TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2014.0000090825 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que são apelantes ANDRÉ AZEVEDO MARQUES DE CAMPOS, ANDRÉ AZEVEDO MARQUES DE CAMPOS (E OUTROS(AS)), ELAINE BRAGA RIZZO DE CAMPOS, FABIO LUIZ RAMOS, ADRIANO FÉLIX DOS SANTOS, GUSTAVO ÂNGELO LOPES, PAULO AUGUSTO RAMOS, RAMOS ODONTOLOGIA SOCIEDADE SIMPLES LTDA-ME, FÉLIX ODONTOLOGIA SIMPLES LTDA-ME, ITUPEVA CAMPOS E RIZZO CLÍNICA ODONTOLÓGICA LTDA ME, AZEVEDO & RAMOS JARAGUÁ DO SUL ODONTOLOGIA SOCIEDADE SIMPLES LTDA-ME, AZEVEDO & RAMOS ODONTOLOGIA LTDA-ME e CLÍNICA ODONTOLÓGICA RIZZO LTDA-ME, é apelado ODONTOCLINIC S/A. ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARALDO TELLES (Presidente sem voto), LÍGIA ARAÚJO BISOGNI E TASSO DUARTE DE MELO. São Paulo, 17 de fevereiro de 2014 RICARDO NEGRÃO RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo VOTO Nº APEL. Nº COMARCA APTE. APDO. : 25.286 (EMP) : 1006878-60.2013.8.26.0068 : BARUERI : ANDRÉ AZEVEDO MARQUES DE CAMPOS E OUTROS : ODONTOCLINIC S/A PRAZO Contrarrazões recursais Processo digital Protocolização por meio físico Inadmissibilidade Inteligência do art. 21, § 1º, da Resolução n. 511/2011 do TJSP Protocolo desconsiderado Superveniente protocolo digital quatro dias depois do término do prazo para responder a apelação Intempestividade reconhecida Contrarrazões não conhecidas SENTENÇA Julgamento antecipado da lide Sentença prolatada sem oportunizar réplica Violação do princípio do contraditório Hipótese, porém, em que autores supervenientemente tomaram conhecimento dos argumentos da defesa e dos documentos juntados, possibilitando-se na apelação a impugnação da contestação e dos documentos juntados Vício sanado Desnecessidade de dilação probatória Preliminar de nulidade da sentença rejeitada CONTRATO DE ADESÃO Franquia Cláusula compromissória cheia Exigência legal de que seja escrita em negrito e com assinatura ou visto especial (Lei n. 9.307/96, art. 4, § 2º, segunda parte) Hipótese, porém, em que própria franqueada pediu ao órgão arbitral que mediasse o conflito existente entre os contratantes Superveniente instauração de processo arbitral pela franqueadora, ao qual a franqueada anuiu, formulando ainda pedido reconvencional e participando ativamente da redação de Regulamento de Arbitragem especialmente elaborado para o caso concreto Comportamento contraditório da franqueada ao postular a anulação da sentença arbitral sob fundamento de invalidade e ineficácia da cláusula compromissória (venire contra factum proprium) Inadmissibilidade Anulatória improcedente Apelação improvida SENTENÇA ARBITRAL Pedido de anulação pautado na falta de prova de lucros cessantes, na inadmissível condenação cumulativa ao pagamento de multa contratual e de lucros cessantes, bem como na falta de previsão específica de multa por concorrência desleal Impossibilidade de revisão da matéria de mérito pelo Poder Judiciário Exame limitado aos aspectos formais Inexistência de bis in idem, pois a multa contratual e os lucros cessantes têm causa distintas Anulatória improcedente Apelação improvida SENTENÇA ARBITRAL Pedido de anulação pautado na Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo alegação de extemporaneidade da sentença (LA, art. 32, VII) Improcedência Utilização pelo Tribunal Arbitral da faculdade de prorrogar o prazo para prolação da sentença, mediante simples comunicação às partes Termo de Arbitragem neste sentido Formalidades observadas pelo Tribunal Arbitral Inexistência, ademais, de notificação ao Árbitro Presidente para que prolatasse a sentença em dez dias contados da expiração do prazo ajustado, conforme prescreve o art. 12, III, da Lei n. 9.307/96, art. 12, III) Anulatória improcedente Apelação improvida SENTENÇA ARBITRAL Julgamento extra petita Argumento de que somente pessoas jurídicas franqueadas poderiam ser condenadas ao pagamento de multas e indenizações Improcedência Aditamento do Termo de Arbitragem para incluir os sócios das franqueadas (pessoas físicas) no processo arbitral Anuência expressa dos sócios das franqueadas Nulidade inexistente Anulatória improcedente Apelação improvida Dispositivo: negam provimento. Recurso de apelação interposto pelo Sr. André Azevedo Marques de Campos, Sra. Elaine Braga Rizzo de Campos, Sr. Fábio Luiz Ramos, Sr. Adriano Félix dos Santos, Sr. Gustavo Ângelo Lopes, Sr. Paulo Augusto Ramos, Marques e Ramos Odontologia Sociedade Simples Ltda. ME., Félix Odontologia Simples Ltda. ME., Itupeva Campos e Rizzo Clínica Odontológica Ltda. ME., Azevedo & Ramos Jaraguá do Sul Odontologia Sociedade Simples Ltda. ME., Azevedo & Ramos Odontologia Ltda. ME. e Clínica Odontológica Rizzo Ltda. ME. dirigido à r. sentença proferida pela Dra. Renata Bittencourt Couto da Costa, MMª. Juíza de Direito da E. 4ª Vara Cível da Comarca de Barueri que julgou improcedente pedido de declaração de nulidade de sentença arbitral que solucionou litígio existente entre os apelantes e Odontoclinic S/A. Consignou a i. Magistrada sentenciante que as cláusulas compromissórias cheias previstas no contrato são válidas e que delas os autores tiveram plena ciência, aceitando-as. Ademais, os próprios autores iniciaram o procedimento de mediação que, infrutífero, foi convertido em processo arbitral com assinatura do compromisso arbitral, posteriormente aditado pelos recorrentes para incluir as pessoas físicas no processo arbitral. Ao assim procederem as pessoas físicas sujeitaram-se Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo aos pedidos deduzidos pela ora ré de responsabilização por alegada e eventual concorrência desleal , agindo o Tribunal Arbitral dentro dos limites da convenção de arbitragem ao condenar as pessoas físicas ao pagamento de multa pela concorrência desleal constatada. Consignou que os árbitros não cometeram erros de julgamento, apreciando todos os pontos colocados pelos litigantes em decisão bem fundamentada. Não bastasse isso, o Poder Judiciário não pode alterar, revisar ou modificar decisão arbitral, consoante dicção do art. 18 da Lei de Arbitragem, limitando-se à apreciação de eventuais vícios formais da sentença arbitral, inexistentes no caso concreto (fl. 702-718). Em razões recursais os recorrentes suscitam preliminarmente, nulidade da sentença por inobservância ao devido processo legal, caracterizada pelo tolhimento do direito à réplica e à manifestação sobre os documentos juntados com a contestação (CPC, art. 398). Quanto ao mérito, reiteram a tese de nulidade das cláusulas compromissórias, destacando que nos contratos de adesão a cláusula compromissória é eficaz somente se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula (Lei n. 9.307/96, art. 4º, § 2º). E, no caso concreto, não houve nos contratos de adesão o destaque previsto na lei, não sendo ratificável aquilo que é nulo (CC, art. 166, IV, e 169). Tampouco “o simples fato dos apelantes não terem se insurgido contras as cláusulas compromissórias” durante o processo arbitral é suficiente para afastar a nulidade das mesmas (CC, art. 169). Afirmam, ainda, que a sentença arbitral pode e deve ser revista e anulada pelo Poder Judiciário quando constatado flagrante descumprimento da ordem legal, como o julgamento extra petita, caracterizado pela condenação dos apelantes ao pagamento de lucros cessantes quando houve pactuação de multa compensatória. Além de não comprovados os lucros cessantes, sua cumulação com a multa compensatória configura bis in idem. Ademais, ainda que mantida a condenação a “perdas e danos”, o valor da condenação não pode ultrapassar o montante da multa compensatória, fixada contratualmente em R$ 150.000,00. Repisa a nulidade da sentença arbitral proferida fora do prazo inicialmente previsto (Lei n. 9.307/96, art. 32, VII e cláusulas Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 9.8 e 9.9 do termo de compromisso de arbitragem), ressalvando que a prorrogação do prazo não prescinde de anuência expressa das partes e árbitros (LA, art. 23). Insistem, ainda, que a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, narrando que as pessoas jurídicas franqueadas impugnaram por petição o pedido de inclusão das pessoas físicas (fl. 425-430). Afirmam que a inclusão das pessoas físicas deu-se com a clara e exclusiva intenção de impedir sua atuação no mesmo ramo de atividade da franqueadora. Assim, não podem as pessoas físicas serem compelidas ao pagamento em pecúnia, especialmente porque inexiste nos contratos “quaisquer penalidades contratuais ESPECÍFICAS a serem aplicadas na hipótese de descumprimento da cláusula de não concorrência” (fl. 739). Por fim, prequestionam os arts. 107, 66, IV e 169, todos do Código Civil; o art. 2º, § 4º, da Lei n. 9.307/96; o art. 23, parágrafo único, da Lei n. 9.307/96 e o art. 5º, LV, da Constituição Federal (fl. 726-741). Juntou documentos em fl. 743-744. Preparo em fl. 742. Contrarrazões em fl. 753-79 apontando para o comportamento contraditório dos apelantes (venire contra factum proprium), negando a impossibilidade de discussão das cláusulas contratuais inclusive a compromissória , e defendendo a manutenção da r. sentença. Distribuído o recurso ao Relator, sobreveio petição defendendo a intempestividade das contrarrazões recursais (fl. 805-809). É o relatório do essencial. O recurso é tempestivo: a r. sentença foi disponibilizada em 7 de agosto de 2013 e o protocolo se deu treze dias depois (fl. 719 e 726), dentro da quinzena legal. I DA INTEMPESTIVIDADE DAS CONTRARRAZÕES A apelada foi intimada para responder o recurso por decisão disponibilizada em 9 de outubro de 2013 (fl. 752), iniciando-se o prazo legal no dia 11 daquele mês (sexta-feira). Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo O término do prazo recaiu no dia 25 de outubro (sextafeira), data em que houve o protocolo físico da petição. Porém, o protocolo físico é inadmissível no processo eletrônico, conforme art. 21, § 1º, da Resolução n. 511/2011 do Tribunal de Justiça bandeirante. Ora, são somente duas as exceções à proibição do protocolo físico: (a) os pedidos formulados no Juizado Especial e em Habeas Corpus sem assistência de advogado (art. 19); e (b) quando houver risco de perecimento de direito (art. 8º, II). E, no caso concreto, não se verifica nenhuma dessas situações, motivo pelo qual a data do protocolo físico deve ser desconsiderada. Tem-se, pois, que a protocolização digital das contrarrazões recursais, aos 29 de outubro, é extemporânea. Destarte, não se conhece a resposta recursal de fl. 753-792 e os documentos que a acompanham. II DA SENTENÇA Aos fundamentos supramencionados a i. Magistrada singular acrescentou cumprir aos árbitros decidirem acerca da validade da cláusula compromissória, mas os autores jamais impugnaram a cláusula compromissória ou a própria arbitragem durante o seu curso a não ser após a prolação da sentença arbitral que lhes foi desfavorável e não obstante o Tribunal Arbitral reconheceu a validade e eficácia das mencionadas cláusulas, nos termos do art. 8º, § 2º da Lei de Arbitragem. Destacou que os próprios apelantes deram início ao procedimento de mediação perante o IMAB e concordaram em iniciar o processo arbitral para solução de suas pendências, “tendo inclusive aditado o termo de arbitragem para incluir as pessoas físicas no processo arbitral” (fl. 708). Ademais, os autores só se insurgiram contra a arbitragem após restarem vencidos, o que caracteriza seu inconformismo com a derrota, e não com a arbitragem em si. Por fim, consignou que a sentença arbitral foi proferida dentro do prazo permitido no regulamento, tendo os árbitros Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo pugnado como permitido no regulamento por dilação de prazo para apresentação da sentença, inexistindo irregularidade ou ilegalidade na decisão. Ao final, indeferiu o pedido de antecipação da tutela, pela ausência de fumus boni iuris, pela presunção de legalidade da sentença arbitral e a impossibilidade de se suspender os efeitos de título executivo judicial, salvo em hipóteses específicas, não caracterizadas no caso concreto (fl. 702-718). III DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA Ainda que não tenha sido oportunizada a apresentação de réplica corolário do princípio do contraditório, cf. art. 326 do CPC ao recorrerem da r. sentença os autores tomaram conhecimento dos argumentos da defesa e dos documentos juntados, sendo-lhes possível replicar e impugnar os documentos trazidos pela ré. Desaparecendo o prejuízo inicial, tem-se como sanado o vício verificado na fase inicial do processo. Ademais, a matéria é exclusivamente de direito, pautando-se o exame do pedido fundamentalmente nos autos do processo arbitral. Desnecessária, pois, dilação probatória. Com esses fundamentos, rejeita-se a preliminar. III DO MÉRITO III.1. VALIDADE E COMPROMISSÓRIAS EFICÁCIA DAS CLÁUSULAS Os recorrentes alegam invalidade e ineficácia das cláusulas compromissórias pactuadas nos diversos contratos de franquia sob o argumento de que não estão destacadas no contrato conforme exigência do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96. A apelada sustenta que os contratos não são de adesão, mas ainda que o fossem os autores reconheceram expressamente a competência do Tribunal Arbitral ao postularem que o órgão extrajudicial mediasse o conflito e ao anuírem à instauração do processo Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo arbitral após infrutífera mediação. Embora a recorrida negue tratarem-se de contratos de adesão, verifica-se a padronização das cláusulas contratuais, com pequenas divergências redacionais e quanto à base de cálculo de multas contratuais. Tais divergências, porém, decorrem do longo ínterim entre a assinatura de uns e outros contratos de franquia, entre os anos de 2005 e 2012. Também é certo que as cláusulas compromissórias não foram redigidas em negrito ou contam com assinatura ou visto especial (Lei n. 9.307/96, art. 4º, § 2º, segunda parte), embora a indicação da existência das cláusulas compromissórias as últimas em todos os contratos, logo acima das assinaturas dos contratantes esteja escrita em negrito. Não obstante, as autoras aderentes utilizaram-se da ora atacada cláusula compromissória e no mês de abril de 2011 postularam ao órgão arbitral que mediasse o conflito entre partes, culminando na assinatura do “termo de compromisso de mediação”, conforme comprovam os documentos de fl. 508-511 e 570-575. Infrutífera a mediação, a apelada Odontoclinic pediu a instauração do procedimento arbitral, à qual as apelantes anuíram (fl. 571-527 e 513-516), contribuindo ativamente para a redação de Regulamento de Procedimento Arbitral específico para o caso concreto (fl. 529, linhas 470-477). As franqueadas, ainda, formularam pedido reconvencional, buscando a condenação da franqueadora ao pagamento de multas contratuais, indenização por danos morais e ressarcimento por todos os valores pagos à ré (fl. 266, item 45 e ss.). Em nenhum momento, porém, suscitaram a invalidade e ineficácia da cláusula compromissória, questionando a jurisdição do Tribunal Arbitral. Ao revés, utilizou-se da cláusula para instaurar procedimento de mediação e, depois, anuiu à instauração do procedimento arbitral requerido pela ré, sem qualquer questionamento. Agora, vendo-se vencida no processo arbitral, pretende anular a sentença extrajudicial, sob o fundamento de invalidade e ineficácia da cláusula compromissória exclusivamente porque não redigida em negrito. Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Ora, o texto legal invocado pelas apelantes tem o claro intuito de proteger os aderentes de contrato padronizado, alertandoos da existência da cláusula compromissória. No caso concreto, não obstante a padronização dos contratos de franquia, não é crível que o sócio-administrador comum a todas as franqueadas Sr. André Azevendo Marques de Campos não tivesse ciência do alcance da cláusula combatida, seja porque na qualidade de representante legal assinou diversos contratos entre 2005 e 2012, ou ainda porque fora Master Franqueado da ré, intermediando contrato de franquias com outros candidatos (fl. 663-676). Não podem as franqueadas serem consideradas, portanto, hipossuficientes. E, sendo delas a iniciativa da mediação junto ao Tribunal Arbitral, evidente que a cláusula compromissória é eficaz, nos termos do art. 4º, § 2º, primeira parte. Não bastasse isso, o comportamento das apelantes é contraditório, proibido pelo ordenamento jurídico, o que conduz igualmente à improcedência do pedido de anulação. Lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: (...) a proibição de comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) é modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422). (...) é consectário natural da repressão ao abuso de direito, sendo perfeitamente aplicável no direito brasileiro. (...) A vedação de comportamento contraditório obsta que alguém posse contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois, a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa. (...) Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Há, destarte, uma sequência de dois comportamentos incoerentes entre si: um primeiro comportamento (o factum proprium), que desperta uma determinada confiança, e um outro sequencial (o venire), que assaca contra a confiança despertada anteriormente (incoerência valorativa). Sanciona-se como inadmissível toda pretensão que, isoladamente analisada, estaria no campo da licitude, mas descamba para a ilicitude em face da sua compreensão à luz de um comportamento anterior praticado pelo mesmo sujeito. Seguramente, o seu fundamento está na confiança depositada no outro que está de boa-fé, em razão de uma primeira conduta realizada. (...) Vale ressaltar que o venire contra factum proprium pode derivar de um comportamento comissivo ou omissivo do contratante. Ou seja, pode ocorrer tanto quando uma das partes cria a confiança de que determinada conduta será adotada, e não o é, quanto na hipótese em que a confiança se materializa no sentido de que aquele comportamento não será adotado, mas termina sendo. (Curso de Direito Civil, vol. 1, 10ª ed., Salvador, JusPodivm, 2012, p. 687 e ss.). No caso concreto, as apelantes criaram expectativa de que concordavam com a validade e a eficácia da cláusula compromissória e a jurisdição do Tribunal Arbitral, mas nestes autos questionam a validade e eficácia da mesma cláusula, depois de serem derrotadas no processo arbitral, violando o princípio da boa-fé objetiva. Com esses fundamentos, rejeita-se o pedido de anulação da sentença com fulcro no art. 32, I. III.2. ERRO DE JULGAMENTO As suplicantes suscitam, ainda, nulidade da sentença arbitral com fundamento no inciso IV do art. 32, alegando que houve inadmissível condenação ao pagamento de multa compensatória cumulativamente com lucros cessantes, a par da falta de provas de lucros cessantes e da falta de previsão específica de multa por concorrência desleal. Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Inicialmente, observa-se que o poder de revisão do Poder Judiciário sobre as decisões arbitrais está limitado ao aspecto formal, sendo-lhe vedado examinar o conjunto probatório. Destarte, em relação à falta de prova de lucros cessantes e a inexistência de previsão contratual de multa por concorrência desleal, o apelo não é conhecido. Em relação ao suscitado bis in idem, caracteriza-se pela dupla cobrança por um único fato. No caso concreto, a ré-franqueadora buscou a condenação dos apelantes ao pagamento das obrigações pecuniárias inadimplidas e à indenização de todos os prejuízos sofridos, descrevendoos: (a) lucros cessantes pela rescisão antecipada dos contratos de franquia; (b) lucros cessantes decorrentes da concorrência desleal praticada pelas franqueadas e seus sócios; (c) multas contratuais por rescisão antecipada dos contratos (fl. 101-102). A sentença arbitral condenou as apelantes ao pagamento de multa contratual pela rescisão antecipada (fl. 326, Capítulo XIII, vii), mas não ao pagamento de indenização por lucros cessantes, entendendo o Tribunal Arbitral que o valor pré-fixado a título de multa se mostra razoável e suficiente para reparar os danos sofridos pelo rompimento prematuro dos contratos. Ademais, a franqueadora não teria comprovado que os lucros cessantes pretendidos suplantam a multa contratual (fl. 293, itens 116 e 117, e fl. 326, Capítulo XIII, item 182, v) Assim, a indenização por lucros cessantes à qual os apelantes foram condenados não se refere à rescisão antecipada do contrato, e sim à concorrência desleal comprovadamente praticada pelos recorrentes, vedada pela Cláusula 60, que prevê multa de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento (fl. 314, item 161 e fl. 326, capítulo XIII, item 182, vi), observando-se que o valor global foi reduzido equitativamente para o montante de R$ 150.000,00 por contrato (CC, art. 413). Não houve, assim, o malfadado bis in idem. III.3. SENTENÇA ARBITRAL EXTEMPORÂNEA Segundo os apelantes, a sentença é nula também porque proferida fora do prazo (LA, art. 32, VII). No Termo de Arbitragem estabeleceu-se que o Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Tribunal Arbitral proferiria a sentença arbitral no prazo de 60 dias contados do recebimento pelos árbitros das alegações finais apresentadas pelas partes (fl. 105, art. 9.8). Este prazo poderia “ser estendido por novo período de 60 (sessenta) dias, a critério do Tribunal Arbitral, mediante comunicação às Partes” (fl. 105, art. 9.9), representadas por seus advogados, nos termos do art. 8.2 do Regulamento da Arbitragem. Alegam os apelantes que sem qualquer anuência das parte o órgão extrajudicial arbitrariamente prorrogou o prazo. E por não ser válida tal prorrogação, tem-se como proferida fora do prazo a sentença arbitral. O argumento improcede. Embora no Regulamento de Arbitragem redigido especialmente para o processo arbitral em debate tenha sido fixado o prazo de 30 dias para prolação da sentença arbitral (fl. 335 e ss., especialmente fl. 341, art. 11.4, e fl. 339, art. 6.1), no Termo de Arbitragem convencionou-se que o prazo seria de 60 dias contados do recebimento pelos árbitros das alegações finais (fl. 105, art. 9.8). Na Ordem Processual n. 5 o Árbitro Presidente, com anuência expressa dos demais árbitros, prorrogou o prazo para prolação da sentença arbitral por 60 dias, exercendo a faculdade prevista no art. 9.9 do Termo de Arbitragem (fl. 246-247). Autores e réus foram notificados da prorrogação do prazo (fl. 249 e 251), sem notícia de oposição à prorrogação, presumindose sua anuência à prorrogação. Além disso, conforme dicção do art. 12, III, da Lei n. 9.307/96, extingue-se o compromisso arbitral se expirar o prazo da sentença arbitral, “desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de 10 (dez) dias para a prolação e a apresentação da sentença arbitral”. Assim, se os autores entendessem que o prazo havia expirado, incumbia-lhes notificar o órgão arbitral de que teriam que proferir sentença no prazo de dez dias, requisito imprescindível ao reconhecimento da caducidade do compromisso arbitral. Os apelantes, porém, mantiveram-se silentes. Subsistente, pois, a sentença arbitral. Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo III.4. JULGAMENTO EXTRA PETITA Finalmente, formularam os recorrentes pedido subsidiário de anulação da sentença em relação às pessoas físicas porque ilegitimamente condenadas solidariamente ao pagamento de lucros cessantes (o que caracterizaria o julgamento extra petita), acrescentando que inexiste previsão de multa para a cláusula de não concorrência. A respeito da previsão contratual de multa na cláusula de não concorrência, já consignado no item III.2 que a matéria extrapola a jurisdição do Poder Judiciário. Em relação à condenação à condenação solidária das pessoas físicas, não se vislumbra qualquer vício na sentença arbitral. Depois de postular a instauração do processo arbitral, a franqueadora pedira a inclusão dos sócios das pessoas jurídicas as mencionadas pessoas físicas justificando que eventual procedência de um dos pedidos criaria obrigações tanto para as franqueadas como para seus sócios, de modo que a ausência dos sócios no processo arbitral comprometeria a efetividade da decisão (fl. 263, item 33 e fl. 417-423). O pedido a que se refere a franqueadora é a condenação à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuação na área odontológica pelo período de interdição ajustado contratualmente. Segundo a franqueadora, embora as franqueadas fossem condenadas à obrigação de não fazer, seus sócios pessoas físicas poderiam burlar o provimento condenatório, atuando em nome próprio no mesmo ramo de atividade. Embora as franqueadas tenham, inicialmente, impugnado o pedido de inclusão de sócios (fl. 425-430), em audiência designada para assinatura do Termo de Arbitragem, ficou acordado que os sócios das franqueadas passariam a integrar o polo passivo do processo, oportunidade em que ratificaram o “Termo de Arbitragem” e o aditaram para passar a integrar o processo arbitral (fl. 263, item 35, fl. 264, item 36, e fl. 431-434). Doze dias depois, aos 28 de fevereiro de 2012, os sócios das franqueadas outorgaram procurações com poderes específicos para que os advogados das franqueadas os representassem no processo arbitral (fl. 578-583). Como se vê, os sócios das franqueadas passaram a Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo integrar o processo arbitral de livre e espontânea vontade, ratificando o termo de arbitragem e sendo regularmente representados pelos advogados constituídos. Não houve, pois, extrapolação da convenção de arbitragem (LA, art. 32, IV). Em razão do exposto, nega-se provimento ao recurso. RICARDO NEGRÃO RELATOR Apelação nº 1006878-60.2013.8.26.0068 - Barueri - VOTO Nº 25.286