O GESTOR ESCOLAR FRENTE O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO NO
PLANEJAMENTO DO TRABALHO ESCOLAR: DIMENSÕES E
SIGNIFICADOS
Marcelo Soares Pereira da Silva1
A construção da gestão democrática da educação exige que aprofundemos,
cada vez mais, nossas reflexões e nossos fundamentos sobre a participação, seus
significados, suas dimensões e suas características. Como gestor na escola ou no
sistema de ensino, você sabe dos grandes desafios que precisam ser enfrentados de
modo a viabilizar a participação dos diferentes segmentos na organização da escola.
Por isso, vale à pena refletir um pouco mais sobre o tema da participação.
Quando pensamos a participação no processo de planejamento da escola,
especialmente no processo de elaboração e implementação de seu Projeto Políticopedagógico, podemos incorrer na concepção de que essa participação é influenciada
apenas por agentes e fatores internos da escola. Por certo, a forma como se estrutura
a escola – e os meios que proporcionam maior abertura à participação – estão
relacionados aos ideais do Estado e aos modelos de produção que engendram essa
escola.
O debruçar sobre a questão das relações de poder entre Estado e escola nos
possibilita afirmar, ao lado Gracindo (1997), Dourado e Paro (2001), Frigotto (1991) e
Silva (2002), que o Estado tende a impingir os ideais neoliberais inclusive na escola,
sugerindo uma não interferência do Estado na área administrativa, alegando maior
abertura para a participação. Veiga (2001, p. 32) avalia que:
“o Estado, ao se descomprometer com a escola, tem levado a que essa escola procure
caminhos próprios para se manter, inclusive, no que se refere às suas necessidades financeiras
e econômicas relativas ao seu custeio e a sua manutenção. As responsabilidades que caberiam
aos governos centrais e regionais têm sido remetidas para os governos locais, os municípios, e
para as próprias unidades escolares, dando a idéia de que podem se auto-gerir. A escola acaba
por se defrontar com um novo desafio no sentido de se organizar segundo as necessidades do
mercado”.
As mudanças no contexto sócio-político que penetram e permeiam o cotidiano
escolar se articulam com as mudanças ocorridas no próprio modo de produção
capitalista na contemporaneidade. O sistema de automação influencia o modelo de
produção das indústrias, com implicações em diferentes instituições, dos diversos
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Professor na Universidade Federal de Uberlândia.
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campos sociais, inclusive a escola. Nesse movimento de transformação nos processos
produtivos, os novos modelos de gerenciamento e produção adotados nas indústrias
apontam para uma maior participação dos trabalhadores, a fim de se obter melhor
desempenho econômico através da aproximação entre a cúpula da empresa e a sua
base.
Desse modo, a participação é afirmada como um meio de se ter um bom
crescimento da empresa, possibilitando a solução de problemas. Mota (1986, p. 86)
chama atenção para o fato de que “diversos pesquisadores voltaram-se para o estudo
das relações existentes entre o tipo de tecnologia adotada e a estrutura social das
organizações” e mais adiante destaca algumas das mudanças que vêm ocorrendo no
mundo das empresas:
“Surgem conselhos de representantes, comitês de empresa, comissões de fábrica, etc. Embora
essas formas de participação estejam freqüentemente associadas à idéia de autonomia e de
democratização das relações do trabalho, do ponto de vista administrativo elas desempenham
um papel de mecanismo de ligação entre a base e a cúpula, além de agirem como mecanismo
de coesão e formação de consenso (Mota, 1986, p.91)”.
É, pois, preconizada certa abertura para a participação nas empresas, porém
sob a lógica do controle, da busca pela eficiência e eficácia, traduzidas na melhoria dos
índices de produtividade.
Também no campo da gestão da educação e da escola o tema da participação
tem se colocado com maior força. Veiga (1998, p. 67) chama atenção para a
centralidade que tal tema tem assumido na organização do campo educacional, ainda
que com os diferentes contornos que lhe têm sido atribuídos:
A participação é hoje uma idéia força e uma palavra chave. Apesar de as recomendações sobre
a temática terem começado a aparecer no Brasil por volta da década de 1970, ela foi
implementada e mais fortemente estimulada pelo próprio Estado da década de 1990. Nos anos
80, a participação estimulada pelo Estado objetivava resolver problemas de ordem econômica,
para os quais não havia verbas.
Pazeto (2000, p. 16), por sua vez, avalia que:
“a idéia de gestão contém a concepção de coordenação e de participação. A participação
constitui um dos componentes indispensáveis da gestão, particularmente quando ela é fruto do
quadro de atores, quando ela é da sua atuação responsável. A diversidade de formas de
participação e a intensidade com que ela é exercida, correspondem ao grau de identificação e
de comprometimento dos integrantes com a missão e o projeto da instituição. A solidariedade e
a reciprocidade e o compromisso são valores que justificam a participação no processo de
gestão”.
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Certamente, a participação na escola deve orientar-se de modo que a
comunidade escolar esteja comprometida com a melhoria da escola, o que envolve não
apenas os conteúdos, mas, também, os processos de tomada de decisão relativos aos
aspectos administrativos, pedagógicos e organizacionais que envolvem todo ambiente
escolar. A defesa da participação se constitui, portanto, em caminho fundamental para
a democracia, o que implica em se romper com as estruturas que produzem relações
hierárquicas de poder, marcadas pelo centralismo e o autoritarismo, na direção de uma
maior abertura e efetiva participação dos diferentes segmentos na definição e na
construção dos rumos da escola.
Todavia, se por um lado é possível reconhecer a centralidade e urgência do
tema da participação no campo da gestão da educação, por outro, é preciso
reconhecer, também, que essa participação, no contexto das organizações, inclusive a
escola, representa um fenômeno complexo, de múltiplas faces e características. Ou
seja, a idéia, o conceito e a prática de participação são ambíguos e podem refletir
diversas realidades, o que conduz a diferentes formas de se conceber e classificar o
ato de participar.
Lima (2003), ao tomar a escola como foca de estudo, chama a atenção para o
fato de que a participação no contexto da organização escolar deve considerar não
apenas o que está definido nos plano das orientações para a ação organizacional, mas,
também, e principalmente, o que se realiza no plano da ação organizacional. A propor
essa perspectiva de análise, o autor destaca que, além de se considerar as estruturas e
regras formalmente instituídas na escola, é preciso voltar o olhar para um nível
intermediário e um nível profundo da organização escolar. O reconhecimento desses
níveis de organização da escola possibilitaria o apreender a existência de regras não
apenas formais, mas, também, as regras não-formais e as regrais informais. Como
explica Lima (2003, p.53):
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“a distinção entre regras não formais e regras informais obedece principalmente a um critério
de estruturação (maior ou menor). Como vimos, as regras formais são totalmente
estruturadas e fixadas em documentos. Já as regras não formais apresentam uma
estruturação de tipo diferente, dado o seu caráter não oficial, a sua circulação geralmente
mais restrita e o seu alcance mais limitado. Produzidas no seio da organização, são regras
estruturadas ou semi-estruturadas, que podem tomar forma escrita e que tanto podem
orientar para a formulação e procedimentos operativos das regras formais, como para áreas
de intervenção não formalmente regulamentadas ou legalmente consideradas. Por seu turno,
as regras informais são regras não estruturadas, são, geralmente, ainda mais circunstanciais
e podem não ser generalizadas a toda ou a largos setores da organização. Têm um alcance
mais limitado, podendo ser mesmo produzidas de forma ad hoc para a resolução de um
problema específico. A sua existência raramente está detectada através de documentos
escritos, podendo, quando muito, inferir se através de actos e decisões. Circulam menos
abertamente na própria organização, podendo, em casos extremos, assumir alguma
confidencialidade ou mesmo revestir se de um certo secretismo. São regras geralmente
produzidas e partilhadas por pequenos grupos e, se umas vezes são a afirmação de um grau
de autonomia possível, e legítima do ponto de vista formal, outras vezes assumirão a
realização de interesses particulares não passíveis de legitimação formal, à resolução de
problemas que não é possível admitir à face da lei sem incorrer em sanções, um certo tipo de
regulação e funcionalidade que pode contrariar frontalmente os requisitos formalmente
estabelecidos (Lima, 2003, p.54)”.
Considerando esses diferentes graus de formalização das regras, Lima (2003)
propõe diferentes tipos de participação, considerando-se a existência de regras e
regulamentações. A participação formal se estrutura a partir de documentos, de modo
que legitima certas formas de intervenção e impede outras. Por sua vez, a participação
informal, produzida e partilhada em pequenos grupos, pode constituir-se a partir de
uma regra não-formal, admitindo-se outros desenvolvimentos e outras adaptações não
previstos nas normas e nos regulamentos. Nessa perspectiva de análise, o autor
propõe quatro critérios para análise da participação praticada: democraticidade;
regulamentação;
envolvimento;
orientação.
Com
base
nesses
critérios
são
apresentados vários tipos e graus de participação.
Pelo critério da democraticidade, a participação se caracterizaria pelo seu
caráter de uma participação direta ou uma participação indireta. Na participação direta,
há a intervenção direta dos sujeitos no processo de tomada de decisões, sendo
realizado tradicionalmente pelo exercício do direito de voto. A participação indireta, por
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sua vez, é realizada por intermédio de representantes designados, podendo ser
convocados de diferentes formas e com base em diferentes critérios. Esse segundo
tipo de participação pode ser válido, mas é preciso cuidado para que o representante
não considere apenas o seu próprio interesse.
A partir do critério da regulamentação são propostos três tipos de participação:
formal, não formal e informal. No primeiro caso, a participação praticada teria como
referência as regras formalmente instituídas, as quais regulamentariam o exercício, as
orientações e as limitações em que ela se desenvolveria, de modo que essas regras
legitimariam certas formas de intervenção e impediriam, em termos formais, outras
formas.
De outra parte, a participação não formal se realizaria tendo como base regras
menos estruturadas formalmente, de modo que esse tipo de participação implicaria
sempre uma ação de interpretação das regras formais, o que poderia levar tanto à
manutenção quanto à mudança da realidade existente.
A participação informal, por sua vez, teria como referência as regras informais,
não estruturadas formalmente. Na maioria das vezes, esse tipo de participação se
realiza em pequenos grupos e em torno de objetivos específicos, não definidos pelas
regras formais, e podem estar orientados no sentido de uma oposição a essas regras,
ou mesmo em complementaridade a elas.
A ação dos sujeitos da escola, no que diz respeito ao desenvolvimento da
instituição, pode evidenciar diferentes níveis de empenho, de atitudes e de
comprometimento frente às possibilidades de participação na organização escolar.
Nesse sentido, a participação se definiria pelo grau de envolvimento, que envolveria
três tipos de participação: ativa, reservada e passiva (Lima, 2003).
No contexto escolar a participação ativa caracteriza-se pelo conhecimento
profundo dos agentes da escola sobre os seus direitos e deveres. As pessoas que se
situam neste grupo são aquelas que utilizam de recursos tais como: eleição de
representantes; divulgação de informação; recursos a lutas sindicais e greves; além de
formas
de
contestação
e
oposição.
São
indivíduos
comprometidos
com
a
transformação efetiva das atuais condições da escola, sugerindo, opinando e agindo.
De outra parte, há realidades em que existe o envolvimento mínimo dos
participantes, sem expressão e com atitudes de desinteresse e alheamento, onde se
configura o que se denomina de participação passiva. São representados por aqueles
que não se envolvem, ou se envolvem o mínimo, não comparecem em certas reuniões
e não obtém informações, o que conduziria a uma alienação de responsabilidades.
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Ainda de acordo com o critério do envolvimento, a participação pode assumir as
características de uma participação reservada, situando-se num ponto intermediário
entre a participação ativa e a participação passiva. Tal tipo de participação caracterizase por atividades menos voluntárias e sem empenho de recursos. Representa aqueles
que, para não se comprometer, preferem não opinar e não correr certos riscos, não se
comprometendo com o futuro.
Sob o critério da orientação, a participação praticada é vista sobre dois
ângulos: convergente e divergente. A participação convergente se orientaria para o
consenso com vistas a realizar os objetivos formais definidos; de outra parte, a
participação divergente se traduziria nas rupturas e contraposições às orientações
oficialmente estabelecidas.
A não-participação ocorrida na maioria das escolas também deve ser analisada,
pois essa não participação, de certa forma, constitui-se num tipo de participação.
No plano das orientações para a ação organizacional, a não participação pode
ser consagrada ou decretada. A não participação consagrada se definiria a partir da
não regulamentação da participação, por meio da omissão das regras para que
participação pudesse ocorrer. De outro modo, a não participação decretada se
configuraria quando se estabelecem exceções ou situações específicas para que a
participação não venha a se efetivar; ou quando se explicita os casos em que é vedada
a participação de algum setor, ou segmento. Nessa perspectiva, a não participação
decretada seria uma forma de não participação imposta ou forçada.
Referenciando-se ao plano de ação organizacional, a não-participação pode ser
tipificada em imposta ou forçada, induzida e voluntária. A primeira decorreria de
orientações predominantemente externas ou internas à organização; a segunda estaria
relacionada aos processos e às dinâmicas institucionais que conduzissem ou
inviabilizassem a efetiva participação; e, por último, a não participação voluntária
decorreria de escolhas individuais ou de estratégias de grupos e subgrupos, sem que
houvesse elementos de imposição ou indução dessa não participação.
A perspectiva de análise e a tipologia propostas por Lima (2003) não devem ser
tomadas como modelos fechados de interpretação da realidade. É preciso que a
participação e a não participação nos processos de trabalho no contexto das
instituições
e
sistemas
educativos
possam
assumir
diferentes
contornos
e
características, sendo que, com freqüência, será possível encontrar em um mesmo
contexto formas distintas da participação se realizar ou não, seja no plano da prática
da ação organizacional ou no plano das orientações para ação.
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Ao gestor educacional é fundamental ter clareza, teórica e prática, de que a
participação não se realiza de uma única forma e sempre com as mesmas
características.
Por fim, como alerta Lucas (1975), apenas o ato de participar não implica que
isso será de fato bom. A participação é um tema que está em voga, mas precisamos
analisá-la compreendendo suas diversas faces. Todos a desejam, mas por vezes os
envolvidos estão poucos satisfeitos com as tentativas de alcançarem suas pretensões.
Portanto, cabe ao gestor educacional ter clareza quanto aos caminhos que
pretende construir, de modo a se criar condições para que a participação seja a mais
ampliada e efetiva possível, tanto nos processos de tomada de decisão quanto na
organização dos trabalhos nas instituições e nos sistemas educativos. Por certo,
nenhuma forma de participação é plenamente satisfatória. Há sempre vantagens e
desvantagens. Mesmo que encontremos dificuldades e diversidades, a participação
ainda é o meio mais democrático para uma educação responsável. Saber encontrar
caminhos para lidar com inúmeros participantes possibilitará que a participação seja
mais concreta e justa.
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