Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE APTE ADV/PROC APTE ADV/PROC APDO PARTE R ADV/PROC ASSIST REPTE ORIGEM RELATOR (2008.85.01.000283-5) : : : : : : : : : : CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS GILBERTO VIEIRA LEITE NETO e outros LUCIANO BISPO DE LIMA GILBERTO VIEIRA LEITE NETO e outros MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ROBERTO BISPO DE LIMA SUSANA DE ARAGÃO NÓBREGA FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO 6ª VARA FEDERAL DE SERGIPE (COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS) : DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO) – SEGUNDA TURMA E M E N T A CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 11, INCISOS I E II, DA LEI 8.429/92. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS A MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. SENTENÇA SATISFATORIAMENTE MOTIVADA. ATO DE IMPROBIDADE SEM OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRESENÇA DO DOLO. NÃO CONFIGURADA HIPÓTESE DE DANOS MORAIS COLETIVOS. NOVA DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO. APLICABILIDADE DO ARTIGO 509 DO CPC. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa, restando por condenar os ora apelantes, e também o acusado Roberto Bispo de Lima, pela prática dos atos tipificados no artigo 11, incisos I e II, da Lei 8.429/92, impondo-lhes as sanções previstas no artigo 12, III, do referido diploma legal: a) suspensão dos direitos políticos; b) pagamento de multa civil; c) proibição de contratar com o Poder Público; d) perda da função pública; e) indenização por danos morais coletivos. 2. Não procedência das prefaciais suscitadas. A questão, ao menos em parte, foi objeto de debate no julgamento do AGTR96650-SE. 3. No julgamento da ADI 2797/DF, o STF declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, na parte em que esta introduziu o § 2º no artigo 84 do Código de Processo Penal, reconhecendo a competência do juízo de primeiro grau para pdo 1 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) julgar ação civil por ato de improbidade administrativa, não havendo falar, no caso, em foro por prerrogativa de função do acusado prefeito municipal. 4. A inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos Ministros de Estado, declarada pelo STF na Reclamação Constitucional 2.138/DF, não se estende aos prefeitos e ex-prefeitos municipais, pois o Decreto-Lei 201/1967 não obsta a aplicação da lei de improbidade administrativa a esses agentes. Inexistência de bis in idem, ante as naturezas distintas das medidas impostas por tais diplomas legais. 5. Sentença recorrida que se encontra satisfatoriamente motivada. 6. A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais. Precedentes do STF. 7. Materialidade e autoria. Quanto ao procedimento licitatório e à movimentação dos recursos repassados à edilidade, as condutas imputadas constituem-se, essencialmente, em irregularidades formais, sem motivo de comprometimento do objetivo pretendido pela Administração na execução dos programas federais. 8. Tendo em perspectiva a segunda acusação de prática de ato ímprobo – consistente nos fatos de não ter havido a identificação da origem dos recursos dos documentos que se prestariam a comprovar as despesas efetuadas; movimentação irregular de recursos mediante transferências para contas nãovinculadas aos programas federais em discussão; ter havido saques mediante cheques nominais em favor da Prefeitura; ter havido quebra do dever de transparência, real obstáculo à eficiência dos mecanismos de controle inerente aos atos públicos; e demonstração de ameaça real de desvios de verbas –, caracterizadores de exposição a risco real de desvios de verbas, e a despeito de não ter havido dano ao erário ou forma de enriquecimento ilícito, as condutas perpetradas pelos ora apelantes, LUCIANO BISPO DE LIMA e CARMEM SILVA DOS SANTOS, prefeito e tesoureira, encontram perfeito enquadramento à tipificação por ofensa aos princípios da Administração Pública. 9. Tendo em vista a natureza dos atos perpetrados, dos quais não resultou dano ao erário, nem grande repercussão no meio social daquela edilidade, não há de se falar em condenação por danos morais coletivos sofridos pelos munícipes, em decorrência da conduta dos acusados. 10. Nova dosimetria das sanções aplicadas. Em circunstâncias cuja análise revela a menor consequência do fato no agir dos acusados, no que atende aos parâmetros da proporcionalidade, pdo 2 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) fixam-se as sanções previstas no artigo 12, III, da Lei 8.429/92, nos seguintes termos: ao acusado LUCIANO BISPO DE LIMA: perda do cargo que atualmente exerce, de prefeito do Município de Itabaiana, Sergipe; pagamento de multa civil correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida, no exercício do respectivo cargo e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. Em relação à acusada CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS: perda da função de Tesoureira, se ainda a exercer; pagamento de multa civil correspondente a 5 (cinco) vezes o valor da remuneração percebida, no exercício do respectivo cargo e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. 11. Configura-se, por aplicabilidade do disposto no artigo 509 do Código de Processo Civil, o caso de litisconsórcio unitário quanto ao acusado ROBERTO BISPO DE LIMA, não recorrente, sendolhe promovida nova dosimetria das sanções, apenas no tocante à condenação por dano moral coletivo. 12. Afastada a sanção de indenização por danos morais coletivos, não comprovados nos autos, em relação aos três acusados. 13. Preliminares rejeitadas. Apelações providas em parte. pdo 3 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) A C Ó R D Ã O Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, dar parcial provimento às apelações, para reduzir as sanções impostas, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 18 de dezembro de 2012 (data do julgamento). Desembargador federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga Relator (convocado) pdo 4 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) R E L A T Ó R I O Exmo. desembargador federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga – relator (convocado): Trata-se de apelações interpostas contra a sentença de folhas 696/717, da lavra do juiz federal da 6ª Vara Federal de Sergipe, Dr. Fernando Escrivani Stefaniu, que, julgando parcialmente procedente a Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa nº 0000283-74.2008.4.05.8501, restou por condenar CARMEM SILVA DOS SANTOS e LUCIANO BISPO DE LIMA, ora apelantes, e também Roberto Bispo de Lima, acusados da prática dos atos tipificados no artigo 11, incisos I e II, da Lei 8.429/92, impondo-lhes as sanções previstas no artigo 12, III, do referido diploma legal: a) suspensão dos direitos políticos; b) pagamento de multa civil; c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; d) perda da função pública; e também indenização por danos morais coletivos. As razões recursais, coligidas respectivamente às folhas 731/757 e 762/809, subscritas pelo mesmo patrono em defesa dos ora apelantes, pautam-se em alegações de natureza preliminar e meritória, de indiscutível identidade de argumentação a demonstrar o inconformismo diante da sentença hostilizada. A questão prefacial posta em discussão subsume-se às seguintes alegações: a) ausência de fundamentação da sentença, por não constar a descrição individualizada dos atos administrativos praticados pelos demandados; b) nulidade da sentença, porquanto seria o juiz incompetente para a causa, considerando a natureza penal das sanções aplicadas e o privilégio de foro do qual é detentor o prefeito; c) inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes públicos, ao argumento de que estes já respondem por crime de responsabilidade; e d) ausência de individualização das condutas atribuídas aos acusados. No mérito, de igual sorte também se verifica identidade na irresignação dos recursos, pela não procedência pdo 5 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) da ação civil pública, com arrimo nas alegações seguintes: a) impossibilidade de responsabilização objetiva dos agentes públicos; b) inexistência de prova a desconstituir a presunção de legalidade dos atos administrativos; c) inexistência de prova pela impossibilidade de utilização do relatório da CGU, como prova emprestada, por constituir-se ofensa aos princípios do juiz natural e do contraditório; d) inexistência de prova pela nulidade do relatório da CGU, face à incompetência administrativa dos subscritores para fiscalizar verbas decorrentes de transferências obrigatórias; e) quanto ao apelante detentor do cargo de prefeito, acervo probatório demonstraria que o fracionamento da licitação teve origem em ato administrativo praticado pelo então chefe do almoxarifado da prefeitura. Por fim, os apelantes insurgem-se contra as penalidades impostas na sentença, que seriam desproporcionais aos atos praticados pelos apelantes, cuja má-fé não estaria configurada em suas condutas. Contrarrazões apresentadas, às folhas 816/831. O representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL sustenta, voltandose contra as alegações prefaciais suscitadas, a competência do juiz de primeiro grau para o julgamento das ações de improbidade administrativa, a sujeição dos prefeitos à Lei de Improbidade Administrativa e o fato de encontrar-se na sentença fundamentação suficiente e individualizada da responsabilização dos imputados. Refuta o mérito recursal. O Parquet assevera estar satisfatoriamente demonstrado o elemento subjetivo no agir dos apelantes. Diz ter a Controladoria-Geral da União competência para fiscalizar os Municípios sobre a aplicação de recursos federais da União, por intermédio do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal - SFCI. Afirma, com veemência, a observância do direito ao contraditório, não logrando a defesa constituir elemento de prova capaz de infirmar os fatos. A Dra. Maria do Socorro Leite Paiva ofertou o parecer de folhas 845/855, opinativo pelo não provimento das apelações. É o relatório. pdo 6 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) V O T O Exmo. desembargador federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga – relator (convocado): O caso é de apelações contra sentença que condenou os acusados pela prática de ato de improbidade, tipificados no artigo 11, I e II, da Lei 8.429/92. De logo, cumpre analisar sustentada pela defesa dos apelantes. a questão prefacial A propósito, é de relembrar que, ao menos em parte, o inconformismo preliminar já foi objeto de debate nesta egrégia Turma, no julgamento do AGTR96650-SE, ao qual se denegou provimento à unanimidade. Ora, no primeiro lance, quanto à aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos que tenham regime especial de responsabilidade, tem perfilhado firme a jurisprudência nesse sentido, em reiterados precedentes do STF, do STJ e mesmo deste Tribunal, sobretudo desta Segunda Turma, que não ampara a pretensão defensiva. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação nº 2.138/DF, ao reconhecer a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos Ministros de Estado, não se estende aos prefeitos. Em que pese o fato de encontrarem-se os prefeitos e vereadores sujeitos ao regime de responsabilidade políticoadministrativa previsto no Decreto-Lei 201/67, estão eles submetidos à Lei 8.429/92, uma vez que as medidas impostas pelos diplomas legais possuem naturezas distintas. Não há, portanto, bis in idem. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2797/DF, declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, na parte em que esta introduziu o § 2º no artigo 84 do Código de Processo Penal, reconhecendo a competência do juízo de primeiro grau para julgar ação civil por ato de pdo 7 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) improbidade administrativa, não havendo prerrogativa de função do acusado. falar em foro por Sob outro aspecto, também não prospera a arguição preliminar de nulidade por ausência de fundamentação da sentença, precisamente – ao dizer da defesa dos apelantes - por não constar a descrição individualizada dos atos administrativos praticados pelos demandados. Não é o caso sequer de conhecimento de tal preliminar, pois a sentença foi satisfatoriamente motivada, cujos argumentos refletem, na verdade, o entendimento de mérito de que se valeu o douto magistrado. Passo ao exame do mérito. Dos fatos, pesa contra os apelantes a acusação de suposta malversação de verbas federais repassadas à Prefeitura Municipal de Itabaiana, Sergipe, nos exercícios compreendidos entre 2003 e 2004, vinculadas ao Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE; Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE; ao Fundo de Fortalecimento da Escola - FUNDESCOLA/PAPE; ao Programa de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA; e ao Programa Nacional de Transporte Escolar-PNTE. Os atos ímprobos consistiriam, em linha geral, em ausência de identificação de origem dos recursos e de documentos comprobatórios de despesas; em movimentação irregular de recursos; em aplicação de recursos em finalidades não contempladas pelo destino regulamentar que os presidia, e frustração da licitude de carta-convite em procedimento licitatório. O procedimento administrativo foi instaurado com a finalidade de apurar suposto desvio de recursos federais e outras irregularidades na gestão do prefeito do Município de Itabaiana, Sergipe, o apelante LUCIANO BISPO DE LIMA, com base em relatórios de fiscalização da Controladoria-Geral da União, realizados em 34 programas do Governo Federal, executados no referido município; desmembrados autos, foram instaurados 9 procedimentos administrativos distintos. À época dos fatos, a apelante CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS era secretaria municipal e o acusado ROBERTO BISPO DE LIMA, presidente da comissão de licitação. pdo 8 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) No caso, o Procedimento Administrativo nº 1.35.000.000597/2005-34 teve por objeto as irregularidades apuradas pela CGU, referidas na peça inicial da presente ação civil pública, da qual, para melhor esclarecer a questão fática, tenho por necessário transcrever alguns excertos, de importância para este julgamento: Os fatos aqui expostos configuram graves atos de improbidade administrativa, previstos na Lei nº 84.29/92. Na tipologia do estatuto em referência, os atos de improbidade administrativa aqui imputados classificam-se entre aqueles que: 1) causam lesão ao erário e 2) atentam contra os princípios da administração pública. As condutas narradas, portanto, enquadram-se nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Conforme narrado, em 2003 e 2004, o gestor municipal, com a participação da tesoureira Carmen Silva Alves dos Santos e do Presidente da Comissão de Licitação (o Sr. Roberto Bispo de Lima), despendeu vultosos recursos públicos de forma absolutamente irregular e em finalidade diversa da legalmente prevista. Tais fatos importam em grave lesão ao erário e ofendem diversos princípios que regem a Administração. Como visto, o prefeito Luciano Bispo de Lima contratou carros particulares para transportar professores aos povoados, bem como para tender a outras necessidades dos órgãos públicos. Mediante contrato de aluguel de carro de particular, os demandados gastaram indevidamente, em nome do município, a importância de R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais). O então prefeito, como a inevitável participação da Tesoureira do município, a senhora CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS, também realizou diversas operações financeiras, em 2003 e 2004, sem observância das normas legais e regulamentares, permitindo, inclusive, a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento e a movimentação irregular de verbas direcionadas ao PNAE e ao PNTE. Também se verificou uma série de improbidade na CartaConvite nº 15/2004 (fls. 20/21) e, ainda, que foram descumpridas diversas cláusulas contratuais relatias à execução do Projeto de Adequação de Prédios Escolares (PAPE). Registre-se, por fim, a ausência de identificação da origem dos recursos federais na documentação comprobatória das despesas, o que obstou de forma instransponível a regular prestação de contas. pdo 9 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Nesses termos, a conduta dos imputados subsume-se às hipóteses previstas no art. 10, incisos VI, VIII, IX e XI, e no art. 11, incisos I e VI, da Lei 8.429/92. (Mantidos os destaques do original, em negrito.) Nesse cenário argumentativo, e por referência à melhor compreensão de seus fundamentos, tenho por imprescindível a leitura da sentença, nas seguintes passagens acerca da conduta imputada aos acusados, afastando a tipificação prevista no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa. In verbis: 2.4.2. - Configuração de improbidade. Ausência de identificação da origem dos recursos dos documentos comprobatórios de despesa. Movimentação irregular de recursos mediante transferências para contas nãovinculadas aos programas federais. Saques mediante cheques nominais em favor da Prefeitura. Quebra do dever de transparência. Óbice real e grave à eficiência dos mecanismos de controle inerente aos atos públicos. Exposição a risco real de desvios de verbas. No contexto específico do presente caso, ao se aportar no quadrante de alegações fundadas na ausência de identificação da origem dos recursos dos documentos comprobatórios de despesa; transferências para contas não-vinculadas aos programas federais e saques mediante cheques nominais em favor do Executivo municipal, o panorama que se impõe como realidade corresponde a um constante e inabalável padrão de comportamento gerencial pautado pela desconsideração dos registros mínimos à preservação da transparência e aferibilidade da correção nas despesas suportadas pelos repasses federais em tela. O apanhado documental aqui entranhado revela que a ausência de identificação de origem dos recursos nos documentos comprobatórios de despesas atingiu não apenas a execução de um ou outro programa de concessão voluntária de verbas federais, mas sim vários deles e por lapso temporal que se protraiu por mais de um exercício financeiro, não se podendo debitar tais eventos à conta de mero despreparo ou desorganização, tendo em vista o seu caráter contumaz e reiterado. pdo 10 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) A aposição, a posteriori, de carimbo de identificação nas notas fiscais alia-se, na verdade, ao robustecimento dos argumentos autorais, pois nada garante a sintonia entre o registro pós-fabricado e a verdadeira feição dos fatos, acusando-se assim, de forma sintomática e mais uma vez, uma possível tentativa de dissimulação de ilegalidades. Ao lado disso, a realização de 60 saques mediante cheques nominais em favor da própria Prefeitura Municipal de Itabaiana (leia-se Executivo) evidencia o propósito deliberado de impedir o rastreio dos recursos, porquanto, convertidos assim em espécie, desafiam ilícita e abusivamente - a não mais poder - a capacidade investigativa das inarredáveis instâncias de controle que se propõem, por imperativo legal, à constatação de seu destino final. Quando não se recorria ao expediente de saques mediante cheques nominais à própria Prefeitura, acrescento, promovia-se a igualmente espúria (pela finalidade intolerável de estorvar o acompanhamento da aplicação dos recursos) transferência entre contas bancárias, deixando-se indevidamente a conta especifica, rigidamente controlável, para contas outras reservadas a recursos próprios do Município (ou contas gerais), cuja auditoria, pela própria dinâmica do ingresso e retirada de valores, passa a ser assim um tanto quanto mais dificultosa. Diante da pluralidade de recursos transferidos voluntariamente ao Município, a conjunção sistemática e recorrente de práticas indevidas como (1) a falta de identificação específica e em tempo real da fonte utilizada para o pagamento de cada despesa, (2) promoção de saques para conversão dos recursos em espécie a favorecer o próprio Executivo e a (3) transferência entre contas bancárias tem, no somatório, o grave e inequívoco condão de obstar, na prática, a constatação inequívoca da origem real dos recursos despendidos e de sua destinação real final, permitindo assim - no caso concreto - que parte substancial dos mesmos possa ter sido utilizada para outras finalidades (até mesmo espúrias), dificultando a irrecusável submissão à fiscalização e quebrando, com isso, o inerente dever de transparência que deve nortear o exercício de atribuições públicas. pdo 11 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Por aqui, pois, configurada irremediavelmente a prática de improbidade. (Omissis) Postas essas balizas, há de se dizer que o réu Luciano Bispo de Lima é o protagonista maior de todas as movimentações financeiras irregulares das verbas federais, tanto no que se vê com a prática de transferência de contas específicas para contas de cunho geral titularizadas pelo Município como no que se apurou acerca da realização de saques de tais verbas mediante cheques nominais favorecendo o Executivo que então chefiava. Tais operações dependiam necessária e obrigatoriamente, pela própria natureza, de seu expresso comando, motivo pelo qual apenas o seu querer explica o fato de tais eventos, vulneradores do dever de transparência, terem ocorrido como ocorreram. Incorre ainda em inegável condescendência no que diz respeito à ausência de identificação da origem dos recursos nos documentos comprobatórios de despesa. Por derradeiro, incide Luciano Bispo de Lima em inescusável omissão intencional quando da homologação da Carta Convite nº 015/2004 no que tange ao controle de legalidade, identificando-se assim sua adesão à ilicitude ali praticada, porquanto a surreal composição das propostas em valores praticamente idênticos já constituiria fonte suficiente de suspeita para que todo e qualquer gestor responsável pela chancela do certame adotasse, caso isento, diligências mínimas no sentido de apurar a fundo o contexto no qual se desenrolou a licitação. Carmen Silva Alves dos Santos ocupava função de natureza subalterna e imediatamente subordinada em relação a Luciano Bispo de Lima. Como regra geral, diante da pequena dimensão do município, de sua estrutura quase paroquial, sua função não ultrapassa as raias da mera execução material de ordens de superiores, sem que lhe seja dada a oportunidade de exercer qualquer juízo de valor ou de decidir o que quer que seja, atuando assim como mero instrumento de desígnio dos verdadeiros detentores do poder de condução dos atos que se reputam ilícitos. Todavia, torna-se muito clara sua adesão consciente e colaborativa ao querer ilícito de seu superior hierárquico no episódio em que se detectou, por exemplo, a emissão de 60 cheques nominais em favor do Executivo, responsáveis por viabilizar saques indevidos e espúrio de recursos federais de modo a livrá-los do pdo 12 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) rígido controle a que deveriam estar submetidos. A reiteração e o modus operandi dos eventos catalogados no item 2.4.2. desta sentença atestam o conhecimento de que estava cometendo um ilícito, um desvio, ainda que dele estivesse tomando parte simplesmente por leniência. Mesmo assim, ao emprestar sua co-participação com o fito de dar ares de regularidade e/ou viabilizar materialmente tais operações, termina por atrair para si também a incidência da Lei nº 8.429/92, devendo o dimensionamento das sanções, a seu respeito, receber o temperamento recomendado por sua condição de servidora comandada diretamente por Luciano Bispo de Lima. Roberto Bispo de Lima submete-se, no caso concreto, às reprimendas da Lei nº 8.429/92 por seu protagonismo incontestável na condução da Carta Convite nº 15/2004, pontuada por uma sucessão de impropriedades de extrema relevância e gravidade que indicam, em termos contundentes, um verdadeiro embuste para dissimular a ausência de competição real quando da realização do referido certame. Todos os réus, portanto, sem embargo de participações materialmente distintas agiram - ou, quando menos, foram omissos - de forma plenamente livre e consciente (dolo genérico e direto) no sentido da concretização dos fatos substancialmente ilícitos (ímprobos) acima enumerados, quer concorrendo ativamente para tanto, quer permanecendo inerte quando, por obrigação políticofuncional elementar, tinham o dever de impedir sua ocorrência, dever este cujo cumprimento não foi obstado por nenhum empecilho que não os próprios desígnios dos demandados. Suas condutas e as correlatas consequências assumem gravidade ponderável, retratando um quadro caótico quanto à gestão dos recursos federais, no qual a licitude e princípios de primeira grandeza, aplicáveis à condução da máquina pública, foram desrespeitados à exaustão e ao curso de todo um exercício financeiro. Além disso, as posições que os agentes públicos ocupavam - Chefe do Executivo, Tesoureira e Presidente da Comissão de Licitação - foram cruciais para a execução dos ilícitos, e tal circunstância há de ser refletida quando da aplicação de medida restritiva de direitos políticos e perda dos vínculos funcionais públicos eventualmente existentes. pdo 13 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) (Omissis) Por outro lado, no decorrer da fundamentação, ficou claro que, a despeito do ato de improbidade ora reconhecido, não há prova do efetivo dano ao erário. Os fatos aqui apurados não implicam, irretorquivelmente, a conclusão de que houve lesão ao erário, bem como desvio ou apropriação de verbas públicas. É certo que o dano ao patrimônio público pode ser decorrente diretamente da violação à competitividade da licitação, mas não constitui efeito necessário e obrigatório, pois seria imperioso aquilatar se os preços praticados foram ou não superiores àqueles usuais de mercado, caracterizando superfaturamento ou consequência análoga. Por outro lado, é de se reconhecer que a burla ao dever de licitação implica quebra da legalidade e da impessoalidade, que são vetores que devem pautar a Administração Pública, bem como redunda em vantagem indevida ao contratado que não passa pela necessária concorrência do processo licitatório, em prejuízo aos princípios da isonomia, impessoalidade e da moralidade pública. Sob este último enfoque, embora não se possam enquadrar as condutas nos arts. 9º e 10, entendo ser possível subsumi-las à hipótese tratada no art. 11, I e II, da Lei nº 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (...) ser pdo Primeiramente, não merece acolhida a alegação de não possível admitir o julgamento com base exclusiva em 14 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) procedimento administrativo da Controladoria-Geral da União, principalmente se não logrou a defesa comprovar ter havido qualquer ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. A bem da verdade, tais princípios foram respeitados, como se pode observar nos autos, tendo os acusados livre acesso ao conjunto probatório produzido. O percuciente parecer da procuradora regional da República traz o seguinte, em resposta ao inconformismo dos apelantes: Ademais, não há por que não serem admitidas provas colhidas em procedimento administrativo na esfera cível, se são elas aceita nos processos criminais, onde está em jogo o direito à liberdade. Assim, repita-se, se a prova emprestada pode ser utilizada no processo crime, não há porque não admiti-la no processo cível, onde se apura atos ímprobos praticados contra a administração. Alegam, ainda, os apelantes ser a Controladoria Geral da União incompetente para fiscalizar municípios. No entanto, diante do convênio firmado entre a União, pelo Ministério da Educação/FNDE, e a Prefeitura do Município de Itabaiana/SE, tendo como objetivo alocar recursos federais para a realização de programas educacionais, o órgão de controle está apropriado, além do que, a prestação de contas deve ser feita perante o Tribunal de Contas da União. Portanto, havendo a União repassado recursos ao município de Itabaiana, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, está entre as atribuições da Controladoria Geral da União a fiscalização da aplicação das verbas, como se vê da seguinte ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS AOS MUNICÍPIOS. FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO-CGU. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas. II -A fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo. III -Recurso a que se nega provimento.(25943 DF , Relator: Min. RICARDO pdo 15 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 24/11/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-041 DIVULG 01-03-2011 PUBLIC 02-03-2011 EMENT VOL-02474-01 PP-00033 Com efeito, em vista das sanções previstas na Lei 8.429/92, as irregularidades administrativas que possam caracterizar ato de improbidade exigem, sempre, a presença do elemento subjetivo do tipo, o dolo, que se configura diante da demonstração de má-fé do administrador para com a gestão pública. Não se deve tratar de qualquer irregularidade, mormente se não há prova de haver sido o ato praticado com desonestidade pelo gestor público. Sobre o tema, sobreleva destacar a doutrina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem o “enquadramento da lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 2003, p. 688). No mesmo sentido, posiciona-se Alexandre de Moraes, cujo escólio é o de que a lei de improbidade, “não pune a mera ilegalidade, mas a conduta ilegal ou imoral do agente público, e de todo aquele que o auxilie, voltada para a corrupção. O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que, no exercício indevido de suas funções, afasta-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens imateriais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei.” (MORAES, Alexandre de. Constituição Brasileira Interpretada. São Paulo, Atlas, 2006, p. 2.739). De concluir-se, pois, que, constituindo o dolo no elemento subjetivo, os tipos de atos de improbidade previstos no artigo 11 da Lei 8.429/92 não se configuram, apenas, diante de ilegalidade administrativa, ou inaptidão funcional do gestor público. Os atos de improbidade administrativa tipificados na Lei de Improbidade Administrativa não se confundem com meras ilegalidades administrativas, inaptidões funcionais, ou inabilidade do gestor, de que não resulta enriquecimento ilícito, prejuízo aos cofres públicos ou ofensa princípios da pdo 16 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Administração. A má-fé e a desonestidade do administrador constituem-se premissa maior de todo ato ímprobo. Pondere-se, por exemplo, que o gestor público que presta contas, mesmo que de forma intempestiva, está a fornecer os meios necessários para o controle da utilização dos recursos públicos. Nesse norte, oportuna é a referência ao entendimento do desembargador federal FRANCISCO WILDO, no voto que proferiu na Apelação Cível 486078-PB, com respaldo na jurisprudência dominante, de que “a interpretação a ser dada ao artigo 11 da Lei 8.429/92 deve ser feita cum granu salis, sob pena de uma exegese tão ampla ao ponto de se considerar mera irregularidade em ato de improbidade. Portanto, afirma aquela Corte que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.” Na hipótese de ato de improbidade administrativa, passível de sofrer o agente as sanções legais, não é bastante apenas o reconhecimento do nexo causal objetivo entre o ato, ou a omissão, e o resultado, e sua subsunção a algum dos artigos da Lei 8.429/92. Exatamente por não se admitir, nessa seara, a responsabilidade objetiva, é que se faz indispensável a configuração de uma conduta dolosa, ou mais restritamente de uma conduta culposa do agente acusado. Não cabe punir, em observância ao conceito do princípio da culpabilidade, a responsabilidade do agente apenas pelo resultado do seu ato. No particular de que reveste o caso, o que realmente constitui o ato ímprobo é a conduta do gestor contra princípios da Administração Pública, a comprovar a presença do dolo genérico, não se admitindo, por óbvio, a modalidade culposa em tal caso. O elemento subjetivo deve refletir a má-fé do agente, na vontade de transgredir a norma jurídica, por conduta suficiente a caracterizar violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade à Administração Pública. Impende registrar que a comprovada desorganização administrativa, como bem reconhece a sentença, não se prestaria como prova, por si só, característica do elemento subjetivo na conduta dos apelantes. Feitas essas ponderações, ressalte-se a robustez do acervo probatório dos autos, consistente de vasta documentação pdo 17 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) - em 12 volumes de apensos, e não apenas dos relatórios da CGU -, corroborada pelos próprios depoimentos dos acusados. Cuida—se de prova consistente, sim, na demonstração de ter havido afronta aos princípios administrativos, nos limites das condutas perpetradas individualmente pelos acusados. Nesse aspecto, bem se houve a sentença em sua fundamentação, ao pautar-se na exposição da responsabilização subjetiva do comportamento dos réus, cujo elemento subjetivo do tipo se fez presente. Na sentença, como visto, os réus foram condenados como incursos no artigo 11, incisos I e II, da Lei 8.429/92, pelo que seria mesmo despiciendo dizer que não houve condenação por suposta violação ao disposto no artigo 10, incisos VI, VIII, IX e XI, do referido diploma legal. Convenceu-se o magistrado que não houve, em relação aos acusados, a prática de ato que ensejasse prejuízo ao erário. Saliente-se, porquanto oportuno, que não houve recurso do Ministério Público Federal ou do réu Roberto Bispo de Lima, pelo que se compreende a satisfação dos mesmos para com a sentença, apenas recorrida por dois dos acusados. Da atenção merecida dada à análise do caso, enfatizase que os fatos pelos quais restaram os réus condenados pela sentença ora recorrida, consubstanciam-se em duas frentes, quais sejam, vícios no procedimento licitatório e irregularidades quanto à movimentação financeira dos recursos repassados à edilidade por força dos convênios e programas educativos objeto da fiscalização da CGU, sendo certo que a análise da questão impõe a necessária distinção entre as situações dos réus, atendendo aos limites de envolvimento por suas condutas, e pelas quais foram condenados por ofensa a princípios administrativos (art. 11, LIA). Sob essa ótica, quanto às irregularidades formais no procedimento licitatório, não se verifica na sentença uma descrição das condutas dos acusados ora apelantes – LUCIANO BISPO DE LIMA e CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS - suficiente a demonstrar que tenham eles participado, direta ou indiretamente, na prática dos atos supostamente ilegais, de frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. pdo 18 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Assim, é de todo inaceitável imputar ao prefeito municipal, por mera suposição, que não encontra base em prova segura, ter ele agido por inescusável omissão intencional quando da homologação da Carta-Convite nº 015/2004, para concluir que o mesmo agira - daí a omissão a que se refere a sentença - sem observância ao estrito controle de legalidade, a ofender a licitude do certame. Também não há prova indene de qualquer dúvida de que a apelante CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS, que à época dos fatos ocupava a função de Tesoureira, tenha deliberadamente interferido nos procedimentos licitatórios, na sucessão – como registra a sentença – de indícios a indicar violação à competitividade da licitação. Em tal hipótese, a demonstração do dolo é exigência, sob pena de reconhecer a responsabilidade objetiva na conduta do agente, que não tem amparo em nosso ordenamento jurídico. Sobre o tema, colho da reiterada jurisprudência acórdãos que tem aplicabilidade ao caso, por analogia: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. LICITAÇÃO. NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO DO AGENTE PÚBLICO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. 1. Nem todo o ato irregular ou ilegal configura ato de improbidade, para os fins da Lei 8.429/92. A ilicitude que expõe o agente às sanções ali previstas está subordinada ao princípio da tipicidade: é apenas aquela especialmente qualificada pelo legislador. 2. As condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloquente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11. 3. É vedado o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial, a teor do que prescreve a Súmula 07 desta Corte. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (RESP 200601480695, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 04/09/2008.) pdo 19 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ELEMENTO SUBJETIVO. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade Administrativa. 2. Assim, é indispensável a presença de conduta dolosa ou culposa do agente público ao praticar o ato de improbidade administrativa, especialmente pelo tipo previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, especificamente por lesão aos princípios da Administração Pública, que admite manifesta amplitude em sua aplicação. Por outro lado, é importante ressaltar que a forma culposa somente é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado à lesão ao erário (art. 10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts. 9º e 11 da LIA). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem qualificou equivocadamente a conduta do agente público, pois a desídia e a negligência, expressamente reconhecidas no julgado impugnado, não configuram dolo, tampouco dolo eventual, mas indiscutivelmente modalidade de culpa. Tal consideração afasta a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da administração pública, pois não foi demonstrada a indispensável prática dolosa da conduta de atentado aos princípios da Administração Pública, mas efetiva conduta culposa, o que não permite o reconhecimento de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. 4. Provimento do recurso especial. (RESP 200601719017, DENISE ARRUDA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 01/07/2009.) Ainda quanto à acusação diante das irregularidades no processo licitatório, não me parece justo impor a condenação, apenas, pela presunção de que os acusados tenham sido favorecidos, na condição de agentes públicos, ou ainda mais pelo fato do parentesco havido entre os acusados prefeito e presidente da comissão de licitação. Tal circunstância, a meu sentir, não pode servir de aferição quanto a um maior grau de censurabilidade de seus comportamentos. pdo 20 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Noutro lance, mesmo a considerar o parentesco entre os acusados LUCIANO BISPO DE LIMA e ROBERTO BISPO DE LIMA, ou que este último exerceu algumas funções públicas por indicação do primeiro, a verdade é que, ainda no que se refere ao particular em destaque, a prova dos autos – repita-se - não demonstra a participação do prefeito como forma de interferir no procedimento licitatório. Tendo em perspectiva a segunda acusação de prática de ato ímprobo – consistente nos fatos de não ter havido a identificação da origem dos recursos dos documentos que se prestariam a comprovar as despesas efetuadas; movimentação irregular de recursos mediante transferências para contas nãovinculadas aos programas federais em discussão; ter havido saques mediante cheques nominais em favor da Prefeitura; ter havido quebra do dever de transparência, real obstáculo à eficiência dos mecanismos de controle inerente aos atos públicos; e demonstração de ameaça real de desvios de verbas –, caracterizadores de exposição a risco real de desvios de verbas, e a despeito de não ter havido dano ao erário ou forma de enriquecimento ilícito, as condutas perpetradas pelos ora apelantes, LUCIANO BISPO DE LIMA e CARMEM SILVA DOS SANTOS, prefeito e tesoureira, encontram perfeito enquadramento à tipificação por ofensa aos princípios da Administração Pública. Por afeição ao argumento que se desenvolve, nessa senda, ainda que se admitisse o enquadramento da conduta dos acusados no tipo previsto no artigo 10, VIII, da Lei 8.429/92 (frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente), a mudança na tipificação não se revelaria ser possível, pois, como antes já visto, não houve dano em detrimento ao erário federal, nem desvio ou mesmo apropriação da verba pública, pelo que não se subsumem as condutas imputadas às hipóteses dos artigos 9º e 10 da Lei de Improbidade Administrativa. No que diz respeito à dosimetria das sanções impostas, a sentença merece ser reparada na parte em que se apresenta excessiva ou desproporcional à conduta dos acusados. Assim, tendo em vista o ato de improbidade perpetrado, do qual não resultou qualquer prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, conforme reconhecido pela própria sentença, nem mesmo há demonstração de danos morais coletivos pdo 21 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) sofridos pelos munícipes, em decorrência da conduta dos acusados, é que reconheço, em parte, serem exacerbadas as sanções impostas na sentença. Nesse sentido, julgados deste TRF 5ª Região: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE ABALO MORAL AOS MUNÍCIPES. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. LICITAÇÃO IRREGULAR. DANO AO ERÁRIO. 1. Não restou comprovado nos autos o abalo moral aos munícipes, já que a inexecução do programa em estudo não configura mais do que um descrédito da máquina administrativa. Com efeito, não basta a ocorrência de ato de improbidade administrativa, pois, para a configuração de dano moral em casos como este, faz-se necessário que tal ato provoque significativa repercussão no meio social, sendo insuficientes alegações de insatisfação da coletividade com a atividade administrativa. Precedentes. 2. Não há inversão do ônus da prova em imputar ao réu a comprovação de alegação por ele feita em contestação. 3. Prestação de contas feita com quase três anos de atraso e de forma incompleta, com provas suficientes para demonstrar a inconsistência de vários dos valores apresentados e a existência de transferências irregulares feitas da conta do FNDE. 4. Contratação de empresa de forma fracionada consistente em burla à necessidade de licitação e dano ao Erário, com notas fiscais não compatíveis com as informações fornecidas ao Fisco, sem comprovação de que os produtos correspondentes a essa discrepância tenham sido fornecidos. 5. Apelações do Ministério Público Federal e de José Renato Vieira Brandão improvidas. (AC 00064507620094058500, Desembargador Federal Marco Bruno Miranda Clementino, TRF5 - Quarta Turma, DJE Data::05/07/2012 - Página::710.) ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. INÉPCIA DO RECURSO E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. INEXECUÇÃO DE CONVÊNIO FORMULADO POR PREFEITO COM O FNDE. INEXISTÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PROVA. APELO NÃO PROVIDO. 1. O MPF fundamentou sua pdo 22 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) irresignação na ocorrência de danos morais coletivos causados à população de Petrolina/PE em razão da ausência de aplicação adequada dos recursos provenientes de convênio firmado entre o referido Município e o FNDE, com fulcro na Lei nº 7.347/85 e no artigo 927 do Código Civil, o que deve ser apurado pela análise meritória da apelação, não havendo que se falar em inépcia do recurso por ausência de fundamentos de fato e de direito. 2. Visto que a redação do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) prevê a responsabilização pelos danos morais causados à coletividade, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido formulado pelo MPF. 3. O convênio de nº 68.102/1999 (fls. 53/60 das peças de informação) celebrado entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE e o então Prefeito do Município de Petrolina/PE, Guilherme Cruz de Souza Coelho, teve por objetivo o repasse de recursos financeiros por meio do Programa Nacional de Saúde Escolar, visando a aquisição de óculos para alunos da 1ª série do ensino fundamental, nas redes estadual e municipal, que necessitem de correção visual no âmbito da Campanha Nacional de Reabilitação Visual - "Olho no Olho". 4. Diante da não aplicação da verba liberada pelo Ministério da Educação, e da ausência de prestação de contas no prazo fixado, o FNDE instaurou procedimento de Tomada de Contas Especial (fl. 82 das peças de informação), apontando a responsabilidade do ora apelado pelo pagamento de R$ 20.999,61 (vinte mil, novecentos e noventa e nove reais e sessenta e um centavos), dívida atualizada até 20.09.2006, conforme demonstrativos de débitos às fls. 124/128 das peças de informação. 5. No que tange aos danos morais, em que pese a possibilidade de configuração de danos extrapatrimoniais à população do município em decorrência de atos de improbidade administrativa no âmbito da Administração, verificase que, no caso concreto, não restou comprovado o abalo moral aos munícipes, ocorrendo a mera suposição de descrédito da máquina administrativa. 6. Visto que o não cumprimento adequado, por parte do réu, do convênio sob discussão e a não prestação de contas no prazo fixado geraram para o Município de Petrolina/PE prejuízos de cunho estritamente patrimonial, apurados pdo 23 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) por meio de Tomada de Contas instaurada pelo FNDE, não há que se falar na ocorrência de danos morais coletivos na questão sob análise. 7. Preliminares arguidas pelo réu rejeitadas. Remessa oficial e Apelação do MPF não providas. (AC 200783080014891, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Primeira Turma, DJE Data::28/01/2010 - Página::106.) Nesse aspecto, em circunstâncias cuja análise revela a menor consequência do fato no agir dos acusados, entendo ser adequado e justo, no que atende aos parâmetros da proporcionalidade, fixar as penas nos seguintes termos: 1) em relação ao acusado LUCIANO BISPO DE LIMA: perda do cargo que atualmente exerce, de prefeito do Município de Itabaiana, Sergipe; pagamento de multa civil correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida, no exercício do respectivo cargo e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos; 2) Em relação à acusada CARMEN SILVA ALVES DOS SANTOS: perda da função de Tesoureira, se ainda a exercer; pagamento de multa civil correspondente a 5 (cinco) vezes o valor da remuneração percebida, no exercício do respectivo cargo e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. Afasto, em relação a ambos os recorrentes, as penas de suspensão dos direitos políticos e condenação em danos morais coletivos. Ainda neste último aspecto, de necessária nova dosimetria das sanções impostas, configura-se, por aplicabilidade do disposto no artigo 509 do Código de Processo Civil, o caso de litisconsórcio unitário quanto ao acusado ROBERTO BISPO DE LIMA, não apelante, em relação à não caracterização dos danos morais coletivos, nos termos da fundamentação supra, aproveitando-lhe, no ponto, o afastamento de tal sanção. pdo 24 Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 5ª Região Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga (convocado) APELAÇÃO CÍVEL nº 539092/SE (2008.85.01.000283-5) Ante o exposto, REJEITO AS PRELIMINARES e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO às apelações, para reduzir as sanções impostas aos acusados, inclusive a Roberto Bispo de Lima, nos termos já fixados e da fundamentação supra. É como voto. pdo 25