ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA: UM DOS INSTRUMENTOS PARA A ALAVANCAGEM DOS RESULTADOS DE UMA EMPRESA EXPORTADORA Carlos Roberto Neves da Silva[1] “Assim como ninguém aprende tanto sobre um assunto como o homem que é obrigado a ensiná-lo, também ninguém se desenvolve tanto como o homem que tenta ajudar os outros a se autodesenvolverem”. Peter Drucker Resumo O objetivo do artigo é analisar o processo de administração participativa em funcionamento em uma empresa exportadora brasileira, a Mangels Industrial S.A, pelas óticas histórica, psico-sociológica e financeira. A análise é feita selecionando alguns indicadores econômicos-financeiros, segmentados por mercado, dos anos de 1997 a 1999. Compraram-se os resultados da empresa frente aos seus concorrentes diretos procurando mostrar como a administração participativa pode ser utilizada como mais uma possibilidade da obtenção de vantagem competitiva. Com este artigo foi possível provar a implementação de um sistema de Administração Participativa como uma oportunidade econômica e financeira para a Mangels Indústria S/A, através de uma análise comparativa do período de 1997 a 1999. Palavras – chaves: administração participativa, história psicológica, sociológica, financeira. Abstract The objective of this article is to analyse, through historic, psychological, sociological and financial perspectives, the participative administration process currently under way in a Brazilian export company, Mangels Industrial S.A. This analysis was done by selecting economic and financial indicators, separated by segment type, from 1997 to 1999. The results of that company were compared with those of its direct competitors, demonstrating that participative administration can be utilized as an additional means to obtain competitive advantages. Thus, it was possible to prove that the implementataion of the participative management system yielded economic and financial returns to Mangels Industrial S/A as compared with its peers, in the period from 1997 to 1999. Key-words: participative financial perspectives. administration; historic, psychological, sociological, Introdução O artigo aborda a evolução das teorias administrativas. Inicia com os clássicos e sua importância no desenvolvimento das teorias humanísticas, na busca da compreensão dos processos produtivos e das relações capital/trabalho. Procura-se analisar os mecanismos das necessidades humanas e como tais necessidades relacionam-se com as das organizações. Além disso, o exame dos aspectos motivacionais e das relações de poder nas empresas visou a identificar sua influência sobre a produtividade. Em função da grande amplitude dos conceitos de administração participativa, considerou-se importante detectar os convergentes e mais largamente aplicados, com ênfase para a realidade das organizações brasileiras. Na análise do problema foi adotado o estudo de caso, observando-se os indicadores econômico-financeiros de uma empresa exportadora brasileira, a fim de identificar sua evolução, as práticas administrativas e o clima organizacional da referida empresa. A empresa tomada como objeto deste estudo é a Mangels Industrial S.A. com sede em São Paulo, capital. O crescimento ininterrupto da Mangels Industrial S.A. fez com que, atualmente, seja considerada líder na área de relaminação, rodas e vasilhames. O problema de pesquisa que orientou o trabalho se expressa pela seguinte indagação: Como o processo de administração participativa vem ocorrendo na Mangels Industrial S.A. e quais os impactos nos resultados da empresa? Metodologia A indagação central que orientou o trabalho desenvolvido na Mangels Industrial S.A. diz respeito à implementação de um sistema de administração participativa. A investigação teve como base duas premissas: a primeira refere-se ao fato de que a Mangels Industrial, para chegar aos atuais patamares elevados de renda e rentabilidade, ao porte do seu quadro de pessoal e à boa reputação pública, orientou-se, ao longo dos seus 71 anos, por estratégias específicas que hoje a colocam em situação privilegiada frente aos concorrentes. A segunda premissa refere-se ao fato de que a Mangels Industrial S.A. ao adotar o processo de administração participativa, de maneira interrupta, desde 1974 o fez de forma sistemática e como meta organizacional. Para a investigação do processo, foram utilizados como ponto de partida a evolução histórica da empresa e o seu processo de administração participativa. Procura-se verificar e validar a ligação da teoria participativa com os resultados financeiros obtidos pela empresa informações organizacionais coletadas, contrapondo-as ao estudo econômico-financeiro da empresa. Histórico da Administração Participativa No início da década de 1980, o interesse pelo tema da participação no trabalho ou pela administração participativa foi enfatizado no mundo ocidental, principalmente a partir do declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos, caracterizado pela queda da produtividade das suas empresas e conseqüente perda de competitividade dos seus produtos em quase todos os mercados do mundo, inclusive em suas próprias fronteiras, verificado a partir do extraordinário avanço dos produtos produzidos em países orientais (Japão, Coréia, Cingapura e Taiwan), com melhor qualidade e preços. Associam-se a esse fato, também como justificativa pela atenção que a participação vem recebendo nos países de economia emergente como o Brasil, as experiências participativas ocorridas e consolidadas em outros centros irradiadores de padrões de eficiência e de tecnologia no mundo. Como exemplo dessas experiências podem ser citados a co-gestão nas empresas alemãs, o modelo escandinavo de participação dos empregados cuja experiência mais conhecida é da empresa sueca Volvo, na localidade de Kalmar, o modelo francês (Comité d’Enterprise), o inglês (Labor Management Joint Comittee) e, principalmente, o modelo participativo japonês, que é reconhecido como responsável pela recuperação da sua economia no pós-guerra e pela indiscutível posição de importância e de eficiência que a economia japonesa ocupa no cenário mundial. Poderiam ser mencionadas também as experiências das empresas auto-geridas na Iugoslávia e dos kibutzim em Israel. Nos Estados Unidos, com enorme e reconhecida influência no Brasil, nos modelos de gestão adotados a partir da década de 1970, foi também desenvolvido um movimento progressivo e crescente chamado Qualidade de Vida no Trabalho (Quality of Work Life), no âmbito das grandes empresas, cujos principais objetivos são os seguintes, nas palavras de Irving Bluestone, vice-presidente da UAW-Union Auto Workers, entidade sindical que congrega milhões de empregados ligados à indústria automobilística: (…) os trabalhadores devem se sentir não como acessórios dos seus equipamentos de trabalho, mas sentir que sua criatividade tem significativa importância nos processos de produção como um todo; aos trabalhadores deve ser assegurado que sua participação nas decisões não afetará sua segurança no trabalho ou dos seus colegas; os cargos deverão ser ajustados ao trabalhador. O sistema atual obriga o trabalhador a se ajustar ao cargo segundo a teoria de que o mais eficiente sistema de produção é aquele em que a única razão do operário trabalhar seria pelos resultados econômicos a serem atingidos; aos trabalhadores devem ser asseguradas ampla possibilidade de auto-controle, responsabilidade de usar seus cérebros. Se nós nos sentirmos usados e manipulados por causa disso, nós nos rebelaremos contra isso; mudanças no conteúdo dos cargos, incremento de responsabilidade e envolvimento em decisões devem ser acompanhados de pagamentos adicionais; os trabalhadores devem vislumbrar oportunidades de crescimento e de promoção nos trabalhos que executam; o papel dos trabalhadores nos negócios deve capacitá-los a participar dos produtos e serviços produzidos e de uma maneira mais ampla, deve capacitá-los à participação construtiva do seu papel na sociedade. Lyn Willians, outro importante líder sindical americano, presidente do Sindicato dos Empregados nas Empresas Siderúrgicas (USW-Union Steel Workers of América), afirma: “(...) o nosso objetivo fundamental é dar expansão à engenhosidade, criatividade e senso de responsabilidade de cada empregado de um extremo a outro da escala hierárquica”. Peters, em paralelo a esse movimento e em duas obras oriundas de pesquisas específicas sobre produtividade das empresas americanas, propugna também sobre a necessidade de mudanças no modelo de gestão. O debacle da produtividade das empresas pode ser visualizado pelos seguintes indicadores: A produtividade média nos negócios cresceu 3% ao ano, de 1950 a 1956. De 1965 a 1973, a taxa foi de 2% e, de 1973 a 1992 não chegou a 1%. A produtividade da manufatura está ainda pior, ela cresceu 2,5% ao ano de 1950 a 1985, enquanto a do Japão cresceu 8,4%, a da Alemanha e Itália 5,5%, a da França 5,3%, a do Canadá 3,5% e da Inglaterra, 3,1%. O Produto Nacional Bruto (PNB) per capita ficou abaixo do Japão em 1986 e está atrás do de nações européias como Alemanha Ocidental, Suíça, Suécia e Dinamarca. O salário médio do homem branco de 25 a 34 anos caiu 26% de 1973 a 1983 em moeda constante e, para os de idade de 35 a 44 anos, caiu 14%. Estima-se que 30 milhões de pessoas foram deslocadas pela reestruturação da manufatura, durante a última década e as 500 da Revista Fortune eliminaram 2,8 milhões de empregos, fazendo com que gigantes inquestionáveis quanto ao modelo de administração do tipo IBM, General Motors, Du Pont e outros passassem por traumas. Ferguson, em outra pesquisa no início da década de 1980, procura levantar as grandes tendências da sociedade americana nesse final de século, verifica uma orientação definida de descentralização do poder nas companhias americanas e constata que de forma crescente os teóricos da administração profissional estão optando pela adoção de estruturas flexíveis, de disposições que se adaptem às necessidades humanas e que dêem vazão à potencialidade latente. A autora, ao longo do seu trabalho, à semelhança de Peters, conclui que essa tendência decorre de um crescimento menor da produtividade americana em relação aos demais países concorrentes. A produtividade por homem/hora de trabalho nos Estados Unidos cresceu apenas 21% entre 1970 e 1977, em comparação com 41% na Alemanha Ocidental, 42% na França, 41% no Japão e 38% na Itália. Storch, ao pesquisar o fenômeno da participação nos Estados Unidos, considera como propulsores do interesse pelo tema da participação dos trabalhadores os seguintes aspectos: (…) os obstáculos erguidos ao aumento da produtividade pelo padrão adversarial de relações industriais, que se tornou típico naquele país e, em particular, pela rigidez e inflexibilidade das definições de cargos (que muitos de nossos empresários e executivos ainda admiram, a se julgar pela obsessão com descrições de cargos e manuais de procedimentos); a necessidade das empresas buscarem soluções para as manifestações de alienação dos trabalhadores, tais como absenteísmo, sabotagens, greves selvagens etc. Essa necessidade tornase imperativa nos países em que a contratação coletiva do trabalho diminui a flexibilidade das empresas em demitir ou realocar os trabalhadores; a escalada nas exigências de trabalhadores dos setores industriais mais avançados, visando a tarefas mais significativas, à medida que suas necessidades básicas de subsistência passavam a ser atendidas; a velocidade das mudanças tecnológicas, que leva os administradores a atribuírem maior prioridade à capacidade de adaptação às mudanças do que à eficiência operacional. Nas empresas mais dinâmicas desenvolveu-se a compreensão de que as características organizacionais necessárias à adaptabilidade estavam muito mais no grau de interação entre os trabalhadores, do que nas estruturas hierárquicas rígidas, que se haviam mostrado adequadas para operar com eficiência os processos tecnologicamente estáveis.” A partir dos aspectos notificados acima, fica evidente a emergência de modelos flexíveis de gestão em todos os países industrializados, sendo inquestionável a tendência do crescimento da ênfase participativa nos processos de produção e administração nas empresas desses países e, por conseqüência, nas suas subsidiárias situadas no exterior. Daí a relevância do estudo desse tema no contexto do atual estágio da administração brasileira, pois a participação já é uma realidade no Brasil, seja por modismo dos nossos empresários, em virtude das influências que o país sofre como economia periférica e sociedade industrial emergente e, portanto, dependente dos grandes centros irradiadores de novas tecnologias, seja até por orientação das matrizes das empresas multinacionais para as filiais que aqui operam. Nesse sentido, o fato é que centenas de empresas, dos mais diferentes perfis, afirmam praticar a dita administração participativa, o que por si só, tendo em vista a realidade brasileira, evidencia a necessidade de investigações específicas sobre o tema. O termo participação no contexto da Sociologia e da Psicologia, vem exercendo influência acentuada nos últimos anos e tudo indica tratar-se de um movimento persistente e de longo alcance. Esse termo vem sendo utilizado para referirse a uma variedade de situações vivenciadas por diferentes autores. Cordova justifica a imposição do termo participação sobre outros (do tipo democracia industrial; controle operário; participação popular entre outros), por tratar-se de um vocábulo ideologicamente neutro, que pode ser utilizado independentemente do sistema econômico em vigor. Nesse sentido, diz ele: Efetivamente sempre haverá um governo que regule certos aspectos da problemática sócio-trabalhista, sempre haverá uma administração empresarial que se ocupe de coordenar o processo de produção de bens e serviços e sempre haverá uma margem para que empregados e empregadores, no primeiro caso, e os trabalhadores no segundo, participem dessas responsabilidades. A teoria da administração participativa e sua metodologia de aplicação tem sido motivo de preocupação para muitos teóricos organizacionais nos Estados Unidos durante as últimas décadas. Muito embora esses teóricos estejam de acordo com os conceitos básicos da necessidade de envolvimento das pessoas no processo de planejamento e decisório das empresas, existe por outro lado uma enorme discrepância entre as estratégias para implementação da participação e das mudanças necessárias no sistema tradicional de gestão das empresas para que a sua implementação tenha sucesso. Levitt identifica o movimento da administração participativa como uma antítese do aumento do trabalho programado e do controle hierárquico tradicional na história do desenvolvimento industrial da sociedade americana, ressaltando que as organizações mais produtivas e eficientes são aquelas que simultaneamente tendem a buscar a satisfação geral dos empregados no trabalho que executam. Likert, umas das figuras mais proeminentes do movimento da administração participativa, desenvolveu uma exaustiva pesquisa que ficou conhecida na literatura acadêmica como o “O caso Weldon-Harwood”. Sua pesquisa comparava a evolução dos resultados e dos modelos de administração de duas empresas, uma com um sistema administrativo do tipo participativo e outra com um sistema do tipo autocrático-rígido. Esta última foi adquirida pela primeira. Ao longo desse estudo clássico, ele conclui que os objetivos de uma organização podem ser atingidos a partir do comprometimento das pessoas com esses objetivos e é possível mudar um sistema administrativo autocrático para uma sistema participativo, com a introdução de variáveis nos processos de liderança, de decisão e de comunicação das empresas. Quanto à liderança, Tannembaum adota o ponto de vista de que a administração participativa só funciona com a presença da hierarquia e não sem ela. Em seu trabalho ele sugere que em um sistema participativo é essencial que a participação ocorra em todos os níveis hierárquicos da organização. As teorias X e Y de Mcgregor consideram que os aspectos de liderança, decisão e comunicação também são essencialmente compatíveis com as observações de Likert, sendo que sua teoria Y pode ser entendida como uma ampliação da Teoria de Maslow sobre a hierarquia das necessidades aplicadas aos objetivos organizacionais. Katz e Kahn também entendem que o envolvimento do indivíduo em um sistema, de modo que este considere as metas organizacionais como seus próprios objetivos pessoais, resulta em uma variedade de condutas que apóiam a missão da organização de obter maior produtividade. O indivíduo vê a organização como sua própria criação, ao participar das decisões e de suas recompensas, de modo que a organização se torna parte dele e ele parte dela. Storch afirma que: (…) há casos em que os trabalhadores participam em níveis superiores aos limites da própria empresa, em holdings que controlam várias empresas; isso ocorre no caso das companhias de propriedade da Federação Sindical Israelense, a Histradrut, em cuja holding o Conselho de Administração é composto por trabalhadores. A participação a níveis tão altos da organização é, em geral, restrita a questões de política do complexo empresarial, podendo inexistir mecanismos para a participação soció-técnica em níveis inferiores. Não há, portanto, qualquer relação definitiva entre o nível organizacional em que se dá a participação e a amplitude do seu escopo. Essa taxionomia proposta por Storch serve também para mostrar as fases da evolução de um processo participativo. O próprio autor ressalta também que essas fases podem ser analisadas e/ou interpretadas como se fossem interdependentes entre si. Aspectos Psicológicos e Sociológicos na Administração de Empresas O objetivo deste tópico consiste em estabelecer a importância das teorias sociológicas e psicológicas para a administração de empresas, na medida em que fornecem um modelo de motivação/satisfação de necessidades do ser humano na organização, bem como as relações de poder nas organizações. A finalidade de uma empresa capitalista, apesar de algumas teorias inovadoras afirmarem o contrário, é obter lucro. O lucro permite aumentar seu patrimônio e gerar riqueza para si, para seus acionistas, colaboradores e nação. Desta forma é que sempre houve, e continuará havendo, uma grande preocupação dos empresários em estarem constantemente buscando meios de alavancar lucros, por meio de maior eficiência nos sistemas internos, nos controles e processos organizacionais. As teorias financeiras, produtivas, tecnológicas, econômicas, jurídicas, mercadológicas etc. são as ferramentas dos administradores nesta busca constante, porém não são as únicas. Conforme mencionado na introdução, em anos recentes, com o aumento gradativo da competição estimulada pela globalização da economia mundial, novas ferramentas e filosofias estão surgindo. A empresa moderna, que sobrevive e se diferencia das demais, é aquela que sabidamente possui a vantagem competitiva perante as outras. O termo acima, apesar de soar como mais um dos muitos modismos existentes nas teorias administrativas, traduz uma necessidade almejada desde os tempos da Revolução Industrial. Reportando-se ao surgimento do próprio estudo da administração, observa-se que a necessidade econômica teve grande parcela de responsabilidade. A Revolução Industrial trouxe um problema intrínseco que era o de estabelecer uma certa organização no “caos” industrial inerente aos processos produtivos da época. Iniciaramse estudos e análises a fim de fornecer esquemas melhores de produção. Tentavam-se estabelecer os princípios que deveriam nortear as empresas emergentes daquela evolução. Este foi, sem dúvida alguma, o grande papel desempenhado pelos primeiros estudiosos da administração clássica. Com o decorrer do tempo e a evolução dos processos produtivos, as empresas não podiam parar nos níveis alcançados. A livre concorrência, principalmente dos mercados europeus e norte-americano, era a “mola propulsora” da ciência. Como incrementar ainda mais o processo? De que forma ser mais eficiente e produzir mais? Novamente a necessidade produzia novas teorias e estudos acerca das empresas. A administração evoluiu com a própria concorrência mundial. Neste aspecto, diversos cientistas/estudiosos começaram a compreender as organizações como algo além de recursos produtivos e humanos agrupados com a finalidade de produzir bens. Existia na empresa o elemento humano, até então visto apenas no mesmo nível de uma outra engrenagem qualquer da cadeia produtiva. Com a evolução das ciências sociais, dentre elas especialmente a psicologia e a sociologia, novos conceitos administrativos relacionando o ser humano com produção passaram a ser debatidos. Em especial, as teorias que envolvem a motivação merecem uma análise mais detalhada, já que este estudo propõe focalizar o problema do efeito da administração participativa sobre o lucro – aspecto abordado no tópico anterior, através das experiências de Likert. Como poderá ser constatado mais adiante, a conceituação teórica do termo “administração participativa” carrega em si fatores que regem a motivação do ser humano. A motivação constitui, juntamente com aspectos do “poder”, talvez, uma das peças centrais de estudo dos autores humanistas. Segundo Chiavenato: É difícil definir exatamente o conceito de motivação, uma vez que tem sido utilizado com diferentes sentidos. De modo geral, motivo é tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de determinada forma ou, pelo menos, que dá origem a um comportamento específico. Esse impulso à ação pode ser provocado por um estímulo externo (provindo do ambiente) e pode ser também gerado internamente, nos processos mentais do indivíduo. A palavra estímulo deriva-se do verbo estimular, que de acordo com o dicionário Aurélio tem o seguinte significado: “v.t. Incitar; instigar; excitar; ativar;...encorajar; animar; aviar...” Aquilo ou aquele que é estimulado, é aviado, instigado, encorajado (usando algumas das definições acima) a realizar algo, ou seja, é levado a abandonar um estado anterior, imóvel ou constante numa certa direção, e a realizar outra atividade, ou a mesma atividade, de outro modo. O estímulo não advém de geração espontânea, como se não possuísse uma origem. O estímulo é fruto de um agente, sobre um receptor (do estímulo) que reage, passando a ser o reagente. Neste sentido, o ser humano recebe um estímulo e reage a ele, provocando uma alteração de estado. O modelo participativo de administração na Mangels começou no início dos anos 70. Nessa época, os acionistas perceberam que o crescimento da empresa nos negócios atuais e a expansão em negócios correlatos somente seriam auto-sustentados se houvesse uma mudança no estilo da administração empresarial. Naquele período, os acionistas caracterizavam esse estilo como paternalista e centralizador. Até fins dos anos 60, o comando da empresa concentrava-se no fundador da empresa (o pai dos acionistas majoritários), que moldou a cultura da empresa com sua personalidade por mais de 40 anos e no início dos anos 70 já tinha passado o comando das operações para os filhos mais envolvidos no negócio. Com a ajuda de um consultor externo, desencadeou-se um processo planejado de mudança da organização, tendo início com a definição do que foi chamado internamente de Missão e Filosofia da Empresa, incluindo todo o corpo gerencial da empresa na época (1973/1974). Em entrevista com o gerente da área de recursos humanos, detectou-se que a empresa possui e/ou promove os seguintes programas de administração participativa: a) Círculos de Controle de Qualidade (CCQ) – programa aplicado desde 1982, consiste na formação de grupos de operários ligados à produção que se reúnem durante o horário do expediente de trabalho, em local e horário predeterminado, tendo por objetivo a discussão de problemas operacionais ligados às respectivas áreas de atuação. b) Planejamento Estratégico Participativo – programa que visa o envolvimento de todos os ocupantes da estrutura organizacional nos objetivos e metas da empresa. O processo é iniciado com uma reunião anual da cúpula da empresa (primeiro e segundo níveis da estrutura organizacional básica) e tem seqüência através da realização de reuniões, incluindo os demais níveis da estrutura organizacional (até o quarto nível). O resultado esperado dessas reuniões é a definição de objetivos, metas e planos para os respectivos níveis organizacionais: por diretoria, por departamento, por seção. São realizadas reuniões trimestrais para avaliação e controle dos objetivos e metas concebidos em cada nível organizacional. O programa vem sendo desenvolvido desde 1976. c) Programa de Desenvolvimento Organizacional (DO) – referese ao programa de treinamento da empresa para os níveis operacionais, administrativos e executivos. O conteúdo básico desse programa compreende metodologia de trabalho em grupo, comunicação, planejamento estratégico, CCQ, delegação e reciclagem da missão e da filosofia da empresa. Segundo informações do gerente de RH, 80% dos funcionários da empresa, independentemente do nível hierárquico, já passaram por esses programas de treinamento. A primeira aplicação desse programa foi feita em 1974. d) Sistema de Participação nos Lucros – a empresa proporciona aos seus colaboradores de todos os níveis, participação nos lucros, segundo os resultados da empresa, conforme segue: e) Gratificação Coletiva – Programa “Somos todos Sócios”, recompensa todos os colaboradores, de acordo com os resultados atingidos por cada divisão; f) Gratificação Individual por Desempenho – valoriza o desempenho dos executivos da empresa; e g) Prêmio Excelência Profissional – Reconhece projetos e comportamentos de excelência profissional. h) A primeira aplicação desse programa foi concluída em 1994. Resultados Obtidos com a Implantação da Administração Participativa na Empresa Mangels S/A: um Estudo de Caso Na tabela abaixo é possível verificar a performance da Mangels nos anos de 1997 a 1999 em alguns indicadores propostos para realizar este trabalho. Tabela: Análise dos indicadores 1 997 1 998 1 999 1 47.4 1 73.0 7 ,2 5 ,9 0 ,74 0 ,92 4 .4 2 .4 5 4,5 4 0,3 2 Crescimento das Vendas (US$) 04.5 1 Rentabilidade do Patrimônio (%) 0,9 2 Liquidez Geral (em nr. índice) ,1 Margem das Vendas em (%) 4 ,6 Valor adicionado por empregado (em US$ mil) 9,2 5 Fonte: Maiores e Melhores – Exame, 1997,1998 e 1999. O indicador Crescimento das Vendas, apresentado acima, mostra que o ano de 1997 foi o melhor de todos. Em 1998 a empresa teve uma redução drástica nas vendas. No ano de 1999 ocorreu um aumento satisfatório nas vendas. O indicador Rentabilidade do Patrimônio Líquido caiu de 10,9 em 1997 para 5,2 em 1998, o que mostra uma queda acentuada na rentabilidade da empresa. Comparando-se 1999 com 1998, verifica-se um modesto aumento na rentabilidade: de 5,2 para 7,9. Em 1997 o indicador de Liquidez Geral de 2,1 sinaliza que a empresa tem 2,1 de realizáveis a curto prazo, ou seja, consegue pagar todas as dívidas e ainda dispõe de uma boa folga. Em 1998 piorou muito a liquidez geral da empresa, demostrando que não havia condições de saldar a totalidade de suas dívidas, mas as dívidas de longo prazo não vencem imediatamente e até o seu vencimento a empresa poderá gerar recursos. Este indicador voltou a melhorar em 1999, ficando bem próximo a 1,0, portanto a empresa tem uma capacidade maior em saldar a totalidade de suas dívidas. O indicador Margem das Vendas, como se pode perceber na tabela 10, mostra uma queda considerável na margem de lucro da empresa de 1997 para 1998, mas no ano de 1999 a empresa recuperou-se e atingiu um resultado próximo ao do ano de 1997. O indicador Valor Adicionado por Empregado (em US$ mil) destaca que no ano de 1998 ocorreu uma queda considerável em relação ao ano de 1997, assim como uma queda na produtividade. No ano de 1999 ocorreu um aumento de produtividade em relação ao ano de 1998, mas, mesmo assim, acaba ficando abaixo de 1997. Administração Participativa e Resultados Obtidos O objetivo específico desse tópico consiste em demonstrar que, com a implementação do modelo de administração participativa em uma empresa, pode ocorrer uma alavancagem nos resultados. Os últimos três anos, pelos resultados apresentados na tabela acima, permitem concluir que os modelos de administração participativa, implantados na Mangels desde o ano 1974 de maneira ininterrupta, trouxeram melhorias significativas. Foi a empresa com maior crescimento no segmento de aço de baixo e médio carbono. O quanto desse desempenho se deve à aplicação do seu sistema de administração é difícil quantificar e qualificar, pois as variáveis conjunturais e estruturais que influenciam o desempenho a longo prazo da empresa são inúmeras, mas, independentemente de qualquer verificação empírica, é possível suspeitar que uma grande parcela desse desempenho decorre da maneira como o acionista majoritário vê e trata os recursos humanos que estão a seu serviço. A identificação do desejo dos acionistas majoritários da empresa quanto à adoção de um sistema de administração que considere a participação dos empregados, a busca da qualificação e análise da percepção que os empregados têm de uma empresa participativa e o papel das lideranças na operacionalização desses conceitos foram as razões que nortearam o autor no decorrer deste trabalho. Considerações Finais Capra, ao apontar para a necessidade de novas visões para entender a nova realidade, observa que essas visões devem se basear na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial que existe em todos os fenômenos quer sejam físicos, biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Nesse sentido é recomendável que as conclusões sobre a realidade aqui estudada não sejam vistas como verdades isoladas, mas sim como verdades que devem ser interpretadas como interdependentes entre si, isto é, como aspectos que podem influenciar e ser influenciados pelo contexto da empresa pesquisada. Muito embora a natureza deste trabalho seja a de um Estudo de Caso, analisando, portanto, uma realidade específica sujeita a variáveis e condicionantes próprios e que não necessariamente afetam na mesma proporção outras empresas. Para a empresa pesquisada, destacam-se os seguintes: Verificou-se a existência de uma clara intenção dos Acionistas Majoritários de expressarem publicamente seus valores e liderarem pessoalmente o processo de mudança de uma empresa centralizadora e paternalista para uma empresa participativa; Em entrevista sobre o histórico do processo constatou-se que os principais níveis de liderança da empresa foram envolvidos na definição da Missão e Filosofia da Empresa e no processo de mudança como um todo; A empresa possui uma área de recursos humanos preparada e sensível para aplicar políticas e programas consistentes com a Missão e Filosofia da Empresa; A empresa possui uma estrutura organizacional claramente definida; Existe na empresa uma continuidade administrativa, talvez decorrente do fato dos acionistas majoritários estarem à frente do negócio. A administração participativa é um tema atual, embora alguns autores o coloquem como uma idéia ultrapassada, que já provou ter êxito no mundo organizacional. O que vimos é que trata-se de um tema atual e que representa uma alternativa viável, não só para as organizações como para toda sociedade moderna. A evolução nas formas de relação no trabalho aponta para o caminho da ampliação da autonomia do indivíduo em todas as camadas, sejam elas sociais, tecnológicas, econômicas ou políticas. A mudança ocorrida na sociedade do início do século até o momento atual, graças principalmente aos avanços tecnológicos e científicos ampliaram as áreas do conhecimento, tornando o homem moderno mais informado e exigente. Este processo teve como principal conseqüência o deslocamento do poder, antes concentrado, tanto na sociedade como nas organizações, e hoje instável e dinâmico, movendo-se por todas as camadas, adquirindo novas formas de acordo com a situação. Sabe-se que o tema é muito abrangente e passa pela educação, que é a base de todo este processo, e que muitas barreiras ainda devem ser rompidas. É preciso rompê-las, tanto do lado dos dirigentes como do lado dos dirigidos. Para a empresa se tornar participativa foi necessário que os acionistas majoritários tivessem primeiramente definidos seus valores e princípios em relação ao que eles desejavam como estilo de administração do negócio, envolvendo nesse processo toda a cúpula diretiva da empresa e persistido na introjeção desses valores na cultura da empresa ao longo tempo. O histórico dessa ideologia organizacional mostra que o processo de implantação do sistema de administração participativa na empresa teve início com a definição da Missão e da Filosofia da Empresa, na primeira metade dos anos 70. A abordagem clássica, que a princípio centrava esforços nas análises dos processos produtivos, deparou-se com a variável inesperada, preponderante para a continuidade científica dos estudos: a variável humana. Os estudiosos da administração, mais precisamente aqueles voltados à psicologia e sociologia aplicadas, estabeleceram pressupostos comportamentais e teorias motivacionais até hoje aceitas e aprofundadas continuamente que concluem ser o elemento humano fator chave nos processos produtivos. A relação da motivação e do atendimento de necessidades pessoais e organizacionais com o incremento de produtividade e lucratividade já foi estabelecida, teórica e praticamente. A administração participativa é, conceitualmente, uma prática administrativa que pressupõe o atendimento de necessidades individuais (tais como participação, sentimento de ligação ao grupo, poder de decisão), como base e mola propulsora do atingimento de necessidades organizacionais, como melhoria do clima organizacional, aumento da eficácia dos processos e lucros. A convergência dos interesses do capital e trabalho tem demonstrado, historicamente, levar a um resultado global mais satisfatório nas organizações. A definição de administração participativa é muito ampla para ser utilizada como parâmetro comparativo rígido por organizações distintas. A administração participativa é, portanto, muito mais filosofia gerencial do que uma técnica administrativa. A administração participativa pode ser considerada como mais uma alternativa na busca por instrumentos de alcance da vantagem competitiva. Aplicada em conjunto com outras medidas administrativas, a administração participativa na empresa exportadora levou-a a se tornar um destaque em seu setor de atuação em termos econômico-financeiros. Em termos de lucratividade, é importante destacar que a empresa objeto desse estudo teve uma excelente performance nos anos de 1997, 1998 e 1999, como foi comentado. A identificação do desejo dos acionistas majoritários da empresa quanto à adoção de um sistema de administração participativa, a busca da qualificação, a análise da percepção que os empregados têm de uma empresa que se diz ser participativa, o papel das lideranças na operacionalização desses conceitos, foram as razões que nortearam a investigação realizada. Bibliografia ALBUQUERQUE, L. G. Participação dos empregados nos lucros ou resultados das empresas: questões para reflexão. Revista Administração, 1991. p. 15-18. ALMEIDA, J. Produtividade Vs. Participação: Um estudo de Caso. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 1994. 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[1] Co o rd e nad o r d o C ur s o d e Co mérc io E x ter io r d a F ac uld ad e E s tác io d e Sá d e O uri n ho s - F AES O. Me s tr e p e lo Ce n tro U ni ver s i tário S a nt ´a n n a. car lo sro b er to @ f ae so .e d u.b r