de exploração poluidor. ______________ 96 As tutelas coletivas encontram-se fundamentadas tanto na Lei n.º 7.34785 (Lei da Ação Civil Pública) quanto no art. 84 da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que prevê a tutela inibitória coletiva. 97 O art. 461 do Código de Processo Civil disponibiliza ao cidadão individual ferramenta hábil para a proteção de seus direitos por meio da tutela inibitória individual. 54 Ao conceder adequadamente essa tutela jurisdicional o magistrado deverá se apoiar em fundamentos jurídicos hábeis, como o princípio do poluidor-pagador, precaução, prevenção e solidariedade. Nesse estudo, será posto em destaque o princípio da prevenção e especialmente o da precaução como meio permanente de defesa contra os riscos impactantes aos recursos naturais e a própria sobrevivência do ser humano. O recurso aos dois princípios jurídicos é um trabalho que está longe de ser simples e seguro, pois não há um consenso doutrinário acerca desses princípios, assim como, outros já reconhecidos no Direito Ambiental. No entanto, será desvencilhado a ideia de que o princípio da prevenção abarca também a regra precautiva. No presente contexto, esses princípios não devem ser confundidos haja vista que a precaução se aplica a possíveis impactos ambientais produzidos por novos produtos e tecnologias que ainda não possuem uma acumulação histórica de informações que torne seguro, claramente, quais as reais conseqüências da atividade para as futuras gerações. Por outro lado, o princípio da prevenção aplicase a impactos ambientais já conhecidos dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis. 98 Além disso, a doutrina mais precursora reconhece o princípio da precaução como um dos mais importantes fundamentos para a defesa do meio ambiente frente ao dano ambiental. Isso porque o instituto tem a função precípua de impedir riscos potencialmente catastróficos ao meio ambiente, visto que boa parte das atividades danosas se encontra, muitas vezes, inserida no campo da incerteza científica. Inserido nessa nova perspectiva, a jurisprudência brasileira passou a considerar a relevância de se utilizar os fundamentos de uma tutela precautiva nos casos que propiciam dúvida ou incerteza dos reais efeitos que a atividade utilizadora de recursos ambientais poderá proporcionar as futuras gerações. Assim, a título meramente exemplificativo tem-se em voga nos tribunais do país alguns dos seguintes temas já julgados: biotecnologia e biossegurança 99; ______________ 98 ANTUNES, 2005, p. 35. BRASIL.TRF 1ª Região, 2ª Turma, Apelação cível n. 2000.01.00.014661-1/DF. Relator Juíza Assusete Magalhães, julgado em 08/08/2000. Transgênicos – Biotecnologia e biossegurança. EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CAUTELAR - LIBERAÇÃO DO PLANTIO E COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA GENÉTICAMENTE MODIFICADA (SOJA ROUND UP READY), SEM O PRÉVIO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL - ART. 225. 99 55 construção de empreendimentos que afetam ecossistemas protegidos 100; emissão de radiações não ionizantes 101. Fica patente que o princípio da precaução também é um elemento fundamental, assim como o princípio da prevenção, de efetivação da prestação jurisdicional inibitória e que se encontra inserido no rol dos pilares do Estado Democrático de Direito que busca dar aos cidadãos instrumentos para uma vida com dignidade e desenvolvimento sustentável. Por conseguinte, o princípio da precaução desponta no ordenamento jurídico brasileiro como uma ferramenta essencial ao exercício da ação inibitória, pois o grande obstáculo a ser enfrentado pelos magistrados é atuar diretamente na prevenção, viabilizando assim a prestação jurisdicional com maior efetividade possível, além de afastar em último caso as lesões ao meio ambiente quando impossível a reparação. O âmago do direito ambiental é a prevenção e precaução de qualquer ação danosa, isso porque é evidente a vulnerabilidade do meio ambiente degradado para alcançar suas características naturais, por mais completo que seja sua recuperação dificilmente será alcançado o status quo ante. E é dentro de toda essa temática que se insere a tutela inibitória, objeto eficaz de proteção ambiental, que age antecipadamente a probabilidade de ocorrência do dano ambiental, atuando na § 1º, IV, DA CF/88 C/C ARTS. 8º, 9º E 10º, § 4º, DA LEI Nº 6.938/81 E ARTS 1º, 2º, CAPUTE E § 1º, 3º, 4º E ANEXO I, DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237/97 - INEXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA QUANTO À LIBERAÇÃO E DESCARTE, NO MEIO AMBIENTE, DE OGM PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO CAUTELAR PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA - PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO IN MORA - PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO - INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA - ART. 808, III, DO CPC - INTELIGÊNCIA. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br/>. Acesso em 29 de março de 2009. 100 BRASIL. TRF 1ª Região, Agravo regimental n. 2001.01.00.001517-0/MT. Relator Juiz Tourinho Neto, julgado em 29/03/2001. Construção da Hidrovia Paraguai-Paraná – Danos ao ecossistema do pantanal. EMENTA: DIREITO AMBIENTAL – HIDROVIA PARAGUAI-PARANÁ – ANÁLISE INTEGRADA – NECESSIDADE DO ESTUDO DO IMPACTO AMBIENTAL EM TODA EXTENSÃO DO RIO, E NÃO POR PARTES – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – 1. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br/>. Acesso em 29 de março de 2009. 101 BRASIL. TJRS, 3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento n. 70012938981, Relator Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. Estações Rádio Bases – Emissão de radiações não ionizantes pelas antenas de telefonia celular. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA CUMULADA COM DEMOLIÇÃO E PERDAS E DANOS. INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO RÁDIO BASE DE TELEFONIA MÓVEL CELULAR. RADIAÇÃO DE ONDAS ELETROMAGNÉTICAS. EMBARGO LIMINAR. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA, QUANDO PRESENTES ELEMENTOS QUE EVIDENCIAM RISCOS DE LESIVIDADE À SAÚDE PÚBLICA E EVENTUAL INFRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO RESPECTIVA NO TOCANTE A LOCALIZAÇÃO DA TORRE DA ESTAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, NÃO CONHECIDA A PRELIMINAR. Disponível em: < http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/jurisprudencia/id2462.htm>. Acesso em 29 de março de 2009. 56 eminência da prática de um ilícito a que se quer evitar, sua continuação ou repetição. 102 Dotado de meios executivos idôneos à prevenção, a ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial, com vistas a conferir uma espécie de tutela preventiva aos direitos, especialmente os de conteúdo não-patrimonial. 103 Assim o escopo final do presente procedimento instrumental é impelir qualquer tipo de ação degradadora que ainda não gerou dano lesivo ao ambiente, quando devidamente conhecido seus efeitos ao meio. Faz-se necessário salientar que ao se invocar a tutela do Estado por meio da jurisdição, poderá ser aplicado duas modalidades distintas de inibição do ato ilícito, quais sejam: a) Impedir a prática do ilícito: ao ato lesivo que ainda não foi exaurido, havendo apenas a iminência de sua concretização. Logo a tutela inibitória poderá ser utilizada para determinar a paralisação das atividades danosas e exigir do agente infrator a implantação imediata de medidas e equipamentos necessários à garantia da higidez ambiental, evitando-se assim a prática do ilícito. b) Inibir a repetição ou continuação do ilícito: a atuação do magistrado será direcionada a impedir a prática reiterada ou continua do ato contrário à lei, sendo de extrema vantagem a prestação que impossibilite a continuação do ilícito. Ou seja, naqueles casos em que a atividade ou agir é prolongado o que se receia é que esse agir possa prosseguir e por isso há certa racionalidade em atuar sobre a vontade do demandado para convencê-lo a não continuar sua ação poluidora. 104 Preliminarmente é importante evidenciar que em ambas as modalidades de atuação inibitória a prática do ato contrário não enseja diretamente um dano concreto ao recurso natural. Havendo a concretização dessa conduta danosa estar______________ 102 PARENTE, Ana Paula Coutinho. Artigo: A Tutela inibitória ambiental como instrumento de acesso à justiça para prevenção do dano. Citado no livro: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL, 11., 2007, São Paulo, SP. Meio ambiente e acesso à justiça: flora reserva legal e APP = environment and acess to justice. Organizadores Antonio Herman Benjamin, Eladio Lecey, Silvia Cappelli. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007, v.1, p. 91. 103 MARINONI, Luis Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 282-283. 104 MARINONI, 2000, p. 376. 57 se-ia diante de uma tutela ressarcitória, e não mais de uma proteção inibitória. Pondera-se então que o fundamento para o princípio da precaução, bem como a tutela inibitória, deverão sempre respaldar-se numa atuação que prescinda ao dano a fim de evitá-lo. Diante do exposto, conclui-se que o estudo prévio de impacto ambiental é um distinto instrumento constitucional de avaliação técnica preventiva, o qual deva assegurar adequadamente a tutela precautiva do ambiente. A sua atribuição fundamental é investigar minuciosamente e auxiliar na decisão de concessão e licenciamento ambiental dos órgãos competentes, entretanto suas decisões não têm o poder de vincular as decisões desses órgãos ambientais federais e estaduais. Em vista disso, a ação inibitória deve ter o condão de evitar qualquer ato contrário às leis ou, no caso de já ter ocorrido, se teme o prosseguimento da atividade ilícita, distinguindo-se da ação de remoção de ilícito, que se preocupa com o ilícito de eficácia continuada, que se perdura no tempo, desordenando oportunidade a danos. A simples ameaça e/ou probabilidade de gerar lesividade ao meio ambiente são motivos que dar ensejo a medidas inibitórias da prática do ilícito. 58 CONCLUSÃO O presente estudo foi desenvolvido por meio de pesquisas e análises comparadas acerca das legislações ambientais brasileiras, doutrinas e jurisprudências dos diferentes tribunais do país, buscando sempre encontrar pontos que interligassem o estudo prévio de impacto ambiental ao efetivo fundamento do princípio da precaução na proteção do bem ambiental. A pesquisa demonstrou que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem sido reconhecido, nas legislações de muitos países, como um dos direitos fundamentais essenciais à qualidade de vida, ou seja, coloca-o dentre os de terceira geração ou novíssima dimensão como alguns doutrinadores prefere. A Constituição Federal veio, então, a consagrar em capítulo específico a matéria ambiental, tendo em vista a sua relevância vital como direito transindividual que compreende toda a sociedade presente e as futuras. Observou-se inicialmente que o modelo tradicional de exploração dos recursos naturais rompeu-se no momento em que a legislação se transformou da proteção setorizada para a proteção global e holística do meio ambiente, ou seja, o interesse e preocupação passam ser solidária a “todos”, impedindo-se assim um conflito intergeracional. Frisou-se ainda que nos impactos e danos causados ao bem ambiental, o Estado deve adotar políticas remediadoras voltadas à proteção precautiva do meio ambiente, contendo dessa forma qualquer tipo de atividade que possa trazer ato lesivo ao meio ambiente. Oportunamente a legislação infraconstitucional ambiental acompanhando a dinâmica e o anseio social criou normas de tutela ambiental indispensáveis ao desenvolvimento sustentável. No entanto, não foi o suficiente para garantir a proteção efetiva do meio ambiente. Com isso adaptou ao sistema jurídico brasileiro a novos mecanismos alternativos para alcançar o mesmo fim tendo em vista que o ser humano é um dos grandes beneficiados. Desta feita, o Brasil instituiu uma sistemática legislativa que avançou muito desde o plano constitucional até as matérias mais diversas tratadas pela legislação infraconstitucional, ainda há lacunas a serem preenchidas pelo Estado e sociedade, dentre elas a implementação concreta da política nacional do meio ambiente, que 59 estabelece preceitos e diretrizes básicas a serem cumpridas tanto pela sociedade como pelo Estado democrático de direito. O país em contraponto aos demais Estados caminhou a passos largos quanto ao sistema legislativo ambiental, exemplo claro disso é foi instituição de uma política ambiental, já na década de 80, que edificou a base legal e colocou o meio ambiente como tema principal em detrimento das decisões que deslumbravam apenas os interesses econômicos. Deste modo, passou-se a cogitar a possibilidade de inclusão dessa base legal nas gestões das políticas públicas e em preceptivos constitucionais, vindo a se concretizar com a Constituição Federal de 1988. O Texto Constitucional passou então a reconhecer o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida como direitos fundamentais. Superando-se assim a tese antropocêntrica em relação ao meio ambiente e reconhecendo o valor intrínseco da natureza, ou seja, a tendência atual é progredir para um panorama menos concentrado na figura do ser humano, e mais focalizado no aperfeiçoamento da preservação dos recursos naturais às futuras gerações. Deve-se observa que o bem ambiental a ser tutelado pelo Estado será aquele de uso comum do povo, o qual o legislador achou melhor defini-lo em uma visão mais ampla. Ratificando-se como o sistema normativo ambiental que apregoa uma proteção pautada nos interesses coletivos e não apenas nos interesses individuais. A construção de uma consciência ecológica é outro ponto essencial nas questões ambientais a nível nacional e internacional, pois esse é um dos prérequisitos para a formação de uma sociedade humanizada e comprometida com os interesses das gerações futuras. Assim sendo, a política ambiental não deve levar em conta apenas a atuação do poder público, sobretudo as ações solidariamente responsáveis que envolvam tanto o Estado quanto à coletividade. Portanto, conclui-se que o estudo prévio de impacto ambiental é um instrumento administrativo-jurídico indispensável à preservação da integridade do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Além de ser um excelente instrumento de avaliação técnica prudente, o qual a Carta Magna institui como o escopo de assegurar adequadamente a prestação jurisdicional precautiva do ambiente, seja com a função de remover ou inibir o ilícito temário. Ressalte-se ainda que a relevância dada a esse instrumento de prevenção não deve ser tratada como insignificante, pois ele é um divisor de águas, que trará o justo equilíbrio entre os interesses econômicos e os ambientais, quando do ato discricionário que decidir 60 pela concessão e licenciamento ambiental, mas que não vincula os órgãos ambientais federais e estaduais. Por último, à atuação dos órgãos judiciários e o Ministério Pública ainda se apresenta bastante tímida e muitas vezes com uma aplicação fria da lei. É necessário que os magistrados se modernizem e tenham sensibilidade e equilíbrio em suas decisões, visto que, as futuras gerações e o patrimônio ambiental reclamam por uma justiça social que priorize não só pelos interesses econômicos, mas pela integral preservação da vida. 61 REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2008. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 5. ed. 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FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução. Curitiba: Juruá, 2003. FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. HERMANS, Maria Artemísia Arraes. Direito ambiental: o desafio brasileiro e a nova dimensão global. Brasília: Brasília Jurídica: OAB, Conselho Federal, 2002. LEITE, José Rubens Morato; BELO FILHO, Ney Barros. Direito ambiental contemporâneo. São Paulo: Manole, 2004. LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini. Estado de direito ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005. MAGALHÃES, Juraci Perez. A evolução da legislação ambiental no Brasil. 2. ed. aum. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. MILARÉ, Édis. Estudo prévio de impacto ambiental: teoria, prática e legislação: glossário. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MORAES, Luis Carlos Silva de. Curso de direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2004. MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2002. 65 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 66 GLOSSÁRIO Agenda 21. Documento aprovado pela comunidade internacional, durante a Rio-92, que contém compromissos para mudança do padrão de desenvolvimento no século XXI. Resgata o termo "Agenda” no seu sentido de intenções, desígnio, desejo de mudanças para um modelo de civilização em que predomine o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações. Além de um documento, a Agenda 21 é um processo de planejamento participativo que analisa a situação atual de um país, estado, município e/ou região, e planeja o futuro de forma sustentável. Esse processo de planejamento deve envolver todos os atores sociais na discussão dos principais problemas e na formação de parcerias e compromissos para a sua solução a curto, médio e longo prazos. A análise e o encaminhamento das propostas para o futuro devem ser feitos dentro de uma abordagem integrada e sistêmica das dimensões econômica, social, ambiental e político-institucional. Em outras palavras, o esforço de planejar o futuro, com base nos princípios de Agenda 21, gera produtos concretos, exeqüíveis e mensuráveis, derivados de compromissos pactuados entre todos os atores. A sustentabilidade dos resultados fica, portanto, assegurada. Conselho de Meio Ambiente. Instituições organizadas, de caráter oficial, destinadas à defesa do meio ambiente, sua preservação e incremento, envolvendo necessariamente a participação da comunidade. (Resolução CONAMA 237/97). Degradação ambiental. (1) Prejuízos causados ao meio ambiente, geralmente resultante de ações do homem sobre a natureza. Um exemplo é a substituição da vegetação nativa por pastos. (2) Termo usado para qualificar os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como a qualidade ou a capacidade produtiva dos recursos ambientais. (Glossário IBAMA, 2003). ECO 92. (1) Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que foi realizada no estado do Rio de Janeiro em 1992. A Eco 92 proclamou que os seres humanos estão no centro das preocupações sobre desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável, produtiva e em harmonia com a natureza. (2) Denominação comum da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, denominada internacionalmente de 1992 Earth Summit on Environment and Development. Aconteceu em junho de 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Foi à maior reunião já realizada em toda a história humana por qualquer motivo. A Rio-92 reuniu mais de 120 Chefes de Estado, e representantes no total de mais de 170 países. Foram elaborados cinco documentos, assinados pelos Chefes de Estado e representantes: a Declaração do Rio, a Agenda 21, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção sobre Mudança do Clima e a Declaração de Princípios da Floresta. Gestão ambiental. (1) Condução, direção e controle, pelo governo, do uso e da conservação dos recursos naturais, através de determinados instrumentos, que incluem medidas econômicas, regulamentos, investimentos públicos e financiamentos, requisitos interinstitucionais e jurídicos. (2) A tarefa de administrar o uso produtivo de um recurso renovável sem reduzir a produtividade e a qualidade ambiental, normalmente em conjunto com o desenvolvimento de uma atividade Habitat. (1) Local com características e componentes ecológicos específicos, onde as espécies estão adaptadas e completam naturalmente seu ciclo biológico. Florestas, savanas, lagos, dentre outros, são exemplos de hábitats. (2) Ambiente que oferece um conjunto de condições favoráveis para o desenvolvimento, a sobrevivência e a reprodução de determinados organismos. (Glossário IBAMA, 2003). Poluidor. Pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividades causadoras de degradação ambiental (Lei n.º 6.938/81). Rio-92. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (em inglês UNCED) realizada no Rio de Janeiro, em 1992. A primeira conferência desta natureza, realizada em 1972, também recebeu o nome da cidade onde se realizou, Estocolmo. 67 ANEXO A – Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3.540-MC do Supremo Tribunal Federal BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucional – ADI 3.540-MC. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Presidente da República. Ministro Celso de Mello, Brasília, DF, 03 de fevereiro de 2006. STF, Brasília, 2005. Disponível em: < http://www.jf.jus.br/juris/?>. Acesso em: 28 de abril de 2009. EMENTA: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de 68 impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.16667/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir à execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III). 69 ANEXO B – Agravo de Instrumento 2005.01.00.064020-0/MG do Tribunal Regional Federal da 1º Região BRASÍLIA. Tribunal Regional Federal da 1° Região. Agravo de Instrumento nº 2005.01.00.064020.0/MG (Processo na Origem: 200538020034314). Agravante: Município de Perdizes - MG. Agravado: Flavia Almeida Forti da Fonseca e outros (as). Relator: Desembargador Federal Souza Prudente, Brasília, 30 de maio de 2007. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/?>. Acesso em: 28 de abril de 2009. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. FUNCIONAMENTO DE MATADOURO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TUTELA PROCESSUALCAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225, CAPUT). PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. I - A pretensão do autor agravante no sentido de obter desta Corte revisora antecipação de tutela cautelar, para funcionamento do Matadouro Público, sem a devida autorização, encontra óbice na tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, torna-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), e a conseqüente prevenção (pois uma vez que possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio ambiental. II - Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº 6.938, de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública "a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico" e "a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida" (art. 4º, incisos I e VI). III - Agravo de instrumento desprovido. 70 ANEXO C – Apelação Cível 2006.39.02.001166-2/PA do Tribunal Regional Federal da 1º Região BRASÍLIA. Tribunal Regional Federal da 1° Região. Apelação Cível nº 2006.39.02.001166-2/PA. Apelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Apelado: José Carlos de Sousa Campos. Relator: Desembargador Federal Souza Prudente, Brasília, 29 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/?>. Acesso em: 01 de maio de 2009. EMENTA: AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARQUE NACIONAL DA AMAZÔNIA. UNIDADE DE PROTEÇÃO INTEGRAL. SUSPENSÃO DE ATIVIDADES AGRESSORAS AO MEIO AMBIENTE. RECUPERAÇÃO DO DANO CAUSADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. NECESSIDADE DE TUTELA DE URGÊNCIA E DE REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. I - Preenchidos, como no caso, os requisitos do art. 282, e incisos, do CPC, afigura-se indevido o indeferimento liminar da petição inicial, sob o fundamento de inépcia, carência de interesse processual e ausência de pedido e causa de pedir, hipóteses não ocorridas na espécie. Ademais, no eventual descumprimento desses requisitos, quando ocorrente, faculta-se ao autor a emenda da peça vestibular, nos termos do art. 284, caput, do CPC, providência essa não adotada pelo juízo monocrático. II - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min.º Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeneracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. III - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) , exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV). IV - Versando a controvérsia, como no caso, em torno de suposta atividade agressora ao meio ambiente, no Parque Nacional da Amazônia, impõe-se a firme atuação do IBAMA, na condição de 71 responsável pela ação fiscalizadora decorrente de lei, a fim de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como órgão executor da política nacional do meio ambiente, pois é da competência gerencial-executiva e comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos e o meio ambiente e, ainda, preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, incisos III, VI e VII). V - O Parque Nacional da Amazônia é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento. VI - Apelação provida. Sentença anulada, com o deferimento de tutela de urgência, para proteção do Parque Nacional da Amazônia, ordenando-se o regular prosseguimento do feito.