Fascículo Semanal nº 36 FECHAMENTO: 06/09/2013 Ano XLVII EXPEDIÇÃO: 08/09/2013 2013 PÁGINAS: 318/305 Sumário DOUTRINA – Considerações sobre a liberação de valores e do adimplemento da execução trabalhista – André Filippe Loureiro e Silva .................................................................317 JURISPRUDÊNCIA Destaques ainda que gozadas na época própria, mas pagas em atraso ............................................................................311 Prescrição – O termo inicial para a contagem da prescrição corresponde à data de evento do qual decorre o suposto dano, ou seja, a data do óbito do ex-empregado, e não à data de extinção do contrato de trabalho ............................................................310 Aviso-prévio – É inválida a cláusula convencional que suprime o direito ao aviso-prévio em razão da contratação do empregado pela empresa que sucede a prestação de serviços junto à tomadora..............................................311 Rescisão do contrato de trabalho – Mesmo após a vigência da Convenção nº 132 da OIT permanece o entendimento que o empregado dispensado por justa causa não tem direito às férias proporcionais ......................................................................310 Dano moral – Efetuar o controle das idas do empregado eu banheiro, bem como a reprimenda dos funcionários que excediam o que a reclamada entendia como tempo razoável, constrange ..........................................................................311 Empregado público – A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, não sendo cabível, no entanto, o pagamento das verbas inerentes à dispensa imotivada...............................311 Férias – O TST firmou entendimento de que é devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA Responsabilidade subsidiária – O tomador dos serviços, ao escolher o caminha da terceirização, deve diligenciar quanto à idoneidade da prestadora de serviços, observando se as obrigações trabalhistas estão sendo cumpridas ...................................310 Sucessão trabalhista – O fato do autor não ter trabalhado para a sucessora não exclui a sua responsabilidade ou descaracteriza a sucessão, pois o crédito trabalhista tem natureza similar às obrigações propter rem.......................................309 ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – Terceirização – Empresa de Telefonia Celular – Vínculo de Emprego com a Tomadora dos Serviços..........309 318 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 CONSULTORIA TRABALHISTA Doutrina CONSIDERAÇÕES SOBRE A LIBERAÇÃO DE VALORES E DO ADIMPLEMENTO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA ANDRÉ FILIPPE LOUREIRO E SILVA Advogado – Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Sumário: Introdução; 1. Considerações sobre a Execução; 2. Garantia do Juízo e Liberação de Valores; Conclusão; Referências Bibliográficas. Introdução A execução trabalhista é a fase do processo em que se impõe o cumprimento do que foi determinado pela Justiça, o que inclui a cobrança forçada feita a devedores para garantir o pagamento de direitos. A fase de execução só começa se houver condenação ou acordo não cumprido na fase de conhecimento, em que se discutiu ou não a existência de direitos. O processo de execução trabalhista é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, nos artigos 876 a 892, cujas seções têm os seguintes subtítulos: das disposições preliminares, do mandado e da penhora, dos embargos à execução e da sua impugnação, do julgamento e dos trâmites finais da execução, da execução por prestações sucessivas. Na Justiça do Trabalho tem prevalência a execução por quantia certa, em que o objeto é a expropriação de bem do devedor para pagamento do credor, e cuja forma de executar está prevista no artigo 880 da CLT, sendo importante também o artigo 883: Art. 880 – Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora. (...) Art. 883 – Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial. (BRASIL, 1943) Tal procedimento é de grande importância uma vez que a maioria dos processos trabalhistas adentram esta fase devido o não cumprimento voluntária da sentença ou a não concordância com a mesma que enseja a interposição de recursos. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA Importante também destacar o disposto no artigo 769 que prevê expressamente a aplicação subsidiaria do direito processual comum: Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. (BRASIL, 1943) Nas palavras do Doutor Francisco Gérson Marques de Lima, tal aplicação deve ser analisada caso a caso e verificada sua real aplicabilidade, não podendo generalizar o uso de tal recurso: A generalização é temerária, escancara as portas da Justiça do Trabalho para a invasão pelo Processo Civil e submete o Processo do Trabalho à degradação. As recentes alterações do CPC, p. ex., são bastante empolgantes. A um olhar desatento, elas aparentam ser mais benéficas e modernas do que as disposições processuais da CLT. Logo, a tendência é lançar-se mão daquelas em detrimento destas. (LIMA, 2013). Assim sendo, como se verifica, tal aplicação não é ilimitada e irrestrita; tal recurso deve ser utilizado somente quando da omissão da legislação trabalhista, bem como compatibilidade do direito processual comum aos ditames e preceitos trabalhistas. 1. Considerações sobre a execução Inicialmente, deve-se distinguir à execução provisória da definitiva não existe diferença ontológica entre as duas modalidades, tendo em vista que a provisoriedade é do título executivo e não do procedimento executivo em si. O fato de a decisão judicial poder sofrer algum tipo de reforma pelos tribunais é que determina o caráter não definitivo da execução. (CORDEIRO, 2009, p. 858) Assim sendo a distinção é somente quanto ao modo da execução, pois pode ser que estejamos diante da execução definitiva, ou da execução provisória, dependendo do estado em que se encontre o processo. O art. 475 – I, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC) nos traz a distinção entre as duas formas de execução, a saber: Art. 475-I – O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por 317 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo. § 1º – É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. (BRASIL, 1973) Dentro destas considerações nos ensina Araken de Assis: (...) é definitiva a execução fundada em sentença transitada em julgado. E, ao revés, a execução provisória se origina de sentença impugnada por recurso “ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. (ASSIS, 2009) Verificamos assim que nas disposições estabelecidas no CPC há clara distinção entre a execução definitiva, quando se executa sentença transitada em julgado e a execução provisória quando se executa sentença combatida por recurso, ao qual não fora atribuído efeito suspensivo. Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao tratar da matéria no art. 876, não faz tal distinção entre as modalidades de execução, mas tão somente afirma que as decisões passadas em julgado ou das que não tenha recurso com efeito suspensivo são passíveis de execução, a saber: Art. 876 – As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo. (BRASIL, 1943) O fato de não existir distinção clara na CLT, decorre do fato de que os recursos na Justiça do Trabalho, em regra, não possuem efeito suspensivo, de forma que uma vez prolatada a decisão já estará esta passível de ser executada, tal entendimento encontra-se consubstanciado no artigo 899 da CLT: Art. 899 – Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (BRASIL, 1943) Diante destas considerações, verificamos que a CLT, permitem que se inicie a execução provisória, e que se pratique atos executivos de realização até mesmo de constrição do patrimônio do devedor, no caso a penhora de valores ou bens que garantam o pagamento do débito trabalhista. Fica então nítida a distinção entre a execução definitiva, que é baseada em decisão, ou sentença já transitada em julgado e a provisória que ocorre quando da interposição de recurso que não caiba efeito suspensivo, sendo que a última é limitada até a penhora, não podendo haver atos de alienação. Importante também destacar o princípio da menor onerosidade do devedor previsto no art. 620 do CPC e também aplicável a Justiça Trabalhista: Art. 620 – Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. (BRASIL, 1973). DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA Assim sendo, a execução trabalhista deve também balancear o interesse do credor em ter seu direito adimplido com o do devedor de ter o procedimento de execução de forma menos gravosa de maneira a não atrapalhar sua atividade empresarial. 2. GARANTIA DO JUÍZO E LIBERAÇÃO DE VALORES 2.1. Da liberação de valores na Execução Provisória – Aplicabilidade do artigo 475-O do CPC Conforme anteriormente dito, o artigo 899 da CLT prevê expressamente que a execução provisória tem seu processamento até a penhora, assim sendo não poderiam ser realizados nenhum ato alienação dos mesmos. No entanto, muitos defendem a aplicação subsidiária do art. 475-O do CPC, caso tal regulamento seja utilizado na Justiça Trabalhista, poderiam ser levantados valores, independentemente de caução, respeitando o limite de 60 salários-mínimos, bem como a situação de necessidade do credor: Art. 475-O – A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (...) III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) (...) § 2º – A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada: I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exequente demonstrar situação de necessidade; II – nos casos de execução provisória em que penda agravo perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação. (BRASIL, 1973). Tal aplicação foi inclusive discutida na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada entre os dias 21 e 23 de novembro de 2007, em Brasília/DF, promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST, Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENAMAT, com apoio do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho – CONEMATRA, e Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA. (FURTADO, 2013). A referida jornada culminou na redação de 79 Enunciados, apesar da grande semelhança com as súmulas editadas pelo TST, tais enunciados não possuem nenhum valor vinculante e se mostram apenas como entendimento dos participantes do evento. Em específico o Enunciado 69 trata da aplicabilidade do artigo 475-O ao direito do trabalho, a saber: 69. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. APLICABILIDADE DO ART. 475-O DO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO. I – A expressão “...até a penhora...” constante da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 899, é meramente referencial e não limita a 316 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 execução provisória no âmbito do direito processual do trabalho, sendo plenamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil, art. 475-O. II – Na execução provisória trabalhista é admissível a penhora de dinheiro, mesmo que indicados outros bens. Adequação do postulado da execução menos gravosa ao executado aos princípios da razoável duração do processo e da efetividade. III – É possível a liberação de valores em execução provisória, desde que verificada alguma das hipóteses do artigo 475-O, § 2º, do Código de Processo Civil, sempre que o recurso interposto esteja em contrariedade com Súmula ou Orientação Jurisprudencial, bem como na pendência de agravo de instrumento no TST.” (BRASÍLIA, 2007) Apesar de todos os entendimentos a favor da aplicação do artigo 475-O à Justiça do Trabalho como meio de efetivar a execução e acelerar o andamento processual, a corrente majoritária entende não ser possível levantar o depósito recursal ou outros valores no curso da execução provisória, sendo este inclusive o entendimento atual do TST: Não é possível fazer o levantamento do depósito recursal antes da fase de execução. Para a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o artigo 475 do Código de Processo Civil não pode ser aplicado na Justiça do Trabalho. Com esse entendimento, a Turma negou o pedido de ex-vendedor do Ponto Frio – cuja razão social é Globex Utilidades S.A. – para fazer o levantamento do depósito recursal no limite de 60 salários-mínimos. O saque foi autorizado pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, mas cassado pelo TST. Para o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, relator do Recurso de Revista, a decisão do TRT ofende os artigos 128 e 460 do CPC. Ao esclarecer os motivos da decisão da 8ª Turma, o relator afirmou que o TRT, aplicando o artigo 475-O do CPC, facultou ao trabalhador o levantamento do depósito recursal sem o correspondente pedido do autor. Além disso, o relator destacou que o TST “firmou entendimento no sentido de que o dispositivo em questão – artigo 475-O – é inaplicável no processo do trabalho. (MELO, 2013) Em um primeiro momento parece que a aplicação do artigo 475-O resolveria alguns problemas existentes atualmente como a demora do credor em receber seus créditos, vez que é necessário o trânsito em julgado da decisão; porém neste caso a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil vai de encontro a disposição expressa da CLT, portanto temerária sua aplicação. Assim sendo, apesar dos entendimentos contrários, no curso da execução provisória somente podem ser realizados atos executórios até a penhora, sendo vedados quaisquer atos de alienação ou transferência de valores. 2.2. Depósito recursal O depósito recursal foi criado através do Decreto-Lei nº 75, de 21 de novembro de 1966, com o objetivo de frear a interposição sistemática de recursos protelatórios por parte dos empregadores, como vemos das considerações do referido Decreto-Lei: Considerando o imperativo de coibir os abusos de direito que se têm verificado na retenção ou retardamento indevidos de DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA salários e de outros pagamentos devidos aos empregados por parte de empresas, ainda mais prolongados por meio de sucessivos recursos judiciais protelatórios; Considerando que esses fatos, geradores de tensões sociais, não só pela injustiça social que representam, como pelo efetivo desamparo em que vem deixando, meses a fio consideráveis grupos de trabalhadores, têm levado o Governo a intervir seguidamente para encontrar soluções momentâneas, sem que, entretanto o abuso possa ser adequadamente suprimido; Considerando que as tensões sociais, daí resultantes afetam necessariamente à segurança nacional; (BRASIL, 1966) Na CLT, o depósito recursal é previsto no § 1º do art. 899 da CLT, e é exigência legal para a interposição de determinados recursos, não possuindo, no entanto, a natureza jurídica de taxa judicial ou emolumento, mas sim de “garantia de execução futura” conforme interpretação dada pelo TST, através da Instrução Normativa 03 de 12-3-93. O depósito recursal é feito na conta vinculada do FGTS do empregado ou conta para depósito judicial na CEF, os valores são atualizados anualmente pelo Tribunal Superior do Trabalho. (BRASIL, 1993) De acordo com a referida Instrução Normativa com o trânsito em julgado da ação, os valores depositados em juízo durante o curso do processo devem ser convertidos em penhora e abatidos do valor total da condenação. Assim, o mandado de citação, previsto no artigo 880 da CLT, deve conter apenas a diferença restante (valor da condenação com o desconto do valor já recolhido). (BRASIL, 1993). O depósito recursal é a maior garantia do empregado de ter seus créditos adimplidos, vez que possui natureza de garantia de execução futura e ocorrendo o trânsito em julgado já podem ser liberados os valores até o montante da condenação, pela expedição de alvará para o reclamante. 2.3. Da penhora de bens e valores Segundo Liebman (1980) “a penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exequente, tem, pois natureza de ato executório” Os bens passíveis de penhora, bem como a gradação que, via de regra, deve ser respeitada encontra-se no art. 655 do CPC: Art. 655 CPC – A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – veículos de via terrestre; III – bens móveis em geral; IV – bens imóveis; V – navios e aeronaves; VI – ações e quotas de sociedades empresárias; VII – percentual do faturamento de empresa devedora; VIII – pedras e metais preciosos; IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI – outros direitos. (BRASIL, 1973). 315 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 O artigo 649 do CPC nos fornece regras sobre a impenhorabilidade de alguns bens, entre eles os bens de família, salários, bem necessários ao exercício da profissão entre outros. Porém tal impenhorabilidade não pode ser tido como absoluta. Acerca da relativização da impenhorabilidade, o autor Maurício Maidame, traz as seguintes considerações: Por isso, propõe-se que o juiz possa, em certos casos, ultrapassar as barreiras rígidas da impenhorabilidade, desde que respeite o núcleo essencial dos direitos do devedor. A proteção dos interesses do credor encontra fundamentação no catálogo de direitos fundamentais (fundamentação forte) e, por isso, mantendo-se a dignidade do devedor, propõe-se a penhorabilidade de parcela da remuneração, de parcela da residência e, em casos muito restritos, a penhora de bens públicos – o que não viola em absoluto a segurança jurídica, posto que também estão no sistema a garantia de tutela jurisdicional efetiva, a propriedade do credor e os deveres fundamentais da pessoa para com as outras da comunidade. O sistema de garantias fundamentais é “via de mão dupla”, e o legislador, ao contemplar soluções que protegem somente o devedor, viola a igualdade, atraindo a “pretensão de consideração”, o que permite, no caso concreto, o ajuste da ordem jurídica pelo magistrado. Um regime muito liberal de impenhorabilidade, além de causar prejuízos ao credor, leva a uma degradação social ruinosa. Encarecimento do crédito, consumo e crescimento econômico refreados, descrédito na justiça, além de construir regra que convida a uma enorme gama de fraudes e burlas – ante a proteção exagerada que dá ao devedor". (MAIDAME, 2007, p. 184, apud MATTOS, 2013). Assim sendo até mesmo o salário ou bens de família, podem ser penhorados diante do caso em concreto, ainda mais por considerarmos que os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar, desta forma, manter a impenhorabilidade total do salário parcela de mesma natureza não seria razoável. Em relação a gradação de bens verifica-se que o dinheiro, em espécie ou em depósito possui preferência sobre todos os outros bens, devido a sua maior fungibilidade e facilidade de repasse ao credor. No entanto, em se tratando de execução provisória a penhora em dinheiro não deve prevalecer, caso o devedor tenha oferecido outro bem a penhora, tal entendimento está consubstanciado na Súmula 417 do TST, a saber: Súmula nº 417 – TST – Res. 137/05 – DJ 22, 23 e 24-8-2005 – Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 60, 61 e 62 da SDI-II. Mandado de Segurança – Penhora em Dinheiro – Justiça do Trabalho I – Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que determina penhora em dinheiro do executado, em execução definitiva, para garantir crédito exequendo, uma vez que obedece à gradação prevista no art. 655 do CPC. (ex-OJ nº 60 – inserida em 20-9-2000). II – Havendo discordância do credor, em execução definitiva, não tem o executado direito líquido e certo a que os valores DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA penhorados em dinheiro fiquem depositados no próprio banco, ainda que atenda aos requisitos do art. 666, I, do CPC. (ex-OJ nº 61 – inserida em 20-9-2000). III – Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC. (ex-OJ nº 62 – inserida em 20-9-2000). (BRASIL, 2005). Portanto, vez que a execução provisória se limita até a penhora dos bens suficientes para garantir à execução, sendo vedada a alienação dos mesmos, basta a empresa nomear bens a penhora para evitar a constrição em dinheiro, vez que a execução deve se processar de forma menos gravosa. Em se tratando de execução definitiva o dinheiro ainda possui prevalência sobre ou outros bens. Em relação à ordem estabelecida de bens o Superior Tribunal de Justiça, também têm entendido que: “A ordem legal estabelecida para a nomeação de bens à penhora não tem caráter rígido, devendo sua aplicação atender às circunstâncias do caso concreto, à potencialidade de satisfazer o crédito e à forma menos onerosa para o devedor” (RSTJ 127/343; no mesmo sentido temos RSTJ 150/405). Procedimento que merece destaque na Justiça do Trabalho é a denominada penhora on-line, que é realizada a partir da solicitação eletrônica emitida pela justiça do trabalho através da internet. Tal procedimento tem por objetivo agilizar o cumprimento das decisões e acordos judiciais, dando maior celeridade aos processos em fase de execução, o Banco Central, juntamente com o Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmaram esse convênio denominado BACEN-JUD para possibilitar a solicitação de informações on-line sobre a existência de contas bancárias e aplicações financeiras de titularidade das empresas ou de seus sócios, bem como de pessoas físicas devedoras. A penhora on-line (BACEN-JUD) consiste na penhora de valores existentes na conta do devedor até o limite da condenação penhora em contas bancarias da empresa, o problema é que são bloqueadas várias contas, às vezes todas, e o desbloqueio não é tão rápido quanto o bloqueio. Alguns argumentam que violaria o sigilo bancário uma vez que se tem acesso a todas as contas da empresa, porém por ser ordem judicial tal fundamentação não é válida. (VILLANOVA, 2013). O sistema da penhora on-line veio apenas para facilitar o cumprimento da execução, não alterando em anda as disposições legais. No mesmo sentido: Todos os procedimentos legais adotados anteriormente estão sendo respeitados. Vale frisar novamente que, a única mudança sentida e que agilizou o cumprimento da prestação jurisdicional, foi no sentido de que a ordem de bloqueio expedida pelo magistrado, chega agora ao Banco Central, sem passar por nenhum agente financeiro deste banco, ou seja, o sistema on-line transmite a ordem para as centrais de computação dos bancos e 314 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 não mais as agências bancárias onde os devedores têm conta, evitando desse modo, que gerentes informem ao devedor que sua conta-corrente estará sujeita a bloqueio. Observa-se que este procedimento, não afeta em nada a legislação processual. (MACHADO, 2004) A penhora por tal sistema somente é realizada após a intimação do credor e somente se o mesmo se mantiver inerte não garantindo o juízo, tal sistema garante maior agilidade à execução, porém deve ser usado com cautela e discricionariedade para evitar abusos e excessos na execução. Fato que merece atenção quando se trata de penhora de dinheiro, bem que ocupa o primeiro lugar na escala de preferência, é a impenhorabilidade do capital de giro da empresa devedora, dos valores necessários para manutenção da mesma, quando existem outros bens livres capazes de garantir o juízo. Entendimento similar se encontra na Orientação Jurisprudencial (OJ) 93 da Seção de Dissídios Individuais II (SDI-II), que prevê a penhora parcial da renda mensal ou faturamento da empresa: OJ 93 SDI-II. MANDADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE DA PENHORA SOBRE PARTE DA RENDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL (inserida em 27-5-2002) É admissível a penhora sobre a renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades. (BRASIL 2002). O capital de giro não deve ser penhorado para que não seja paralisada a atividade econômica da empresa, o que acabaria por afetar seus próprios empregados, ademais a preservação da empresa não interessa apenas aos investidores, interessa ao Estado e à sociedade. (NASCIMENTO, 2011) 2.4. Da Carta de Fiança A Carta de Fiança Bancária está expressamente prevista em nossa legislação no artigo 656, § 2º do CPC, o qual determina que ao valor discutido seja acrescido o percentual de 30%. (BRASIL, 1973). Referido instrumento também encontra previsão no artigo 9º, inciso II, da Lei 6.830/80, e a substituição de dinheiro por fiança bancária está expressamente prevista no artigo 15, I da mesma lei, perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho, face ao disposto no artigo 889 da CLT: Art. 889 – Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal. (BRASIL, 1943) Tal espécie de fiança vem sendo utilizada com sucesso para garantia dos débitos tributários em execuções fiscais promovidas pela Fazenda Pública (Lei 6.830/80), tendo em vista o tempo de discussão em tais ações, não raro, exceder cinco anos. (ROMANO, 2013). DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA A carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação de bens penhoráveis, tal é o entendimento da OJ 59 da SDI-II, a saber: OJ-SDI2-59 MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. A carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655 do CPC. (BRASIL, 2000) A utilidade deste método é que garante a empresa a segurança de manejar recursos as instâncias superiores, sem a preocupação de ter suas contas ou as contas de seus sócios penhoradas ou bloqueadas. Caso já tenha sido realizado o bloqueio ou penhora de valores, devido a equivalência da carta de fiança a dinheiro é perfeitamente possível a substituição desta por aquela. Na prática não há qualquer diferença entre o dinheiro depositado e a carta de fiança bancária, bastando à prévia intimação da instituição financeira fiadora para depositar o valor atualizado do débito em uma conta do juízo, o que geralmente ocorre, sem questionamentos, em dois dias. (ROMANO, 2013) 2.5. Do artigo 475-J do CPC Em se tratando de execução trabalhista e pagamento/liberação de valores cabe mencionar a discussão acerca da aplicação ou não do art. 475-J do CPC: Art. 475-J – Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (BRASIL, 1973) Muitos tribunais e doutrinadores entendem pela aplicação de tal regra ao processo do trabalho entre eles os Tribunais Regionais da 3º e da 18ª Região, que consubstanciaram tal entendimento em suas súmulas 30 e 18, respectivamente. No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), contudo, vem adotando entendimento contrário. Segundo a Corte Superior, o direito processual do trabalho contém regramento específico para execução de sentenças, nos termos do art. 876 e seguintes da CLT, não se justificando a aplicação subsidiária de regra do direito processual comum, cuja sistemática revela-se, ademais, incompatível com aquela aplicável na execução trabalhista, em que o prazo para pagamento ou penhora é de 48 horas (art. 880 da CLT). Entende-se ainda, que a normatização contida no art. 475-J do CPC tem previsão correlata no artigo 883 da CLT, o que afasta a aplicação supletiva daquele preceito legal. (MAIA, 2013) De acordo com a 2ª Turma do TST: “A aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao direito processual do trabalho só é possível quando houver omissão nas normas celetistas e compatibilidade das normas supletivas com o direito do trabalho. Tendo o direito processual do trabalho regramento específico para execução de sentenças, não se justifica a aplicação subsidiária de regra do direito processual comum, cuja sistemática, ademais, revela-se incompatível com aquela aplicável na 313 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 execução trabalhista. A normatização contida no artigo 475-J do CPC para ausência de pagamento do executado tem previsão correlata no artigo 883 da CLT, o que afasta a aplicação supletiva daquele preceito legal, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal...” (TST, 2ª T., RR – 107700-96.2007.5.20.0005, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DJ de 11-6-2010). Conclusão O Direito do Trabalho possui regras especificas ao tratar da execução, em vários aspectos se utiliza o Código de Processo Civil de maneira subsidiária, porém tal utilização deve ser feita apenas em casos de omissão e compatibilidade com o processo trabalhista o que muitas vezes não ocorre. Existem várias maneiras de se garantir o juízo e de se cobrar os valores devidos na execução trabalhista, sendo utilizado amplamente o sistema Bacen-Jud o que garante maior efetividade e velocidade ao procedimento executório. Cabe ressaltar que a liberação de valores somente é possível em sede de execução definitiva, quando há o trânsito em julgado; sendo que na execução provisória, apesar de entendimentos contrários, não podem ser realizados atos além da penhora e garantia do juízo. Apesar dos esforços de se utilizar as inovações do Código de Processo Civil para agilizar a execução trabalhista não há omissões na CLT que ensejem tais aplicações, tratam-se apenas de disposições diferentes. Caso se deseje agilizar o procedimento executório, possibilitando a liberação de valores na execução provisória, bem como aplicação de multas deve-se rever o ordenamento atualmente vigente e não procurar supostas melhorias na legislação comum. BIBLIOGRAFIA ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Acesso em: 03 de abril. 2013. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das leis do Trabalho. Acesso em: 03 abril 2013. BRASIL. Decreto-Lei nº 75, de 21 de novembro de 1966. Dispõe sobre a aplicação da correção monetária aos débitos de natureza trabalhista, bem como a elevação do valor do depósito compulsório nos casos de recursos perante os Tribunais do Trabalho, e dá outras providências. Acesso em: 3 abril 2013. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Acesso em: 3 abril 2013. BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho, Instrução Normativa nº 03 de 12 de março de 1993. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, nº 933, 7 mar. 2012. Acesso em: 4 abril 2013. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 417. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 24 de agosto de 2005. Acesso em: 5 de abril de 2013. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial 93 da SDI-II. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 27 de maio de 2002. Acesso em: 05 de abril de 2013. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial 59 da SDI-II. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 20 de SETEMBRO de 2000. Disponível em: < http://www3.tst. jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_2/n_S5_41.htm#59> Acesso em: 5 de abril de 2013. BRASÍLIA, 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho de 23 de novembro de 2007. Enunciado 69. Acesso em: 4 abril 2013. CORDEIRO, Wolney de Macedo. 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Impenhorabilidade e Direitos do Credor. 2007. In: MATTOS, Marcelo Menezes. Bens Impenhoráveis e Melhor Interesse do Credor. Acesso em 4 de abril de 2013. MELO, Gilberto. Levantamento de depósito não pode acontecer antes da execução. Acesso em 4 de abril 2013. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 6º ed. São Paulo: Saraiva, 2011. ROMANO, Lara Cristiana Vanni. Da utilização da Carta de Fiança Bancária no Processo do Trabalho. Acesso em 04 de abril 2013. TEIXEIRA, Leonardo Fernandes. O depósito recursal no processo trabalhista frente ao exercício do amplo acesso à justiça da micro e pequena empresa. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, nº 69, out. 2009. Acesso em 4 de abril 2013. VILLANOVA, Rosane Beatriz de Oliveira. Penhora On-Line Na Justiça do Trabalho. Acesso em 4 de abril de 2013. 312 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 CONSULTORIA TRABALHISTA Jurisprudência ATLETA PROFISSIONAL – JOGADOR DE FUTEBOL – DIREITO DE IMAGEM E DE ARENA – COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO não dois como pretendia a recorrente. (TRT-1ª R. – RO 1175-25. 2010.5.01.0002 – Rel. Des. José Antonio Teixeira da Silva – Publ. em 17-7-2013) @144585 – Os direitos de imagem e de arena são pagos em virtude do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré, logo, as pretensões a eles relativas devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114/CF. Não é a natureza intrínseca da parcela postulada o critério definidor da competência, até porque, para se obter uma decisão sobre essa natureza – de mérito, pois –, primeiramente a lide deve ter sido conhecida por um Juízo competente segundo as regras processuais em vigor. O que fixa a competência material é a fonte da obrigação, no caso, o contrato de emprego, do qual emanam a causa de pedir e o pedido delimitadores da lide. Competência material da Justiça do Trabalho que se confirma. Sentença mantida. (TRT-9ª R. – RO 31580-2011-004-09-00-4 – Relª Desª Sueli Gil El-Rafihi – Publ. em 2-7-2013) @144726 DANO MORAL – RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIROS – CONFIGURAÇÃO AVISO-PRÉVIO – DISPENSA DE CONCESSÃO PREVISTA EM CONVENÇÃO COLETIVA – CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA A MESMA TOMADORA – NULIDADE DA CLÁUSULA CONVENCIONAL – A contratação do empregado pela empresa que sucede a prestação de serviços junto à tomadora não autoriza a flexibilização de direito elevado pelo sistema jurídico a um patamar mínimo inderrogável, como é o caso do aviso-prévio – art. 7º, XXI, da Constituição Federal. As tratativas de interesses da tomadora e das prestadoras de serviços não levam em consideração a bilateralidade do contrato, pois, sob o pálio de continuidade da prestação de serviço, na verdade apenas elas se beneficiam com a malversação da disponibilidade do direito ao aviso-prévio, colocando o empregado na dependência de uma eventual contratação pela empresa vencedora do pleito concorrencial. Nesta ordem, é inválida a cláusula convencional que suprime o direito ao aviso-prévio. Recurso ordinário da Reclamada a que se nega provimento, neste ponto. (TRT-9ª R. – RO 1169-2012-095-09-00-7 – Rel. Des. Ubirajara Carlos Mendes – Publ. em 28-6-2013) @144596 CONTRATO TEMPORÁRIO – POSTERIOR CONTRATAÇÃO DO EMPREGADO PELA EMPRESA – UNICIDADE CONTRATUAL – Se a própria empresa de trabalho temporário, em seguida ao contrato supostamente amparado pela Lei nº 6.019/74, firma contrato de trabalho com o autor em atividade terceirizada, prestando serviços para a mesma tomadora, afastado está o requisito da necessidade transitória e, por conseguinte, a legalidade do pseudocontrato de trabalho temporário, sendo forçoso reconhecer a existência de apenas um contrato de emprego entre as partes e DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA – Não há como entender que essas práticas constituem desdobramento da sujeição do empregado ao poder diretivo do empregador, no qual se compreende o poder de controle. Na realidade, ao adotar tais práticas, o empregador está entrando na intimidade de seu subordinado, o que não está previsto no contrato de trabalho por eles firmado, porquanto, efetuar o controle das idas do empregado ao banheiro, bem como a reprimenda dos funcionário que excediam o que a reclamada entendia como tempo razoável, constrange, e por vezes até obsta regular e necessário exercício de necessidades fisiológicas. Recurso do autor a que se nega provimento quanto à majoração da indenização por danos morais. (TRT-9ª R. – RO 1853-2012678-09-00-2 – Rel. Des. Archimedes Castro Campos Júnior – Publ. em 9-7-2013) @144711 EMPREGADO PÚBLICO – MUDANÇA DE REGIME CELETISTA PARA ESTATUTÁRIO – EXTINÇÃO DO CONTRATO – A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, consoante entendimento preconizado na Súmula nº 382 do TST. Contudo, tal modalidade de terminação não se reveste dos mesmos efeitos conferidos à extinção sem justo motivo por iniciativa do empregador. No caso, a alteração do regime se dá por imposição legal, e não pelo mero exercício do poder potestativo do empregador. Assim, não é cabível o pagamento das verbas inerentes à dispensa imotivada sem justo motivo. (TRT-1ª R. – RO 1190-54. 2011.5.01.0003 – Rel. Des. Flávio Ernesto Rodrigues Silva – Publ. em 17-7-2013) @144602 FÉRIAS – GOZO NA ÉPOCA PRÓPRIA E REMUNERAÇÃO FORA DO PRAZO – CABIMENTO DA DOBRA – Discute-se nos autos a aplicação da dobra prevista no art. 137 da CLT para o caso de férias gozadas no período concessivo, mas pagas em atraso. O art. 145 da CLT determina o pagamento da remuneração das férias e, se for o caso, do abono referido no art. 143, também da CLT, até 2 – dois – dias antes do início do respectivo período, sem, contudo, fixar expressamente nenhuma penalidade pelo descumprimento desse prazo. Ocorre que o completo gozo das férias depende tanto do afastamento do trabalho quanto dos recursos financeiros necessários para que o empregado possa usufruir do período de descanso e lazer para 311 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 recuperar-se física e mentalmente para retornar ao labor. Tanto é assim que este Tribunal Superior firmou entendimento no sentido de que é devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, ainda que gozadas na época própria, mas pagas em atraso. Inteligência da OJ-SBDI-1-TST-386. Recurso de revista conhecido por contrariedade à OJ 386 da SBDI-1/TST e provido. (TST – RR 192900-08.2011.5.21.0004 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – Publ. em 21-6-2013) @144693 PRESCRIÇÃO – RECLAMAÇÃO PROPOSTA POR SUCESSORES DO EX-EMPREGADO FALECIDO – DOENÇA OCUPACIONAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – O termo inicial para a contagem da prescrição corresponde à data do evento do qual decorre o suposto dano, ou seja, a data do óbito do ex-empregado, que pereceu em decorrência de doença ocupacional acometida no curso da relação de emprego; e não à data de extinção do contrato de trabalho. Assim se conclui tendo em vista que os autores, sucessores do ex-empregado falecido, vindicam direito próprio, razão pela qual a actio nata passou a existir quando do falecimento do ex-empregado, pois até então não havia direito próprio a exercitar. E, desta forma, enquanto não existir a possibilidade de ação, não flui o prazo de prescrição ou de decadência. (TRT-3ª R. – RO 3075-2012-091-03-00-0 – Rel. Des. Cesar Machado – Publ. em 15-7-2013) @144613 RELAÇÃO DE EMPREGO – CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS APÓS RESCISÃO DE CONTRATO – PROVA ORAL – O contrato de trabalho é um contrato realidade por força do Princípio da Primazia da Realidade. Como se sabe, o Direito do Trabalho tem como um de seus princípios informadores o da primazia da realidade sobre a forma, sendo certo que a definição da natureza da relação jurídica havida entre as partes depende da análise das circunstâncias fáticas em que se desenvolveu a prestação dos serviços. E a prova oral confirmou a tese autoral de que, apesar de ter encerrado formalmente o vínculo de emprego, continuou prestando serviços, sem solução de continuidade. (TRT-1ª R. – RO 154700-78.2007.5.01.0019 – Rel. Des. Leonardo Dias Borges – Publ. em 17-7-2013) @144589 RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – JUSTA CAUSA – FÉRIAS PROPORCIONAIS – VERBA INDEVIDA – Esta Corte, ao avaliar a matéria, sob o prisma da Convenção nº 132 da OIT – Decreto nº 3.197/99 –, entende que, mesmo após a vigência da referida convenção, o empregado dispensado por justa causa não tem direito às férias proporcionais. Incidência da Súmula nº 171. Precedentes nesse sentido. Recurso de revista a que se dá provimento. (TST – RR 2217-02.2011.5.15.0062 – Relª Minª Kátia Magalhães Arruda – Publ. em 28-6-2013) @144688 DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO – REVERSÃO DE PEDIDO DE DEMISSÃO – TRANSFERÊNCIA ABUSIVA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO SERVIÇO – Evidencia-se abusiva a transferência da empregada para cidade distante do local de prestação de serviços contratado, contra a sua vontade, sem qualquer ajuda financeira e sem a justificativa alusiva à necessidade de serviço da empresa. No caso, criou a reclamada situação incompatível com a manutenção do contrato de trabalho firmado entre as partes, o que possibilita o reconhecimento dos requisitos da rescisão indireta do contrato de trabalho, com a reversão da demissão a pedido em rescisão sem justa causa. (TRT-9ª R. – RO 385-2012-026-09-00-0 – Rel. Des. Luiz Eduardo Gunther – Publ. em 12-7-2013) @144710 RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR – ACIDENTE DO TRABALHO – NEXO ETIOLÓGICO – Se a reclamada conhecia os riscos presentes no ambiente de trabalho do seu empregado e ainda assim não lhe proporcionou as medidas preventivas eficientes contra os efeitos deletérios dos riscos, visando eliminar definitiva e totalmente a exposição, praticou ato ilícito que enseja a reparação por danos estéticos e morais. (TRT-3ª R. – RO 485-2012-142-03-00-7 – Rel. Convocado Juiz Rodrigo Ribeiro Bueno – Publ. em 15-7-2013) @144615 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – TOMADOR DOS SERVIÇOS – IDONEIDADE DA PRESTADORA – DEVER DE FISCALIZAR – O tomador dos serviços, ao escolher o caminho da terceirização, deve diligenciar quanto à idoneidade da empresa prestadora de serviços, observando se as obrigações assumidas no contrato de trabalho dos empregados estão sendo cumpridas. Caso contrário, responderá pelos débitos contraídos pela contratada – prestadora de serviços –, ainda que indiretamente – inteligência dos itens IV e V da Súmula nº 331 do C. TST. Recurso da reclamada a que se nega provimento. (TRT-1ª R. – RO 1595-74. 2011.5.01.0461 – Rel. Des. Mário Sérgio Medeiros Pinheiro – Publ. em 16-7-2013) @144604 SEGURO-DESEMPREGO – INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA – CISÃO EMPRESARIAL – RECONHECIMENTO DE UNICIDADE CONTRATUAL – O Tribunal Regional manteve a condenação da reclamada ao pagamento de indenização substitutiva do seguro-desemprego em face da previsão contida nos arts. 10 e 448 da CLT, de acordo com os quais a alteração na estrutura da pessoa jurídica não afeta os contratos de trabalho e o direito adquirido dos respectivos empregados. Além disso, considerando a situação fática dos autos – unicidade contratual –, entendeu preenchido o requisito atinente ao tempo para fins de atendimento à previsão contida no art. 3º da Lei 7.998/90. Desse modo, não se divisa contrariedade à Súmula 389 desta Corte, pois o entendimento adotado no acórdão recorrido não infirma o conteúdo do aludido verbete, que nem 310 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 sequer aborda os fundamentos examinados pelo juízo de segundo grau. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 97300-05. 2008.5.11.0016 – Relª Minª Delaíde Miranda Arantes – Publ. em 21-6-2013) @144700 SUCESSÃO TRABALHISTA – CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – CONTRATOS EXTINTOS – A simples substituição de um concessionário de serviço público por outro não acarreta a sucessão, salvo se o novo concessionário aproveitar do anterior, mesmo que parcialmente, seu acervo, contratos, ponto, clientela, aviamento etc. O fato do autor não ter trabalhado para a sucessora não exclui a sua responsabilidade ou descaracteriza a sucessão, pois o crédito trabalhista, seja de contrato vigente, seja de contrato extinto, tem natureza similar às obrigações propter rem ou de ônus reais. As obrigações de ônus reais ou as propter rem se caracterizam nas obrigações que decorrem da coisa. Só existem em razão da propriedade ou da titularidade que o sujeito tem sobre a coisa. Situam-se entre o direito real e o direito obrigacional. Como consequência do direito real, de onde provêm estas obrigações, a dívida trabalhista segue a coisa – efeito sequela –, acompanhando-a em suas mutações subjetivas, isto é, segue o novo titular ou o detentor. (TRT-1ª CONSULTORIA TRABALHISTA R. – RO 99000-83.2009.5.01.0040 – Relª Desª Vólia Bomfim Cassar – Publ. em 16-7-2013) @144599 TERCEIRIZAÇÃO – ATIVIDADE DE LOGÍSTICA – ATIVIDADE-FIM DA TOMADORA – ILEGALIDADE – Não foi carreado aos autos qualquer documento apto a esclarecer as atividades desempenhadas pela primeira Ré em prol – ou não – da segunda, notadamente para demonstrar especialização no serviço de logística por aquela incontroversamente prestado. Omitindo as Rés toda e qualquer informação sobre o tipo de relacionamento civil existente, impossibilitam a análise, quanto à licitude no que concerne ao contrato de trabalho. Não bastasse, o ato constitutivo da segunda Ré arrola em seu objeto social o serviço de logística. A terceirização de função diretamente ligada à atividade-fim da tomadora é totalmente ilegal e infringe o disposto no art. 9º da CLT. A contratação do Autor através da primeira Reclamada é nula de pleno direito e tem como consequência o reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a tomadora do serviço, pois se afigura nítida a hipótese de “terceirização ilícita”. Recurso das Rés a que se nega provimento. (TRT-9ª R. – RO 1140-2011-965-09-00-6 – Rel. Des. Ubirajara Carlos Mendes – Publ. em 19-7-2013) @144571 Acórdão na Íntegra TERCEIRIZAÇÃO – EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR – VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS TST – RR 3604-09.2010.5.12.0050, publ. em 28-6-2013 ACÓRDÃO RECURSO DE REVISTA – EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR – TERCEIRIZAÇÃO – VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. Não se pode concluir que o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97, ao dispor acerca da contratação de terceiros para o “desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”, esteja autorizando a terceirização da atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de serviço em área-fim das empresas de telecomunicações culminaria na desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da busca do pleno emprego. Incidente a Súmula nº 331, I, do TST, segundo o qual a contratação de trabalhador por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Recurso de revista a que se dá provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-3604-09.2010.5.12.0050, em que é Recorrente Célia Modesto Pereira e são Recorridas Tmkt Serviços de Marketing Ltda. e Claro S.A. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, mediante acórdão a fls. 799/813, negou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamante. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA A reclamante interpôs recurso de revista, às fls. 845/867, com fulcro no art. 896, a e c, da CLT. Despacho de admissibilidade a fls. 969/970. Contrarrazões apresentadas pela TMKT (fls. 973/978) e pela Claro S.A. (fls. 979/986). Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho para emissão de parecer (art. 83, II, do RITST). É o relatório. VOTO CONHECIMENTO EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR – TERCEIRIZAÇÃO – VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS O Tribunal Regional, quanto ao tema, decidiu: “A permissão dada na Lei nº 9.472/97 (que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações), art. 94, II, para a contratação de terceiros para a execução de atividades inerentes, retira do âmbito da ilegalidade a prestação de serviços em debate nos autos, e faz dela exceção à regra geral contida no Direito do Trabalho. Isto porque no Direito do Trabalho, em princípio, não se admite que uma empresa transfira para outra os serviços que inte309 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 gram a sua atividade-fim, ou seja, serviços que deveriam ser por ela mesma executados, estando correta a autora ao nominar essa situação de terceirização ilícita e de, ainda, ponderar, dentre suas consequências, a do reconhecimento de vínculo diretamente entre o trabalhador e o tomador de seus serviços. Contudo, no caso da telefonia, a legislação específica aplicável a esse tipo de serviço autoriza a terceirização de serviços essenciais, pelo que não se poderia concluir, aqui, pela terceirização ilícita, ao menos sob o aspecto formal. Daí porque, inclusive, despiciendas as discussões levantadas pela autora quanto à especificação de suas atividades, e mesmo intenção de trazer aos autos todos os documentos listados em sua manifestação de fls. 269-270. A discussão quanto à essencialidade das atividades da autora em relação ao cumprimento, pela segunda ré, de seu objeto social, perde o objeto, diante da norma legal. Não obstante, é meu entendimento, tal como lançado na sentença originária, não estar a atividade da autora inserida na atividade-fim da segunda ré, considerando o disposto em seu objeto social, já que era a autora, em suma, operadora de teleatendimento. De qualquer sorte, como já dito, ainda que assim não fosse, a lei autoriza a terceirização havida, o que afasta os argumentos de que irregular a contratação, sob tal aspecto. De resto, a prova testemunhal não apresenta prova de ingerência da segunda ré nas atividades prestadas pela autora, pelo que também sob esse aspecto não há levantar irregularidade na prestação de serviços da autora, em favor da segunda ré. Mantenho a sentença." (fls. 803/804) Nas razões do recurso de revista (fls. 847/867), a reclamante sustenta que é ilícita a terceirização dos serviços de telemarketing, pois é atividade-fim da primeira reclamada (Claro S.A.), empresa de telecomunicação, e, por essa razão, deve ser reconhecido o vínculo de emprego diretamente com ela, tomadora dos serviços. Alega que foram violados os arts. 3º, IV, 5º, caput, 7º, V, e 170, caput, VIII, todos da Constituição Federal e que foi contrariada a Súmula nº 331 do TST. Transcreve arestos para cotejo de teses. À análise. Trata-se de debate acerca da licitude ou não da terceirização de serviços firmada entre as reclamadas, com base no art. 94, II, da Lei nº 9.472/97, e de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a segunda reclamada, Claro S.A. O TRT consignou que a reclamante prestava serviços relacionados com a atividade-fim da tomadora dos serviços, mas considerou lícita a terceirização desses serviços em face do art. 94, II, da Lei nº 94.72/97. Assim, é aplicável, no caso, o item I da Súmula nº 331 do TST, que dispõe: “331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31-5-2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3-1-74)." Observe-se que, nos termos da jurisprudência desta Corte, a contratação de trabalhadores por empresa interposta (ou seja, trabalhadores para a execução da atividade-fim da empresa tomadora dos serviços) é ilegal, pois evidencia a intenção da empresa tomadora dos serviços de se eximir da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. Nos termos do art. 9º da CLT, são nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos estabelecidos nesse dispositivo. Assim, há o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a empresa tomadora dos serviços, ainda que as provas dos autos não demonstrem que ficaram configuradas a subordinação jurídica e a pessoalidade com essa empresa. Sob outro prisma, não se pode concluir que o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97, ao dispor que a concessionária poderá “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”, esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de serviço em área-fim das empresas de telecomunicações culminaria na desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da busca do pleno emprego. A análise da legislação infraconstitucional não pode destoar dos princípios e regras albergadas pela Constituição Federal, especialmente os previstos nos arts. 1º, III e IV, 7º, 8º, 170 e 173, que compõem o núcleo socioeconômico norteador do estado democrático brasileiro. Vê-se, pois, que, quando a legislação ordinária traz a possibilidade de as empresas tomadoras de serviços, em especial as concessionárias de serviços públicos, contratarem terceiros para o desenvolvimento de atividades “inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”, faz uma correlação entre a atividade desenvolvida pela empresa, nos limites do que se entende conceitualmente por terceirização. O vocábulo “terceirizar”, segundo o Dicionário Aurélio, significa “transferir a terceiros atividade ou departamento que não faz parte de sua linha principal de atuação”. Ou se entende que o conceito de terceirização implica atividades de terceiros, portanto, não alcança a atividade primária e finalística da empresa tomadora dos serviços, ou se entende pela sua ampliação e, por consequência, amplia-se a responsabilidade da contratante, que passaria a ser solidária com a empresa de intermediação. Carece, data venia, de lógica formal ou jurídica a autorização irrestrita da “terceirização”, inclusive para a atividade-fim, sem a extensão da responsabilidade da empresa. Outro aspecto a destacar, debatido na audiência pública sobre “terceirização”, realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho, é que uma legislação genérica dirigida às empresas concessionárias (telefonia, eletricidade, entre outras), não revoga ou substitui o Direito do Trabalho, referindo-se, em geral, à regulação 308 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 entre as concessionárias e consumidores e à organização dos serviços sob sua responsabilidade. Tratando-se de questão de índole trabalhista, é aplicável o “princípio da norma mais favorável”, em sua dimensão interpretativa, conforme esclarece Maurício Godinho Delgado: “Princípio da Norma Mais Favorável – O presente princípio dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve opta pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista). (...) Como princípio de interpretação do Direito, permite a escolha da interpretação mais favorável ao trabalhador, caso antepostas ao intérprete duas ou mais consistentes alternativas de interpretação em face de uma regra jurídica enfocada. Ou seja, informa esse princípio que, no processo de aplicação e interpretação do Direito, o operador jurídico, situado perante um quadro de conflito de regras ou de interpretações consistentes a seu respeito, deverá escolher aquela mais favorável ao trabalhador, a que melhor realize o sentido teleológico essencial do Direito do Trabalho." (in Curso de Direito do Trabalho, 6ª ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 199-200) Assim, cabível o reconhecimento de que o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 não autoriza a terceirização das atividades-fim das concessionárias dos serviços de telecomunicações. E, de fato, embora a livre iniciativa seja um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, no mesmo patamar encontram-se os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana, que se materializam, entre outras, nas diversas normas de proteção ao trabalhador, como aquelas relacionadas no art. 7º da Constituição Federal. Assim, devem ser apreciados com reserva dispositivos que aparentemente venham a enfraquecer o arcabouço jurídico de proteção ao trabalhador. O ordenamento jurídico pátrio, conforme consagrado na Súmula nº 331 do TST, repele a intermediação de mão de obra, salvo em casos muito específicos, considerando-se que essa prática dificultaria ou inviabilizaria a proteção do hipossuficiente em face da empresa que usufruiu a sua força de trabalho. Sob outro prisma, a terceirização da própria atividade empresarial, no caso de concessionárias de serviço público, implicaria aceitar-se que uma empresa que recebeu a incumbência de prestar determinado serviço mediante delegação do Poder Público se fizesse substituir em suas atividades por outras, ficando com o papel de mera administradora do serviço que lhe incumbia executar. Por fim, outro aspecto importante à análise da controvérsia diz respeito ao requisito da subordinação (art. 3º da CLT). O TRT registrou que “a prova testemunhal não apresenta prova de ingerência da segunda ré nas atividades prestadas pela autora” (fls. 804). Porém, no caso dos autos, em vista da situação peculiar das empresas de telefonia, não se leva em conta a clássica visão DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA da subordinação subjetiva. Analisa-se a questão à luz do conceito da subordinação objetiva, que permite o reconhecimento de vínculo de emprego pela constatação da subordinação jurídica estrutural. Vale citar a reiterada jurisprudência desta Corte: “I – RECURSOS DE REVISTA DE TELEMAR NORTE LESTE S.A. E CONTAX – (...) ATIVIDADE DE CALL CENTER – TERCEIRIZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – CONFRONTO COM PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E FUNDAMENTO DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. I – Qualquer interpretação dos artigos 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 e 95, II, da Lei nº 9.472/97 devem ser conforme os valores e princípios positivados na constituição, garantindo-se, ainda, a máxima efetividade das normas constitucionais. Ou seja, deve tal interpretação homenagear o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o fundamento republicano de valorização do trabalho (artigo 1º da Lei Maior). II – Daí, não ser possível a venda do labor humano nas atividades-fim das empresas de telecomunicações. Portanto, não se apreende, em nosso sistema jurídico, a existência de qualquer autorização legal para que haja terceirização nas atividades-fim das empresas de telecomunicações, assim entendidas como essenciais ao dinamismo do empreendimento. III – A própria legislação do trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), ao possibilitar a terceirização em atividade-fim, o fez em caráter excepcional e precário, com prazo exíguo, constituindo-se num mecanismo em que o trabalhador é colocado em uma vitrine para o mercado de trabalho, possibilitando a sua contratação pela tomadora de serviços ao final do exíguo pacto com a tomadora de serviços. Justifica-se, portanto, a exceção. Não há, portanto, nenhuma norma que permita a inserção do empregado, de forma permanente – nas atividades-fim do tomador de serviços, o que, aliás, se fosse reconhecido às concessionárias de telecomunicações, instituiria uma discriminação odiosa em relação aos demais ramos de atividade econômica. Se tal houvesse, ainda que fosse oriunda do legislador constituinte derivado, seria de duvidosa constitucionalidade, por atentar contra os artigos 1º, III, e 5º, caput, da Lei Maior. IV – Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte tem se pronunciado, de maneira reiterada, no sentido de que os serviços de call center estão dentre as atividades-fim das empresas de telecomunicações. V – Portanto, a decisão regional que entendeu ilícita a terceirização ocorrida em tal atividade, está em consonância com o item I da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Impõe-se a manutenção da decisão que decretou inválida a terceirização havida – porque atentatória contra os preceitos trabalhistas – e reconheceu o vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços públicos, notadamente pela constatação de que presente a subordinação jurídica estrutural. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. (...)” (RR – 1240-42.2010.5.03.0009, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 9-5-2012, 5ª Turma, Data de Publicação: 18-5-2012) “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA TIM CELULAR S.A. RITO SUMARÍSSIMO – VÍNCULO DE EMPREGO – EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE TELEFONIA – TERCEIRIZAÇÃO – CALL CENTER – IMPOSSIBILIDADE. A Constituição Federal, viga-mestra do Estado De307 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 mocrático de Direto implantado na República Federativa do Brasil desde 1988, prevê tanto em seu artigo 1º, IV (que versa sobre os fundamentos da República), quanto no artigo 170, caput (que elenca os princípios gerais da atividade econômica), a coexistência principiológica do valor social do trabalho com a livre iniciativa, não sendo de forma alguma possível cogitar-se de prevalência de uma sobre a outra. Fixada essa premissa, impõe-se a origem histórica da controvérsia. Em razão de questões econômicas e ideológicas predominantes no Poder Executivo Federal, em 1995 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 8, que abriria caminho para a privatização das telecomunicações no Brasil, ao alterar o artigo 21, XI, da Constituição Federal de 1988 e prever a exploração daqueles serviços por meio de autorização, concessão ou permissão, nos termos da lei que disporia sobre ‘a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais’. Pois bem, a lei referida pela Emenda Constitucional nº 8 veio a ser editada em 1997 (Lei nº 9.472/97), e em seu artigo 94 estipula que, ‘no cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência, (...) contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados’, que ‘em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante a Agência e os usuários’ (destacamos). Ora, a possibilidade prevista pelo dispositivo supramencionado de ‘contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço’, não corresponde à autorização legislativa para a terceirização da atividade-fim das empresas prestadoras do serviço de telefonia. Afinal, é importante jamais perder de vista que tanto a Lei em exame quanto a própria Emenda Constitucional nº 8/95 em nada alteraram os artigos 1º, IV, e 170, caput, da Constituição Federal – e nem poderiam, diga-se de passagem, por força do artigo 60, § 4º, da própria Constituição, combinado com o entendimento do excelso STF acerca da abrangência das chamadas cláusulas pétreas da Constituição (v.g., STF-ADPF-33-MC, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29-10-2003, Plenário, DJU de 6-8-2004; grifos não constantes do original). Acrescente-se que a interpretação do artigo 94 da Lei nº 9.472/97 que leva à conclusão de que há nele autorização para a terceirização da atividade-fim das empresas prestadoras de serviço corresponde não apenas a uma inconstitucional prevalência da livre iniciativa sobre o valor social do trabalho como também à prevalência até mesmo das relações de consumo sobre esse último – quando é certo que a Constituição adotou um eloquente silêncio acerca de tais relações nos principiológicos artigos 1º, IV, e 170, caput. Com efeito, o próprio legislador ordinário estabeleceu no § 1º do artigo 94 que, para os usuários, a eventual contratação de terceiros na forma do inciso II não gera efeito algum, pois a empresa prestadora de serviços permanece sempre responsável; não há como negar, portanto, essa mesma responsabilidade perante os trabalhadores, senão tornando-a inferior à relação de consumo. Por fim, é entendimento pacífico deste c. Tribunal que não é lícita a terceirização dos serviços de call center pelas empresas operadoras de telefonia, por se tratar de atividade-fim dessas últimas. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (AIRRDOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA 462-39.2011.5.03.0138, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, DEJT 27-4-2012) “RECURSO DE REVISTA – COOPERATIVA – FRAUDE – TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM – ART. 94, II, DA LEI 9.472/97 – SÚMULA 331, I, DO TST – FORMAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA. (...) 2. A interpretação sistemática do art. 94, II, da Lei 9.472/97 ‘ a chamada Lei Geral de Telecomunicações’ atenta aos fundamentos constitucionais da República, à polissemia da palavra ‘inerente’, à natureza da norma em exame, ao princípio da isonomia, à necessidade de observância do objeto social da pessoa jurídica e da função social da empresa, bem como à luz do conceito de subordinação objetiva e dos princípios informadores do Direito e, em especial do Direito do Trabalho, e à própria compatibilização que entre eles se impõe, conduz à conclusão de que o dispositivo não autoriza a terceirização no pertinente à atividade-fim das concessionárias de telecomunicações. (...) Recurso de revista integralmente não conhecido.” (Processo: RR – 66600-64.2009.5.03.0103, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DEJT 26-8-2011) Digna de transcrição a fundamentação desse último acórdão: “(...) Diante da dicção legal autorizadora da terceirização para o desenvolvimento de atividades inerentes, indaga-se se o diploma em debate, rompendo com a tradição de vedação ao instituto do marchandage na atividade-fim, introduziu novo paradigma no ordenamento jurídico nacional. A propósito, faço breve digressão para recordar que, informada pela constante preocupação com a mercantilização e precarização do trabalho humano, esta Corte sempre se pautou pela cautela na admissão do fenômeno terceirizante, em virtude, justamente, da inexistência de diploma legal que regulamente o instituto em sua inteireza. (...) Traçado tal panorama, volto ao cerne da controvérsia para dizer que, a meu juízo, a autorização legal para a terceirização de atividades inerentes das concessionárias do serviço de telecomunicações não representa admissão de terceirização de atividade-fim, prática que, salvo na hipótese de trabalho temporário, remanesce no campo do ilícito, pelo que encerra de aviltante à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, ambos erigidos à condição de fundamentos da República (art. 1º, III e IV, da Lei Maior). Em abono da tese, registro a polissemia própria ao vocábulo ‘inerente’, que tem as seguintes expressões como sinônimas: atinente, dependente, específico, inseparável, intrínseco, ligado, peculiar, pertinente, próprio, relativo e subjetivo. Nessa esteira, mesmo sob o enfoque da interpretação gramatical ou literal – consabido a mais pobre de todas –, inúmeras as acepções que a palavra ‘inerente’ comporta, que não correspondem necessariamente ao conceito de atividade-fim. Até mesmo a atividade-meio de limpeza e conservação, v.g., é ‘inerente’ à atividade das empresas concessionárias, desde que seja compreendida na acepção dos sinônimos ‘ligado’ ou ‘pertinente’. 306 COAD FASCÍCULO SEMANAL 36/2013 É dizer, a ambiguidade do termo não permite a ilação de que se está a tratar de permissivo legal à terceirização de atividade finalística do setor de telecomunicações, até porque a previsão em estudo se situa entre as disposições atinentes ao contrato de concessão de serviços públicos – regulamentação conferida por lei de caráter manifestamente administrativo e que em nenhum momento explicita a intenção de imiscuir-se na senda laboral –, a qual sucumbiria, de todo modo, diante de uma interpretação coerente com o ordenamento jurídico pátrio. Assumindo-se, pois, o viés da interpretação sistemática, pode-se, inclusive, cogitar da incompatibilidade da compreensão da terceirização em atividade-fim com o princípio da isonomia e com as noções de objeto social e da função social da empresa, a se entender pudesse o legislador autorizar a terceirização da atividade-fim apenas às concessionárias de serviços públicos (a propósito, o art. 25, § 1º, da Lei 8.987/95), em discriminação desprovida de razoabilidade em relação a todas as demais pessoas físicas e jurídicas que oferecem serviços no mercado. O fato de uma empresa ser concessionária de serviço público, ou seja, de ter obtido a concessão para a exploração de serviço de titularidade de um ente público, após submissão a processo licitatório, não parece constituir fator de discrimen hábil, lógico e razoável para tratamento diferenciado em relação aos demais empresários ou sociedades empresárias. Assim, à luz do princípio da isonomia, previsto no caput do art. 5º da Magna Carta, tenho que apenas duas opções são possíveis: a) entender que os arts. 25, § 1º, da Lei 8.987/95 e 94, II, da Lei 9.472/97 autorizam o fenômeno terceirizante de forma plena, e estender tal permissão a todas as pessoas físicas e jurídicas; e b) interpretar que o marchandage em atividade-fim da tomadora de serviços segue vedado na ordem justrabalhista pátria, inclusive quanto às concessionárias de serviço público. Como já antecipei, sou adepta da segunda vertente, qual seja, a de que a terceirização de atividade-fim segue como prática sem respaldo legal. Aliás, a adoção de corrente contrária significaria conferir interpretação ampliativa a norma restritiva de direitos sociais, pois, como é notório, alguns dos efeitos nocivos da terceirização, potencialmente ampliados no caso de sua adoção no tocante à atividade-fim, são a impossibilidade de acesso ao quadro de carreira da empresa tomadora e o esfacelamento da categoria profissional, com todas as implicações sindicais correspondentes. De outra parte, consabido que a existência da pessoa jurídica tem início com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (art. 45 do CC) e que o registro tem como requisito essencial a declaração de seu objeto social, ou seja, da finalidade da pessoa jurídica (art. 46, I, do CC), não há dúvida de que o ente moral somente se justifica na medida em que tenha uma finalidade e a busque, por intermédio de seus prepostos. A este respeito, cabe recordar que a pessoa jurídica concessionária de serviço público, na qualidade de sociedade empresária, submete-se também à exigência de inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis (art. 967 do CC), da qual igualmente deve constar o seu objeto social (art. 968, IV, do CC). DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTORIA TRABALHISTA Assim, e tendo em vista que a empresa consiste na atividade econômica organizada exercida de forma profissional e voltada à produção ou circulação de bens ou de serviços (art. 966 do CC), sem dúvida que a sociedade empresária não pode terceirizar a sua própria ratio essendi, sob pena de haver o esvaziamento do seu objeto social e o desvirtuamento de sua função social. Nessa linha, tenho por inviável cogitar da existência de pessoa jurídica sem mão de obra apta à promoção de sua finalidade social, mormente quando se considera que a empresa envolve a organização dos fatores de produção, quais sejam, força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia. Em acréscimo, registro que outra dificuldade para a terceirização de atividade-fim repousa no moderno conceito de subordinação objetiva, estrutural ou integrativa, que não se vincula à visão clássica de submissão ao poder diretivo do empregador – fiscalização e controle –, mas, sim, à inserção do empregado no padrão corporativo, com a ‘standardização’ do serviço prestado, dentro da regular e permanente dinâmica que caracteriza a atividade da tomadora. (...) Assim, adotado o conceito de subordinação objetiva, estrutural ou integrativa, tenho como absolutamente inviável a terceirização de atividade-fim, sem formação de vínculo direto com o tomador dos serviços, pois, sob tal perspectiva, em tais situações sempre haverá a presença dos requisitos do art. 3º da CLT a conectar o suposto empregado da prestadora de serviços à tomadora. (...)" Por todo o exposto, conheço, porque foi contrariada a Súmula nº 331, I, do TST. 2. MÉRITO EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR – TERCEIRIZAÇÃO – VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS Em razão do conhecimento do recurso de revista, porque contrariada a Súmula nº 331, I, do TST, dou-lhe provimento para declarar ilícita a terceirização ocorrida, com o consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre a reclamante e a segunda reclamada, Claro S.A., e para determinar o retorno dos autos à Vara de Trabalho, para que sejam analisados os pedidos decorrentes do reconhecimento da relação de emprego. Prejudicado o exame do tema remanescente. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por contrariedade à Súmula nº 331, I, do TST e, no mérito, dar-lhe provimento, para declarar ilícita a terceirização ocorrida, com consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre a reclamante e a segunda reclamada, Claro S.A., e para determinar o retorno dos autos à Vara de Trabalho para que sejam analisados os pedidos decorrentes do reconhecimento da relação de emprego. Prejudicado o exame do tema remanescente. Brasília, 26 de Junho de 2013. (Kátia Magalhães Arruda – Ministra Relatora) 305