MERCADOS MADUROS E POSTURA ESTRATÉGICA: O CASO DA APPLE COMPUTERS, INC. Eugênio António Maio Giglio, Paulo Roberto da Costa Vieira, Jorge Porcaro, Luciana C. C. L. Walther e Frederico Lage Este artigo apresenta algumas das características dos mercados maduros e as estratégias utilizadas para ter sucesso nesses mercados. Os autores apresentam o caso da Apple Computers, Inc. para ilustrar como uma empresa, através da boa gerência das estratégias de marketing , pode ser bem sucedida em uma indústria madura. Palavras-chave: Estratégia, Marketing, Mercados Maduros, Apple Computer, Computadores Pessoais l INTRODUÇÃO Na conclusão de sua obra "Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa Ocidental desde 1750 até a nossa época", o prestigiado historiador de Harvard, David Landes, escreveu a seguinte passagem: "Graças a esse progresso [no campo da ciência e da tecnologia], o homem levou menos de duzentos anos [a contar da Revolução Industrial] para saltar para a energia atômica e a automação; e, no decorrer desse prazo, o ritmo da transformação acelerou-se em todos os campos: comparem-se os séculos de desenvolvimento da máquina a vapor com as décadas dos motores de combustão interna, da propulsão a lato e dos foguetes espaciais. A questão é que o homem pode agora encomendar o avanço tecnológico e científico tal como se encomenda um produto, "(grifo nosso) (LANDES, 1994, p. 556). A "encomenda" do avanço tecnológico e científico, como mencionada por Landes, está ocorrendo em períodos cada vez mais curtos. Em outras palavras, o processo de destruição-criadora, engendrado por contínuas revoluções schumpeterianas de natureza tecnológica, está se intensificando a taxas cada vez mais elevadas. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. 5 Em consequência dessas mudanças, os ciclos de vida dos produtos têm experimentado um significativo encurtamento, levando novos produtos rapidamente ao estágio de maturidade. Portanto, nos dias atuais, um dos grandes desafios a que são submetidas as empresas é o de obter retornos razoáveis em mercados de crescimento lento ou estagnados. O presente trabalho objetiva apresentar as características dos mercados maduros, bem como sugerir posturas estratégicas a serem adotadas por empresas que se confrontem com esta realidade: a maturidade dos mercados. Ao fim, apresentamos, a título de exemplo, o caso do setor norte-americano de computadores pessoais (PCs). Este trabalho está estruturado em três seções, além da presente introdução e da conclusão. A primeira seção apresenta a trajetória do mercado em direção à maturidade, discutindo os indicadores que prenunciam a sua chegada, e examinando, em seguida, as suas características mais proeminentes. A segunda seção apresenta alternativas de posturas estratégicas, destacando os procedimentos que podem ser adotados na esfera do marketing. A última seção analisa o setor norte-americano de computadores pessoais -{PCs}, destacando o caso da Apple Computers, Inc. 2 O MERCADO MADURO E O PERÍODO DE TRANSIÇÃO Após aproximadamente cinquenta por cento dos consumidores terem adotado o produto, a taxa de crescimento das vendas começa a declinar e a maior parte das vendas passa a ser de reposição, surgindo, em consequência, excesso de capacidade produtiva na indústria (Walker et al., 1996). Esse período caracteriza a passagem da etapa de crescimento do Ciclo de Vida do Produto para a maturidade, e é essencial para que a empresa sobreviva e mantenha uma boa colocação estratégica depois de madura. Como assinalam Walker et al. (1 996), "...durante o estágio de crescimento do mercado, os fabricantes norma/mente precisam investir pesadamente em novas instalações, equipamentos e pessoal para atender às demandas crescentes. Alguns competidores não conseguem prever corretamente o período de transição do estágio de crescimento para o estágio de maturidade, e seus planos de expansão eventualmente superestimam o demando do mercado. Por isso, normalmente se desenvolve capacidade de produção em excesso no final do período de crescimento. Isso CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. leva a uma briga intensa por market share pois as empresas buscam operar com grandes volumes para reduzir os custos unitários e manter as margens de lucro." (Walker et al, 1 996, p.256). Segundo Kotler (1998), "...o estágio de maturidade pode ser dividido em três fases. Na primeira, maturidade de crescimento, a taxa de crescimento das vendas começa a declinar. Agora não há mais novos canais de distribuição para serem atendidos, embora alguns compradores retardatários ainda entrem no mercado. Na segunda fase, maturidade estabilizada, as vendas se nivelam em uma base per capita devido à saturação do mercado. A maioria dos consumidores potenciais \á experimentou o produto e as vendas futuras são governadas pelo aumento da população e substituição da demanda. Na terceira fase, maturidade decadente, o nível absoluto de vendas começa a declinar e os consumidores passam a mudar para outros produtos e substitutos". (KOTLER, 1998, p. 317-318). A terceira fase do mercado maduro, normalmente, precede o estágio de declínio. A fase de maturidade de crescimento de Kotler assemelha-se à fase de transição descrita por Walker et al. (1996). Paralelamente, há dificuldade crescente de se diferenciar o produto, uma vez que os designs melhores e mais populares tendem a se tomar o padrão na indústria, não havendo diferenças técnicas notáveis entre as marcas. É necessário grande investimento em propaganda, serviços e P&D (para que se obtenha alguma diferenciação ou redução do custo de produção), no esforço de se manter no mercado e conseguir alguma vantagem competitiva. Surge, também, dificuldade de se escoar os produtos, pois os distribuidores têm como alvo reduzir espaço e custo de estoque desses produtos que, agora, já não oferecem margem e/ou rotatividade tão elevadas. Uma outra tendência que se observa é a redução das marcas distribuídas. Diante desse quadro adverso, a competição é acirrada, com os preços e lucros sofrendo uma pressão de baixa. Essa é a razão pela qual a firma deve dispor de uma vantagem competitiva nesse período, cujo desfecho é a maturidade, para que possa sobreviver. Obviamente, as firmas com menores participações no mercado devem enfrentar maiores dificuldades, uma vez CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. que apresentam, em geral, custos unitários mais elevados. Em prazo mais dilatado, essas firmas correm o risco de ter que encerrar as suas atividades ou de serem absorvidas por competidores mais poderosos. A maturidade, fase que sucede o período de turbulência, tradicionalmente é vista como um período de estabilidade, caracterizado por poucas mudanças no market share das empresas líderes. Acredita-se, erroneamente, que as líderes poderiam desfrutar de lucros elevados, uma vez que não necessitam realizar investimentos adicionais em seus negócios. Esses lucros poderiam ser, dessa maneira, aplicados em outras unidades ou produtos da corporação, com futuro promissor. Todavia, essa concepção estratégica para a maturidade não parece ser a mais sábia. Na medida em que os mercados podem permanecer maduros por décadas, é insensato promover o esgotamento dos produtos para maximizar lucro de curto prazo. Ao contrário do que a sabedoria convencional postula, nada garante a estabilidade em um sistema aberto. Porter (1 980) observa que: "...o maturidade não ocorre em um ponto fixo no desenvolvimento de uma indústria, podendo ser retardada por inovações ou por outros eventos que estimulem o crescimento contínuo dos seus participantes. Além disso, em resposta a rupturas estratégicas, indústrias na maturidade podem recuperar seu rápido crescimento e, assim, passar por mais de uma transição para a maturidade." (PORTER, 1986, p. 225) De fato, à medida em que a fase de maturidade progride, surgem oportunidades e ameaças, como em qualquer outra fase do ciclo de vida do produto, e essa suposta estabilidade não é observada na prática. Sobre as ameaças e as oportunidades que podem surgir em mercados maduros, Walker et al. (1996) comentam que: "...mudanças nas necessidades ou preferências do consumidor, produtos substitutos, aumento do preço das matérias primos, mudanças nos regulamentações do governo, ou fatores como a entrada de competidores estrangeiros com preços mais baixos, fusões ou aquisições podem ferir alguns competidores ou levar a indústria como um todo para o declínio. ... pensando positivamente, essas mudanças podem trazer novas oportunidades de crescimento nos mercados maduros. Melhorias no produto (...), avanços tecnológicos no processo de produção (...), queda nos custos de matéria prima, aumento do preço de CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. produtos substitutos, ou outras mudanças no ambiente f..J podem fornecer oportunidades para a firma aumentar suas vendas e seus lucros. A indústria como um todo pode até experimentar um novo período de crescimento." (grifo nosso) (Walker et ai.,199o, p.259). As mudanças podem gerar oportunidades, devendo a firma trabalhar árdua e continuamente para ampliar o valor que oferece, do ponto de vista do consumidor, quer melhorando a qualidade de seu produto quer reduzindo custos, empregando uma combinação de ambos, ou procurando expandir seu mercado em busca de novos consumidores. Kotler (l 998) comenta que: "no estágio de maturidade algumas empresas abandonam seus produtos mais fracos. Preferem concentrar seus recursos nos produtos mais rentáveis e em novos produtos. Todavia, podem estar ignorando o alto potencial que muitos produtos antigos ainda possuem. (...) As empresas devem, sistematicamente, considerar as estratégias de mercado, produto e de modificação do composto de marketing, num mercado maduro." (KOTLER, 1998, p. 318) 3 POSTURA ESTRATÉGICA PARA O MERCADO MADURO O consumidor deverá ser o foco na construção de uma agenda estratégica. Para ampliar o valor de sua oferta, a firma necessita compreender o que fazer para satisfazer seus clientes existentes e atrair clientes potenciais. Embora o enfoque no cliente pareça tão óbvio quanto essencial para a sobrevivência do negócio, durante a fase do crescimento do mercado1, algumas empresas podem sobreviver e mesmo serem lucrativas mesmo sem esse enfoque. Empresas que adotam essa postura terão dificuldades no mercado maduro. Também é importante que se tenha um bom conhecimento das características da empresa e da concorrência, seus pontos fortes, fracos e suas limitações. Dessa forma, o plano de ação traçado será mais realista e as chances de sucesso serão maiores. Sendo assim, é necessário identificar as dimensões de qualidade do produto que são as mais relevantes para o cliente e quais as que ele estaria disposto a sacrificar por preços mais reduzidos. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. Walker et al. (1996) identificam a performance, a durabilidade, a conformidade com as especificações, os adicionais oferecidos, a confiabilidade, os serviços, a aparência e a marca como as principais dimensões da qualidade de um produto. As principais dimensões da qualidade de serviços, identificadas pelo mesmo autor, são a aparência das instalações e do pessoal, a confiabilidade, a responsividade, a empatia do pessoal e a 'assurance2". Outro ponto importante para o sucesso da empresa é a busca pela lealdade dos clientes. Segundo Walker et al. (l 996), os clientes fiéis tornam-se, com o passar do tempo, cada vez mais lucrativos. A lealdade toma-se ainda mais importante em um mercado onde grande parte das compras são repetidas, como nos Mercados Maduros. De uma forma geral , apenas os clientes satisfeitos se tomarão leais, embora satisfação não implique necessariamente em lealdade. E importante que se faça a mensuração periódica da satisfação, bem como da taxa de retenção da clientela e da frequência de compras, para que a firma conheça bem o seu cliente. Daqueles clientes que trocaram de marca pode-se, também, conseguir informações importantes para evitara perda de outros clientes. Ações que busquem aumentar a satisfação dos clientes e toma-los fiéis, bem como incentivar compras repetidas, são essenciais para que se consiga manter o market share em um mercado maduro. A seguir, discutiremos algumas estratégias cujo objetivo básico é possibilitar a ampliação do volume de vendas do produto. Vale lembrar que o volume de vendas depende basicamente de três fatores: do número de clientes potenciais, da proporção de clientes potenciais que utilizam o produto e da frequência de utilização. As estratégias estão focadas, principalmente, nesses fatores. A primeira é a estratégia de ampliação da penetração. Nesse caso, o que se busca é atender a uma parcela significativamente maior de novos clientes potenciais, identificando as razões pelas quais possíveis clientes não se interessam pelo produto. O procedimento empregado é buscar realçar o valor do produto para os possíveis futuros clientes. 10 CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. Segundo Walker et al. (l 996), • "o segredo poro que uma estratégia de ampliação da penetração dê certo está em descobrir porque os não-usuários não estão interessados no produto. Frequentemente o produto não oferece valor suficiente sob o ponto de visto de alguns clientes potenciais para justificar o esforço ou o gosto de se comprar o produto" (WALKER et al.,1996, p. 273). Outra possível estratégia diz respeito à ampliação do uso. Aplica-se ao caso em que, embora haja boa penetração, a frequência de uso é baixa. O que se busca é aumentar a frequência de uso do produto pelos clientes atuais. Um dos procedimentos empregados é o deslocamento de estoques para mais perto do ponto de consumo, oferecendo, por exemplo, pacotes de tamanhos maiores. A terceira estratégia refere-se à expansão do mercado, com o ingresso em mercados geográficos novos ou em novos segmentos de clientes. A expansão geográfica pode ser no âmbito doméstico ou internacional. Para as firmas pequenas, a expansão geográfica doméstica pode não ser viável, pois os líderes de market share têm, usualmente, cobertura nacional, existindo, assim, o risco de forte retaliação. No tocante à expansão geográfica, Walker et al. (l 996) observam que: Em uma indústria madura com um mercado fragmentado e heterogéneo onde alguns segmentos são menos desenvolvidos que outros, uma estratégia de expansão de mercado pode gerar um crescimento adicional de volume significativo. Tal estratégia objetiva ganhar novos clientes focando em mercados geográficos (regionais ou estrangeiros] novos ou subdesenvolvidos." (Walker et al.,1996, p. 278). Uma outra maneira de expandir o mercado é via produção de marcas específicas para grandes varejistas. Kotler (1998) sugere três estratégias genéricas de marketing para mercados maduros: a de modificação do mercado, de modificação de produto e de modificação do composto de marketing. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. A estratégia de modificação de mercado é semelhante à descrita anteriormente. O que se procura é expandir o número de usuários, convertendo não-usuários em usuários, entrando em novos segmentos do mercado ou conquistando consumidores do concorrente. Busca-se aumentar o volume utilizado pelos usuários atuais incentivando o uso mais frequente ou em maior quantidade e buscando possíveis novos usos. Outra forma de estimular as vendas é modificando as características do produto, buscando melhorias de qualidade, característica ou estilo. A melhoria da qualidade busca otimizar o desempenho funcional do produto (durabilidade, confiabilidade, sabor, etc). Deve-se buscar melhorias que criem valor para o cliente. Kotler alerta que os consumidores nem sempre estão dispostos a aceitar um produto melhorado. A melhoria de característica ideal é aquela que "usa o acréscimo de novas características (por exemplo tamanho, peso, materiais, aditivos, acessórios) que expandem a versatilidade,-segurança ou conveniência do produto" (KOTLER, 1998, p. 319). As novas características podem trazer uma imagem de empresa inovadora, embora sejam, em geral, facilmente imitáveis. A estratégia de melhoria de estilo tem como objetivo aumentar o apelo estético do produto. Ela pode conferir ao produto uma identidade exclusiva no mercado e conquistar clientes leais. A última forma de se tentar estimular as vendas é modificando um ou mais dos elementos do composto de marketing. Pode-se buscar reduções de preço, maior exposição dos produtos no ponto de venda, mais propaganda, promoções, serviços adicionais, etc. Segundo Kotler, um grande problema dessa estratégia é que ela é facilmente imitável pelos concorrentes. O caso a seguir é bastante atual e ilustra alguns dos conceitos discutidos nesse artigo. 4 O SETOR NORTE-AMERICANO DE COMPUTADORES PESSOAIS (PCs E A ESTRATÉGIA DA APPLE COMPUTERS, INC. Uma indústria que apresenta os sintomas do estágio da maturidade é a de computadores, que ao longo das últimas décadas transformou-se no ícone da Era da l 2 CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. Informação. As taxas de crescimento do setor, entretanto, estão sofrendo uma desaceleração, que é a principal característica da fase de maturidade do crescimento, segundo a descrição fornecida pelos autores citados anteriormente. Analisando os números do setor norte-americano de computadores pessoais, percebe-se que, no terceiro trimestre de 2000; a taxa de crescimento em relação ao ano anterior foi de cerca de 12%, número aparentemente alto mas desanimador quando comparado com os 20% de 97 e os 18% de 984. Segundo os comentários alarmantes de Lou Gerstener, presidente da IBM, o computador pessoal (PC) estaria com seus dias contados. A queda nas vendas já teve reflexo na bolsa de valores americana, com a queda das ações de companhias como IBM, Compaq e Dell Computers. A crescente longevidade do produto está entre as possíveis causas de desaquecimento da demanda. Anteriormente, nos tempos do 286, do 386 e do 486, os PCs ficavam obsoletos em intervalos muito curtos, devido ao desenvolvimento de novos softwares, principalmente as novas versões do Windows®, que exigiam mais memória e capacidade de processamento para poderem ser executados. Àquela época, as melhorias de qualidade do produto - uma das estratégias sugeridas por Kotler - pareciam vir ao encontro do interesse dos consumidores. Hoje, o processador Pentium III da Intel e seus similares absorvem bem os lançamentos da indústria de software. Novos produtos, como o Pentium IV, parecem não ser mais tão valorizados pelo consumidor final. Assim, cada PC aumentou bastante sua vida útil, com seus reflexos já sendo sentidos portoda a indústria. Atualmente, uma das principais funções do computador é permitir o acesso à Internet. A velocidade de acesso parece ser um dos pontos mais importantes para os usuários, porque não apresenta uma evolução no seu desempenho a taxas semelhantes a de outros componentes. Segundo especialistas do setor, a velocidade de acesso hoje se constitui em um "gargalo" no processo de evolução dos sistemas de computação integrados. Enquanto o acesso à Internet não for mais rápido, não fará muito sentido modernizar os PCs. (VALOR ECONÓMICO, 2000, p. B6) CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. Na realidade, isso explicaria o resultado desanimador obtido pela Intel com o lançamento do Pentium IV. O Windows 2000® padeceu do mesmo problema. Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, observou que: "A Microsoft está inovando mais depresso do que a capacidade dos consumidores de usarem o tecnologia" (VALOR ECONÔMICO, 2000, p. B6). Novamente, entramos na questão de que as melhorias de qualidade devem acrescentar valor para o cliente, o que parece não estar ocorrendo nesse caso. Conforme mencionamos anteriormente, surge, no início da fase de maturidade, capacidade ociosa na indústria, o que provoca o acirramento da competição. No setor em questão, as empresas estão reagindo de diferentes formas à intensificação da concorrência. Algumas buscam ocupar nichos específicos, outras agregam serviços ao seu produto ou buscam melhorias no design, A Microsoft5 está se concentrando em aparelhos portáteis. A Dell Computers diversificou para a produção de servidores para acionar a Internet, o que já representa dois terços de seus lucros. Outros estão agregando serviços, como a Gateway, que oferece treinamento nas lojas do grupo para quem adquirir suas máquinas. A Apple reagiu inovando no designf transformando os PCs em um artigo de decoração. Vamos nos ater mais detalhadamente ao caso da Apple, que adotou uma postura estratégica interessante com o lançamento do iMac. Sob a ótíca de Kotler, sua estratégia pode ser vista como uma mistura das estratégias de modificação do design do produto e de modificação do composto de marketing, principalmente atuando sobre preço e propaganda. A Apple é uma organização singular, nascida sob a liderança de seu ontológico líder, Steve Jobs. Com o lançamento do Macintosh, a empresa se posicionou como elitista, o que fica claro com seu slogan inicial: The Computer For The Rest of Us" (o computador para o resto de nós), que significa, na verdade, "O computador para o melhor de nós". Um slogan esnobe, mas que se mostrou eficaz. A empresa conquistou adepto, e ganhou status de "culto" (FORBES, 1998), com seguidores fiéis que reverenciavam a interface amigável da máquina e sua robustez. A Apple também conquistou muitos "seguidores'' no l4 CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. setor de publishing, composto por designers e publicitários, bem como nas áreas educacional e científica dos Estados Unidos (LINK UP, 2000). A empresa atendia a nichos bem específicos, com um posicionamento elitista de preços altos, caros demais para atingir o consumidor médio de PC. Ainda assim, e mesmo não sendo padrão no mercado, pois seu ambiente era incompatível com o Windows, a Apple tinha um bom número de "fiéis". A empresa atravessou a fase de crescimento da indústria sem realizar esforços significativos para popularizar o produto e conseguir os inestimáveis aumentos de market share, mantendo-se basicamente restrita ao seu público tradicional. Mas, com a entrada do mercado na maturidade e com a redução da taxa de crescimento das vendas, a situação tornou-se difícil. Em 1998, a empresa estava em crise e seu tamanho havia sido reduzido à metade do verificado nos três anos anteriores. Seu market share estava estagnado em 3% do mercado por anos (FORBES,1998). Em agosto do referido ano, Steve Jobs causou grande furor na indústria com o lançamento do iMac, que representava uma linha popular dos computadores Apple, com forte apelo estético. Popularização relativa, uma vez que o iMac ainda é mais caro que a grande maioria dos PCs (o preço mínimo nos Estados Unidos é U$1,000). Ou seja, a Apple continua uma empresa que compete por diferenciação, mas reduziu os obstáculos aos consumidores que desejam se tomar adeptos do 'culto'. Mas o ponto mais revolucionário do iMac é o seu design inovador, com o gabinete e o monitor formando uma peça única, revestimento translúcido e cores chamativas . O produto teve grande impacto no seu lançamento e se consolidou como um dos maiores sucessos da empresa, retirando-a de uma fase bastante difícil. Atualmente, a empresa respira novos ares, com lucros em quatro trimestres consecutivos (LINK DP, 2000), prometendo grandes novidades em seus novos lançamentos. Seus concorrentes investiram em mudanças no design de suas máquinas, apesar das tentativas serem bem menos ousadas que a do iMac. Isso mostra que essa diferenciação parece não ser sustentável no longo prazo e, alérn disso, o design parece não ser um atributo ganhador de pedidos. O sucesso do iMac se baseia não apenas no design, mas no fato de ser um produto Apple bem mais acessível. A Apple é uma empresa CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. ]5 inovadora com muitos gastos em P&D; controle rígido de custos não faz parte da sua cultura. O preço premium cobrado em seus produtos era uma das barreiras ao crescimento da empresa. Outra grande barreira à expansão dos Mac's, e que limitou o sucesso do iMac, é o custo de mudança que os usuários de PCs incorrem ao optarem por abandonar a linha tradicional de microcomputadores. Dentre esses custos estão: o tempo de aprendizado do novo sistema, número restrito de sofrware que "roda" na plataforma e os custos de se estar fora do padrão da indústria, incompatível com a maioria dos outros usuários. No mercado norte-americano, para cada Macintosh, aproximadamente vinte PC's são vendidos (LINK UP, 2000). Um número considerável do ponto de vista de uma empresa, mas pequeno para se solidificar como um padrão. A Apple segue consistente em seu posicionamento, fora do mainstream da indústria e voltada para um público mais restrito. Seu slogan atual reflete bem isso: "Think Different". Hoje, Steve Jobs projeta o futuro da empresa rumo à Internet. Uma boa aposta, dado que é para onde tudo parece convergir. Inclusive seus dois maiores públicos cativos: o setor de design e o educacional. O conceito do produto é Internet-ready iMac, e já alcançou grande sucesso. Além disso, a empresa promete revolucionar novamente, com o lançamento do seu novo sistema operacional para a Internet, conhecido como Mac OS X, fazendo com que a concorrência tenha que correr atrás dela, uma vez mais (foi a Apple que lançou o modelo de interface amigável baseado em ícones, que a Microsoft adaptou para o Windows) (BUSINESS WEEK, 2000). Ao que tudo indica, após um período de dificuldades, e graças a uma estratégia criativa e bem articulada, a Apple é, agora, uma empresa revigorada. As ações recentes da Apple representam tentativas vigorosas de crescer em um mercado que entra na fase madura. Explorando principalmente a reformulação de produtos e contando com uma marca forte no mercado americano. A empresa atuou também em todas as outras funções de marketing para conseguir ter sucesso com seu iMac, reduziu o preço, facilitou o acesso a seus produtos, inclusive disponibilizando informações na Internet, e contou com uma campanha forte de lançamento. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. As vendas foram alavancadas, embora isto não tenha representado significativo aumento em market share. Mais um sintoma da maturação do setor, quando as pressões da concorrência se acirram fortemente. O exemplo anterior ilustra bem como as empresas podem e devem reagir à adversidade nesta fase do ciclo de vida da indústria. 5 CONCLUSÕES No presente artigo, apresentamos as características dos mercados maduros, bem como os indicativos que anunciam a chegada desse estágio no ciclo de vida dos produtos. Em seguida, oferecemos algumas das alternativas de postura estratégica a serem adotadas pelas empresas, descritas na literatura do marketing. Para ilustrar as nossas proposições, fizemos uma breve análise do setor norte-americano de computadores pessoais (PCs), focando no caso particular de uma empresa do setor, a Apple Computers, Inc. Pudemos verificar que as recentes ações da Apple representam tentativas vigorosas de crescer em um mercado que entra na fase madura, explorando principalmente a reformulação de produtos e contando com uma marca forte no mercado americano. A empresa atuou também em outras funções do marketing para conseguir ter sucesso com seu /Mac: reduziu o preço, facilitou o acesso a seus produtos, inclusive disponibilizando informações na Internet e reformulando as suas ações promocionais, centradas em uma forte campanha de lançamento. As vendas do íMac foram alavancadas, embora isso não tenha representado significativo aumento em market share; é mais um sintoma da maturação do setor, quando as pressões da concorrência se acirram fortemente. O caso da Apple é interessante, pois podemos identificar uma série de atitudes estratégicas adotadas para fazer frente ao amadurecimento da indústria de PCs nos EUA. Um fator favorável à empresa é o de contar com uma base de consumidores leais a sua marca desde os seus primórdios. A compatibilização dos Macintosh com outros sistemas operacionais se encaixa na estratégia de ampliação da penetração, onde se busca expandira utilização do produto para os não-usuários. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. 17 Uma outra estratégia de marketing adotada foi a de modificação de produto, com a qual a empresa investiu pesadamente no design de seus produtos. Esses desenvolvimentos - no design - reforçaram a imagem de empresa inovadora desfrutada pela Apple. Por fim, a empresa promoveu uma modificação do composto de marketing, com o objetivo de estimular as vendas de seus microcomputadores. A empresa apostou em uma combinação de redução nos preços dos seus produtos - ainda que tenham um alto preço relativo - com a reformulação de sua comunicação com o público. 6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSINESS WEEK. New York: The McGraw-Hill Companies, Jan. 13, 2000. O COMPUTADOR não morreu, mas a indústria está a perigo. Valor Econômico, 06 dez. 2000. FORBES, 23 fev. 1998. FORBES. v.l 65, n. 2, 2000. LANDES, D. Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa Ocidental desde l 750 até a nossa época. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. KOTLER, P. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 5. edição. São Paulo: Atlas, l 998. LINK UP. v. 2, n. 2, mar./abr., 2000. PORTER, P. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Compus, l 986. VALOR ECONÓMICO, 6 dez. 2000, p. B6. WALKER, O. C.; BOYD, H. W.; LARRECHÉ, J. C. Marketing strategy: planning and implementation. Boston, Mass.: Irwin, 1996. Abstract This paper presente the characteristics of mature markets and the marketing strategies to be successful under these conditions. We use fhe case of Apple Computers, lnc, to CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p. 5-19, 2000. illustrate how a firm, managing lhe appropriate strategic marketing tools, can be successful in a mature industry. 7 NOTAS 'Quando a demanda pode superar a oferta. Isso pode ocorrer devido a insuficiência da capacidade instalada. 2 Em português não encontramos uma palavra adequada para descrever o sentido que o autor conota com a palavra asurance. 3 Em um mercado onde há competição e o cliente tem opções de escolha. 4 Dados fornecidos pelo International Data Corporation (1DC), 5 Apesar de ser uma fabricante de software, todo o seu negócio é dependente da constituição do parque instalado de hardware. CADERNOS DISCENTES COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 5, p, 5-19, 2000. GIGLIO, Eugenio Antonio Maia; VIEIRA, Paulo; COSTA, Roberto da; PORCARO, Jorge. Mercados maduros e postura estratégica: o caso da Apple Computers, Inc. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n.5, p. 5-19, 2000.