POLÍTICAS EDUCACIONAIS um exame de proposições e reformas educacionais 1 2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS um exame de proposições e reformas educacionais 3 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE REITOR Paulo Sérgio Wolff VICE-REITOR Carlos Alberto Piacenti PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS Rosiclei Fátima Luft PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Silvio César Sampaio PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO Prof. Dr Gilmar Baumgartner PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO Jandir Ferrera de Lima PRÓ-REITOR DE RECURSOS HUMANOS Amarildo Jorge da Silva DIRETOR DO CAMPUS DE CASCAVEL Alexandre Webber DIRETOR DO CECA - CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES Elenita Conegera Pastor Manchope COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO Alexandre Felipe Fiuza PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO Liliam Faria Porto Borges CONSELHO EDITORIAL Liliam Faria Porto Borges Gilmar Baumgartner Silvio César Sampaio Aparecida Feola Sella Clodis Boscarioli Marina Kimiko Kadowaki Loreni Teresinha Brandalise Beatriz Helena Dal Molin Lavínia Raquel Martins 4 Samuel Klauck José Ricardo Souza Adílson Francelino Alves Yolanda Lopes da Silva Antonio de Pádua Bosi Mário Luiz Soares Gustavo Biasoli Alves Jefferson Andronio Ramundo Staduto Soraya Moreno Palácio Ângela Mara de Barros Lara Roberto Antonio Deitos (Orgs) POLÍTICAS EDUCACIONAIS um exame de proposições e reformas educacionais EDUNIOESTE CASCAVEL 2012 5 © 2012, EDUNIOESTE Capa: Hugo Alex da Silva Ilustração da Capa: Araucárias - espécie de pinheiro característico da região Sul do Brasil. Revisão: Célio Escher Diagramação: André Crepaldi Ficha Catalográfica: Marilene de Fátima Donadel - CRB 9/924 História da educação : escola pública e práticas educativas / H673 Organização de João Carlos da Silva, André Paulo Castanha, Paulino José Orso e Marijane Zanotto. – Cascavel : EDUNIOESTE, 2012. 189 p. ISBN: 1. Educação - História 2. Educação – Paraná - História 3. Escolas públicas 4. Prática de ensino 5. Currículo 6. Educação inclusiva I. Silva, João Carlos da, Org. II. Castanha, André Paulo, Org. III. Orso, Paulino José, Org. IV. Zanotto, Marijane, Org. V.T. CDD 20. ed. Impressão e Acabamento Editora e Gráfica Universitária - EDUNIOESTE Rua Universitária, 1619 - E-mail: [email protected] Fone (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590 CEP 85819-110 - Cascavel-PR - Caixa Postal 701 6 370.981 SUMÁRIO Prefácio........................................................................................11 CÉSAR AUGUSTO MINTO Introdução....................................................................................15 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la transición postliberal: iniciativas, tensiones y conflictos .................…………………………………...............…………...33 RAMÓN CASANOVA Formação docente na América Latina e Caribe: a atuação da Rede Kipus..............................................................59 OLINDA EVANGELISTA Políticas públicas para a educação a distância no Brasil: o sistema Universidade Aberta................................................85 NEUZA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA ANTUNES ROBERTO ANTONIO DEITOS A política de pessoal da educação e os desafios da precarização do trabalho dos professores na rede estadual de educação básica do Paraná (1995- 2002)..........117 LUCIANE FRANCIELLI ZORZETTI MARONEZE ÂNGELA MARA DE BARROS LARA 7 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna na educação básica no estado do Paraná....................................................................................................147 JONATHAS DE PAULA CHAGURI Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas teórico-metodológicas adotadas nos Programas de excelência (CAPES, triênio 2010)....................................................................................181 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS ANAJARA GUERTLER As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e da Venezuela: explicitando resultados e mudanças a partir dos governos de Lula e Chávez.........................................................208 VANDIANA BORBA WILHELM FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA A luta por políticas para a educação do campo: contestação, resistência e possibilidades..................................235 JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA MARIA APARECIDA CECÍLIO Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores .............................................................263 CLÁUDIA LETÍCIA DE CASTRO DO AMARAL GABRIEL DOS SANTOS KEHLER LILIANA SOARES FERREIRA 8 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica............................................................................291 EDUARDO A. TERRAZZAN LIDIANE LIMANA PUIATI ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA LUCIANA BAGOLIN ZAMBON JANAÍNA XAVIER DE ALMEIDA Políticas educacionais para o ensino de arte e música: a Lei nº 11.769/2008 e a realidade musical escolar ..................319 EGON EDUARDO SEBBEN As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa......................................................................347 RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA FLÁVIA DA SILVA OLIVEIRA Dos Autores.............................................................................379 9 10 PREFÁCIO É com grande satisfação que apresento a coletânea POLÍTICAS EDUCACIONAIS: um exame de proposições e reformas educacionais, organizada pelos professores Ângela Mara de Barros Lara, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Roberto Antonio Deitos, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), que envolveu a participação direta de vinte e seis profissionais na área da Educação e, sobretudo, trabalhadores que defendem a educação pública, gratuita, laica, democrática, e de qualidade socialmente referenciada. Mas, por certo, eu não poderia deixar de registrar a contribuição de muitos técnico-administrativos, funcionários ditos operacionais e estudantes das instituições que participaram dessa empreitada. Vários são os motivos da satisfação mencionada. Citarei apenas três, por entender que eles são suficientemente significativos. Primeiro, a presente coletânea foi viabilizada pela iniciativa de representantes de três instituições estaduais de ensino superior do Paraná, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); de uma instituição federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); e de uma instituição particular de Santa Catarina, Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), por meio do Termo de Cooperação Ampla (TCA), de 2009. Destaco ainda que, já em 2010, agregou-se às participantes mais uma instituição paranaense, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Embora talvez a iniciativa não seja inédita, o que não lhe ofusca o mérito, cabe ressaltar a adequação de seu caráter exemplar, pois a produção de conhecimento evoca sim o “desenvolvimento de 11 projetos conjuntos de ensino, pesquisa e extensão; para viabilizar o acesso e o uso da infra-estrutura disponível em ambas as entidades [participantes], para promover o intercâmbio de pessoal docente e técnico [...] a fim de atender a programas e projetos de interesse mútuo (cursos, palestras, seminários, etc.), e para a troca de informações [eu diria: para o compartilhamento de culturas, experiências, informações etc.], através da assinatura de termos de convênios, que ficarão vinculados a este termo de cooperação”, conforme destaca o referido TCA. Essa postura – exemplar, repito – tem tudo a ver com o que a sociedade espera de instituições de caráter educacional. Segundo, é louvável o que resulta “[...] do esforço e da ativa decisão de promover a solidariedade e a integração acadêmica entre Programas, Grupos de Pesquisa e Pesquisadores dos Programas envolvidos em amplo processo de colaboração que envolve a cooperação acadêmica e um processo de integração da pesquisa em rede”, conforme argumentam, com razão, os organizadores na introdução da coletânea. E trata-se, por ora, de uma primeira disponibilização pública, materializada em onze artigos que se dedicaram à análise de temas educacionais de grande relevância na área – formação de professores, precarização do trabalho docente, ensino a distância, ensino de língua estrangeira, pós-graduação, educação especial, educação do campo, gestão educacional, políticas de educação básica, ensino de arte e música, políticas para pessoas idosas – tendo início com o artigo do professor venezuelano Ramón Casanova, que instiga “La irrevocable voluntad de igualdad...” Terceiro, porque, por óbvio, os leitores poderão fruir dessa coletânea para inteirar-se, em maior ou menor profundidade, dependendo da contribuição disponibilizada e do seu interesse particular, tendo a oportunidade de corroborar ou não, no todo ou em parte, os argumentos fundamentados pelos autores dos artigos que a 12 compõem. Mas, em especial, poderão sentir-se estimulados a acompanhar com mais proximidade os temas abordados nos estudos aqui apresentados por docentes competentes e dedicados e – quiçá – engajar-se plenamente ou em algumas das lutas que as políticas educacionais aqui tratadas evocam. Estou convicto de que é isso que todos esperamos... Assim, só me resta desejar a todas as pessoas uma boa leitura! São Paulo/SP, fevereiro de 2012 CÉSAR AUGUSTO MINTO Professor na FE-USP 13 14 INTRODUÇÃO A coletânea POLÍTICAS EDUCACIONAIS: um exame de proposições e reformas educacionais resulta do esforço e da ativa decisão de promover a solidariedade e a integração acadêmica entre Programas, Grupos de Pesquisa e Pesquisadores dos Programas envolvidos em amplo processo de colaboração que envolve a cooperação acadêmica e um processo de integração da pesquisa em rede. Dentre os aspectos mais relevantes para os Programas de PósGraduação em Educação – PPGE destaca-se o Termo de Cooperação Ampla, firmado em 2009 pelos reitores das universidades da Região Sul: Universidade Federal de Santa Maria/RS – UFSM, Universidade Estadual do Oeste do Paraná/PR – UNIOESTE, Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL, Universidade do Vale do Itajaí/ SC – UNIVALI e a Universidade Estadual de Maringá/PR – UEM e que tornou viáveis, institucionalmente, atividades entre os vários PPGE. Esse convênio tem por objetivo promover a ampla cooperação técnica, científica e cultural para o desenvolvimento de projetos conjuntos de ensino, pesquisa e extensão; viabilizar o acesso e o uso da infraestrutura disponível nas cinco IES; promover o intercâmbio de pessoal docente e alunos da pós-graduação stricto sensu; e viabilizar o desenvolvimento de projetos de interesse recíproco, como: cursos, palestras, seminários, publicações, estágios de pós-doutorado, redes de pesquisa. Desde o momento em que esse convênio foi firmado, diversas atividades de intercâmbio já foram realizadas em 2009. Ocorreram parcerias para publicações entre os Programas citados. Destaca-se o fato de que professores da UEM, UNIVALI, UEL, UNIOESTE e UFSM, em virtude do convênio, atuaram como em várias outras atividades de intercâmbio acadêmico. Salienta-se, 15 também, a realização de eventos nos quais professores dos Programas participam como convidados e membros de comitê científico. Destacamos que, em 2010, a Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR – UEPG, por meio do seu PPGE, passou a integrar o intercâmbio de cooperação acadêmica. O intercâmbio de cooperação acadêmica vem contribuindo para o desenvolvimento e a articulação de grupos e pesquisadores e a articulação de redes de pesquisa nas áreas de atuação dos referidos programas, fortalecendo a integração e o desenvolvimento de pesquisas e a formação docente na pósgraduação na região Sul do Brasil. O conjunto de artigos que compõem a presente coletânea expressa interpretações sobre questões educacionais que afetam populações bastante diversas, mas que, em certos aspectos do processo socioeconômico e político, são muito semelhantes quando o assunto se refere ao enfrentamento e à realidade que envolve as questões das políticas educacionais no contexto latino-americano. Nesse sentido, é importante destacar mos alguns aspectos socioeconômicos que afetam coletiva e estruturalmente os países latino-americanos, em especial, nas últimas três décadas. Os organismos internacionais ditos multilaterais têm sido obrigados a diagnosticar certas situações sociais graves e crônicas. No início da década de 1970, o Banco Mundial publicou um relatório intitulado Sócios no Progresso, sob a presidência de Lester B. Person. Nele havia considerações a respeito da chamada ajuda externa aos países e sobre a necessidade de mudanças políticas e estruturais que deveriam ser implementadas pelos países. Assim, expressava o referido relatório sobre desenvolvimento e política: O desenvolvimento não é uma garantia de estabilidade política nem um antídoto contra a violência. O fenômeno é, por si mesmo, 16 intrinsecamente desagregador. Mas a participação ativa nas refor mas necessárias oferece oportunidade de comunicar um sentido de direção e identificação. Por outro lado, dificultar ou ignorar essa participação significa inevitavelmente uma ruptura violenta da estrutura social. (BANCO MUNDIAL, PEARSON, 1971, p. 17).1 E quando se trata de educação, a questão também aparecia com um tratamento ideológico definido, pois Uma necessidade especial é a de instituições pósgraduadas, tecnológicas ou profissionais, que ofereçam treinamento relacionado às necessidades do mercado de trabalho. Nessas circunstâncias, o sistema educacional pode tornar-se facilmente um instigador de desajustamento e desemprego estrutural, em vez de fonte essencial de crescimento e desenvolvimento. Os graduados das escolas primárias da África, das secundárias da América latina, e das universidades da índia não encontram os empregos que esperam. Uma educação mal orientada gera descontentamento e frustração nos países de qualquer nível de renda. Nos países mais pobres, esse problema pesa como um fardo ameaçador sobre toda a estrutura social. 1 BANCO MUNDIAL. PEARSON, Lester B. (Presidente). Membros da Comissão: Sir Edwuard Boyle, Roberto de Oliveira Campos, C. Douglas Dillon, Wilfried Guth, W. Arhur Lewis, Robert E. Marjoli, Saburo Okita. Sócios no progresso. Relatório da Comissão do Desenvolvimento Internacional. Rio de Janeiro: APEC Editora S. A., 1971. 17 (BANCO MUNDIAL, PEARSON, 1971, p. 8182)2 Mais recentemente, o Banco Mundial publicou o Informe sobre a Oportunidade Humana na América Latina e Caribe em 2010 – IOH. Nele podemos observar algumas constatações sobre essas situações sociais na região, depois de quatro décadas: Sí, pero con lentas y con marcadas diferencias entre países. Desde 1995, el promedio del IOH regional ha crecido a una tasa de un (1) punto porcentual al año. Esto es claramente insuficiente. A este ritmo por ejemplo, a los países de Centro América les tomará 37 años lograr la universalización de servicios básicos en educación y vivienda. (2010, p. 5).3 Particularmente no campo das políticas educacionais, existem fartos e consideráveis diagnósticos – e receituários – para os crônicos problemas educacionais a que a região vem sendo historicamente submetida. Vejamos o tratamento dado à questão em outro documento, também publicado pelo Banco Mundial: 2 BANCO MUNDIAL. PEARSON, Lester B. (Presidente). Membros da Comissão: Sir Edwuard Boyle, Roberto de Oliveira Campos, C. Douglas Dillon, Wilfried Guth, W. Arhur Lewis, Robert E. Marjoli, Saburo Okita. Sócios no progresso. Relatório da Comissão do Desenvolv[imento Internacional. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1971. 3 BANCO MUNDIAL. ¿Qué oportunidades tienen nuestros hijos? Informe sobre la oportunidad humana en América Latina e el Caribe 2010. (código 54508, v.1, edición de conferencia. José R Molinas, Ricardo Paes de Barros, Jaime Saavedra, Marcelo Giujale con Louise J. Cord, Carola Pessino, Amer Hasan). Washington, DC, EUA: Banco Mundial, 2010. (LAC, oportunidades para todos). Disponível em: www.worldbank.org/laoportunity. 18 Si bien muchos países latinoamericanos han logrado aumentar el acceso a la educación básica para una gran mayoría de sus niños, la calidad de la educación sigue siendo muy baja en la región [...]. En un mundo cada vez más globalizado en el cual las competencias y conocimientos de los trabajadores cumplen un rol crucial, los países cuyos trabajadores están predominantemente mal capacitados se quedarán atrás indefectiblemente y sus ciudadanos seguirán percibiendo bajos salarios y perdiendo oportunidades de salir de la pobreza y disfrutar de una vida mejor. Desde el punto de vista de la utilización eficiente de los escasos recursos disponibles, es inquietante que a pesar de que la mayoría de los países de la región gasta mucho en educación, las competencias que poseen los egresados de los establecimientos educacionales latinoamericanos no son suficientes como para obtener un ingreso que les permita costear un nivel de vida de calidad. América Latina como región enfrenta enormes desafíos, particularmente aquellos planteados por el desarrollo, la pobreza y la desigualdad. Como lo ilustra la cita anterior, la educación es reconocida a todo nivel como uno, si no el más crítico, de los medios para enfrentar estos desafíos. La democratización de la educación, a través del mejoramiento tanto de su cobertura como de su calidad, es crítica para superar la desigualdad social y económica existente en toda América Latina [...]. Asegurar que todos los niños tengan la oportunidad de adquirir las habilidades críticas en el nivel primario y secundario es crucial para superar las barreras de habilidades que perpetúan 19 el subdesarrollo y la pobreza. (p. 1-2, omitimos notas do autor)4 O diagnóstico apresentado revela uma situação educacional perversa na América Latina, desdobrada nos problemas tais como acesso, permanência, qualidade educativa e desigualdades sociais, problemas que são, evidentemente, muito graves e têm sido crônicos. O que fica também expresso no relatório como um receituário é que a educação é responsável por um conjunto de fatores sociais debilitados, em especial pelas condições sociais de subdesenvolvimento, pobreza e renda. Há ainda no relatório outro dado segundo o qual se penaliza ideologicamente os países que, apesar de toda a situação, considera-se que gastam muito com educação. É o tradicional receituário liberal que prescreve haver recursos, mas incompetência nos gastos. Ademais, o relatório constata que as escolas revelam-se ineficientes, os gestores incompetentes e os professores despreparados e desmotivados, e, por fim, conclui que as escolas são ineficazes e caras. A permanência de diagnósticos e receituários para os países da América Latina e Caribe sobre suas políticas educacionais e sociais tem sido uma constante por parte dos organismos internacionais, em especial do Banco Mundial. Como qualificados membros do seleto grupo dos guardiões representativos da ordem econômica hegemônica mundial, proclamam veementemente os receituários para as crises e as economias e sociedades regionais. O tratamento dado é bastante 4 BANCO MUNDIAL. Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de incentivos. ¿Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina? (código 33266, Emiliana Vegas e Ilana Umansky). Washington, D.C., EUA: Banco Internacional de Reconstrucción y Desarrollo/Banco Mundial, 2005. Disponível em: <www.worldbank.org>. 20 conhecido. Há muitos relatórios reveladores da situação econômica, social e política. Muita fartura de dados econômicos e sociais. Muita consulta aos setores sociais, econômicos e políticos envolvidos nacionalmente com essas situações. Muitas críticas aos problemas nacionais existentes nos diversos países a ponto de revelarem com maestria que os responsáveis pela situação em que cada país se encontra é o resultado da adoção interna de políticas sociais e econômicas equivocadas. Assim, o receituário neoliberal apresenta seu protocolo prescritivo e os remédios: reformas, ajustes sociais e econômicos, corte nos gastos sociais e remessa e reserva de dinheiro para o mercado financeiro internacional se acalmar. É como se fosse um monstrengo obsessivo-compulsivo, cujo verdadeiro nome é globalização do capital (Mészáros, 2007)5, que precisa ser saciado para não mostrar toda a sua força e maltratar os maus seguidores, que não sabem fazer a tarefa de casa e precisam ser castigados com redução de salários e precárias condições sociais e educacionais. O potencial perverso e destrutivo do processo de globalização do capital pode ser aquilatado Quando consideramos o processo de reprodução como um todo, percebemos que certos componentes desse processo de reprodução geral estão se tornando cada vez mais parasíticos. Pensemos, nesse respeito, nos custos sempre crescentes da administração e dos seguros. A forma mais extrema de parasitismo em nosso processo de reprodução contemporâneo é, evidentemente, o setor financeiro, engajado de 5 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo do século XXI. Tradução Ana Cotrim, Vera Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007 (Mundo do Trabalho). 21 maneira constante na especulação global, com repercussões muito severas – e em potencial extremamente grave – sobre o processo de produção propriamente dito. O parasitismo perigoso do setor financeiro especulativo internacional – que, para piorar as coisas, continua a ser glorificado sob o lema propagandístico da “globalização” inevitável e universalmente benéfica – mantém uma importante relação com as perspectivas futuras de transformação social [...]. (MÉSZÁROS, 2007, p. 71).6 O Banco Mundial revela, em relatório sobre a gravidade climática e a destruição ecológica mundial, algumas de suas preocupações sobre questões determinantes desse processo socioeconômico e como as toma de forma a secundarizar os determinantes principais e efetivamente responsáveis pelo processo de deterioração social e econômica em curso: O crescimento econômico é necessário para reduzir a pobreza e é fundamental no aumento da resiliência à mudança climática nos países pobres. Mas o crescimento por si só não é a resposta para uma mudança climática. O crescimento provavelmente não é suficientemente rápido para ajudar os países mais pobres e pode aumentar a vulnerabilidade aos perigos do clima [...]. Nem o crescimento é em geral igualitário o bastante para garantir a proteção para os mais 6 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo do século XXI. Tradução Ana Cotrim, Vera Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007 (Mundo do Trabalho). 22 pobres e mais vulneráveis. Ele não garante que as principais instituições funcionarão bem. [...]. (BANCO MUNDIAL, 2009, p. 7).7 Da mesma forma como é tratada pelo receituário liberal a política macroeconômica, assim também o é a política educacional; ou seja, a política educacional é apenas mais uma componente do conjunto de medidas adotadas para as políticas sociais, e que acaba se justificando ideológica e politicamente como uma das principais responsáveis pelo acesso às condições tais como: renda, superação dos patamares de pobreza e elevação dos níveis de crescimento econômico. Logo, seriam as políticas educacionais consideradas ineficientes as responsáveis, em grande medida, pelas mazelas econômicas, sociais e educacionais dos países, reforçando o caráter ideológico de um ciclo discursivo de alegações coercitivas e dissimuladoras das causas efetivamente determinantes desse processo crônico de distribuição desigual das riquezas socialmente produzidas. Os capítulos aqui apresentados revelam diversos aspectos das políticas educacionais e reúnem certas proximidades analíticas sobre determinadas temáticas estudadas e expressam interpretações que versam sobre inúmeros problemas de ordem político-educativa. O capítulo La Irrevocable Voluntad de Igualdad o la Escuela Venezolana en la Transición Postliberal: iniciativas, tensiones y conflictos, de autoria de RAMÓN CASANOVA, apresenta uma análise da experiência venezuelana de política educacional e conjuga o exame de suas reformas no contexto político nacional do país, que se consolida com a vitória de um bloco político 7 BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2010: visão geral antecipada: desenvolvimento e mudança climática. Washington, D. C.: Banco Mundial, 2009. 23 em 1999. Nesse contexto, examina as implicações e os desdobramentos econômicos e político-ideológicos que expressam essas configurações e, como processo, revela os novos sentidos atribuídos para a educação dentro do desenho de um projeto nacional de desenvolvimento com características de cunho antiliberal. O capítulo Formação Docente na América Latina e Caribe: a atuação da Rede KIPUS, de OLINDA EVANGELISTA, examina os argumentos teóricos e políticos que apresentam a ideia de que redes educativas são importantes e necessárias para a difusão de projetos atinentes aos vários aspectos que a educação comporta, inclusive com disseminação internacional. Dessa perspectiva se afirma que a ação em redes é decisiva na construção de alianças em torno de interesse comuns, particularmente os que se referem à formação docente e à qualidade do ensino. Ao analisar esse contexto, revela os propósitos da Red Docente de América Latina y el Caribe – KIPUS, criada em 2003, no Chile, e que envolve mais de 300 membros entre universidades, institutos pedagógicos, faculdades de educação, redes profissionais, ONGs, associações, sindicatos de docentes, investigadores, diretores e participantes representando ministérios de 17 países da América Latina e Caribe – ALC. O capítulo Políticas Públicas para a Educação a Distância no Brasil: o Sistema Universidade Aberta, de autoria de NEUZA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA ANTUNES e ROBERTO ANTONIO DEITOS, apresenta uma leitura específica das políticas que têm orientado a expansão da Educação a Distância no Brasil, tendo como foco uma breve análise do processo de constituição e implantação da Universidade Aberta do Brasil – UAB, que hoje desempenha o papel de gestora no contexto da política pública na modalidade de Educação a Distância. 24 O capítulo A Política de Pessoal da Educação e os Desafios da Precarização do Trabalho dos Professores na Rede Estadual de Educação Básica do Paraná (1995-2002), de autoria de LUCIANE FRANCIELLI ZORZETTI MARONEZE e ÂNGELA MARA DE BARROS LARA, discute as configurações do trabalho dos professores na rede estadual de educação básica do estado do Paraná nas duas gestões do governo Jaime Lerner, tendo por base os elementos fundamentais que incidiram em sua precarização e examina a política educacional, delimitando sua articulação com as políticas de cunho neoliberal e com os parâmetros de reestruturação produtiva que emergiram nessa nova fase de reorganização capitalista. O capítulo As Vozes de uma Política de Ensino de Língua Estrangeira Moderna na Educação Básica no Estado do Paraná, de autoria de JONATHAS DE PAULA CHAGURI, analisa questões que envolvem as políticas adotadas no Brasil sobre os processos de ensino e de aprendizagem de línguas, procurando perceber que o momento de opção pelo ensino de determinada língua estrangeira é resultante de processo intenso de acordos e/ou imposições políticas, ideológicas e culturais no que concerne à escolha do ensino de uma ou de outra língua estrangeira. O capítulo Estudos sobre Políticas Educacionais na PósGraduação em Educação: perspectivas teórico-metodológicas adotadas nos programas de excelência (CAPES, triênio 2010), de autoria de REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS e ANAJARA GUERTLER, debate a questão dos impactos no horizonte educacional brasileiro e as preocupações por parte da comunidade científica e acadêmica, dados os processos de aligeiramento da formação e indução de uma política nacional de avaliação em todos os níveis de ensino e a expansão e diversificação desordenada da oferta, notadamente no ensino superior e na 25 modalidade da Educação a Distância. O trabalho aborda o universo da pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado – para analisar os estudos sobre as políticas públicas em Educação nesse nível de ensino, tendo como objeto os Programas de Pós-Graduação em Educação – PPGE considerados de excelência e com nível de inserção internacional na avaliação continuada da CAPES, no período de 20042006. O capítulo As Reformas Neoliberais e Suas Influências na Política de Educação Especial do Brasil e da Venezuela: explicitando resultados e mudanças a partir dos governos de Lula e Chávez, de autoria de VANDIANA BORBA WILHELM e FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA, compara determinados contrastes e semelhanças da política de educação especial do Brasil e da Venezuela, em relação aos aspectos concernentes à trajetória histórica, conceitual e os resultados concretos da implementação dessas políticas, os quais estão expressos nos indicadores educacionais e em alguns dados teóricos e históricos das reformas implementadas nesses dois países no campo da política educacional, com foco nas políticas para a educação especial. O capítulo A Luta por Políticas para a Educação do Campo: contestação, resistência e possibilidades, de autoria de JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL, IRIZELDA MARTINS DE SOUZA e MARIA APARECIDA CECÍLIO SILVA, analisa o processo político e educacional de políticas para a educação do campo no contexto da produção de desigualdades, desequilíbrios e antagonismos intrínseca ao capitalismo no Brasil e reflete sobre os movimentos sociais como importantes expressões de resistência e busca de transformação social. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é apresentado com um exemplo de resistência contra-hegemônica no campo das lutas dos movimentos sociais. 26 O capítulo Implicações da Gestão Educacional Democrática no Trabalho dos Professores, de autoria de CLÁUDIA LETÍCIA DE CASTRO DO AMARAL, GABRIEL DOS SANTOS KEHLER e LILIANA SOARES FERREIRA, examina questões das políticas educacionais com enfoque no processo e adoção da gestão democrática configurada a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – LDB, tratando dos aspectos políticos, sociais, econômicos e educacionais para o estudo da questão da gestão democrática no Brasil. O capítulo Incidência de Políticas Educacionais em Escolas de Educação Básica, de autoria de EDUARDO A. TERRAZZAN, LIDIANE LIMANA PUIATI, ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA, LUCIANA BAGOLIN ZAMBON e JANAÍNA XAVIER DE ALMEIDA, apresenta uma síntese dos principais resultados de investigações realizadas pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções Inovação Educacional, Práticas Educativas e Formação de Professores – GEPI INOVAEDUC, a respeito da temática de pesquisa Políticas Públicas em Educação e refere-se a pesquisas no âmbito do Projeto de Pesquisa “Inovações Educacionais e as Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil – IEPAM”, vinculado ao Programa Observatório da Educação da CAPES, articulando ações de grupos de pesquisa vinculados a três IES: Universidade Federal de Santa Maria; Universidade Federal do Paraná e a Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande/MS. O capítulo Políticas Educacionais para o Ensino de Arte e Música: a Lei 11.769/2008 e a realidade musical escolar, de autoria de EGON EDUARDO SEBBEN, trata da inserção da componente curricular musical no processo de ensino de arte nas escolas de educação básica do país e avalia a adoção desse processo nos sistemas de ensino desde de a implantação da referida exigência 27 curricular como integrante do conjunto das políticas educativas no Brasil. O capítulo As Abordagens Educacionais nas Políticas Públicas para a Pessoa Idosa, de RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA, PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA e FLÁVIA DA SILVA OLIVEIRA, analisa as políticas adotadas para a pessoa idosa nos aspectos sociais, das mínimas condições de sobrevivência, saúde e educacionais e as bases legais que estabelecem os direitos básicos para a pessoa idosa no conjunto das políticas sociais implementadas no Brasil. Os capítulos aqui reunidos, portanto, apresentam o exame de políticas nos eixos temáticos que tratam de questões como implementação de políticas educacionais que expressam alterações de cunho estrutural e de outras que sustentam como eixos internos do processo amplo de reformas estruturais no campo da política na área em seus aspectos socioeconômicos, políticos, ideológicos e educativos de forma ampla e específica. Algumas questões levantadas são perenes, ao mesmo tempo em que per versas e crônicas, considerando-se os aspectos socioeconômicos, políticos e educacionais constatados nos países abordados, em particular, da América Latina e do Caribe. Nesse contexto, cabe lembrar o escritor brasileiro Manuel Bonfim que, ao referir-se ao processo de desenvolvimento social e político latinoamericano, revelava em seu livro A América Latina – males de origem, de 1903, a seguinte interpretação: Na prática, todos esses homens das classes dirigentes são escravos passivos da tradição e da rotina; são ativos apenas para opor-se a qualquer inovação efetiva, a qualquer transformação real, 28 progressista. Dir-se-ia medo ou preguiça; conservam, porque têm a impressão de que assim estão no caminho mais seguro para evitar o imprevisto e criar o menos possível dificuldades no momento. Vivem – eles e o país que dirigem – uma vida de adiamentos e vãos expedientes. Para todos, o ideal é dizerem conservadores. Há políticos ousados... de idéias, radicais, e até revolucionários; mas obedecendo a uma necessidade íntima da organização afetiva, acham sempre o meio de explicar que não querem ser mais que conservadores. E de fato é o que eles são. A tendência instintiva ao conservadorismo não lhes permite refletir que essa política conservadora, anti-social, mesmo para os povos que possuem um passado capaz de despertar entusiasmos, funesta para os próprios países que trazem de outras eras instituições benfazejas e obras grandiosas – que essa política vem a ser, não só ridiculamente absurda, como essencialmente criminosa, tratando-se de nações onde não há, em verdade, o que conservar. A história nos mostrará que, nas nacionalidades sul-americanas, antes mesmo de completa independência, já aparece um partido “conservador”, pesando decisivamente sobre a marcha das coisas públicas. Pergunta-se agora: o que havia então para conservar?... A vida das populações, a linguagem, os territórios?... E, ainda hoje: em nome do que se justifica esse programa de política conservadora?... São nações, estas, em que tudo está por fazer, a começar pela educação política e social das 29 populações. [...]. (BONFIM, 1903, p. 730-731, grifos do autor).8 Passado mais de um século da referida publicação, as questões socioeconômicas, políticas, ideológicas e educacionais, com características diversas e longe das que tínhamos no início da década de 1900, não são menos perversas e crônicas, em se tratando de questões socioeconômicas e políticas para os povos dos países latinoamericanos, como podemos observar em dados recentes sobre a situação social na América Latina e Caribe, situação que piorou nos últimos vinte e cinco anos, como podemos observar no gráfico 9 a seguir. 8 BONFIM, Manuel. América Latina – males de origem. (1903, p. 626-895). In: Intérpretes do Brasil. Coordenação, seleção de livros e prefácio, Silviano Santiago. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. 3 v. (Biblioteca Luso-Brasileira; Série Brasileira). 9 BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Comunicados da Presidência, n. 38, janeiro de 2010. Brasília, DF: IPEA, 2010. p. 5. 30 São problemas socioeconômicos crônicos que assolam os povos latino-americanos e a questão educacional, como um problema social, sofre do mesmo problema estrutural imposto pelas políticas econômicas hegemônicas no quadro da globalização do capital. O que argumentava Florestan Fernandes acerca da situação por que passava a humanidade nos anos de 1970 serve para refletirmos sobre o momento atual: Vivemos uma época difícil, de grandes conflitos e contradições, e de grandes esperanças e realizações. Toda época de crise de civilização possui as duas dimensões. Uma, de “destruição do que é estabelecido”; outra, de “construção do que é novo”. Essas duas dimensões não são sucessivas. Elas se entrecruzam no tempo e no espaço histórico-sociais, na atuação dos homens e dos grupos humanos, no funcionamento, desorganização e reintegração da economia, da sociedade e da cultura. Os que vivem os momentos mais diretamente vinculados aos períodos em que as transições efetivas se desencadeiam e atingem a capacidade de perpetuação do padrão existente de civilização, sofrem com maior intensidade os pequenos dramas individuais e os grandes dramas coletivos da referida crise. Os que lutam pela “sobrevivência do estabelecido” como os que lutam pela “construção do que é novo” defrontam-se como inimigos e arrostam abalos morais, psicológicos e políticos que criam 31 insegurança permanente, inquietação e frustração. (FERNANDES, 1981, p. 123).10 A política educacional está impregnada dessas questões sociais e políticas, mas como fruto de um processo de luta social, de enfrentamentos de classe e disputa de projetos, deve poder orientar os povos para um processo de transformação social, de efetiva emancipação humana. Assim, a política educacional exige, de todos nós, decisão ativa e prontidão crítica para rumos diferentes da ordem social vigente e que possam trazer transformações que promovam diretamente as necessidades humanas básicas como substrato para um efetivo rompimento com políticas destrutivas da condição humana. É nesse universo que as questões político-educativas devem aparecer como instrumentos de um projeto societário que persiga o socialmente viável e a utopia humanitária – enquanto antecipação criadora, como defendia Florestan Fernandes – por meio de políticas educacionais, numa perspectiva de rompimento com a ordem tida como definitiva, que devem libertar os homens de suas amarras político-ideológicas que se prestam à manutenção de sociedades altamente destrutivas e humanamente perversas. Cascavel-PR, e Florianópolis-SC, novembro, primavera de 2011. ÂNGELA MARA DE BARROS LARA ROBERTO ANTONIO DEITOS (Organizadores) 10 FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. 32 LA IRREVOCABLE VOLUNTAD DE IGUALDAD O LA ESCUELA VENEZOLANA EN LA TRANSICIÓN POSTLIBERAL: INICIATIVAS, TENSIONES Y CONFLICTOS RAMÓN CASANOVA Introducción El texto 1 pretende valorar el alcance de la experiencia venezolana de reforma de la escuela. Esta desplegada con la victoria en el año 99 de un bloque político y social que se define desde el comienzo antiliberal. Para ello describe las fuentes ideológicas que la apartan del programa del consenso de Washington, registrando el “retorno” de las tradiciones intelectuales igualitaristas y los nuevos sentidos atribuidos a la educación dentro del diseño del proyecto nacional de desarrollo. De seguida analiza las lógicas que acompañan su puesta en escena, precisando sus líneas estratégicas, haciendo un inventario de las variables sociales y educativas a las que las políticas le otorgan prioridad y sintetizando aquellos ámbitos en donde pareciera lograr resultados en la neutralización de las barreras que durante los años 90 acentuaron la discriminación y los bajos desempeños de la escuela. Concluye anotando brevemente las tensiones que abren las direcciones del cambio, sobre todo alrededor 1 Originalmente publicado en Propuesta Educativa (Buenos Aires: Revista, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLCSO), Nº 29) y en Revista Temas & Matizes, n. 13, Cascavel, PR, EDUNIOESTE, 1º. Sem, 2008. 33 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... del papel del estado y el currículum, llamando, por último, la atención sobre lo que pudiera constituir el espacio menos dinámico de la experiencia, a saber, el “retraso” en la actualización de los mecanismos de gestión. La crisis de modernización, con el colosal derrumbe de los índices de bienestar que le fueron propios a Venezuela hasta finales de los años 70, el “cansancio” de las reformas ensayadas en las dos décadas siguientes para cristalizar una sociedad liberal, que permitiese garantizar las condiciones políticas de reproducción local de la economía global capitalista como salida a tal crisis, y, sus consecuencias, impredecibles hasta su ocurrencia en la inesperada revulsión victoriosa en el año 98 de un movimiento sui géneris integrado especialmente por los más pobres y liderado por una élite militar nacionalista, son eventos que han puesto a la orden del día de nuevo la tensión histórica sobre el destino de la educación en el proyecto nacional de desarrollo. Como sea, el curso experimentado por las decisiones gubernamentales en el campo de la educación desde el año siguiente, implicará una radical disputa con las intensiones de las reformas impulsadas en toda la región por el Consenso de Washington. Y la inteligibilidad de la misma será comprensible, entonces, al interior de un escenario que entrañará una nueva conflictualidad alrededor de la confrontación con las iniciativas del estado que actualizan las herencias igualitaristas. Embestidas por un bloque emergente que articula movimientos de usuarios de las clases medias, segmentos de la alta burocracia eclesiástica, corporaciones que controlan el mercado de servicios privados, la vieja aristocracia sindical y una parte no despreciable de la intelligentsia académica, que insistirán en los “pactos de competitividad” frente a los sentidos políticos sugeridos y no transables para el “contrato educativo” que comienza a ensayarse. 34 RAMÓN CASANOVA Es desde una óptica de este tipo que intentaremos un análisis de los cambios educativos que se vienen sucediendo y de los cursos dentro de los cuales evolucionan. El contrato bolivariano para la escuela, sostenido sobre un aumento consistente del financiamiento, impulsará la universalización de la educación integral y la jornada completa y reivindicará un tiempo educativo que no se limita ni al establecimiento escolar ni al salón de clase, promoviendo una apertura hacia los espacios comunitarios, pretendiendo que sean agentes pedagógicos complementarios y lugares contextualizados de aprendizajes. Con esta sensibilidad radical, dentro de los enfrentamientos, ha venido avanzado en la recuperación de la responsabilidad pública por los servicios, atornillada ésta a una interpretación alternativa y crítica del significado de igualdad y de la idea de la calidad de la educación. Como sea, uno de los signos novedosos de los cambios, ha sido la introducción de instituciones de democracia directa y control social de la gestión del estado. Este viene siendo el terreno de las mayores resistencias al concretar estilos organizativos en abierta contradicción con la descentralización, corazón de las reformas del mencionado Consenso. Sin que debamos perder de vista aquel de la “ideología” que acompaña la renovación del currículum (el siempre polémico campo de los valores que deben regir los contenidos de la educación para la ciudadanía). Pretendemos una descripción de sus líneas estratégicas, sus concepciones ideológicas y su plataforma programática, concluyendo en un balance de los desempeños y en un mínimo registro de las tensiones conflictivas que experimenta. Para la descripción, nos servimos de investigaciones que hemos venido haciendo sobre su marcha. En lo esencial, diríamos 35 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... que éstas, que mencionaremos en la bibliografía, dan cuenta tan sólo de una perspectiva muy provisional del “estado de situación”. Y es que la experiencia se mueve en las coordenadas inestables de un tiempo de transición que hace imposible determinar desenlaces de largo plazo por los “juegos de guerra” en los que se materializa. I. Las líneas estratégicas de la política Genéricamente, la crítica de las políticas de la década de los noventa en torno al escaso impacto de las mismas para impulsar un dinamismo económico sostenido, ha tenido repercusiones al volver a plantear el debate en torno a las “vías latinoamericanas de desarrollo”, estimulando intelectualmente las experiencias de transición que se vienen sucediendo a comienzos de siglo2 y poniendo en juego, en lo que nos interesa, estrategias diferentes para responder a las disyuntivas educativas abiertas por el papel del cambio tecnológico en la sociedad actual3. Ciertamente, que la actual gestión gubernamental venezolana viene insistiendo en una endogenización del cambio para apoyar una reindustrialización que busca autogenerar capacidades productivas y de 2 Es cada vez más creciente desde todas las perspectivas intelectuales. Ver, por ejemplo, el debate chileno alrededor de los proyectos nacionales en Tomás Moulian (Coordinador), Construir el futuro. Vol. 1. Aproximaciones a proyectos país (Santiago de Chile: Lom Ediciones, 2002) y la reciente crítica de Ricardo Ffrench-Davis, Reformas para América Latina después del fundamentalismo neoliberal (Buenos Aires: Cepal/Siglo XXI Editores, 2005). 3 Y es que la revolución tecnológica está presionando “la necesidad de trabajadores autónomos y educados que quieran programar y decidir –y que sean capaces de hacerlosecuencias enteras de su trabajo”. Ricardo A. Ferraro, La marcha de los locos. Entre las nuevas tareas, los nuevos empleos y las nuevas empresas (Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1999), pág. 94. 36 RAMÓN CASANOVA autoorganización social, sobre todo desde el horizonte de romper lo que viene llamando desequilibrios estructurales de la sociedad4. Valorando estas prioridades, pretende recuperar el valor de la educación en el desarrollo, acercándola a un concepto de política estructural que cruza funcionalmente economía, empleo, cultura, tecnología; pero dejando de pensar a ésta como una variable independiente de acuerdo con la premisa de que no podrá haber igualdad educativa sin haber igualdad social5. 1. La crítica a la reforma de los 90. Retomar la dirección de una educación universal Quizás el despliegue más estratégico en sus concepciones, apunta en una de sus líneas a abordar los problemas pendientes de cobertura que se hicieron intensos con la crisis que arranca a fines de los 70 y que pusieron en jaque el ciclo de modernización que impulsó la bonanza de la economía petrolera. Problemas que se intensificarán con políticas que favorecerán la escolaridad de los más educados y la distribución social polarizada en el capital cultural en manos de las familias por la aparición de nuevas barreras en las trayectorias sociales y los tránsitos educativos 4 Ministerio de Planificación y Desarrollo, “Venezuela construye su camino, en la transición hacia la revolución bolivariana. Líneas generales del Plan de Desarrollo Económico y Social de la Nación 2001-2007” (Caracas: Ministerio de Planificación y Desarrollo, 2001). 5 Planteada en los siguientes términos por Tedesco: “… ¿cuánta equidad social es necesaria para que haya una educación exitosa?..[precisando que]... por debajo de la línea de subsistencia, los cambios institucionales o pedagógicos no tienen impacto en los resultados escolares de los alumnos”. Juan Carlos Tedesco, Tedesco, “Desafíos de las reformas educativas en América Latina”, París, Carta Informativa del IIPE, Vol. XVI, N° 4, Diciembre, Instituto Internacional de Planificación Educativa, 1998). 37 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... que agudizarán la segmentación territorial de las ofertas, en razón de fuertes restricciones (políticas) en el gasto social en una economía con reiteradas crisis recesivas, y de mecanismos institucionalizados que asociaron los resultados de la gestión al arraigo de una cultura empresarial y un estado management, con una fuerte promoción de un mercado de nuevos proveedores de servicios, básicamente subsidiado6, y de servicios públicos espuríamente descentralizados, sin recursos financieros y técnicos, y, por lo tanto, fuertemente resistidos por las administraciones estadales y municipales. El esfuerzo destinado a minimizar las problemáticas, se concentrará, entonces, en montar un ensayo masivo orientado a la universalización de la escolaridad. Veremos más adelante las direcciones tomadas para garantizar tal ensayo. 2. Una cultura para la cohesión social: ¿cuáles valores deben regir la vida democrática? Una parte del diagnóstico sobre la sociedad venezolana que alentará desde el comienzo el movimiento bolivariano, explicará la “crisis nacional” por los crecientes déficits en los dispositivos de cohesión de la vida colectiva. 6 Un estudio reporta que para la década de los 90 hubo un considerable aumento del financiamiento a la educación privada pasando de 333.652.834 millones de bolívares en 1993 a 14.940.999 en 1996. Rita Pucci de Liprandi, “El costo social del ajuste (Caracas: Cendes, Documento de Trabajo, 1996). Textos que resumen estas tesis de acuerdo con la formula financiamiento público y gestión privada son David Osborne y Ted Glaebler, La reinvención del gobierno: la influencia del espíritu empresarial en el sector público (Barcelona, Ediciones Paidós, 1994) y Louis V. Gerstner, et. al., Reinventando la educación. Nuevas formas de gestión de las instituciones educativas (Barcelona, Editorial Paidós, 1996). 38 RAMÓN CASANOVA Intentando interpretar la aún incipiente documentación del pensamiento que viene nutriendo la ideología de este movimiento, el diagnóstico se concentrará –desde la versión primitiva de los manifiestos de su fase fundacional hasta la profundización programática que ocurre en el ciclo del control político del aparato de gobierno, en las secuelas de desintegración social –crisis moral y cultural- por el ocaso del contrato desarrollista y por los efectos culturales del capitalismo globalizador7. Este abordaje del malestar de la sociedad venezolana en términos de una crisis cultural y moral -una crisis orgánica, Gramsci), que explicaría la brutal “descomposición” de la “comunidad nacional”, irá tomando cuerpo al avanzarse en la dirección ideológica de una crítica a la imposibilidad del capitalismo para conducir un régimen de solidaridad humana y cooperación social. Las reformas legitimaron la idea de un “consumidor educativo” que se desplazaba en un mercado de instituciones diferenciadas en el ingreso y el destino por variables sociales de ocupación, estatus e ingreso. El resultado será un sistema escolar que empujará una fuerte polarización social sobre las percepciones particularistas que unos grupos sociales tienen sobre otros. Ya desde el comienzo, una de las líneas estratégicas será volver a hacer de la escuela uno de los ejes de la cohesión, sólo que con un matiz: asociándolo a las definiciones éticas y morales del bien y la justicia que se quieren para el nuevo contrato social, reivindicando en esta empresa, como veremos, las tradiciones no liberales de la democracia radical. 7 Ramón Casanova, Para una cartografía de las ideas de la transición venezolana. Conversaciones sobre proyecto nacional, estado y política social (Caracas: Fundación Escuela de Gerencia Social, 2007). 39 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... 3. Más allá de la escuela: el uso social y los espacios de los aprendizajes Revisando el valor que debe tener la educación dentro de las exigencias de una vía del desarrollo desde adentro8, otra línea será la modificación drástica no sólo en los objetivos educativos sino en la naturaleza misma del papel asignado a la educación9; éste más allá de la simple escolarización y articulado al impulso de ampliar los espacios de aprendizaje para concretar formas sociales y productivas que le conceden importancia a las competencias y saberes que implican aumentar, precisamente, la capacidad nacional de autoorganización social y de innovación, revisando incluso las nociones de desempeño y calidad que se difunden con las reformas educativas de las agencias internacionales, acotadas sobre todo a la mesura de logros educativos de los escolares, y extendiéndola a otros ámbitos del trabajo educativo y a la influencia de éste en la organización de la vida colectiva de su área social de influencia. 4. Romper las barreras que condicionan el fracaso escolar de los sectores populares Una última línea se vinculará con el esfuerzo encaminado a generar condiciones que permitan enfrentar las variables que están 8 Una reflexión sobre el programa alternativo de la experiencia venezolana puede verse en “Conversaciones con Osvaldo Sunkel” (Caracas: Revista Cuaderno del Cendes, Nº 60, septiembre-diciembre de 2005). 9 República Bolivariana de Venezuela/Ministerio de Educación, La Educación Bolivariana. Políticas, programas y acciones (Caracas: Ministerio de Educación y Deportes, 2004). Y República Bolivariana de Venezuela/Naciones Unidas. Venezuela, Cumpliendo las Metas del Milenio. 2004 (Caracas: Gabinete Social, República Bolivariana de Venezuela, 2004). 40 RAMÓN CASANOVA en el origen del deterioro sostenido de la escuela pública, Sintetizadas en la “vuelta” a la jornada completa, tocarán la gestión institucional, la atención integral a los escolares, la definición de nuevos valores y competencias en el currículum, la reconceptualización del trabajo de enseñanza, la revalorización de las didácticas y los medios pedagógicos, incluyendo las nuevas tecnologías, las adecuación de las infraestructuras escolares, los incentivos a los maestros y la participación social. Ciertamente, lo que parece ser el sello de la experiencia venezolana es una perspectiva que aborda simultánea y complementariamente acciones hacia las variables sociales y hacia las escolares en una perspectiva holística. II. Contra la idea del consenso liberal, el retorno al sentido creativo de la ideología 1. Los idearios republicanos para la idea democrática de la escuela y la sociedad ¿Qué le otorga singularidad a esta experiencia desde el punto de vista del escenario qué inaugura? Digamos, sin más, que la vuelta al igualitarismo. Pero desde un radicalismo que coloca la ideología (ese espacio prototípico del disenso) en el centro de la elección de una idea de democracia para la sociedad y la escuela. En abierta oposición al consensualismo liberal que proclama el fin de las contradicciones y la reducción de la política al arte de la administración, la vuelta a las 41 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... tradiciones políticas del “republicanismo popular”10, incluyendo las variantes socialistas modernas, que tendrán continuidad en los movimientos críticos por una educación popular del siglo xx. Y tal vuelta despegará con el aprovechamiento del imaginario educativo de la etapa fundacional de la nación, que sigue ejerciendo influencia en el ideario político de los venezolanos: la instrucción masiva (lancasteriana) de Bolívar 11, la pedagogía (rousseauniana) popular de Simón Rodríguez12, actualizado en el pensamiento “normalienne” de los movimientos gremialistas por la escuela pública y de las corrientes actuales que le conceden importancia a la reconstrucción política de la comunicación pedagógica y a la crítica de los mecanismos sociales cerrados del don escolar13. Esta concepción la podemos rastrear en el argumento según el cual las “virtudes” educativas deben provenir de la sociabilidad que permite el espacio público, contrarrestando los “vicios” del orden caníbal de los intereses individuales14: Pero también, en él de que la escuela debe ser el foco deliberativo de las cosas que están en disputa en de una época de cambio, asumiendo la tarea que reclamaba Flaubert para una época similar: la construcción de una nueva “educación sentimental” –moral-. 10 Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad: una revisión republicana de la tradición socialista (Barcelona: Editorial Crítica, 2004). 11 Armando Rojas, Ideas educativas de Simón Bolívar (Caracas: Monte Ávila Editores Latinoamericana, 1996) y Eduardo Morales Gil, Simón Bolívar y Simón Rodríguez. Pioneros de la educación popular (Caracas: Ministerio de Educación, 2005). 12 Rafael Ramón Castellanos, Simón Rodríguez. Pensador universal y pulpero de Azangaro (Caracas: Fogade, 2005). 13 República Bolivariana de Venezuela/Ministerio de Educación, La Educación Bolivariana. Políticas, programas y acciones (Caracas: Ministerio de Educación y Deportes, 2004). 14 Philip Pettit, Republicanismo. Una teoría sobre la libertad y el gobierno (Barcelona: Paidós, 1999). 42 RAMÓN CASANOVA III. La plataforma programática y las variables de la política educativa 1. La recuperación de lo público: El sistema nacional de educación Una de las “zonas turbulentas” será precisamente la de cuál debe ser el diseño institucional de la institución escolar. Se quiere si una escuela integral, de jornada completa, socialmente compensatoria, pero sobre todo ideológicamente movilizada, recusado con un profundo escepticismo el funcionamiento democrático de un “mercado educativo” determinado por la capacidad de negociación y las expectativas de la demanda. Aspirando, lo hemos dicho, a la recuperación de la educación pública, al carácter masivo – inclusivo- de la oferta, al uso político de la institución escolar, a la superación de las barreras estructurales de producción material y cultural de la desigualdad social y a echar adelante una interpretación radical de la idea de justicia, fundada sobre la posibilidad humana de la cooperación y el aprendizaje de habilidades sociales para tal posibilidad, esperando comportamientos ciudadanos para lo que los griegos llamaban la “vida buena”, el punto de partida no será otro que impulsar de nuevo un sistema nacional de educación15. Si por algún rasgo sintético pudiéramos definir la escuela bolivariana, éste se correspondería con aquel atribuido por Sylvia 15 Con preocupación la Unesco últimamente ha venido planteando el rol integrador de la educación. En uno de sus textos recientes señala: “...la tendencia a la privatización en varios países de la región está ampliando la brecha entre educación pública y privada; la creciente separación de escuelas en función del nivel de ingresos afecta las bases de la convivencia, y de la integración y cohesión social de un país”. Unesco, “Propuesta de Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Caribe” (La Habana: Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura, 2002). 43 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... Schmelkes a un tipo de innovación de los que ha venido investigando: aquel que alude “[a una] transformación intencionada de personas, de grupos, de colectividades, de instituciones y de sistemas.” 16, pero que, además, se desenvuelve en el interior de “contextos cambiantes”, entendiendo por estos escenarios aquellos en los cuales el cambio educativo es una consecuencia de variables del entorno que se va construyendo alrededor de una dinámica de cambio social. Intentaremos ahora abordar en esa dirección las variables en las cuales se ha enfocado el diseño de la escuela Bolivariana. 2. Las variables organizativas: gestión directa y control social De una cierta manera, la política educativa busca apoyarse en la movilización de los actores colectivos populares, intentando asignarles nuevos papeles en la gobernabilidad y la gestión de los servicios públicos17. Este parece ser un rasgo acentuado en la experiencia venezolana, que se despliega no sólo en la dirección de un control social de la gestión de los ser vicios, sino en el progresivo desencadenamiento de modos de gestión de las escuelas en los cuales se involucran nacientes organizaciones (consejos comunales, mesas técnicas, comités ciudadanos), esperando generar desde ellas, lo que 16 Sylvia Schmelkes, “La investigación en la innovación educativa” (México: Departamento de Investigaciones Educativas, Cinvestav, 2001), pág. 1, en http:// redepja.upn.mx 17 Contra la idea de que el buen desempeño era posible simplemente introduciendo cambios administrativos en la gestión de los servicios, invocando para ellos estrategias de descentralización. En la práctica significará transferencia de costos y responsabilidades a administraciones locales, a proveedores de un mercado escolar y a las mismas familias, con lo cual se hará de suyo difícil romper las disparidades en el capital educativo acumulado por los grupos sociales. 44 RAMÓN CASANOVA nos parece importante, espacios de aprendizaje colectivos más allá de los estrictamente escolares que envuelven dinámicas participativas, en las que está en juego, por lo demás, el uso de saberes asentados en las comunidades. El esfuerzo por cristalizar alianzas cooperativas entre administradores, agentes educativos y actores sociales en un escenario que va más allá de la escuela, a contracorriente de la moda por desresponsabilizar la gestión pública a favor del mercado, sin lugar a dudas supone un dato político relevante incluyendo, a lo interno, la acumulación de capacidades organizativas adecuadas y, a lo externo, la constr ucción social de tejidos asociativos necesarios a la democracia directa. 3. Las variables educativas. La jornada, el salón de clase y la educación preescolar Otra dirección estará dirigida hacia un desplazamiento en la concepción que orientaba a la escuela., procurando pasar de concepciones asistencialistas y/o instruccionalistas a una integral, (con una jornada que se reestructura ampliándose el tiempo efectivo del currículum aumenta de tres horas y cuarenta y cinco minutos a seis horas destinadas a las actividades directas de enseñanza diarias, extendiéndose entonces a treinta y cinco horas semanales, cinco de las cuales se destinan a la planificación), que descansa en una perspectiva sistémica de intervención, atendiendo sobre todo al reconocimiento de necesidades de los grupos a lo que se dirige. Es desde este ángulo que debe comprenderse el diseño de la escuela. Al interior de la concepción, el currículum, el trabajo escolar y la jornada educativa deberán estar fuertemente dirigidos a generar condiciones para los aprendizajes de la complejidad que tiene hoy 45 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... día la vida social. La idea educativa que hace de todas las actividades de la escuela actos educativos no remediales, suponen percibir el despliegue de valores, conocimientos y competencias en los establecimientos y hacia la familia y la comunidad que deben mejorar la calidad de los bienes culturales socialmente disponibles por familias y comunidades, experimentando con ideas y mecanismos para reducir los efectos, por ejemplo, de la espuria educación, del deterioro de la organización familiar, del trabajo infantil, de la extrema pauperización cultural en las familias, de la violencia infantil y juvenil. Complementariamente acompañados por la universalización de la educación inicial, pensada en su versatilidad para incidir positivamente en las variables sociales, familiares, culturales, económicas y estrictamente educativas18. 4. Las variables pedagógicas. Una pedagogía para el aprendizaje de competencias para las nuevas necesidades culturales de la vida política y el trabajo. Sea como sea, la política, masiva no hay que olvidar, envolverá no sólo un concepto de institución educativa integral para el control de los handicaps sociales y familiares -programa de alimentación, asistencia médica, asesoramiento legal, fortalecimiento de la familiay los educativos –capacitación, útiles, equipamientos, 18 El reciente informe de seguimiento del plan de Educación para Todos de la Unesco, por cierto que dedicado a la primera infancia resume estos incidencias, indicando su contribución al tránsito escolar a las etapas posteriores, al mejoramiento de la prosecución educativa, al impacto favorable sobre la disminución de la pobreza y a la ampliación de los márgenes de igualdad social y del rendimiento de la inversión en educación. Unesco, Informe de seguimiento de la EPT en el mundo 2007. Bases sólidas. Atención y educación de la primera infancia (Organización de la Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura, segunda versión revisada, 2007). 46 RAMÓN CASANOVA infraestructuras- sino, como intentaremos verificar luego, un modo de gestión al interior y desde las instituciones de las políticas sociales que permitirá el aprendizaje de competencias en los entornos sociales dentro de los que se encuentran los servicios. La “puesta en escena” de conceptos pedagógicos, de estrategias de gestión de la enseñanza y de criterios del trabajo los podríamos resumir en los siguientes criterios: El aprendizaje debe ser a través de la participación de todos. En la concepción educativa aplicada, la participación es definida como derecho y obligación que implica desarrollar esferas de participación adecuadas para la comunidad, el vecindario, la ciudad, la sociedad. El eje de la escuela debe ser la transmisión de competencias para la vida, las cuales se construyen cotidianamente alrededor del trabajo educativo escolar y extraescolar. En este sentido las competencias deben estar orientadas a manejar entornos complejos e conflictivos. Es este uno de los planos donde la escuela debe redefinir sus sentidos, promoviendo capacidades inteligentes para controlar estos entornos marcados por modificaciones en los roles familiares, en los dispositivos culturales de socialización, en los estilos de valores, en los márgenes de la autonomía, cada vez más asociados, como anota Marina, a la expansión de una inteligencia creadora centrada en programar información, inventar proyectos y elegir opciones19. 5. Las variables sociales. El aumento del capital educativo de las familias La escuela, dentro de la política, viene siendo complementada con ensayos destinados a impactar las variables sociales que están 19 José Antonio Marina, La inteligencia creadora (Barcelona: Anagrama, 2005). 47 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... en el origen de la exclusión y el fracaso escolar temprano. En este caso a aumentar el promedio de escolaridad de las familias y en consecuencia el capital cultural. Ello intentando dirigir esfuerzos hacia la alfabetización y la masificación de la escolaridad de seis grados en los sectores populares. La misión Robinson20 ha sido pensada en esta dirección. Al respecto no puede pasarse por alto que los estudios comparados relativos a la determinación del impacto en el desempeño de los escolarizados, apuntan, en general, que la contribución social, especialmente de la cultura familiar es, comparada con la escuela, de aproximadamente un 50% de la varianza21. Sintéticamente diríamos que la política descansa en un principio programático para la sociedad y la educación: el “retorno” de lo público; en un propósito normativo del rumbo y los resultados: la igualdad; en una visión de la organización y el desempeño: la promoción del autogobierno; en una concepción del currículum: una pedagogía para disponer de competencias para el manejo en entornos cambiantes. IV. Hasta dónde ha avanzado Diremos que la combinación de una política centrada en la universalidad de la oferta, el ensayo de otros manejos administrativos de los servicios, la orientación del gasto con un sentido distributivo 20 Las misiones son experimentos de gestión con cierta autonomía de las oficinas estatales para mejorar la coordinación interinstitucional, el manejo de recursos, el aprovechamiento del capital técnico, los modos de cooperación de la sociedad, las resistencias de las burocracias y, especialmente, la integración de las políticas sociales. 21 Juan Casassus (2003): La escuela y la (des)igualdad, Lom ediciones, Santiago de Chile. 48 RAMÓN CASANOVA y el aumento de la inversión, que sube de 3% en promedio en la década de los 90 a 5% en los últimos años22, evidencian al menos la sensibilidad que anima la construcción política de la política. Quedándonos en el campo que nos interesa, la educación Básica, los datos indican ciertamente una recuperación de la matrícula, que en los últimos siete años aumentó en 437.357 llegando a 4.885.779 de incorporados en el 2006 mientras que en los diez años de los 90 sólo lo hizo en 246.050, si tenemos en cuenta que para 1991 era de 4.052.947 y para 1999 de 4.299.67123, sugiriendo que se comienzan a cerrar las brechas entre educados y no educados. Otro dato, de los disponibles, la tasa bruta de escolarización, apunta en la misma dirección. Si para 1998, último año de la gestión anterior, ésta era de 89.7 ya en el 2006 avanzó hasta el 99.524. A su vez, el crecimiento de la red de escuelas Bolivarianas de jornada completa, que pasan de 599 establecimientos en el año inicial del proyecto (1999/2000) a 3000 para diciembre del 200325, abre una posibilidad real de disminuir las distancias entre los peor y los mejor educados. Creciendo a una velocidad mayor que la planeada. Complementariamente, mirando una de sus posibles consecuencias en la efectividad de la escuela, la rápida alfabetización 22 Fuente: Datos aportados por la oficina de estadística del Ministerio de Educación, Cultura y Deportes. No incluye aquel que corresponde a las misiones educativas. 23 Fuente: Memorias y Cuentas del Ministerio de Educación, Cultura y Deportes. 24 Fuente: Sistema Integrado de Indicadores Sociales, en www.sisov.mpd.gob.ve 25 Fuente: Datos aportados por la oficina de estadística del Ministerio de Educación, Cultura y Deportes, 2004. 26 Comenzando un programa agresivo en el 2003 (Misión Robinson) ya para julio de este año se alfabetizaron 1.908.000 personas –leer y escribir-, quedando reducida la exclusión a un mínimo y arrancado la segunda fase que implica la cobertura de los seis primeros grados. Eliezer Otaiza, Informe de la Comisión Presidencial de Alfabetización 200302004 (Caracas: Ince, Abril de 2004). 49 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... de grupos excluidos26 puede favorecer, como hemos indicado, la contribución familiar al desempeño educativo, al reducir las asimetrías en el capital educativo que controlan las familias, mejorando la función socializadora del hogar en el amplio sector de la población pobre. Ello, junto con la expansión de la educación preescolar, que también experimenta un aumento, aunque menor, pasando la tasa bruta de escolaridad de 44.7 % en 1998 a 60.6 % en el 200527, recordando que ésta tiene un impacto sobre la promoción escolar en la educación Básica. V. Lo que sale al mirar los desempeños. Nota para seguir investigando Aunque la valoración que hacemos de los desempeños corresponden a conclusiones de estudios cualitativos limitados en el número de experiencias analizadas, no resultada improcedente anotar aquellos factores, sin que su orden implique una jerarquía, que parecen estar definiendo buenos resultados; siempre dependiendo para la evaluación de futuras investigaciones de mayor alcance. 1. Uno primero, ya lo hemos dicho, la escuela bolivariana es en buena medida la actualización creativa de concepciones de la escuela pública en la tradición republicana democrática, que favorece condiciones de inclusión y elimina restricciones. En ello tiene que ver el hecho de que la escuela tiende a convertirse en una institución política para la rex publica. En la construcción progresiva de este hecho organizacional viene jugando un papel preponderante el liderazgo social del 27 Fuente: Sistema Integrado de Indicadores Sociales, en www.sisov.mpd.gob.ve 50 RAMÓN CASANOVA maestro y una pedagogía, prácticas pedagógicas y situaciones de aprendizaje que dan lugar a un clima educativo enriquecido, estimulante y gratificante. En esta dirección, la participación de las familias, la contextualización de las necesidades educativas y el uso de la escuela para la autoorganización comunitaria parecen desencadenar dinamismos en torno a la neutralización de las barreras que influyen en el desempeño. Así, aún en un umbral todavía incipiente, la participación de la familia, y ello en una doble condición: en tanto receptores de cambios para la modificación de los hábitos para la vida en el hogar y en el colectivo comunitario, como en cuanto agentes pedagógicos suplementarios con tareas en la escuela, acelerando lógicas positivas en las variables sociales (vida del barrio) y en las variables familiares (background) que están en la raíz cultural de la pobreza. De la misma manera, la adecuación flexible entre necesidades sociales y respuestas educativas. Y es que desde la perspectiva de las competencias, la escuela despliega las respuestas educativas desde las necesidades detectadas y diseña situaciones de aprendizaje para, por ejemplo, hacerle frente a problemas de violencias social y escolar, especialmente a fenómenos de bullying y vandalismo y descomposición familiar. Simultáneamente, el hecho de hacer de la escuela el corazón de la vida democrática comunitaria, el lugar de encuentro de vecindarios y suburbios pobres, para la educación política ((consejos comunales, mesas de trabajo, asociaciones sociales comunitarias), convierten a los centros en puntos neurálgicos de la autoorganización social. 2. En las investigaciones, una de las variables que aparece como minimizadora del umbral de la pobreza que se tiene y de los buenos desempeños, es la legitimidad de la política, produciendo en si misma fenómenos de identidad institucional, alta aceptación en enseñantes y comunidades y expectativas crecientes, al favorecer rápidamente el nivel 51 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... de satisfacción educativa a la que estaban acostumbrados, generándose lógicas incrementales de cambio. 3. Otro (que igualmente aparece en una investigación sobre escuelas con desempeños exitosos por encima de los esperados según las condiciones culturales de las familias de origen) tiene que ver con la forma como el maestro enseña en el salón de clase. Digamos, que más que a la carrera profesional, el arte didáctico que emplea para desplegar situaciones de aprendizaje que cubran los objetivos del currículum. 4. Por último, desde el punto de vista de la viabilidad financiara y técnica, la asunción de la escuela como el lugar de convergencia de servicios, actores administrativos y redes sociales que permite minimizar barreras financieras y políticas que son tenidas con restricciones estructurales que afectan la inclusión y los resultados educativos de la escuela pública. Al respecto debe destacarse la contribución, con respuestas orgánicas, de las instituciones de apoyo técnico y pedagógico en la cadena de gestión. VI. Las tensiones Decíamos al comienzo del texto que las iniciativas han dado pie a una nueva conflictualidad. Definamos en donde se coloca actualmente. La táctica gubernamental a no ceder en su ideario educativo, viene determinando el carácter de la misma confrontación, girando en torno a la presión cotidiana de movimientos que se ensamblan y reensamblan según los intereses y las expectativas en juego. Lo cierto es que las reacciones ilustran las cosas que están en juego y que marcarán desde el mismo año inaugural la conflictualidad: el carácter distributivo que se le otorga, las prioridades de la asignación del financiamiento, los sentidos democráticos que la deben regir: la gratuidad (con la prohibición del cobro de la matrícula que se venía 52 RAMÓN CASANOVA haciendo costumbre en la escuela pública), la demarcación de los subsidios estatales a la educación privada y la regulación y fiscalización de las tarifas de la misma, la supervisión escolar y el currículum. El tema más general que permitirá la asociación de estos movimientos, será la acusación de que las iniciativas gubernamentales en torno a la descentralización suponen una rejuvenecida tentación estatista de la gestión educativa. Y la reforma curricular será desde el comienzo una zona de confrontación persistente y álgida, sobre todo por la requisitoria a cuáles deben ser los contenidos de la educación ciudadana, que en realidad es un hecho que señala la naturaleza ideológica del bloque del que hemos hablado en la introducción, éste girando hoy día alrededor del liderazgo intelectual conservador de una iglesia que pareciera moverse dentro de una idea de sociedad propia del catolicismo agrario antimoderno. Epílogo. Un comentario final Como se quiera, nuestra exploración deja claro que en un horizonte de largo plazo hay que encarar ya nuevas preguntas desde el balance que aportan las investigaciones. Si lo objetivos están claros, si hay una asignación financiera creciente y acuerdos gubernamentales para poner en el corazón de las políticas de desarrollo a la educación, nuestros análisis de la dinámica educativa nos alertan sobre la herencia institucional que arrastra inercialmente la administración de los servicios educativos. Mucho más compleja la política, que intenta articularse transversalmente a los otros campos funcionales del Estado y a desplegarse con mecanismos de participación social, las posibilidades de no fracasar guarda relación con superar el obsoleto 53 La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la... diseño del aparato administrativo de la educación. Sin una reingeniería de la gestión, de las dinámicas del trabajo, de las tecnologías de información y de los enfoques de planificación, la precariedad de los instrumentos para la toma de decisiones atentará contra los desafíos de cobertura, organizativos, pedagógicos y sociales que están planteados. Referências CASANOVA, Ramón. “Desigualdad educativa, población y desarrollo. Exploraciones para el escenario de la Venezuela de comienzos del siglo XXI” (Caracas: Cendes/Unfpa, 2006). CASANOVA, Ramón. Para una cartografía de las ideas de la transición venezolana. Conversaciones sobre proyecto nacional, estado y política social (Caracas: Fundación Escuela de Gerencia Social, 2007). CASANOVA, Ramón. “Un estudio cualitativo de las lógicas de implantación de innovaciones en las escuelas bolivarianas” (Caracas: Cendes/Red Innovemos, 2004). 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Participam dessa aliança mais de trezentos membros entre universidades, institutos pedagógicos, faculdades de educação, redes profissionais, ONGs, associações, sindicatos de docentes, investigadores, diretores. No momento da criação participaram ministérios de 17 países da América Latina e Caribe – ALC. Seu objetivo central é o de “[...] colocar el tema docente en las políticas públicas de los países [...]”, o que determina suas ações de construção de alianças continentais e de troca, geração e disseminação de conhecimento. Destacam-se, entre os temas aos quais a Kipus se dedica, os da formação docente e da qualidade da 1 Para mais informações, cf. <http://www.redkipus.org/>. 59 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... educação. Seu projeto tem o vasto escopo de resignificar la educación no interior de instituições dedicadas à formação de professores, particularmente a “[...] todo lo que signifique fortalecer la profesión y la profesionalidad docente, en el contexto de una educación de calidad con equidad para toda la población” (UNESCO, 2003). A intenção desse programa de intervenção é a de investir na “ressignificação da educação” no interior de instituições de formação docente tendo em vista construir os significados referidos para tal formação. Suas orientações ressaltam, entre outros pontos, que a formação de docentes é fundamental para o sucesso das reformas educativas na região, deflagradas a partir dos anos de 1990, e para enfrentar os desafios do Fórum Mundial de Educação de Dakar (ACTIONAID, s.d.). Ademais, considera tarefa essencial dos sistemas educacionais e dos professores a melhoria da qualidade da educação, razão pela qual investe em mudanças curriculares, na pesquisa, na prática profissional, bem como no controle da qualidade das instituições formadoras. Para a tarefa de resignificar la educación foram chamadas as instituições supostamente capazes de fazê-lo mediante mudanças na formação dos formadores nas instituições de formação inicial, articulada à formação contínua (UNESCO, 2003). A característica dos encontros promovidos pela Rede encontra-se no fato de que em todos se procura discutir e propor políticas relativas ao professor, bem como ser um espaço para troca de experiências2. O crescimento da Rede Kipus pode ser observado 02 O primeiro Seminário da Rede realizou-se na Universidade Metropolitana de Ciências da Educação, em Santiago, no Chile, em 2003. O segundo foi em Honduras, em 2004. Na Colômbia, em 2005, aconteceu o terceiro encontro da Rede. Em 2006, na Venezuela, ocorreu o quarto encontro. Em 2008, no Peru, ocorreu o V Encuentro. O último encontro, em 2010 – o sexto –, foi no México. 60 OLINDA EVANGELISTA em toda região3. Uma de suas intervenções mais significativas se expressa no programa de “Doutorado Latino-Americano em Educação: políticas públicas e profissão docente”, sob a responsabilidade de universidades reconhecidas por seu prestígio. A UNESCO dá seu aval à iniciativa por meio da Oficina Regional de Educação para América Latina e o Caribe (OREALC) e do Instituto para a Educação Superior da América Latina e o Caribe (IESALC). O objetivo expresso é [...] fortalecer los equipos nacionales a partir de una impronta latinoamericana, así como también alcanzar una mayor integración entre los países, los programas, los docentes y los alumnos del doctorado, que estudian, discuten e investigan en temas educativos, especialmente los relacionados con las políticas públicas y la profesión docente. (UNESCO, s.d.).4 3 Estão envolvidas na Rede Kipus a Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e a Universidade Federal de Minas Gerais. 4 Nesse momento participavam da equipe Pablo Ríos Cabrera (Universidade Pedagógica Experimental Libertador, Venezuela), Rosa Maria Torres Hernandéz (Universidade Pedagógica Nacional, México), Margie Jessup (Universidade Pedagógica Nacional, Colômbia), Dalila A. Oliveira e Lucíola L. C. Paixão (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil), Magaly R. Campos (OREALC), Sueli Pires (IESALC). Colaboram Emilio Gautier e Rebeca Zevallos (OREALC) e Martha Duque (Universidade Pedagógica Experimental Libertador, Venezuela). (RÍOS et alii, 2009). Segundo Ríos et alii (s.d.), a ideia surgiu em 2006, no quarto encontro da Rede Kipus, na Venezuela, quando foi criado um comitê técnico com Brasil, Colômbia, México e Venezuela, UNESCO, por meio da OREALC-Chile e IESALC-Caracas, com a presença de 11 instituições de ensino superior. A UFMG, por meio de Programa de Pós-Graduação em Educação, abriu inscrições para a seleção de candidatos ao Doutorado no ano de 2011 (UFMG, 2011). 61 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... O Fator Docente Magaly Robalino Campos (2006a) expõe a posição da Rede Kipus e da OREALC em relação à formação docente. A autora defende que, nas reformas educacionais na ALC, houve avanços em relação à expansão do atendimento, à infraestrutura, aos materiais didáticos, às mudanças de currículos. Entretanto, uma demanda permanece: discutir a educação como uma responsabilidade social. Campos entende que o “fator docente” é fundamental para o êxito da reforma, sublinhando, entre os pontos principais, que “[...] una de las certezas compartidas por la mayoría es que sin buenos docentes los cambios educativos no son posibles” (CAMPOS, 2006a). Tal exigência, contudo, não se acompanha das condições para que os professores possam assumir seu papel, inclusive o de corresponsável pelos resultados de seu trabalho. Argumentando que a escola está pressionada em razão da desqualificação que sofre, afirma que os professores são tradicionais. Os professores estariam presos à “[...] transmisión de información, memorización de contenidos, escasa autonomía en los diseños y evaluación curriculares, actitud pasiva frente al currículo [...]”, entre outros atributos negativos (CAMPOS, 2006a). Para ser superada, essa situação precisaria de uma intervenção do Estado na formação inicial, na formação continuada ou em serviço, nas condições de trabalho, na remuneração e incentivos, na saúde, na carreira, na avaliação de desempenho. Desses pontos, Campos (2006a) considera mais problemáticos a formação inicial e em serviço. As críticas dirigem-se à ausência de sistemas articulados de educação que organizem as várias esferas administrativas, assim como as ações que desencadeiam. Para a autora, essas ações são tradicionais e podem ser percebidas nas capacitações eventuais e não na formação 62 OLINDA EVANGELISTA inicial e no desenvolvimento profissional permanente. De outro lado, acusa as políticas educacionais da ALC de não acompanharem o avanço da ciência e da tecnologia (CAMPOS, 2006a). Por essa razão considera a formação inicial nodal e assinala que, “Sin embargo, la actual formación inicial, en general, refleja los mismos problemas de la educación tradicional, refuerza el rol pasivo de los docentes y contribuye a sostener los sistemas educativos jerárquicos y cerrados” (CAMPOS, 2006a). Suas conclusões derivam dos estudos que realizou em sete países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Alemanha, Espanha, Holanda), estudos com base nos quais elaborou uma proposta que – se implementada – asseguraria o sucesso da reforma. Ao se operacionalizá-la, algumas medidas seriam imperativas: [...] una nueva relación dialéctica teoría/práctica; la investigación como metodología didáctica; visión transdisciplinar de la for mación; organización a través de talleres o núcleos de interés; trabajo en equipo de los docentes más allá de las disciplinas; formación generalista y especializada; el centro de formación docente como organización de aprendizaje; escuela, el otro espacio de la formación inicial; ofertas abiertas basadas en las tecnologías. (CAMPOS, 2006a). Em recente entrevista, Campos (UNESCO, 2010) afirmou que o professor tem um valor estratégico. Por isso mesmo se deve superar sua formação tradicional. Denomina tradicional a ênfase posta pelas políticas em “ajustes salariais, capacitação e avaliação” desarticuladamente. Propõe – em nome de “uma compreensão ampliada do espaço e do papel da profissão docente nas 63 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... transformações educacionais” e da “geração de conhecimento que fortaleça e desenvolva esta compreensão” para garantir a “qualidade da docência” – uma atuação direta sobre a “qualidade do desempenho docente”. É precisamente esse o conteúdo da atuação da Red Kipus: la red docente de América Latina y el Caribe, cujo esforço é o de produzir um consenso, uma concertación na região para que possa ser levada a cabo essa estratégia de reconversão docente. Sua proposta é a de “repensar a profissão docente” e adequar a ideia de boa educação, boa escola, bom professor ao momento atual caracterizado como um cenário complexo e mutante. Vê-se o professor “em permanente construção”, passível de aderir às propostas de reforma. Tratar-se-ia de alcançar, de um lado, o profissionalismo – relativo às capacidades técnicas da docência – e a profissionalidade – relativa às capacidades éticas da docência –, ambas necessárias para fortalecer o papel e o “protagonismo” dos professores. Tais capacidades se expressariam na aprendizagem, na gestão das escolas e na formulação de políticas, ou seja, um protagonismo que iria da sala de aula ao nível macropolítico. Dessas capacidades também fariam parte, como faces da mesma moeda, o direito de participar e o dever da corresponsabilidade. Resta claro que este é um problema das instituições formadoras que deveriam: aprender e se transformar; captar as mudanças e oferecer novos enfoques para a educação e o trabalho docente; realizar o direito à educação de qualidade para todos; formar docentes para contextos multiculturais; preparar tomadores de decisão; tornar os professores responsáveis pelos resultados alcançados e protagonistas das reformas de hoje; construir alianças para formular políticas educativas e docentes; ser centros de geração de conhecimentos e trabalhar com outros centros escolares. Esse perfil 64 OLINDA EVANGELISTA de instituição formadora em nível superior só seria possível se essas instituições compreendessem que o “desenvolvimento profissional docente” é um conceito estratégico que demanda alianças. Campos (2006b) sugere um compromiso por la formación inicial de los docentes. Professor: pior problema, melhor solução Tornou-se voz corrente, em documentos sobre formação docente na ALC, que o professor constitui um risco para o desenvolvimento econômico e social por fazer parte de uma categoria de funcionários públicos, na maioria dos países, bastante organizada (DELORS, 1998). Também Puryear (1997), do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe – PREAL, tem o mesmo entendimento: “[...] o maior obstáculo para a implementação das reformas educativas é o professor”. Shiroma, Campos e Garcia assinalam que Estados Unidos e Inglaterra deflagraram as primeiras reformas nos anos de 1980, seguindo-se as reformas latino-americanas: Nessa empreitada, tiveram marcada influência organismos multilaterais como Banco Mundial, UNESCO, OCDE, PNUD, entre outros, que, por meio de seus documentos, não apenas prescreviam as orientações a serem adotadas, mas também produziram o discurso “justificador” das reformas que, preparadas em outros contextos, necessitavam erigir consensos locais para sua implementação. (2005, p. 3) O sujeito da reforma é o professor, embora construído de modo paradoxal: é responsável pela má qualidade de ensino; é 65 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... responsável pela produção da boa qualidade de ensino. Sua centralidade reside no fato de que a conformação intelectual da população necessita do professor; transformá-lo ou reconvertê-lo é um imperativo. Reconvertê-lo significa reformar as agências de formação e reformar os projetos de formação docente, posto que o projeto capitalista dele necessita. Vaillant (2005, p. 47) exprime esse entendimento: [...] devemos aceitar algo que pode soar muito óbvio: que, para mudar a educação, é necessário fazê-lo com os docentes. Seu papel-chave nas reformas educacionais é reconhecido por razões que, aparentemente, são contraditórias e que Fullan resume em sua frase tão citada: “A formação docente tem a honra de ser, simultaneamente, o pior problema e a melhor solução em educação”. Considerado o “pior problema e a melhor solução”, ao professor se pede protagonismo nas reformas educacionais para que estas se concretizem e concretizem o novo perfil docente. Segundo Calvo (2008), a não percepção das necessidades dos professores têm atrapalhado o andamento da reforma. É necessário assumir que sem professores não é possível conseguir qualidade e equidade educacional. O professor é instado a ser seu próprio reformador. Nessa proposta, a ideia de reconversão é utilizada relativamente às mudanças sociais, políticas e econômicas derivadas da reestruturação capitalista – ou reconversão produtiva – que resultaram em mecanismos de adaptação do trabalhador ao novo ordenamento. No caso dos professores, a reconversão foi associada às ações de aperfeiçoamento e atualização em direção à produção de 66 OLINDA EVANGELISTA competências docentes e saberes úteis para o que foi denominado de “escola para o século XXI” (OEI, 2003). Na América Latina e Caribe, a Rede Kipus atua na reconversão docente pela interferência direta junto aos formadores de professores, isto é, junto à inteligência da área, em instituições de nível superior responsáveis pela formação do professor. Seu desiderato é oferecer condições para “uma formação inovadora” que concilie demandas locais, regionais e universais. Entrevista com a Secretária Técnica da Rede, Rebeca Zevallos, no Chile, sede da UNESCO/OREALC, evidenciou que a Kipus assumiu a tarefa de coordenar um movimento regional de produção de conhecimento e de ressignificação da educação no interior das universidades e correlatos (EVANGELISTA, 2009). Para Zevallos, o conceito “reconversão” significa atribuir novos significados para a formação e conduzir os professores a acreditarem na reforma e realizá-la. De outro lado, significa a adequação das instituições de formação a esse padrão. A solução dos problemas educativos encontra, então, no professor a saída sonhada: alterações substantivas na mentalidade da população cabem ao professor reconvertido pela reconversão de seus formadores, pela ressignificação da educação e pela reconversão das agências de formação e espaços de atuação. A problemática que se apresenta é: como formar um professor funcional ao sistema? Ou: como convencer a população que a educação é terreno de produção dos problemas sociais e econômicos e que, por isso mesmo, se constitui em terreno para sua solução? Que mágica se procura operar com tal deslocamento da percepção da realidade? É o que discutem Xavier e Deitos (2006) ao demonstrarem que a educação, após os anos de 1990, foi uma seara importante para a sustentação ideológica da nova regulação econômica. O discurso 67 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... então elaborado levava à conclusão de que havia uma inadequação da educação às novas demandas, particularmente as econômicas. Os autores, em sua síntese, evidenciam os argumentos justificadores das mudanças educacionais propostas: a economia mundial estava acelerada e a globalização era inevitável; o Estado era ineficiente e mal administrado; o atraso tecnológico era evidente; o país não tinha competitividade internacional; o modelo econômico estava esgotado; nossa democracia era frágil; a sociedade era iníqua. Esses argumentos, entre outros, foram conduzidos de modo a que à educação foi atribuída a dupla condição aludida: a de causa dos problemas e a de sua solução. Esse direcionamento fez-se acompanhar de mudanças em relação à gestão e às novas for mas de avaliação do sistema educacional, dos professores e dos alunos. Propunha-se, então, uma reforma de largo espectro que articulasse educação com maior controle social. Entendia-se, então, que a ajuda externa de organizações multilaterais, mediante empréstimos ou apropriação de suas diretrizes educacionais, era um meio adequado para que as alterações socioeconômicas acontecessem. Ressaltam, como se viu, as exigências postas sobre os professores nessa empreitada que lhe é externa. Denise Vaillant (2003, p. 23) assinala que a formação docente é “[...] um dos desafios mais críticos do desenvolvimento educativo latino-americano, e implica um profundo replanejamento de formação dos docentes”. O desafio seria duplo: formação inicial de qualidade e aperfeiçoamento por meio de formação em serviço. Um dos problemas da formação na região encontra-se na heterogeneidade e diversificação das instituições formadoras que envolvem escolas normais, institutos de ensino superior, instituições estaduais, municipais e federais, instituições de ensino técnico, universidades, instituições públicas e privadas. Proliferou também 68 OLINDA EVANGELISTA nos anos de 1980 e 1990 forte crítica à formação em serviço, tendo em vista que foi considerada pouco eficaz, além de pouco valorizada pelos professores. Para Vaillant (2003, p. 26), O formador de for madores é quem está dedicado à formação de docentes e realiza tarefas diversas, não só em formação inicial e em serviços de docentes, senão também em planos de inovação, assessoramento, planificação e execução de projetos em áreas de educação formal e informal. Por isso mesmo, qualquer reorientação na reforma educativa latino-americana deve envolver necessariamente esse profissional, assim como um processo sistemático de avaliação de seu trabalho e de superação da concepção de que para ensinar é preciso conhecer o conteúdo a ensinar. Reconversão e profissionalização A noção de reconversão, difundida pela Rede Kipus, oferece solo fértil para se discutir a reforma educacional. Na América Latina e Caribe, a UNESCO é uma das organizações que disseminam propostas de reconversão por meio de mudanças nas formas de preparo docente. De nossa perspectiva, tal noção se articula às mudanças econômicas, políticas e sociais após os anos de 1970. Muitos países da região tiveram que responder às novas demandas capitalistas postas pela reestruturação produtiva. Novas estratégias de formação profissional foram produzidas para que se verificasse a adequação dos trabalhadores a essa realidade e a educação foi uma das soluções encontradas para a requalificação exigida. O conceito 69 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... de “empregabilidade” associou-se à área educacional, cabendo a ela criar as condições para que os trabalhadores fossem permanentemente empregáveis. Se coube à educação tal papel, os sistemas de ensino foram obrigados a sofrer reformas que o preparassem para tal. Alguns pontos importantes são correlatos à problemática da reconversão. Trata-se das ideias de profissionalização e protagonismo docente. A profissionalização se configura como uma estratégia de reconversão e o protagonismo docente como um de seus conteúdos. Em comum, as duas têm o compromisso de produzir o professor exigido pelas reformas iniciadas nos anos de 1990, posto que ainda não se conseguiram as alterações desejadas. Textos produzidos pela Oficina Regional de Educación para América Latina y el Caribe – OREALC5 permitem verificar que ela tem sido responsável pelo fortalecimento da Rede Kipus na região (MOSIMANN, 2008). O documento Educación para el desarrollo sostenible. Aportes didácticos para docentes del Caribe, por exemplo, propõe que os professores sejam capacitados para formar jovens “bondosos”, bem equilibrados, para garantir um desenvolvimento sustentável. Os professores são percebidos, então, como peças fundamentais para esae processo: “Los docentes juegan un papel esencial en el proceso de socialización de los jóvenes para un desarrollo sostenible. Independientemente de la materia académica […] su principal prioridad desde la perspectiva social y emocional es la formación de individuos bien equilibrados” (WILTSHIRE, 2008, p. 12). 5 A OREALC, criada em 1963, é um dos escritórios da UNESCO, situada em Santiago, no Chile, e objetiva, principalmente, assistir os países pertencentes à região da América Latina e Caribe. No Brasil, assim como nos outros países da região, produz estudos e pesquisas relacionados à temática educacional, divulgando e incentivando políticas educativas. 70 OLINDA EVANGELISTA Para Carneiro (2006, p. 53), “Um docente incapaz de dominar adequadamente essas ferramentas de comunicação se verá seriamente limitado em sua prática pedagógica e na capacidade de responder aos complexos requisitos que se colocam hoje nas interfaces combinatórias dos métodos de ensino-aprendizagem (e-learning)”. Dessa forma, percebemos a introdução da reconversão profissional no campo educacional por meio da atuação de redes articuladas a organismos multilaterais, como a Kipus, os quais buscam transformar os professores em profissionais polivalentes, capazes de atuar em diversas áreas, além de lhes propor incumbências que vão além do seu escopo de formação, caso da responsabilidade pela solução de problemas da sociedade capitalista. Frente a essas grandes justificativas sociais, econômicas e políticas para a reforma educacional e para a qualificação do professor, um discurso sobre sua centralidade vai sendo construído e juntamente o perfil para ele desejado. Alonso (2005, p. 22) apresenta o caso argentino, afirmando que não existem professores adequados para atuar nessa conjuntura: Diversos estudios muestran que la demanda de docentes se ha expandido concomitantemente con el crecimiento de la matrícula, especialmente en el nivel medio y que existe un déficit de perfiles docentes adecuados a las necesidades generadas por la nueva estructura educativa, especialmente, en las materias centrales del nivel secundario. Fanfani (2004) assinala que são duas as condições para a reforma: a primeira, objetiva, refere-se às limitações orçamentárias, marcos institucionais, interesses e relações de força no que diz respeito à política educativa; a segunda, às condições subjetivas dos 71 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... envolvidos, isto é, suas atitudes, representações, valores, predisposições, entre outros. O autor coloca que Reestruturação não é o mesmo que reenculturação. Para cambiar a subjetividade dos atores [...], num contexto político pluralista e democrático, requerem-se dois recursos fundamentais: um longo horizonte de tempo e um conjunto de predisposições e aptidões especificamente orientadas à negociação, à discussão e ao acordo. (FANFANI, 2004, p. 103). Os excertos permitem pensar que os professores que lecionavam antes das reformas não servem mais para a nova fase da educação e que estão sendo descartados, devendo modificar o seu perfil para atender às novas exigências. Nesse rol de novas exigências estão tarefas que não cabem à escola e tampouco ao professor. A análise de conjuntura apresentada indica uma sociedade presa de mudanças aceleradas, dominada pelas TICs, atravessada por efeitos perversos. O problema da pobreza, por exemplo, residiria na ausência de uma escolarização que oferecesse a todos as condições de sobreviver no mercado de trabalho. A educação é construída como o lugar que gera esses problemas e o lugar que os resolve. Chegamos, então, ao cerne da proposição: para que a educação se torne lugar de salvação é necessário que seu principal agente, o professor, seja reconvertido. Nesse contexto, os autores assinalam que, para que os programas surtam efeito, faz-se necessária a mobilidade do trabalho do professor que está em exercício em adaptar-se às novas tecnologias para que estas entrem nas salas de aula. 72 OLINDA EVANGELISTA […] el conjunto de estándares debe ser considerado como un continuo de adquisición que continua durante los primeros años de ejercicio, lo que corresponde al proceso de inserción y adaptación profesional en contextos reales, donde se pone en juego la validez de los protocolos formativos en la toma de decisión situada. (QUIROZ; SALVAT; MIRANDA; MÉNDEZ, 2008, p. 166). Se, de um lado, se pode pensar em um professor continuamente em aprendizagem, pode-se levantar a hipótese de sua permanente obsolescência (RODRIGUES, 2008). Uma das formas de se afastar de seu atraso congênito é tornar-se “multifuncional”, podendo atuar em diferentes áreas educacionais, profissional polivalente e sem especialização alguma – ou seja, reconvertível sempre. Para a emergência do professor multifuncional ou reconvertido torna-se necessária a convicção de que conteúdos e técnicas pedagógicas não são suficientes. Vaillant (2005, p. 44) assim se coloca: Evidentemente, a solução não está numa mera mudança do “papel docente” – sobre o qual se costuma insistir –, mas sim numa mudança profunda do próprio modelo escolar. É necessário conseguir reformas significativas, efetivas e, sobretudo, sustentáveis nas práticas profissionais e culturas de trabalho dos docentes. O professor é chamado a prover as novas condições solicitadas à educação, condições espelhadas em suas atitudes, práticas escolares, modo de pensar. Carneiro (2006, p. 52) ressalta que “[...] a matriz do saber e das competências dos docentes – suscetível de se traduzir 73 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... num novo profissionalismo –, devem ser incentivadas com urgência a enfrentar os desafios impostergáveis da refundação da escola”. Para Aguerróndo (2008), essas propostas, além de exporem a necessidade da eterna reconversão do professor, visam adaptá-lo aos novos contextos impostos pela sociedade. A autora entende que “Se trata ahora de mejorar los conocimientos de los profesores, de ‘actualizarlos’, por lo que se desarrollan ofertas de capacitación docente que se ofrecen a través de cursos presenciales o también a través de los materiales de cambio curricular” (AGUERRÓNDO, 2008, p. 64). Em um dos documentos da II Reunião Intergovernamental do Projeto Regional para América Latina e Caribe, Educación de Calidad para Todos: un asunto de derechos humanos, de 2007, argumenta-se que, para promover a qualidade do exercício docente, são necessários alguns fatores e um deles é a capacidade de aprender ao longo da vida, ou seja, estar em constante adaptação: El propósito es lograr que trabajen bajo los mismos objetivos, definan estándares de calidad, diseñen sus planes en relación con ellos, recuperen el valor de la escuela como el espacio natural para la formación docente, evalúen su trabajo y rindan cuentas a la sociedad sobre la calidad del aprendizaje docente. Uno de los resultados de este proceso debiera ser que los maestros pasen de “expertos rutinarios” a “expertos adaptativos”; es decir, apoyarlos para que actúen como personas preparadas para un aprendizaje eficiente a lo largo de la vida, en un medio complejo y cambiante, y frente a grupos heterogéneos. (ASTORGA et alii, 2007, p. 52). 74 OLINDA EVANGELISTA O protagonismo docente Alves (2010), ao estudar a Rede Kipus, verificou os sentidos atribuídos à ideia de protagonismo docente, um dos conteúdos da reconversão docente. A autora evidenciou que, ao lado da noção de protagonismo, existe um conjunto de ideias que permite entender o seu sentido. Noções como democracia, autonomia e eficácia (formas de gestão e governo no plano geral e no educacional), compromisso e responsabilidade (formas de fazer o professor assumir seu protagonismo e demonstrar seu interesse em relação ao avanço dos alunos) e revalorização, formação, capacitação do professor (formas de profissionalização). Ana Luiza Machado, diretora da OREALC-UNESCO, assume que O enfoque sobre o papel de protagonista do docente constitui um imperativo político e técnico para a OREALC/UNESCO Santiago. É um dos focos estratégicos do Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC). Esse projeto é a carta de navegação definida, em novembro de 2002, pelos ministros da Educação da região, conscientes da necessidade de conseguir mudanças na maneira de fazer políticas e práticas educacionais para alcançar os objetivos do Educação para Todos. (MACHADO, 2005, p. 3). O protagonismo docente como estratégia de valorização do professor recobre-se de dois aspectos: trata-se, de um lado, de sua adesão à reforma como política; de outro, reduzem-se suas atitudes à sala de aula ou à escola. Esse movimento se explicita no segundo 75 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... foco estratégico do PRELAC: “los docentes y el fortalecimiento de su protagonismo en el cambio educativo para que respondan a las necesidades de aprendizaje de sus alumnos” (UNESCO, 2005, p. 11). Nele protagonismo se vincula a formar e capacitar – “los profesores ven en estas experiencias destinadas a formarlos y/o a capacitarlos la puerta de entrada al nuevo protagonismo que la sociedad les demanda” (UNESCO, 2005, p. 20) – e a responsabilizar – “Si el que aprende es el centro, también se desarrolla su responsabilidad y el protagonismo en el aprendizaje, de aprender” (UNESCO, 2005, p. 65). Montero (2003, p. 7) também se refere ao protagonismo: “[…] la dificultad de conciliar las necesidades del sistema en su conjunto y la desconfianza en el profesorado para su interpretación con el insoslayable principio de protagonismo del profesorado […]”, posição que é chamada de real: “Investigar y actuar para promover la presencia activa de los docentes es fundamental con miras a fortalecer un protagonismo real” (CAMPOS & KORNER, 2005, p. 20). Rosa Torres afirma que a reforma necesita de: “[...] calidad, equidad, autonomía escolar, revalorización, profesionalización y protagonismo docente, estímulo a la innovación, consulta, consenso, alianza, concertación, democratización” (TORRES, 2000, p. 1). É a mesma Torres que estabelece uma relação orgânica entre profissionalização e protagonismo docente ao indicar que “La afirmación acerca de la necesidad del cambio educativo ha ido junto con la afirmación del protagonismo de los docentes en dicho cambio y la urgencia de una preparación docente amplia y profunda para forjar el ‘nuevo educador’ y el ‘nuevo rol docente’ requerido para llevarlo adelante” (TORRES, 2000, p. 7). Para ela, “El protagonismo docente en el cambio educativo ha estado presente desde siempre en el discurso de la reforma, sin que tal afirmación haya logrado hasta 76 OLINDA EVANGELISTA la fecha conceptualizarse ni plasmarse adecuadamente en políticas y medidas” (TORRES, 2000, p. 8). A vinculação do ter mo “protagonismo” ao ter mo “profissionalização” é reforçada na assertiva: La magnitud de la “crisis docente” cobró notoriedad internacional y regional, y fue objeto de numerosos estudios y eventos. Se extendió el discurso de la revalorización, la profesionalización, la autonomía y el protagonismo docente. (TORRES, 2000, p. 22). Em síntese, o professor profissionalizado é o que assume seu papel de líder, de protagonista junto aos seus alunos, junto à comunidade escolar e junto ao país. Como se vê, a expressão “protagonismo docente” tem sido utilizada nos textos difundidos pela Rede e nas passagens em que aparece geralmente vincula-se à ideia de que o professor deve assumir sua tarefa na execução do ideário da reforma dos anos de 1990. Marcada pelo reducionismo da perspectiva neoliberal e pelas contradições da reestruturação produtiva, à expressão podemos agregar as ideias de empoderamento, de prestação de contas e de responsabilização. Essa articulação de slogans de apelo “positivo” obscurece o papel reservado ao professor: o de subalterno às diretrizes da reforma da educação, expressão nesse campo das demandas do capitalismo. Contraditoriamente, protagonizar significa submeter-se. Conclusão Aguerróndo (2002, p. 17) assinala que a reconversão é uma estratégia para “aproveitar o excesso de professores de uma 77 Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede... disciplina” e “cobrir novas necessidades” que, bem organizadas e monitoradas, podem evitar as “fortes resistências” que surgem entre os professores. Entre as formas de se produzir tal reconversão, figuram, segundo a autora, os “encontros de reflexão”. Entretanto, tal modelo “resultou ser de uma interessante eficácia individual” ou para “pequenos grupos, mas se mostrou bastante inadequado como estratégia para a reconversão rápida e maciça do professorado em seu conjunto” (AGUERRÓNDO, p. 18-19). Também Alves (2002, p. 3) defende essa concepção. Para ele, Manter ou readquirir a competitividade no mundo de trabalho e trabalhar no sentido da reconversão profissional e atualização da demanda profissional é importante. A flexibilidade, a mobilidade, o acesso democrático à internacionalização do conhecimento vêm constatar a universalização do ensino em seus vários segmentos e mudança na formação do perfil do docente. Os autores referidos apostam na reconversão docente como fator de mudança na educação e como modo de se conseguir o que denominam de educação de qualidade e, mesmo, democrática. Uma outra posição pode ser trazida para o debate. O fenômeno da reconversão diz respeito, segundo De Rossi (2005), a um tipo de procedimento que, expressando “[...] o conjunto de estratégias adotadas por distintas instâncias e centros de poder para racionalizar os sistemas educativos [...]”, tem em vista adequar as políticas educacionais “[...] às pressões econômicas das agências (inter) nacionais.” Faz coro a essa análise a abordagem de Gindin (2006, p. 98), que chama a atenção para a existência, nos anos de 1990, de 78 OLINDA EVANGELISTA “políticas produtivistas” que “[...] impulsionam medidas de reconversão neoliberal do trabalho docente”. Ou seja, tomando o projeto de reconversão profissional articuladamente ao de formação docente na ALC, tal como vem sendo difundido pela Rede Kipus, concluímos que as estratégias políticas de preparo do professor podem ser compreendidas como uma expressão da “reconversão” do magistério na região. Mesmo assim, contudo, essa conclusão não se esgota nela mesma. Mais do que realizar a reconversão como meio de operar a reforma, está em causa a reconversão da inteligência da área para que se torne funcional aos interesses de manutenção da hegemonia do capital. Esse processo compõe o conjunto de ações desencadeadas pela burguesia para a manutenção de sua hegemonia, para o que os intelectuais orgânicos são fundamentais. Percebe-se, então, claramente, que a educação (e a sua suposta má qualidade) foi tomada como causa dos problemas sociais e econômicos, bem como sua universalização (com boa qualidade) seria a sua solução. Segundo Xavier e Deitos (2006), essa formulação expressa uma imensa racionalização cujo objetivo primeiro é o de obscurecer as determinações históricas da sociedade, construindo uma explicação que retira da esfera econômica seu comprometimento com a produção das condições materiais de existência. Entende-se a centralidade atribuída ao professor e por que sua reconversão tornase vital. Referências ACTIONAID. 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A partir desta compreensão objetiva-se, neste artigo, apresentar algumas reflexões sobre as políticas educacionais que têm orientado esse processo de desenvolvimento e crescimento da oferta da escolarização nesa modalidade. 1 Este texto vincula-se a parte da pesquisa intitulada “Políticas para a Educação a Distância no Brasil: o Sistema Universidade Aberta do Brasil”, dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, área de concentração “Sociedade, Estado e Educação”, da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, por Neuza Maria Barbosa de Oliveira Antunes, em 2011. 85 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... Uma análise dos pressupostos que norteiam a construção desse cenário educacional que fomenta o atendimento escolar por meio da Educação a Distância (EAD), principalmente na educação superior e na formação continuada, sob o discurso da democratização de acesso à educação, é de extrema importância, pois sabe-se que as políticas públicas também refletem disputa de interesses numa sociedade dividida em classes, ou seja, não são isentas de uma concepção de sociedade e de mundo que se deseja. Assim, observa-se, pelas ações públicas desenvolvidas, que a promoção da “educação para todos”, amplamente disseminada nos discursos políticos, tem sido pensada com a utilização da modalidade de educação a distância e esse caminho apresenta-se como uma possível solução para as agruras do sistema educacional e seus índices. Este estudo traz a abordagem de que há políticas públicas, tais como o Sistema Universidade Aberta do Brasil, que se apresentam como pilares desse processo e oportunizam a massificação da educação sem a devida preocupação com as questões que vão além da democratização do acesso: a permanência, a qualidade e iguais oportunidades no contexto da educação presencial a todos. Educação a Distância e sua Constituição Legal no Brasil A Educação a Distância (EAD), segundo afirma Aretio e Ibáñez (1998), apresenta-se como uma modalidade educacional em crescente expansão em todo o mundo e, no Brasil, este quadro não se mostra diferente. Todo esse processo de aumento da oferta de cursos nessa modalidade é motivado por diversos fatores, principalmente pelas questões relacionadas ao avanço das tecnologias de informação e comunicação, que atuam como agentes facilitadores da interação entre pessoas que se encontram distantes fisicamente. 86 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Mesmo assim, no entanto, a expansão da EAD não tem como único agente propulsor o desenvolvimento tecnológico. Afinal, esse segmento se apresenta dentro de um contexto econômico, social e político, que é historicamente determinado e é parte de uma realidade caracterizada por estar em constante movimento e por suas contradições. Pimentel (2006, p. 29) afirma que “[...] o processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo [...]”, ou seja, isso reforça que a ocorrência do fenômeno de crescente aumento de oferta de escolarização por meio tecnológico não ocorre isolado no tempo e no espaço, pois as ações pululam num nível macroestrutural e representam vontades políticas, opções de organização educacional vinculadas a concepções ideológicas que concebem a necessidade de aplicação de políticas públicas, muitas denominadas emergenciais, que atendam à necessidade de resolver os problemas de acesso à educação e na tentativa de corrigir índices educacionais que se apresentam decorrentes de históricos problemas socioeducacionais que se arrastam ao longo da história. É importante destacar que, notadamente, está ocorrendo expansão de uma forma de educação que já existia, pois a EAD não é algo novo e inerente à sociedade moderna e/ou contemporânea. Essa modalidade, concebida por Moore e Kearley (2007, p. 2) como “[...] o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local de ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais”, já é bastante antiga. Assim, o que tem variado são os meios (correspondência, rádio, televisão, computador, internet, 87 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... videoconferência, dentre outros) pelos quais são promovidas as interações dentro do processo de ensino e aprendizagem. A gênese da EAD no país, assim como na maioria das outras nações, não apresenta uma data precisa. João Roberto Moreira Alves (2009), por exemplo, destaca que, no Brasil, embora inexistam registros sobre o surgimento das entidades de EAD no século XIX, há um anúncio publicado no Jornal do Brasil, em 1891, com oferecimento de curso de datilografia por correspondência e este seria o marco do início dessa modalidade dentro da educação nacional. Maria Esmeralda Zamlutti (2006, p. 52), por sua vez, apresenta a informação de que em “[...] 1904 escolas norteamericanas instalaram uma filial no Rio de Janeiro e oferecia cursos de idiomas por correspondência, porém, não há registros oficiais sobre isso”. Maia e Mattar (2007) indicam que o primeiro registro histórico de ocorrência de atividades em EAD remonta ao ano de 1923, quando Henrique Morize e Edgar Roquete-Pinto criaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que oferecia cursos de português, francês, silvicultura, literatura francesa, esperanto, radiotelegrafia e telefonia. Essa é, inclusive, a data considerada pela maioria dos autores como sendo a oficial para o marco inicial da EAD no Brasil. No decorrer da história da educação brasileira, a utilização da EAD foi sendo ampliada e passou por picos de crescimento, principalmente nas décadas de 1960, 1970 e 1990, quando no país fez-se necessária a formação maciça de mão de obra qualificada para atender aos anseios do mercado. Nesses períodos a EAD, no entanto, mesmo tendo uma participação direta do Estado2, não possuía ainda determinações que 2 Projeto SACI, LOGOS, Projeto Minerva, MOBRAL, dentre outros, tinham como agentes organizadores esferas públicas. 88 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS a regulamentassem em termos legais. Isso ocorreu em 1996, com a promulgação da Lei Federal nº 9394/1996, quando passa a existir um suporte legal para essa modalidade de educação. Dentro da referida Lei, o artigo 80 incumbe-se de tratar da oficialização da EAD e de pormenorizar detalhes sobre o seu uso no meio educacional. No corpo do texto observa-se que não se trata mais de uma medida emergencial ou supletiva, mas apresenta-se como mais uma possibilidade. Nesse documento, as iniciativas de fomento à formação por meio da modalidade supracitada também passam a ser incentivadas pelo próprio poder público, que, na época, já vislumbrava esse caminho como alternativa para atingir as metas propostas para expansão, especialmente no ensino superior. Esse citado artigo 80 não é o único a fazer menção à Educação a Distância na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Também é possível verificar nor matizações ou recomendações sobre essa modalidade nos seguintes tópicos: artigo 32, parágrafo 4º, trata do ensino fundamental, que, via de regra, será ofertado na modalidade presencial, mas poderá ser realizado à distância em situações emergenciais; artigo 47, parágrafo 3º, que trata sobre a frequência no ensino superior; artigo 87, parágrafo 3º, inciso II e III, nos quais trata da possibilidade de prover cursos para jovens e adultos e formação de professores por meio de cursos à distância, observando que, nesse mesmo artigo, há a determinação de que os professores deverão ser habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. Entretanto, mesmo com todas essas referências, ainda perduraram lacunas deixadas no documento que legitima a EAD e, na intenção de preenchê-las, são lançados a partir daí diversas portarias e decretos. 89 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... O primeiro deles foi o Decreto nº 2.494/1998, que define, em seu artigo 1º, a Educação a Distância como: [...] forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de infor mação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação. (BRASIL, 1998, p. 1). Esse Decreto, além de definir a concepção de EAD, ainda vincula seu desenvolvimento ao uso das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento das atividades pedagógicas. Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é que ele afirma que a EAD oportuniza a “auto-aprendizagem”, o que pode suscitar a questão: - Será que, nesse contexto, está minimizado o papel do professor? Francisco Lobo Neto (1998) expõe que mesmo o Decreto nº 2.494/1998 não foi suficiente para definir todas as questões de organização da EAD, principalmente a situação das instituições que desenvolvem programas nessa modalidade. Há temas essenciais, cuja definição é remetida para regulamentações mais específicas, de alçada do Ministro de Estado da Educação e do Desporto. Por exemplo: Art. 2º O credenciamento institucional obedecerá a “exigências a serem estabelecidas em ato próprio” do Ministro de Estado; Art. 2º § 2º dependem de “regulamentações a serem fixadas pelo Ministro de Estado”, tanto o credenciamento de instituições do sistema federal de ensino, quanto a autorização e 90 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS reconhecimentos de programas a distância de educação profissional e de graduação de qualquer sistema; Art. 2º § 5º a avaliação para recredenciamento e renovação de autorização de cursos, terão seus procedimentos, critérios e indicadores de qualidade definidos em ato próprio, a ser expedido pelo Ministro de Estado. (BRASIL, 1998, p. 1) Tratando de pormenorizar ainda mais esses procedimentos de credenciamento, o Ministério da Educação publica, em 7 de abril de 1998, a Portaria nº 301, determinando os procedimentos para o credenciamento de instituições para oferta de cursos na modalidade de Educação a Distância. Essa portaria é imediatamente retificada pelo Decreto nº 2.561/1998, de 27 de abril de 1998, que modifica alguns artigos do Decreto nº 2494/1998. Nesse novo dispositivo legal, segundo Pomar (2011, p. 2), observa-se que há alterações no que diz respeito às competências estaduais e federais para o credenciamento de cursos a distância, normatizando que a União credencie as Instituições Federais e estados e municípios possam credenciar instituições localizadas no âmbito de suas respectivas atribuições (educação de jovens e adultos, ensino médio e educação profissional de nível técnico). A Educação a Distância nesse período passava por um acelerado crescimento, principalmente porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional trouxe consigo a exigência de que os professores deveriam, no prazo estabelecido de dez anos (1996/2006), serem formados em curso superior. Aproveitando-se desse dispositivo, 91 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... há um grande número de universidades privadas que ampliaram seus atendimentos tanto na modalidade presencial quanto na de a distância. Com esse intenso movimento nas ações em EAD houve também uma preocupação ainda maior em cobrir os aspectos legais e, no ano de 2005, o Decreto nº 2.494/1998 foi revogado pelo Decreto nº 5.622, que vem com o objetivo específico de regulamentar o artigo 80 da Lei Federal nº 9394/1996. Esse decreto reconstrói a definição de EAD, caracterizando-a como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de infor mação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. Nessa perspectiva, observa-se que há um destaque ao fomento ao uso das tecnologias de informação e comunicação dentro da Educação a Distância e que é retirado o termo “auto-aprendizagem”, sendo novamente mencionada a participação do professor no processo educativo. Outro ponto a ser destacado é sobre a obrigatoriedade dos momentos presenciais, agora citados tanto nos incisos do artigo 1º quanto no artigo 13. Maria Luiza Furlan Costa (2010, p. 46) observa que, na realização de uma leitura geral da nova deliberação, “[...] a obrigatoriedade dos momentos presenciais é entendida como sinônimo de garantia da qualidade dos cursos superiores ofertados na modalidade à distância”. Além desse decreto, outros foram sendo lançados visando esclarecimentos sobre os caminhos da EAD no país, dentre eles: o Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispunha sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. 92 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Na publicação do Decreto nº 6.303, em 12 de dezembro de 2007, há a alteração de cinco artigos do Decreto nº 5.622, reforçandose os seguintes aspectos: a ideia do momento presencial como obrigatório; direcionamentos de como deve ocorrer o credenciamento das instituições para atuarem em EAD e no Sistema UAB; e a importância dos polos presenciais. Esses dois últimos Decretos (nº 5.773 e nº 6.303), lançados após a criação da Universidade Aberta do Brasil, auxiliam no processo de regulamentação das atividades desenvolvidas dentro dela. Parte daí a necessidade de clara referência ao papel do polo presencial na EAD (Decreto nº 6.303/2007), um dos pontos de destaque na área de trabalho da UAB. Em 29 de janeiro de 2009, no governo Lula, publica-se o Decreto nº 6.755, que não regulamenta nada com relação à Educação a Distância, mas Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada. A correlação da publicação desse Decreto com a EAD está no fato de que, no artigo 7º dispõe que a formação inicial dos professores deverá ser feita “preferencialmente” na modalidade presencial e os cursos de formação continuada poderão ser oferecidos nas duas modalidades (presencial e a distância). Com a presença do termo “preferencialmente” observa-se que, na verdade, toda a formação de professores pode ser realizada na modalidade à distância. Importante é destacar que, dentre as políticas instauradas no governo Lula para a expansão do ensino superior por meio da Educação a Distância, sempre no intuito da democratização e interiorização do ensino público, aparece, como uma das primeiras ações, a criação dos Fóruns das Estatais pela Educação, em 2004, 93 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... com o objetivo de propiciar espaço de diálogo e interlocução entre o MEC, Governo Federal e Estatais brasileiras para análise e debate das questões estratégicas ligadas ao desenvolvimento sustentável do país, com especial destaque para a busca de soluções para os problemas ligados à educação (BRASIL, 2004). Esses fóruns fazem parte de um conjunto de políticas para a área educacional, apresentando como meta angariar investimentos para a educação, especialmente para os programas voltados para a expansão do ensino superior. Desses fóruns participavam: Banco da Amazônia (BASA), Banco do Brasil (BB), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), Cobra Tecnologia S/A (COBRA), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Centrais Elétricas Brasileiras S/A (ELETROBRÁS), Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (ELETRONORTE), Centrais Elétricas S/A (ELETROSUL), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Furnas Centrais Elétricas S/A (FURNAS), Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO), Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), Usina Hidrelétrica de Itaipu, Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A (NUCLEP), Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRÁS), Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO). (BRASIL, 2004a). Segundo o documento oficial: O Fórum irá desenvolver ações que busquem potencializar as políticas públicas na educação promovidas pelo Governo Federal e pelo Ministério da Educação, das empresas estatais 94 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS brasileiras, através da interação entre a sociedade civil brasileira, empresários, trabalhadores e organismos internacionais, em um processo de debates em busca da solução dos problemas da educação no País, do estabelecimento de metas e ações, configurando uma política de educação inclusiva e cidadã, visando a construção de um novo modelo de desenvolvimento para o País. (BRASIL, 2004, p. 1). Roseli Zen Cerny (2009, p. 46) afirma que a constituição desse Fórum representa “[...] o ponto de partida dentro das políticas deste período para a criação da Universidade Aberta do Brasil”. Analisando a regulamentação para EAD, observa-se que essa foi, quase que em sua totalidade, instituída no governo Lula, contudo a expansão da educação via essa modalidade, vale destacar, não é algo criado e pensado somente por esse governo. As políticas educacionais estão interligadas aos governos anteriores e a diversos mecanismos políticos e econômicos, ou seja, o planejamento e a regulamentação da EAD não estão previstos somente nas leis e decretos nacionais, mas também são parte de acordos internacionais firmados com outras nações, como, por exemplo, na Conferência Mundial de Educação para Todos (1990). No documento proposto nessa conferência há o estímulo claro ao uso de tecnologias e da modalidade a distância para a melhoria dos índices de acesso ao ensino, principalmente o superior. Internamente, o Plano Decenal de Educação (1993) e o Plano Nacional da Educação (1990) refletem as metas a serem perseguidas e os caminhos dispostos perpassam justamente pelo avanço da EAD. Num contexto como esse era notória a necessidade de que se desenvolvesse um processo de regulamentação legal um pouco mais claro para a Educação a Distância. 95 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... A Universidade Aberta do Brasil A Universidade Aberta do Brasil, criada em 2005, ao contrário do que se possa pensar, não é uma política sistematizada somente nesse período. Desde 1971, segundo informa Pimentel (2006), há intenção de se criar no Brasil Universidades Abertas. Niskier (1996) comenta que, inclusive, em 1972 foi criado um grupo de estudo, liderado por Newton Sucupira, para que se viabilizasse a implantação de uma Universidade Aberta e a Distância, nos mesmos padrões da Open University3 britânica. Essas iniciativas não obtiveram êxito, na época, talvez porque as condições materiais para que a proposta fosse instituída não estivessem concretizadas. A partir da década de 1990, quando houve outro grande desenvolvimento da Educação a Distância, motivada tanto pelo desenvolvimento tecnológico, quanto pela necessidade do mercado na formação de mão de obra em serviço e em curto espaço de tempo, o fomento a uma política pública que propusesse uma Universidade Aberta foi viabilizada pelo Estado. Quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva propôs a criação dos Fóruns das Estatais, em 2004, estava preparado o cenário para a constituição efetiva da Universidade Aberta do Brasil. Esse fórum representava, segundo o documento oficial “Fórum das Estatais pela Educação: Diálogo para a Cidadania e Inclusão” (2004), a convergência de esforços das estatais participantes para a discussão das questões ligadas ao desenvolvimento sustentável do país, principalmente no que se refere à educação. Inicialmente, no âmbito do Fór um das Estatais, a Universidade Aberta do Brasil era um projeto voltado somente para 3 É uma universidade de ensino a distância e de entrada livre. Outros exemplos: Open University of Australia e Universidade Aberta de Portugal. 96 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS as instituições públicas federais, ou seja, a ideia inicial era a de que as instituições federais fariam parte da UAB. Mais tarde é que foi aberta a participação para as instituições estaduais e municipais. Outro aspecto importante é a visão sobre o sistema de ensino superior e suas possibilidades, como descrito no documento oficial desse Fórum: Não obstante, a rede de universidades brasileiras apresenta férteis potencialidades rumo à democratização do acesso, comprovada pela existência de um parque universitário robusto e malha consolidada de pesquisa. Por outro lado, a possibilidade de utilização da modalidade de educação a distância (EaD) aponta para impactos positivos quanto ao acesso à educação superior, especialmente nas Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e demais Universidades Públicas Estaduais. Dessa for ma, também há a possibilidade de atender a outra demanda educacional urgente: a necessidade de formação e capacitação de mais de um milhão de docentes para a educação básica, bem como a formação, em serviço, de um grande contingente de servidores públicos. Para isso, há que se fomentar o campo de pesquisas em tecnologias de informação e comunicação (TIC), tendo em vista sua relevância para a consolidação do conjunto diversificado de experiências exitosas em EaD, em variados níveis de ensino, que vem gradativamente tomando for ma no país. (BRASIL, 2004, p. 1). 97 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... Nessa perspectiva, realizando uma leitura de que o “parque universitário” sendo “robusto”, como descrito, é possível a compreensão de que o mesmo seria amplo e acessível a todos, no entanto, nas frases subsequentes já se remonta ao fato de que a EAD pode ampliar o acesso à educação superior e, mais ainda, que pode atender à demanda urgente de formação docente. Ou seja, logo em seguida o documento já apresenta incoerências, porque, se houvesse de fato um parque universitário “robusto”, não seriam necessárias medidas emergenciais como a utilização da EAD para o atendimento de milhões de pessoas que não conseguem ter acesso à educação superior. Por meio desse documento do Fórum das Estatais também foi criada a Fundação de Fomento à Universidade Aberta do Brasil e, sobre ela, Cerny (2009) explica que teve como primeira ação, ainda no âmbito da orientação do Fórum das Estatais, a implantação de um projeto-piloto para o oferecimento do curso de graduação em Administração a distância, em parceria com o Banco do Brasil. Deste projeto-piloto participaram dezoito universidades, ofertando 10.000 vagas somente para funcionários do Banco do Brasil e funcionários públicos. Esse dado é interessante porque o projeto inicial vislumbrava a democratização do acesso e a formação docente, mas teve como primeiro encaminhamento a organização de um curso em bacharelado para funcionários de um dos bancos que fomentava o programa. A Universidade Aberta do Brasil foi, portanto, criada no âmbito do Fórum das Estatais, em 2005, e oficializada pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Em seu sítio eletrônico 4 oficial consta que a Universidade Aberta do Brasil foi instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, em conjunto com o Fórum das Estatais pela Educação e com acompanhamento da Associação 4 Disponível em: <http://www.uab.capes.gov.br>. 98 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Quanto aos parceiros envolvidos no processo de implantação da UAB, podem ser destacados: […] I - a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC), gestora do Sistema UAB, com o apoio da Secretaria de Educação a Distância (SEED) e em colaboração com a Secretaria de Educação Básica (SEB), a Secretaria de Educação Superior (SESu), a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e a Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação, articuladoras do Sistema; II - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão responsável pelo pagamento de bolsas no âmbito do Sistema; III - as instituições públicas de ensino superior (IPES) vinculadas ao Sistema UAB, responsáveis pela oferta de cursos e programas de educação superior a distância; e IV - Estados e Municípios, responsáveis pela implantação de pólos de apoio presencial do Sistema UAB. (BRASIL, 2009, p. 2) Cada parceiro tem, como visto no parágrafo em destaque, funções específicas no contexto do Sistema UAB. Um dos argumentos oficiais recorrentes para a implantação de um projeto dessa envergadura, com o envolvimento de diferentes agentes, é a emergência de democratizar o acesso ao ensino superior. A Universidade Aberta do Brasil surge com a intenção da 99 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... democratização do ensino ou, ainda, para atender à demanda emergencial para essa esfera de ensino. No Decreto nº 5.800/2006 e reiterado na Resolução nº 26, de 5 de junho de 2009, constam os apontamentos ou diretrizes para a Universidade Aberta do Brasil: Art. 2º O Sistema UAB, instituído pelo Decreto nº 5.800/2006, tem por finalidade expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País, por meio do desenvolvimento de programas e de cursos na modalidade de educação a distância, nos termos do parágrafo 2º do Art. 1º da Lei nº 11.502/ 2007. Art. 3º O Sistema UAB cumprirá suas finalidades e objetivos sócio- educacionais em regime de colaboração da União com entes federativos, obedecendo às seguintes diretrizes: I - oferecer, prioritariamente, cursos de nível superior de formação inicial e continuada para professores da educação básica; II - oferecer cursos de nível superior para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III - oferecer cursos de nível superior nas diferentes áreas do conhecimento; IV - ampliar o acesso à educação superior pública; V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País; VI - estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e VII - fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras 100 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL, 2009, p. 1). Dentre esses objetivos, a democratização que está sendo proposta talvez seja a que evoque mais aspectos para reflexão. Atílio Borón (2000, p. 68) afirma, ao abordar esse tema, que a democracia no capitalismo é operacionalizada como método e não como fim. Para ele, “[...] não tem demasiado sentido falar da democracia em sua abstração, quando na realidade se trata é de examinar a forma, as condições e os limites da democratização em sociedades como a capitalista, que se fundam em princípios constitutivos que lhes são irreconciliavelmente antagônicos”. Ver a democracia com um método parece tarefa ainda mais complexa, pois entendê-la dessa forma sugere que um método se destine para algo ou para a consecução de algum fim específico. No caso desta reflexão, o que se pretende é a democratização da educação, do acesso ao ensino superior que, conforme consta dos documentos oficiais que tratam da expansão da EAD, traria maior oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e democrática. Nessa vertente, o acesso à educação contribuiria ao pleno exercício da cidadania e da igualdade de direitos. Esse discurso, implícito nas políticas educacionais vigentes, reafirma a premissa da educação redentora, ou seja, a crença de que por meio dela solucionar-se-ão os problemas sociais e econômicos. Democratizar, nesse sentido, está sendo aplicado dentro da lógica do capital, que abrange somente a igualdade política e jurídica, sem a intenção de garantir a igualdade que muito interessa à classe trabalhadora: a igualdade na distribuição de renda (WOOD, 2003). Julia Malanchen (2007) afir ma que o discurso da democratização da educação trata de uma democracia esvaziada de 101 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... seu conteúdo social, pois é uma democracia despolitizada e formal, que garante somente os direitos individuais do voto e uma cidadania passiva, que não ameaça os interesses da classe hegemônica. Compactua-se aqui com a visão de Mészáros (2008), quando já afirmava que a educação não é a única responsável pela solução dos problemas sociais e tampouco econômicos; portanto, como uma atividade isolada não é o suficiente para mudar a sociedade. Borón (2000) reforça a análise desse processo de democratização, tratandoa como método, revelando que são duas as principais intenções a respeito do processo de reestruturação produtiva: a primeira é enfatizar a ideia de acesso democratizado à educação, pela EAD, como via possível para todos alcancerem condições sociais de vida melhores; a segunda é formar um grande contingente de mão de obra especializada requerida pelo sistema produtivo atual. Outra questão a ser abordada está pautada na afirmação de Shiroma (2003) de que as políticas de EAD, justificadas como uma forma de democratizar o acesso à educação, colocadas em prática de forma mais incisiva na formação docente, têm como intenção a desintelectualização docente. As ações governamentais (TV Escola, Pro Licenciatura, Pró Letramento, etc.) na área de EAD estão fortemente ligadas à formação docente a distância, o que representa, na visão desta autora, mais uma das estratégias que, desde os anos de 1990, são postas em prática para despolitizar e controlar o professor. Essa desintelectualização docente dita por Shiroma (2003, p. 67) é “[...] a retirada da formação docente da universidade em seus moldes tradicionais e tem por intenção um processo gradativo de distanciamento do professor da reflexão e de uma formação de qualidade, além da redução de custos”. Esse processo é perfeitamente possível na modalidade a distância, principalmente porque a 102 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS organização desse processo educativo apresenta, se desenvolvido de modo arbitrário, condições para o resultado mencionado, principalmente quando se observa que há falta de interação e discussão. Além disso, a setorização do trabalho na EAD (professor prepara o conteúdo, técnico transfere para a virtualidade, tutor aplica e acompanha o encaminhamento desse conteúdo, não raro outro profissional avalia) oportuniza a quebra do que foi proposto e a falta de reflexão. Assim, questiona-se: - Essa democratização de acesso referese àquilo que a sociedade anseia, no que diz respeito à igualdade? Essa democratização (burguesa) tende à manutenção da lógica do capital e de sustentação das necessidades do mercado e não as da classe trabalhadora. É interessante a esquematização de políticas públicas, como a Universidade Aberta do Brasil, que visem a oferta de oportunidades de educação, mas não se pode deixar de desvelar em que bases esa democratização e acesso estão pautados. O Sistema UAB foi implantado por meio do Edital nº 1-UAB, publicado em 16 de dezembro de 2005, no Diário Oficial da União nº 243. Em cumprimento a esse edital, municípios, estados e Distrito Federal, individualmente ou organizados em associações/consórcios, candidataram-se a proponentes de projetos de polos municipais de apoio presencial, para receberem cursos superiores de instituições públicas federais. No referido documento, o objetivo apresentado era: [...] fomentar o “Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB”, que será resultante da articulação e integração experimental de instituições de ensino superior, Municípios e Estados, nos termos do artigo 81 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, visando à democratização, expansão 103 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... e interiorização da oferta de ensino superior público e gratuito no País, bem como ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e de metodologias inovadoras de ensino, preferencialmente para a área de formação inicial e continuada de professores da educação básica. (BRASIL, 2005, p. 1). Gustavo Pires Guimarães (2007, p. 34) trata desse assunto, argumentando que a construção do sistema UAB é, na realidade, um reforço para que seja possível o alcance da meta descrita no Plano Nacional de Educação (2001) de que 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos de idade frequente a educação superior. No quadro geral, o Sistema UAB conta com 92 instituições de Ensino Superior credenciadas. Dentre elas, 49 universidades federais, 27 estaduais e 16 Institutos Federais Tecnológicos 5, que oferecem cursos diferenciados, conforme explicitado na Tabela 1, a seguir. 5 Dados disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br/>. Acesso em: 21 fev. 2011 104 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Tabela 1 – Cursos diferentes ofertados pela UAB. TIPOS DE CURSOS NÚMERO DE CURSOS LICENCIATURAS 45 BACHARELADO 8 ESPECIALIZAÇÃO 87 APERFEIÇOAMENTO 28 SEQUENCIAL 2 EXTENSÃO 17 MESTRADO 1 FORMAÇÃO PEDAGÓGICA 4 TECNÓLOGO 12 TOTAL 204 FONTE: Quadro produzido por Neuza Antunes com base nos dados disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2011. São 204 cursos diferentes, sendo predominantemente ofertados cursos voltados para a formação docente (cerca de 86% dos cursos de graduação são de licenciatura). Destaca-se essa informação porque se considera que a UAB cumpre hoje os objetivos a que se propôs dentro da graduação, que eram, fundamentalmente, de redesenhar o perfil do nível de formação para o magistério e dos gestores públicos, ao menos em tese. No ano de 2010 estudaram no Sistema Universidade Aberta do Brasil cerca de 184.644 estudantes, distribuídos conforme apresentado no Gráfico 01. 105 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... Gráfico 1 - Estudantes no sistema UAB, por modalidade, 2010. FONTE: BIELSCHOWSKY, 2010, p. 22. O Gráfico 1 reforça que os estudantes de cursos de licenciatura são os de maior número (44%), ou seja, o foco do sistema tem sido realmente a formação docente. Inclusive as ofertas de pósgraduação se centram nesse segmento, muito embora sejam ofertados também cursos na área de gestão, informática e saúde. O Sistema Universidade Aberta do Brasil oferta esses cursos por meio das Instituições de Ensino Superior credenciadas, que estendem sua atuação por meio da modalidade de Educação a Distância e contam para isso com os polos de apoio presencial. São atualmente 768 polos de apoio presencial credenciados, mas em funcionamento são 5876, sendo distribuídos nas cinco regiões do país. Conforme informado pela Coordenação de Infraestrutura da UAB, os demais polos estão em processo de organização, dos quais alguns foram avaliados pelo grupo de avaliadores do Sistema UAB e estão nos trâmites finais para funcionamento e outros foram reprovados e ainda estão se reestruturando. 6 Dados disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br/>. Acesso em: 21 fev. 2011. 106 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Diante dessa observação de todo o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), é inevitável a curiosidade sobre a origem dos recursos e os valores aplicados para o desenvolvimento de um projeto dessa abrangência em todo o território nacional. Conforme exposto no Decreto nº 5.800, Art. 6º As despesas do Sistema UAB correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas ao Ministério da Educação e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, devendo o Poder Executivo compatibilizar a seleção de cursos e programas de educação superior com as dotações orçamentárias existentes, observados os limites de movimentação e empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira. (BRASIL, 2006, p. 2). Assim, portanto, os recursos que dão sustentabilidade a todo o sistema têm origem no Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é, na verdade, o grande gestor financeiro do Ministério da Educação. O FNDE é o responsável, dentre outras coisas, pelo pagamento das bolsas dos integrantes do sistema, por meio do Sistema Geral de Bolsas (SGB) e da distribuição dos recursos às universidades credenciadas. Os investimentos no Sistema Universidade Aberta do Brasil, hoje projeto gestor do MEC no que diz respeito à expansão da educação a distância, inclusive agregando outros projetos, como o Pró Licenciatura, podem ser vistos na Tabela 02, a seguir. 107 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... Tabela 02 – Investimentos na UAB 2009-2010 ANO 2009 2010 DESCRIÇÃO VALOR INVESTIMENTO CUSTEIO 215 MILHÕES BOLSAS 170 MILHÕES CUSTEIO 399 MILHÕES BOLSAS TOTAL BIÊNIO 420 MILHÕES R$ 1.204.000.000,00 FONTE: BIELSCHOWSKY, 2010, p. 18. Esses são os valores investidos pelo governo federal, mas não se pode deixar de observar que ainda há os gastos do poder público responsável (municipal ou estadual) pelos polos presenciais, ou seja, os custos para manutenção do Sistema Universidade Aberta do Brasil ultrapassam as cifras mencionadas. Antunes (2011), num levantamento de dados sobre os recursos financeiros envolvidos na execução das ações do Sistema Universidade Aberta do Brasil, concluiu que os gastos médios com um estudante/ano de curso de especialização e graduação, tendo em vista os gastos referentes ao governo federal somados aos investimentos municipais e/ou estaduais, ultrapassaram R$ 7.200,00 no ano de 2010. Diante deste valor, observa-se que os custos são inferiores aos dos estudantes presenciais no ensino superior divulgados pela Andifes (2011), valores que giram em torno de R$ 12.000,00. Fiuza (2011) especifica ainda mais os custos por esfera administrativa: R$16.616,00, na esfera federal; R$ 9.712,00 na esfera estadual; e R$ 6.290,00 na esfera particular. Nesses termos, percebe-se que os custos por estudante na educação superior na Educação a Distância, mesmo considerandose os custos gerais de todos os agentes envolvidos, são ainda inferiores 108 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS aos custos da educação presencial. Muito embora os custos com relação ao aluno da esfera estadual seja aproximado. Pela lógica dos resultados, observa-se que o aluno à distância no setor público tem um custo inferior ao aluno na rede particular, o que mostra que a questão dos baixos custos da Educação a Distância são questionáveis, porque na esfera privada os alunos apresentam um custo de aproximadamente R$ 6.000,00 e nesse valor já está embutido o lucro esperado por quem explora tal atividade. Essa questão ainda deixa margem para uma série de estudos, porque, se o baixo custo é o que se procura, os ganhos talvez não estejam sendo compensatórios para o sistema público, principalmente porque a média de investimento para este ano (2011) é de um bilhão de reais (BIELSCHOWSKY, 2010), ou seja, aumentará ainda mais o custo. Não se pode, porém, deixar de tratar do aspecto de que, na organização das atividades da Universidade Aberta do Brasil, há o reaproveitamento da mão de obra já existente, e este fator gera aos cofres públicos uma boa dose de economia, tendo em vista que um professor que atende certo número de estudantes, por exemplo, na modalidade presencial, nos cursos a distância (sendo pago pelo sistema de bolsas), atenderá a um número bem maior de estudantes, por um valor irrisório, sem ônus com encargos trabalhistas e nem mesmo previdenciários. Considerações Finais A realidade atual ainda mostra uma grande necessidade de oferecer acesso aos sistemas formais de ensino, pois motivos (como situação socioeconômica, condições familiares, falta de oferta de determinados níveis de formação ou de cursos na localização em 109 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... que vivem - localização geográfica, entre outros), dificultam ou inviabilizam, de forma proibitiva, esse acesso. Considera-se que muitas dessas razões que condenam o indivíduo a uma não escolarização estão intimamente ligadas às relações sociais de dominação e exploração dentro do liberalismo, tendo em vista que as políticas educacionais postas em prática são constituídas dentro desse contexto. O discurso recorrente no sistema liberal é o de que se preza a liberdade do indivíduo e que as oportunidades estão postas para todos. Veja-se, no entanto, que somente cerca de 12% das pessoas, na faixa etária entre 18 e 24 anos, frequentam a educação superior hoje no Brasil. A questão é: - Será que, por liberdade de escolha? Ou por fazer parte de um Estado burguês, discriminatório, onde se prega a igualdade de oportunidades, enquanto desigualdades abissais ainda assolam a sociedade? O Estado, responsável legal pela oferta e gestão do processo de educação formal do sujeito, não tem apresentado condições para que todos realmente adentrem e tenham acesso à formação escolar. Assim, sucessivos governos têm adotado medidas com a intenção de corrigir os índices de acesso à escolarização e, ao que se percebe, têm priorizado justamente o acesso educacional por meio da Educação a Distância, conforme sugerido, inclusive, nos documentos de acordos internacionais. É importante destacar que não se questiona aqui se essa modalidade é pedagogicamente eficiente ou não, mas de que maneira as políticas educacionais a têm estabelecido e como têm feito uso dela. No histórico da educação brasileira inúmeras foram as tentativas de criar novos caminhos ou de redimensionar o sistema de ensino em busca do atendimento com qualidade e a todos os cidadãos. 110 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Essas ações, fomentadas pelo Estado, foram orientadas por reformas, reestruturações curriculares, metodológicas e por meio da inclusão de novas tecnologias. Sobre essa questão, Mészáros (2008) destaca que a educação tem sofrido com as visões reformistas, sem ter, fundamentalmente, um resultado positivo que demonstre, em algum aspecto, uma possível transformação da realidade social. Isso assim é porque se entende que qualquer mudança na realidade educacional também depende de uma transformação do quadro social no qual ocorrem as práticas educativas, e o estado capitalista tem se esmerado na promoção de mudanças para que tudo continue como está. Assim, no Brasil, as reformulações educacionais não têm atendido à necessidade de for mação dos indivíduos e/ou transformação das relações sociais existentes, mas, sim, como ferramentas das quais o próprio sistema eventualmente faz uso para perpetuar a reprodução da ordem vigente, tendo-se claros os limites da educação dentro de uma sociedade capitalista. Muito se fala que a EAD é uma alternativa para a democratização do acesso à educação em nível superior, mas discutese aqui se democratizar tão somente o acesso é o suficiente. Além do acesso, há que se pensar em: democratizar o conhecimento; superar o desequilíbrio entre o público e o privado; expansão e modernização das universidades presenciais; incentivo à pesquisa e extensão; aumentar o investimento público para o ensino superior; dentre tantas outras coisas. Não se trata, conforme já especificado, de afirmar que essa modalidade é inferior ou superior, se atinge ou não os objetivos educacionais necessários para a formação do cidadão, mas apresentar os fatos de que as políticas vinculadas a seu processo de expansão estão intimamente ligadas às questões econômicas. 111 Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema... A universidade é hoje desafiada por novas oportunidades tecnológicas, novos recursos e ferramentas que podem, sim, enriquecer sua atuação, mas entende-se que isso seja necessário em todas as suas modalidades de educação e que a democratização verdadeira ocorrerá quando todos tiverem acesso à escolha da modalidade que melhor convier a cada um e não a “opção” única que o Estado tem a oferecer. A condução do processo de expansão da EAD no nível das políticas educacionais, assim como tantas outras gerenciadas no poder público, foi realizada de modo a atender necessidades de mercado, vinculando novamente a atuação da universidade como formadora de mão de obra, visão tão difundida no documento da Conferência Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI, em consonância com o discurso inerente ao sistema capitalista, no qual a escola está a serviço do mercado. Em maior ou menor escala, essa visão tem direcionado as políticas de EAD no Brasil. Entende-se aqui que a mera adoção de uma “nova” modalidade ou do uso de tecnologias não contribui, necessariamente, para resolver os problemas educacionais, em especial do ensino superior. Apresenta, sim, uma melhoria nos números e índices, como se obser vou nos dados relacionados ao funcionamento da Universidade Aberta do Brasil em seu curto período de existência, que fortalece a certeza de participação do país em financiamentos externos e o cumprimento dos ditames internacionais, mas as condições reais da oferta do ensino nas universidades não têm recebido a mesma atenção, em termos de condições e recursos. 112 NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS Referências ALVES, João Roberto Moreira. Educação a distância e as novas tecnologias de informação e aprendizagem. Disponível em: <http://www.engenheiro2001.org.br/ progrmas/980201a1.htm>. Acesso em: 15 jun. 2009. ANTUNES, Neuza M. B de Oliveira. 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Particularmente durante a última gestão de Lerner, o Paraná, em consonância com os pressupostos neoliberais de reconfiguração do Estado, aprovou um conjunto de reformas no quadro das políticas sociais. No campo educacional, tais refor mas reduziram os 1 As reflexões trazidas neste artigo são resultantes de pesquisa desenvolvida na dissertação de mestrado em Educação, realizada no período de 2009 a 2011, no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá, sob orientação da Profª Drª Ângela Mara de Barros Lara. 117 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... investimentos e potencializaram um novo modelo gerencial, pautado nos parâmetros de eficiência e racionalidade, típicos da nova ordem produtiva. Como parte dessa lógica, a política de recursos humanos sofreu alterações, os professores foram submetidos a uma série de imposições que visaram desregulamentar os direitos, interferindo em suas condições de vida e de trabalho. Tratou-se, portanto, de estratégias que repercutiram nas relações de trabalho, seja por meio do modelo de gestão educacional adotado, que passou a exigir bons resultados, com a otimização dos recursos e serviços existentes, seja pela política de recursos humanos, proposta como parte dessa mesma lógica, sustentada na redução dos investimentos e na imposição de novas formas de gestão da força de trabalho. A partir da compreensão de que os elementos que conformam a precarização do trabalho do professor não se explicam apenas pela interpretação da política educacional, o objeto de pesquisa foi abordado no contexto histórico de sua produção, relacionado com as questões econômicas, sociais, políticas e ideológicas que são constitutivas dessa política. Assim, procurou-se apreender o fenômeno da precarização no contexto da reestruturação capitalista – que assume particularidades no Brasil e no Estado do Paraná – e das mudanças ocorridas nas políticas educacionais brasileiras após 1990. Nos pressupostos das análises aqui mediadas, considera-se que o trabalho docente, em suas dimensões contraditórias, vem sendo perpassado por formas inerentes ao modo de produção capitalista. Sua configuração expressa as tendências atuais desse estágio de mundialização do capital, que revela as orientações neoliberais e traz como desdobramentos a centralização do mercado, a retração do Estado no gasto público e a inserção precária no universo do trabalho, 118 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA marcada fundamentalmente pela deterioração das condições de vida dos trabalhadores. O Trabalho no Capitalismo Internacional – apontamentos sobre as novas conformações da precarização As últimas décadas do século XX foram marcadas por várias transformações nas relações sociais de produção, em face de uma nova conjuntura histórica de crise do capitalismo. As novas estratégias de regulação social, determinadas nesse contexto, ultrapassaram o terreno econômico, dando um conteúdo novo às formas precárias de organização do trabalho, que emergiram em bases mais complexas e fragmentadas, destituindo os direitos sociais dos trabalhadores e suas condições básicas de sobrevivência, frequentemente subordinadas às situações de instabilidade e insegurança nas relações de trabalho. Inserido nessa lógica, encontra-se o trabalho docente, que não ficou imune a essas transformações. Pode-se afirmar que as novas relações sociais assumidas no contexto da mundialização financeira do capital estabeleceram mudanças no campo da educação, conformando um visível quadro de desvalorização e precarização do trabalho, que se manifesta em consonância com o atual processo de reestruturação do setor produtivo e de redefinição das formas de intervenção do Estado. A análise desse novo cenário de reorganização capitalista sugere a necessidade de relacioná-la aos fatores mais gerais da crise financeira, que se tornou mais evidente a partir da década de 1970, inaugurando uma nova etapa da produção e acumulação do capital em nível internacional. Decorridos os trinta anos gloriosos de prosperidade econômica nos países centrais, a fase próspera e expansiva que se estabeleceu 119 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... após a Segunda Guerra Mundial começou a apresentar sinais de esgotamento, resultando em uma crise do sistema capitalista que, segundo Alves (2009), adquiriu uma dimensão estrutural por produzir mudanças qualitativamente novas em sua dinâmica. Outros aspectos importantes da crise atual são discutidos por Mészáros (2009, p. 65) ao salientar que a crise não se reduz a uma questão política, pois ela envolve a totalidade das instituições capitalistas de controle social. De acordo com o autor, o “[...] crescimento e expansão são necessidades imanentes ao sistema de produção capitalista, e quando os limites locais são atingidos não resta outra saída a não ser reajustar violentamente a relação dominante de forças”. Foi isso que o capital fez no final dos anos 1970, ou seja, estabeleceu uma nova fase de desenvolvimento, capaz de recuperar a competitividade do mercado mundial, sob o comando do capital financeiro. Paulani (2006, p. 72) argumenta que essa nova fase foi marcada pelos seguintes aspectos: [...] exacerbação da valorização financeira, pela retomada da força do dólar americano como meio internacional de pagamento, pela intensificação, em escala ainda não vista, do processo de centralização de capitais e pela eclosão da terceira revolução industrial, com o surgimento da chamada ‘nova economia’. Segundo a autora, um dos elementos necessários para que o capital pudesse funcionar adequadamente nessa fase foi sua liberdade de ir e vir. Os obstáculos à sua valorização e mobilidade deveriam ser enfrentados para não colocar em risco seu poder hegemônico. Isso explica a importância das políticas de liberalização e 120 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA desregulamentação dos mercados, expressa por meio da difusão do ideário neoliberal que possibilitou ao Estado atuar no sentido de restringir os direitos sociais e viabilizar as condições para que o capital organizasse um novo sistema de regulação da força de trabalho e da produção. Nas palavras de Chesnais (2005, p. 35): “Esse capital busca ‘fazer dinheiro’ sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e [...] de lucros nascidos de especulação bem-sucedida”. O capital se valoriza sem ter a mediação da produção de mercadorias, em outras palavras, trata-se de uma lógica econômica, em que ‘[...] o dinheiro entesourado adquire, em virtude de mecanismos do mercado secundário de títulos e da liquidez, a propriedade ‘miraculosa’ de ‘gerar filhotes’” (CHESNAIS, 2005, p. 50). Não obstante as novas formas de reprodução do capital e com predomínio dos investimentos financeiros, a mundialização, como uma nova dinâmica da acumulação capitalista, veio acompanhada também da reestruturação produtiva e da ideologia neoliberal, que, segundo Netto e Braz (2007), representa o tripé sobre o qual se apoiam as estratégias de restauração do capital. Para recuperar seus patamares de produção existentes no período anterior, em especial no período pós-guerra, o capital não poderia fazê-lo somente por meio da organização de um sistema financeiro. Como movimento intrínseco a este, era preciso adquirir legitimação política e, concomitantemente, reestruturar suas bases produtivas para atender aos imperativos de uma nova ordem social, que aspirava pela modernização do mercado e por formas mais flexíveis de organização da produção, do mercado e do trabalho. Se, nos anos gloriosos, o capital impulsionou sua expansão pela via produtiva do fordismo e pela política de bem-estar social, 121 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... promovendo alguns saltos em relação às políticas sociais e aos direitos dos trabalhadores, sob a vigência de novas determinações sóciohistóricas, mediadas pela reestruturação produtiva e pelo toyotismo2, o capital encontrou um novo padrão produtivo e tecnológico, estabelecendo uma nova dinâmica no interior do processo de trabalho. Entretanto, para que tivesse êxito nessa nova investida, foi preciso, além das condições objetivas, reforçar, num movimento paralelo, as condições subjetivas, obtendo maior consenso dos trabalhadores frente às condições desfavoráveis impostas à venda de sua força de trabalho. O neoliberalismo ressurgiu como a ideologia própria para atender aos imperativos dessa fase do capital, possibilitando o deslocamento de um padrão de acumulação rígido, centrado na base taylorista-fordista, para um sistema fundamentado na flexibilidade dos padrões de consumo e de trabalho. Como salienta Antunes (2003, p. 119), “[...] a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas do trabalho parcial”. Nesse contexto, assiste-se à redução dos empregos formais ou permanentes e ao predomínio dos regimes e contratos de trabalho parcial e temporário em regime de terceirização, revelando-se em formas cada vez mais precarizadas de trabalho. 2 O toyotismo fundamenta-se basicamente na otimização do tempo de produção, de modo a atender às demandas individualizadas do mercado consumidor. As empresas adotam um sistema mais horizontalizado, que permite maior envolvimento do trabalhador no processo produtivo e, ao mesmo tempo, emprega métodos mais flexíveis, favoráveis à desregulamentação das relações de trabalho, que permitem absorver e descartar facilmente a mão de obra e, concomitantemente, exercer uma ação coercitiva que se manifesta por meio de políticas de avaliações e interiorização das regras empresariais. 122 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA É importante destacar que, no estudo sobre a precarização do trabalho, outros termos similares (como trabalho precário, precariedade e precarização) são utilizados, frequentemente, como expressões de um mesmo fenômeno. Entretanto, para melhor apreensão dos termos empregados na delimitação deste estudo, tornase pertinente esclarecer os elementos que lhe conferem especificidade, justamente para evitar a ocorrência de análises e interpretações equivocadas sobre o assunto. Alves (2007, p. 115) esclarece que a precarização refere-se ao modo como a precariedade se repõe sócio-historicamente, ou seja, traduz a dimensão histórica estabelecida pela luta de classe e pela correlação de forças políticas entre capital e trabalho. Nas palavras do autor, “[...] a precarização é um processo social de conteúdo histórico-político concreto, de natureza complexa, desigual e combinada, que atinge o mundo do trabalho, principalmente setores mais organizados da classe do proletariado”. Como elemento vinculado à categoria trabalho, em sua forma abstrata, a precariedade e a precarização expressam as condições sócio-históricas de reprodução do capital, que, nas últimas décadas do século XX, com o novo modelo de reorganização do capital, assumem uma forma mais ofensiva, principalmente com a retomada do pensamento neoliberal que prega o desmantelamento da legislação social e de políticas voltadas à defesa e proteção dos direitos sociais. Essas mudanças que demarcaram o capitalismo contemporâneo têm apontado para uma perversa lógica de exclusão, num processo que ressignifica os espaços laborativos e de qualificação, desafiando, constantemente, o mundo do trabalho. Kuenzer (2004) salienta que as últimas décadas do século passado e início deste foram marcados por um processo de intensificação e exploração que se acentuou no chamado setor de serviços, onde se 123 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... incluem a educação, a saúde e os profissionais liberais. De acordo com a autora, esses serviços, seja para uso público ou para o capitalista, foram “[...] forçados a se reorganizar para serem competitivos e assegurarem acumulação, [...] combinaram complexificação tecnológica com redução de força de trabalho, [...] além de mecanismos de descentralização, em particular, a terceirização” (KUENZER, 2004, p. 243). Compreende-se que esses serviços foram submetidos ao processo de reestruturação produtiva. No que tange especificamente à educação e ao trabalho docente, as mudanças estabelecidas pelo novo modelo de acumulação expressaram complexas e contraditórias relações dentro de uma lógica marcada pela “sociabilidade produtiva”3, cujo objetivo era, e ainda é, a manutenção das margens de lucro e acumulação do capital. Como expressão das novas configurações gestadas pelo capital financeiro, a sociabilidade estabelecida na esfera do mercado anunciou novos parâmetros de organização do trabalho docente que, a exemplo de outras categorias profissionais, foram submetidos às determinações que conformam à exploração capitalista do trabalho. Em outros termos, os profissionais docentes ganharam visibilidade dentro da nova ordem social, sendo ajustados ao novo modelo produtivo para o capital consensuar suas estratégias de valorização, 3 No livro Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico, Siguissardi e Silva Júnior (2009, p. 47) destacam que a nova lógica empreendida na universidade estatal, que se mercantiliza com base na institucionalização dos serviços não exclusivos do Estado, acaba por produzir o professor dotado de uma “sociabilidade produtiva”. Os autores referem-se a esse termo para expressar a nova forma de ser do professorpesquisador e do cidadão, que, a partir das novas formas de exploração da mais-valia relativa e absoluta, leva o professor-pesquisador a formas mais intensificadas de exaustão, com a exigência crescente de pesquisas e produções que correspondam a “padrões de qualidade”. 124 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA estabelecendo a formação do trabalhador adequado ao novo paradigma produtivo. Ao analisar as atuais configurações do trabalho e da produção, é importante destacar que as mudanças desencadeadas nesse campo não são feitas igualmente em todo o globo. Da mesma forma, os trabalhadores não foram afetados por mudanças homogêneas. A reestruturação produtiva conduzida em combinação com a política neoliberal não ocorreu igualmente em todos os países. Essa compreensão coloca a importância de examinar as especificidades que assumiram no Brasil nos anos de 1990, visto que, embora se reconheça que os efeitos sociais dessa política adquiriram uma dimensão mundial, afetando inclusive os países centrais, foram os países pobres que mais sofreram com a implementação de tais ajustes. As Perspectivas do Trabalho Face à Reorganização do Estado Brasileiro No cenário de mundialização do capital, os programas de ajustes neoliberais acentuaram a dependência externa dos países periféricos, reduzindo sua autonomia política, com retrocesso nas conquistas sociais e sindicais e aprofundamento das dimensões da precarização do trabalho. Nesse contexto, o Brasil respondeu adequadamente às exigências de inserção nos novos modelos requeridos pelos países centrais, com a reconfiguração do Estado e a ofensiva das políticas por eles implementada. Com a forte recessão que se instalou mundialmente em meados da década de 1970, pode-se afirmar, em linhas gerais, que o Brasil, para renegociar sua dívida externa, recorreu a empréstimos das agências financeiras multilaterais – Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI) – e, como contrapartida, teve que 125 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... aderir às reformas estruturais de cunho neoliberal, apoiadas na defesa de um Estado atuante em benefício do setor econômico. Foi com esse objetivo que o país, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), se dispôs a empreender uma luta ideológica contra os direitos sociais, apresentando-os como privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico. Sendo assim, aprovou várias medidas com o intuito de desregulamentar a economia, flexibilizar a legislação do trabalho, privatizar empresas estatais, reduzir os gastos públicos e promover a abertura do mercado para a entrada de investimentos transnacionais (SILVA, 2003). Como parte intrínseca do processo de reformulação do Estado, o mercado de trabalho assumiu novas dimensões. O governo promoveu reformas trabalhistas, objetivando adequar as condições de trabalho às necessidades do atual estágio de acumulação de capital. Sendo assim, incentivou a desestruturação do mercado de trabalho, que se acentuou nos anos de 1990 e avançou ao longo do século XXI, atingindo o conjunto de trabalhadores, incluindo aqueles do setor público/estatal, cujos empregos representam uma parcela expressiva do mercado de trabalho. Nesse período, diversas mudanças foram introduzidas na legislação trabalhista brasileira, a exemplo da Lei do Trabalho Temporário, que foi aprovada em 1998, constituindo, na perspectiva de Alves (2005), em um novo arcabouço jurídico-institucional de regulação do trabalho precário, capaz de promover a flexibilidade dos contratos e o processo de terceirização, como forma de possibilitar maior “liberdade” nas negociações entre patrão e empregado. Evidenciando essas tendências, que conferem ao mercado maior liberdade de dispor do controle da força de trabalho, Mony e Druck (2007) advertem que, no Brasil, o debate acerca da precarização do trabalho está relacionado ao processo de terceirização, 126 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA que se tornou mais evidente nos anos de 1990 com a retomada do projeto neoliberal. Segundo as autoras, esse fenômeno deve ser compreendido: [...] como processo social constituído pela ampliação e institucionalização da instabilidade e da insegurança, expressa nas for mas de organização do trabalho – onde a terceirização/ subcontratação ocupa um lugar central – e no recuo do papel do Estado como regulador do mercado de trabalho e da proteção social através das inovações da legislação do trabalho e previdenciária (MONY; DRUCK, 2007, p. 30). Com base nas proposições dos autores, percebe-se que a terceirização, aliada a outras formas de precarização do trabalho, constituiu-se no traço característico das mudanças operadas na organização da força de trabalho. Nesse processo, o Estado atuou fortemente, não intervindo na regulamentação das leis de proteção ao trabalho, propondo a retomada de antigas modalidades de terceirização e inserindo outras novas, como forma de intensificar a precarização, reduzindo os encargos sociais. Esse quadro é também apontado por Pochmann (2006), que destaca que, desde 1990, o Brasil vem se mostrando atuante no projeto de inserção competitiva na economia global. O novo modelo econômico, marcado pela abertura comercial, com maior endividamento externo, juros elevados e reformulação do setor público, vem impondo um movimento de desestruturação do mercado de trabalho, com o aumento do desemprego e a diminuta geração de postos de trabalho. 127 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... Para exemplificar essa situação, o autor divulga dados relevantes ao destacar que, em 2000, a taxa de precarização dos postos de trabalho ultrapassou os 40% do total de ocupação nacional. Até a década de 1970, o número de empregos com registro formal crescia relativamente, entretanto, a partir dos anos de 1980, houve um aumento da presença do emprego sem carteira assinada, significando a ausência dos tradicionais direitos sociais e trabalhistas. De forma sintetizada, pode-se afirmar que, no contexto da economia brasileira, articulada aos ajustes neoliberais implementados nos anos de 1990, o mercado de trabalho foi palco de grandes transformações. O Estado brasileiro recuou nas suas intervenções, desmantelando os direitos sociais por meio de reformas que acentuaram a desvalorização e a fragmentação da força de trabalho e que, ao mesmo tempo, agregaram, no domínio da produção, novas estratégias ideológicas, que reforçaram o compromisso com os objetivos da empresa, enfraquecendo as iniciativas políticas organizadas em torno da defesa dos direitos e proteção social dos trabalhadores. Iniciativas Aplicadas à Educação e ao Trabalho Docente Analisando as recentes mobilizações ocorridas no campo das políticas sociais, percebe-se que, num movimento articulado com a reestruturação do mercado de trabalho, o Estado desempenhou um papel de protagonista, visto que, atrelado à reconfiguração de suas funções, impulsionou mudanças nas relações de trabalho e atuou fortemente no desmantelamento das políticas sociais, suprimindo os direitos e aprofundando as precárias condições de vida da maioria da população. 128 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA No campo educacional, as principais orientações aos países periféricos foram conduzidas no sentido de adequar o sistema de ensino às orientações de reforma do Estado, fazendo da educação um campo auxiliar frente aos desafios colocados ao desenvolvimento da economia mundial (HADDAD, 2003). Apoiado no diagnóstico da crise do sistema educacional, expressa na falta de qualidade e ineficiência dos serviços oferecidos, os governos brasileiros, sobretudo os de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apresentaram as reformas como caminho para resolver os problemas de insuficiência no atendimento, da necessidade de se universalizar a educação básica e atender às novas demandas econômicas impostas pela reestruturação capitalista (OLIVEIRA, 2001). O governo afirmava que o problema não estava na falta de recursos, mas, na ineficiência de sua aplicação. Diante disso, conferiu importância à introdução de novas for mas de controle e gerenciamento do ensino, requisitando novas funções aos trabalhadores docentes, adequadas às relações sociais produtivas expressas no âmbito da reforma neoliberal do Estado e da educação. As propostas convergiram na redução de investimentos, na ampliação das parcerias com a iniciativa privada e na incorporação da lógica mercantil na gestão escolar e, nesse ponto, o receituário formulado pelas organizações internacionais como Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) foram fundamentais. Tais organizações exerceram influência expressiva nos rumos da política educacional brasileira desencadeada nos anos de 1990, estabelecendo novos consensos diante dos ajustes neoliberais e ajustando-a aos novos padrões de reorganização capitalista. Nos 129 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... documentos analisados, percebe-se que, apesar de as organizações possuírem funções específicas, os discursos sobre a educação e o papel atribuído aos docentes são muito próximos e evidenciam as metas de orientação política recomendadas aos países, associada à redução dos gastos com educação e com as estratégias de articulálas aos interesses do mercado. Tendo em mente que os países em desenvolvimento recebem influências externas, mas também não deixam de incluir seus interesses políticos na definição de projetos demandados na área, muitas ações implementadas no campo educacional foram marcadas pelo caráter verticalizado, sem contar com a participação das instâncias de representação dos educadores. Silva Júnior (2002) comenta essa questão ao afirmar que, antes mesmo de FHC assumir o governo, no mandato de Itamar Franco, foi elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos, em 1994, e apresentado aos professores e dirigentes escolares com total ausência de uma discussão coletiva que envolvesse outras instâncias que vinham refletindo sobre os rumos da educação brasileira. De acordo com Oliveira (2000), o Plano Decenal estabeleceu as diretrizes que nortearam a política educacional na década de 1990, com o objetivo de ampliar e racionalizar os recursos destinados à educação. Sua preocupação incluiu uma série de mudanças que abrangiam as várias dimensões do sistema de ensino, como legislação, financiamento, avaliação, planejamento, gestão educacional, currículos, entre outras. A intenção no encaminhamento dessas mudanças foi priorizar a racionalização dos gastos, com uma política focalizada na atenção mínima. Se o modelo produtivo se impõe mediante bases mais flexíveis para atender às necessidades de eficiência e racionalidade 130 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA do mercado, os programas de ajustes neoliberais, dentre eles o da educação, explicitam novas tendências que traduzem essa lógica, ou seja, propagam novas regulações, submetendo as várias dimensões do sistema de ensino ao modelo gerencial destinado a elevar o padrão competitivo, eficiente e produtivo da educação. Na combinação de formas mais flexíveis entre a gestão do ensino e a regulação do trabalho, os docentes foram afetados por relações cada vez mais precárias e fragmentadas, que interferiram em suas manifestações críticas, contribuindo para um posicionamento de apenas adaptar-se às modificações. Entende-se que a reforma educacional expressou-se, ainda, pela reformulação da política educacional, que passou a assumir um direcionamento alinhado às tendências modernizantes, típicas da política de cunho neoliberal. Como destaca Melo (2008), a partir da legislação aprovada no âmbito das reformas educacionais dos países em desenvolvimento, os sistemas de ensino sofreram transformações, e uma característica marcante que emergiu desse processo foi uma ampliação do trabalho docente para além da sala de aula e das atividades a ela correlatas. A legislação produzida nesse período estabeleceu diretrizes e metas que orientaram a implementação da política educacional em todo o território brasileiro e direcionou a execução de planos e programas educacionais adequados à realidade de cada Estado. O Paraná, a exemplo de outros Estados – como Minas Gerais e São Paulo –, realizou, de forma expressiva, a difusão de políticas comprometidas com os processos de reformas em todos os setores sociais. No âmbito da educação, como exposto no item abaixo, 131 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... estabeleceu-se um novo desenho com a intenção de consolidar as mudanças institucionais e administrativas contempladas nos programas de reforma em curso. A Política de Recursos Humanos da Educação e os Mecanismos de Precarização do Trabalho dos Professores na Gestão do Governo Jaime Lerner Numa incursão histórica sobre o período governado por Jaime Lerner, pode-se afirmar que, embora tenha passado quase uma década de sua última gestão, concluída em 2002, as marcas de seu governo foram expressivas, difíceis de não serem lembradas pelo seu aspecto político neoliberal e inexorável perante as políticas sociais e os interesses dos trabalhadores em geral. Apesar de governos anteriores já demonstrarem algumas iniciativas em consonância com as estratégias internacionais de reorganização do capital, foi no período governado por Jaime Lerner que o Paraná realizou, de forma mais expressiva, a difusão de políticas comprometidas com os processos de reformas em todos os setores sociais. No campo educacional, as propostas e as metas anunciadas visavam instrumentalizar o ensino com base na lógica e nos princípios empresariais. Nesses termos, o trabalho dos professores foi afetado por uma série de exigências e imposições, que incidiram na desregulamentação dos direitos sociais, sobretudo com a política de redução dos gastos públicos, que, além de comprometerem a qualidade do ensino, tornaram aviltantes suas condições de vida e de trabalho. 4 Entre as medidas governamentais, destacam-se aquelas anunciadas em planos, programas, projetos desenvolvidos ao longo das duas gestões, como o Plano de Ação, da Secretaria de Estado da Educação de 1995, Programa de Qualidade no Ensino Público no Paraná – PQE e Programa de Expansão, Melhoria e Inovação do Ensino Médio – PROEM. 132 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA O governo, por meio da Secretaria de Estado da Educação – SEED, divulgou, nesse período, uma série de medidas governamentais que enfatizava a modernização como fator indispensável para superar as deficiências e defasagens do ensino. Tais medidas4 tiveram, como base, os pressupostos das agências internacionais e da reforma política e econômica do Estado brasileiro, adequando a educação aos parâmetros competitivos delimitados pelo mercado. Sob essas orientações, potencializou-se a fragmentação e a deficiência do sistema de ensino, tornando expressivas as mudanças que acentuaram sua precarização. Estudos elaborados sobre o período, como Hidalgo e Silva (2001), Nogueira (2001), Silva (1998), revelam evidências de elementos comuns na política educacional, destacando, entre outros aspectos, uma nova perspectiva gerencial, capaz de interferir na organização administrativa e pedagógica das escolas, viabilizando as condições necessárias para obter bons resultados mesmo com a escassez de recursos. Esse novo modelo gerencial foi proposto a partir de um elenco de documentos formulados e gerenciados pela SEED. Logo no primeiro ano de governo, a equipe técnica da SEED-PR publicou um documento intitulado Plano de Ação da Secretaria de Estado da Educação (PARANÁ, 1995), apresentando propostas inovadoras, com a perspectiva de alçar a educação a um patamar de excelência na qualidade. As particularidades da política educacional assumida pela SEED e as estratégias por ela implementadas, além de fortalecer, no plano ideológico, o receituário dos programas de qualidade total, mobilizou a subjetividade dos professores para que aderissem ao novo formato de organização escolar, caracterizado pelos aspectos administrativos e gerenciais. 133 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... Inserido nesse processo, o trabalho docente foi reconhecido como mais um componente a ser ajustado às novas e precárias perspectivas educacionais. Se a otimização de recursos era uma das metas perseguidas, isso implicava otimizar, inclusive, os recursos humanos. Como preconiza Silva, I. L. F. (2001, p. 154), a busca da excelência nas escolas implicou uma política de recursos humanos que flexibilizou os direitos conquistados nas décadas anteriores. A contratação de professores e funcionários pelas escolas, a partir de 1995, já indicou o sentido que esse governo pretendia dar à administração dos recursos humanos, ou seja, redimensionar as relações trabalhistas e educacionais dos professores e funcionários e o Estado, além de redimensionar o papel do Estado quanto à gestão dos recursos humanos. Para legitimar e dar suporte a essa nova forma de regulação do trabalho, explicitada no modelo de gestão preconizado pela SEED e materializado nos programas por ela implementados, o governo criou uma agência social autônoma, denominada de Paranaeducação, como uma nova institucionalidade configurada no campo do setor público não estatal. Propôs a tentativa de um Plano de Desenvolvimento de Pessoal e, já no final de sua gestão, emitiu o Decreto nº 5.546/2002 (PARANÁ, 2002), concedendo gratificação especial por assiduidade. Sem pretender dar conta de todas as questões que incidiram na política de recursos humanos da educação, a análise de alguns aspectos é fundamental para compreender sua configuração. Esses mecanismos, definidos no bojo da política de recursos humanos, 134 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA estabeleceram novos parâmetros de regulação do trabalho docente, exigindo um profissional totalmente disposto a se comprometer com os valores institucionais calcados nas práticas individuais, competitivas e no trabalho intensivo. O Paranaeducação, como instituição de natureza privada, foi estabelecido por convênio de cooperação entre a Secretaria de Estado da Educação (SEED), tendo, em seu estatuto, aprovado pelo Decreto nº 4.002/1998, a autonomia administrativa e financeira para gerir os recursos públicos na área da educação, gerenciar os recursos humanos e subsidiar nas questões institucionais, administrativas e pedagógicas das unidades escolares (PARANÁ, 1998a, p. 1). No artigo 1º do referido decreto, a instituição explicita sua finalidade: [...] auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de Educação, através da assistência institucional, técnico-científica, administrativa e pedagógica, da aplicação de recursos orçamentários destinados pelo Governo do Estado, bem como da captação e gerenciamento de recursos de entes públicos e particulares nacionais e internacionais. (PARANÁ, 1998a, p. 1). Com a implantação desse serviço, o governo objetivava ‘melhorar a gestão educacional’, abrindo canais menos burocratizados, mais eficientes e flexíveis para administrar os recursos públicos. Com tal justificativa, os problemas educacionais foram explicados com base na ineficiência de um modelo institucional arcaico e burocrático, o qual servia tanto para difundir o consenso em torno da privatização do ensino público quanto para encobrir que as causas de tais problemas estavam nas contradições produzidas pelo próprio 135 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... desenvolvimento capitalista. Dessa lógica, derivou-se o entendimento das questões concernentes à precarização do sistema educacional e das condições de trabalho docente, restrito ao aspecto gerencial e ao âmbito das iniciativas individuais. No Primeiro Congresso Estadual dos Trabalhadores em Educação do Paraná, a APP-Sindicato questionou o verdadeiro propósito desse serviço, evidenciando que, em muitas das ações da SEED, foi possível observar a tendência do governo à privatização, entretanto nenhum deles foi tão expressivo quanto o Paranaeducação, que praticamente privatizou a SEED. Os professores passaram a ser contratados não mais por concursos públicos, mas por trabalho temporário, sem vínculos diretos com o Estado, embora os gastos sociais fossem mantidos com recursos oriundos dos cofres públicos. É importante destacar que a implantação do Paranaeducação não foi o ponto de partida para o estabelecimento dos regimes temporários de contratação. Desde 1995, o governo Lerner já vinha praticando essa política com a abertura de testes seletivos por tempo determinado, sob a coordenação da própria SEED. Em 1997, com a criação do referido serviço, os professores continuaram sendo contratados pelo regime CLT, entretanto com o diferencial de as contratações serem efetivadas por tempo indeterminado. Nesse processo, o Paranaeducação descentralizou a seleção de professores para as escolas, competindo a elas nomear o conselho escolar como órgão encarregado de avaliar os educadores, com poder, inclusive, para demiti-los. Ainda que resultasse em maior ônus aos docentes e demais trabalhadores da educação, a SEED enfatizava, em seus argumentos, a confiabilidade de ter uma empresa como o Paranaeducação para gerenciar os serviços educacionais. Com esse discurso ideológico e mistificador da realidade, encobria as reais intenções, não revelando 136 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA que o objetivo principal de toda e qualquer empresa está na obtenção de lucros e na exploração da força de trabalho. As evidências de precarização do trabalho docente se fez perceber também por outros condicionantes que, a exemplo das formas de contratação, fizeram parte das propostas do governo para redimensionar a política de recursos humanos. Mediados nesse contexto, a pretensão de estabelecer o PLADEPE5 representou mais uma tentativa do governo em viabilizar a política de desregulamentação do trabalho. Os professores que ainda contavam com uma estrutura de cargos e salários estabelecida desde 1976, alterada em anos posteriores, teriam, segundo o governo, a possibilidade de ter o Estatuto do Magistério atualizado em consonância com os novos princípios da LDB. No documento que apresenta o esboço da versão preliminar, divulgado em setembro de 1998, a equipe da SEED, responsável por sua formulação, anunciava as mudanças no plano de carreira, com posicionamento favorável à descentralização dos concursos e à centralidade no regime jurídico celetista. Em suas quatro páginas, o documento apresenta, de maneira sintetizada, os principais aspectos concernentes à carreira docente: pré-ingresso, ingresso, carreira, avaliação de desempenho, remuneração, incentivos, aprimoramento, ambiente e condições de trabalho (PARANÁ, 1998b). Tendo como princípio básico a “preservação dos direitos adquiridos pela 5 O Plano de Desenvolvimento do Pessoal da Educação- PLADEPE foi uma tentativa do governo em estabelecer uma estrutura de cargos e salários para os professoresvinculados a rede estadual de educação básica do Paraná. No levantamento bibliográfico, o acesso à versão preliminar do documento foi obtido em contato com a APP-Sindicato. Nele, os aspectos concernentes à carreira docente são tratados de forma geral, não explicitando as questões que incidem diretamente na melhoria das condições de trabalho. 137 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... categoria”, explicita, de um lado, seus valores políticos e ideológicos para encobrir, de outro, a política favorável à implantação da reforma administrativa, condizente com os valores mercadológicos, justificando a redução dos custos do trabalho como uma exigência natural ao processo de modernização do Estado e de reorganização do capital. Quanto ao ambiente e condições de trabalho, definidas no documento, não há propostas concretas sobre o assunto. Limita-se à explicitação do tempo mínimo exigido para a experiência docente, a qualificação mínima para o exercício da atividade de magistério e o período de férias. Não abrange outras questões que são essenciais para a satisfação das condições de trabalho, como: serviços de apoio aos professores e à escola, materiais didáticos, infraestrutura das escolas, etc. Apesar dos argumentos e das estratégias do governo para obter a concordância da categoria ante as prioridades elencadas na implementação da carreira docente, o PLADEPE teve uma rejeição muito forte por parte dos trabalhadores, que, organizados sindicalmente, recusaram sua aprovação. A construção do novo plano de carreira manteve-se engavetado pelo governo e os professores, ao longo das duas gestões, continuaram tendo sua estrutura de carreira regulada pelo Estatuto do Magistério, instituído em 1976. Obviamente, essa estrutura foi alterada nos anos de 1980 e 1990, entretanto não avançou no sentido de propiciar melhorias nas condições de trabalho e na valorização da carreira e, no momento em que um novo plano poderia ter sido implementado, sobretudo com a criação do FUNDEF (Lei Federal nº 9.424/1996), um novo modelo institucional ganhou impulso nos órgãos públicos, adequando as relações de trabalho às exigências de modernização estatal, como discutido anteriormente. 138 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA Nesse quadro, percebe-se que, consoante as medidas que visavam maximizar os recursos dirigidos à educação, prezando a relação custo-benefício, estavam aquelas que tornavam as condições de trabalho docente cada vez mais per meáveis às relações produtivistas, tanto no plano objetivo, com as práticas de incentivo aos contratos temporários, a falta de uma política de plano de carreira, o baixo investimento no setor e a sobrecarga de trabalho, quanto no plano subjetivo, com novas formas de consentimento social, que reforçavam os valores individuais e competitivos, contrapondo-se ao posicionamento crítico, numa tentativa de submeter cada vez mais o trabalho docente às variações do mercado. As propostas executadas pela SEED, longe de garantir os direitos sociais dos professores, limitavam-se a políticas compensatórias que cumpriam o importante papel de encobrir o caráter ofensivo das ações. Desse modo, a exemplo das propostas de desregulamentação do trabalho, o governo criou o Decreto nº 5.546/ 2002, que concedia gratificação especial por assiduidade a todo funcionário publico efetivo. No caso específico dos professores, assim como de outros trabalhadores do setor público, a lei não incluía os celetistas, não era incorporada ao salário e não contava para fins de contribuição previdenciária. Tratava-se de ‘compensar’ possíveis prejuízos, evitando o absenteísmo de muitos professores que se ausentavam em decorrência dos problemas de saúde, agravado, muitas vezes, em razão das péssimas condições de trabalho. Junto com esse entendimento é possível inferir que as mudanças nas relações de trabalho propostas pelo governo Lerner tinham os objetivos claros de acompanhar as tendências atuais de organização do capital, aplicando, na prática, as medidas liberais no sentido de fazer com que os professores, assim como os demais trabalhadores do setor público, trabalhassem mais, mesmo sob as 139 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... condições adversas e precarizadas. Numa perspectiva complementar a essa tendência destrutiva dos direitos sociais, estendida também sobre o movimento sindical, o governo Lerner, ao longo das duas gestões, propalou a valorização dos professores como fator preponderante na consecução das metas de reforma educacional. Tal valorização, engendrada nas propostas de inspiração liberal, apresentou um caráter essencialmente contraditório, limitada a adequar as condições de trabalho e vida dos trabalhadores docentes aos valores econômicos e à sociabilidade produtiva, postas no atual estágio do capitalismo. Considerações Finais Analisando algumas das características gerais da sociedade capitalista e com um olhar mais atento à sua fase contemporânea, é possível compreender que é na forma do trabalho precário que o capital, em sua composição orgânica, mantém os interesses hegemônicos de sua acumulação. Nessa nova ordem social, com o deslocamento de um padrão rígido para um sistema de acumulação flexível, que preconiza a modernização do mercado e a emergência das inovações tecnológicas, impôs-se as novas formas de regulação do trabalho e da produção, que se manifesta por meio da instabilidade, do incentivo aos contratos parciais e da ofensiva contra o movimento dos trabalhadores, entendido aqui, na expressão de Antunes (2003), como classe-quevive-do-trabalho. Dentro desses novos padrões de organização do trabalho, verificou-se que a vida dos trabalhadores tem sido fortemente impactada pela destituição dos direitos sociais e das próprias 140 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA condições básicas de sobrevivência. Desse contingente fazem parte os trabalhadores docentes que, assim como qualquer outro tipo de trabalho, vêm enfrentando situações adversas, particularmente com a política neoliberal de Estado, que, na defesa dos interesses da reprodução do capital, propaga a mínima inter venção nos investimentos educacionais. Mediado nesse contexto, o Paraná, nos anos de 1990, despontou no cenário nacional realizando mudanças em sua economia de modo a tornar o estado mais competitivo e em condições de absorver as demandas da reestruturação produtiva. No governo Lerner, observou-se que essas medidas se acentuaram, sobretudo com as reformas institucionais e administrativas, que ganharam contornos particulares, convergindo com o modelo de gestão pública reformulada pelo Estado. No campo educacional, o governo impôs uma série de ações que incidiram na reconfiguração do ensino e do trabalho docente, acentuando o processo de precarização. Nesses termos, enfatizou a flexibilização e a lógica privatista, além de submeter escolas e professores à difícil tarefa de obter a máxima eficiência dos resultados com uma política voltada à redução dos gastos sociais. A implantação do Paranaeducação e a tentativa de instituir o PLADEPE evidenciam essas intenções, visto auxiliarem na legitimação dos contratos temporários, subordinando os professores a uma política marcada por insegurança, baixo salário e intensificação do trabalho, como proposto nas relações sociais configuradas no movimento de contra-reforma do Estado. Cabe destacar que a política de recursos humanos, tal como se estruturou, dissociada das reais necessidades dos trabalhadores, não poderia apresentar outra conformação à identidade profissional 141 A política de pessoal da educação e os desafios da precarização... senão aquela adequada a preservar os valores econômicos, capaz de dificultar e mesmo obstaculizar os movimentos de oposição aos valores preconizados na reformulação da política educacional e do trabalho docente. Considerando as correlações de forças e os principais atores que atuaram na contramão desse movimento, não se pode perder de vista que os projetos formulados pelo governo não foram assimilados de forma tranquila e passiva pela categoria docente. Nesse caso, observou-se a atuação expressiva da APP-Sindicato como força política de resistência à ofensiva política do governo por consolidar um sistema de não proteção aos direitos sociais dos trabalhadores. A partir da análise desses elementos contraditórios que demarcaram o período em questão, o que se constata é que, mesmo transcorrida mais de uma década, a compreensão dessa conjuntura é fundamental para que os professores da rede pública estadual do Paraná, tanto os que vivenciaram esse contexto quanto os que dele tiveram conhecimento em gestões posteriores, possam fortalecer as formas de organização coletiva na construção de um projeto que interfira nas relações precarizadas de trabalho, propondo uma nova sociabilidade, que leve em conta a satisfação humana e a luta contra a barbárie capitalista. Referências ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. _______. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Londrina: Práxis, 2007. 142 LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA _______. Giovanni. 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Partindo dessa perspectiva é que nos encorajamos em construir um trabalho1em torno das questões políticas do ensino de 1 Este cap[itulo é originário de parte de dissertação de mestrado apresentada em 2010 ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, orientado pelo Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo, a quem aproveito para aqui tornar público meu sincero respeito e admiração, como também para externar meus agradecimentos pelas orientações ao meu trabalho. Quero ainda ressaltar que uma versão deste texto foi publicado na Revista Acta Scientiarium. Education, vol, 32, nº 2, p. 219-223, 2010. 147 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... LE, procurando perceber que o momento de decisão pelo ensino de determinada LE é resultante de processo intenso de acordos e/ou imposições políticas, ideológicas e culturais no que concerne à escolha pelo ensino de uma ou de outra LE. Em contrapartida, para que haja a oferta de uma LE nas escolas de determinado país, deve ser por meio de deliberações, portarias, leis e documentos oficiais regidos pelo governo federal e estadual em que se pautam as deliberações e objetivos que constituem o ensino dela em toda a rede de ensino pública e privada de um país. Diante disso, o governo do Estado do Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, propôs um novo documento educacional para reger as práticas de ensino do ensino fundamental em todas as áreas do saber, em nosso caso, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira Moderna (DCE-LEM). Tomando como exemplo as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os quais foram elaborados, apresentados, discutidos e postos em prática por vários educadores do ensino fundamental, e, ao mesmo tempo, questionados por tantos outros educadores do cenário acadêmico, as DCE-LEM é um documento que também necessita de olhares curiosos, críticos e reflexivos na busca de entendimento de suas intenções político-pedagógicas. Partindo dessa perspectiva, objetivamos elaborar um estudo que examine o modo como se configuram as políticas de ensino de LE no Estado do Paraná, e o fazemos a partir das vozes de dois Professores da Rede Estadual (PRP) e três Professoras Assessoras (PA), sujeitos entrevistados por meio de questionários abertos e/ou fechados, com o propósito de estudarmos se a versão final do Documento expressa participação coletiva e deliberativa do processo de construção de uma proposta educacional que se orienta para uma 148 JONATHAS DE PAULA CHAGURI ação coletiva na área da educação de Língua Estrangeira. Quanto aos aspectos teóricos deste trabalho, apoiamo-nos nas teorias de Mikhail Bakhtin (2003, 2005, 2006) para fundamentar nossas reflexões a respeito dos conceitos de enunciado, dialogismo e polifonia. Quanto à metodologia utilizada no trabalho, recorremos ao estudo de caso, por essa opção se tratar de um trabalho que enfoca determinado evento pedagógico com aspectos descritivos e interpretativos que procuram examinar os dados extraindo temas ou questões variadas, com nuances de uma análise qualitativa. Assim, é possível buscarmos indícios de padrões para poder explicá-los, assumindo a característica dos pressupostos bakhtinianos que fundamenta o edifício teórico. A Luz Bakhtiniana para as Vozes de uma Política de Ensino de Línguas Estrangeiras Os professores entrevistados que compõem a análise dos dados neste trabalho são sujeitos cujo discurso se encontra com o discurso de outras pessoas, ou seja, seus discursos vão se mover por meio das posições sociais que esses indivíduos caracterizam ao remeter suas respostas ao questionário. Por sua vez, nesse ato de resposta às perguntas, os entrevistados dialogam com muitos outros enunciados inerentes à sua formação, à sua vida escolar e acadêmica, à sua prática professoral e até a própria DCE-LEM. É a partir desses enunciados que precederemos outros. Ao ser instaurada essa cadeia infinita de enunciados entre um “eu” e um “tu”, tendo então o dialogismo que se caracteriza como a interação entre o “eu” e o(s) “outro(s)”, há a presença da manifestação de diversas vozes que podem ser apresentadas em uma unidade temática: o texto ou o discurso. 149 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... Conforme alguns recursos linguísticos que são empregados para a sua construção do texto e/ou do discurso, é apresentado o efeito de polifonia ou monofônico. Dessa forma, um texto ou discurso é considerado polifônico quando pode ser percebida, em sua estrutura, a presença de algumas vozes, cada uma expressando o seu ponto de vista acerca do mundo; e monofônico, quando essas vozes são ocultas e aparecem apenas sob a forma de uma única voz. O caminho que Mikhail Mikhailovich Bakhtin perpassará neste trabalho são como pontos de sustentação da nossa fundamentação teórica, necessária à compreensão das questões acerca da “ideologia” e do “signo.” É por isso que chamamos ao centro da discussão teórica as vozes (sujeitos entrevistados) das DCE-LEM. Compreendemos, como Bakhtin, que essas vozes são tecidas por palavras a partir de suas posições sociais que se condicionam para um “outro”; logo, é o outro que for mula novos enunciados propiciando a interação verbal enquanto fenômeno social. É nesse sentido que surge a necessidade da linguagem, para buscar a interação verbal de nossos sujeitos entrevistados em suas relações sociais, permitindo-nos então, pelas suas posições sociais, a análise dos dados. Conforme Bakhtin (2003) são as palavras tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos, que servirão de trama para todas as relações sociais em todos os domínios. As bases de todos os estudos na perspectiva bakhtiniana referem-se ao caráter interativo da linguagem. Assim sendo, somente será possível a compreensão da linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica. Na concepção do referido autor, a língua é heterogênea2, suscetível a mudanças históricas, sociais e culturais. Isso ocorre porque 2 É quando o enunciado não é único, ou seja, formado por uma única voz, mas atravessado por posições discursivas diferentes que o constituem um mosaico de vozes que ecoam no dizer do sujeito. 150 JONATHAS DE PAULA CHAGURI o que se é valorizado é a fala, a enunciação3que afirma a natureza social e não individual da língua. Conforme nos permite salientar Bakhtin (2006) nos leva a compreender que a língua e a ideologia não podem ser concebidas separadamente, ou seja, estão sempre imbricadas. O significado da palavra ideologia ou ideológico adquire, nos textos produzidos pelo Círculo de Bakhtin acerca dos estudos da linguagem, uma significação diferente da que estamos acostumados a conceituar. A ideologia, na nomenclatura desse autor, comporta várias esferas ideológicas, esferas que identificam áreas da produção intelectual humana: a arte, a ciência, a moral, a ética, a filosofia, a religião, etc. Cada campo da criatividade ideológica ou esfera ideológica tem signos específicos com que Bakhtin (2006) se refere à exterioridade e, portanto, um modo peculiar de representá-la, ou seja, vemos que a ideologia é conceituada enquanto produto ideológico que “reflete e refrata” outra realidade que lhe é exterior. A questão da ideologia faz-se necessária a este trabalho, tendo em vista o encaminhamento para compreendermos o modo como se configurou o processo de elaboração das DCE-LEM a partir das vozes dos sujeitos entrevistados e do arcabouço teórico utilizado neste trabalho. A ideologia, em Bakhtin, não deve ser compreendida como valores e intenções negativas, mas como uma área da expansão da criatividade intelectual/cultural humana. As bases para os estudos do conhecimento científico, da literatura, da religião, da moral e outros, não podem ser estudadas separadamente da realidade concreta 3 É o processo que dá origem ao enunciado. Envolve a língua, os sujeitos e as condições sócio-históricas e ideológicas que os envolvem no momento em que um enunciado emerge, no ato em que a intenção enunciativa do falante se concretiza, assume a sua materialidade linguística. 151 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... que as abriga. Por isso os signos são intrinsecamente ideológicos, ou seja, jamais os signos poderão ser estudados separadamente de suas realidades. A citação a seguir apresenta uma possibilidade de compreensão em torno da questão do signo: A significação só pode pertencer ao signo – sem o que, ela se torna uma ficção. A significação constitui a expressão da relação do signo, com uma outra realidade, por ela substituível, representável, simbolizável. A significação é a função do signo, [...] o signo é uma unidade material discreta, mas a significação não é uma coisa e não pode ser isolada do signo como se fosse uma realidade independente, tendo uma existência à parte do signo. (BAKHTIN, 2006, p. 52). Os signos são parte concreta e totalmente objetiva da realidade prática dos seres humanos e são criados e interpretados no interior dos complexos e variados processos que caracterizam o intercâmbio social. Os signos emergem e significam no interior de relações sociais, estão “entre” seres socialmente organizados. O signo é ideológico em função das estruturas sociais; a palavra existe e articula-se nas relações sociais travadas pelos indivíduos, ou seja, neste estudo, as palavras que caracterizam as respostas dos professores entrevistados só ganharão sentido porque a palavra é ativa e está sempre mudando. Ela não está limitada a uma única só consciência, a uma só voz. Logo, compreendemos, como Bakhtin, que a palavra é dialógica e deve estar inserida num contexto social e no universo da tensão humana em que ela atua. Se a ideologia se modifica, acontece uma alteração na língua que pode sugerir mudança nas ideias, nas representações, na consciência. Os signos são dialéticos, dinâmicos, 152 JONATHAS DE PAULA CHAGURI vivos; não se apresentam como algo estático. Nessa perspectiva, todo e qualquer signo e todo e qualquer enunciado se encontram localizados profundamente em uma dimensão ideológica (literatura, política, arte, etc.) e, ao serem interpretados pelo ser humano, tomam sentido de caráter valorativo com que o sujeito concebe a significação. De acordo com as asserções de Bakhtin (2006), a ideologia se expande para a busca de uma compreensão da noção de valor, de forma intrínseca, no próprio ser humano. Por essa razão, a noção de “dialogismo” está relacionada à dinâmica do processo de interação das vozes sociais e, nesse caso, essas vozes se caracterizam por serem as vozes dos professores entrevistados que se entrecruzam e que, nesse processo de se relacionarem entre si, se subsistem em torno do “todo social” a partir das diversas multiplicidades dialógicas. Os signos emergem e significam no interior de relações sociais, estão entre seres socialmente organizados; não podem, assim, ser concebidos como resultantes de processos apenas fisiológicos e psicológicos de um indivíduo isolado, ou determinados apenas por um sistema formal abstrato. Para estudá-los, é indispensável situá-los nos processos sociais globais que lhes dão significação: Esta chave é a filosofia do signo, a filosofia da palavra, enquanto signo ideológico por excelência. O signo ideológico é o território comum, tanto do psiquismo quanto da ideologia; é um território concreto, sociológico e significante. É sobre este território que se deve operar a delimitação das fronteiras entre a psicologia e a ideologia. O psiquismo não deve ser uma réplica do universo, e este não deve servir como simples indicação cênica acompanhando o monólogo psíquico. 153 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... (BAKHTIN, 2006, p. 58). Os estudos com base no autor trazem contribuição maior acerca da linguagem, contemplando a dinamicidade da língua, pois, conforme os estudos de Bakhtin, é a palavra que vai sendo remetida a um novo dizer, em um processo de ir e vir de um enunciado remetendo a outro, sem haver, desse modo, limites para o contexto dialógico, que faz com que cada palavra venha com um novo aspecto de resposta e uma tomada de posição em relação ao já dito, movendo o universo de sentidos. Ressaltamos, neste momento, que as concepções bakhtinianas foram escolhidas como aporte teórico neste trabalho pelo fato de esse intelectual poder nos auxiliar na compreensão das vozes e dos discursos que geram os enunciados a respeito do processo de elaboração de um documento oficial do Estado do Paraná. Por isso, passamos agora a conceituar os princípios da enunciação, do dialogismo e da polifonia. A Enunciação enquanto Fator Social O eixo que constitui a centralidade de todo o pensamento de Bakhtin caracteriza-se pela interaeção verbal, e, de certo modo, também pelo caráter dialógico e polifônico. Essa caracterização da interação verbal resulta na abordagem histórica e vida da língua e o tratamento sociológico das enunciações. A língua pode ser vista, em Bakhtin, como um fenômeno social, histórico e ideológico, consequentemente, “[...] a comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta” (BAKHTIN, 2006, p. 181). Por conseguinte, percebemos que a língua está vinculada a um conteúdo ideológico, a um uso 154 JONATHAS DE PAULA CHAGURI prático e que, de certa forma, seus signos são variáveis e flexíveis e possuem caráter mutável, histórico e polissêmico: Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal, ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. É apenas no processo de aquisição de uma língua estrangeira que a consciência já constituída – graças à língua materna – se confronta com uma língua toda pronta, que só lhe resta assimilar. Os sujeitos não “adquirem” sua língua materna, é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência. (BAKHTIN, 2006, p. 108). É preciso que a palavra resulte não só de processos físicos, mas também fisiológicos e psicológicos e, sobretudo, deve ser inserida na interação social. Por essa razão, entendemos que os professores entrevistados constituem seus discursos em uma situação histórica, e, por ser histórica, ela é concreta, caracterizando o sentido de seus discursos por meio da interação verbal, produzindo, então, sentido as suas respostas no modo como se deu o processo de elaboração das DCE-LEM. Assim, junto ao dispositivo teórico de Bakhtin (2006, p. 116), somos capazes de dizer que “[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o interlocutor”. Dessa forma, a enunciação resulta da interação dos indivíduos que estão inseridos 155 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... na sociedade. Por sua vez, neste estudo, vemos que os indivíduos podem ser caracterizados como o pesquisador e os professores entrevistados. Quando o pesquisador articula as perguntas aos professores entrevistados para uma busca de enunciado concreto, na relação entre o “locutor” e o “outro”, ele assume o caráter de “locutor” e os professores entrevistados, o caráter de “interlocutor(es)”, sempre mediados em uma posição intercambiável. Desse modo, já que as posições que os indivíduos integram em uma interação verbal são posições intercambiáveis, os professores entrevistados passam a ser “locutores” quando respondem ao questionário do pesquisador, e o pesquisador torna-se o seu “interlocutor”, já que suas posições não são fixamente determinadas na formação do enunciado. A respeito dessa temática, apresentamos os dispositivos que sustentam nossa discussão: Os próprios limites do enunciado são determinados pela alternância dos sujeitos do discurso. Os enunciados não são indiferentes entre si e nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns aos outros. Esses reflexos mútuos lhe determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva (BAKHTIN, 2003, p. 296-297). É nessa relação entre dois indivíduos no contato entre a língua e a realidade concreta, pelo enunciado, que a palavra pode expressar um juízo de valor, uma significação, uma expressividade. A palavra tem duas faces: é determinada por quem fala e para quem se fala. 156 JONATHAS DE PAULA CHAGURI Assim, a palavra é o território comum do locutor e do interlocutor, pois está sempre carregada de um conteúdo e/ou de um sentido ideológico ou vivencial, e, dessa forma, ao convergirmos com Bakhtin (2006, p. 99) e compreendemos “[...] as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida”. A enunciação é, portanto, dependente de dois indivíduos, que são, em nosso caso particular, o pesquisador e os professores entrevistados, que também dependem da sua própria situação, pois Bakhtin (2006, p. 116) prova que “[...] não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação.” O enunciado é sempre uma resposta a um enunciado anterior. A Constituição Dialógica do Sujeito Bakhtiniano Sem dúvida, o tema dominante em Bakhtin é o dialogismo. Todo discurso se constitui de uma fronteira do que é seu e daquilo que é do outro. Esse princípio é denominado dialogismo. A partir da concepção da linguagem enquanto interação é que nasce o dialogismo e as implicações bakhtinianas mostram que o diálogo é o princípio constitutivo da linguagem, isto é, a linguagem está impregnada de relações dialógicas. O conceito de diálogo e a noção de que a língua, tanto na modalidade oral quanto na escrita, é sempre um diálogo, passa a ser, portanto, uma relação dialógica que pressupõe uma linguagem, mas que não existe no sistema da língua, como afirma Bakhtin (2003). O dialogismo é a característica do funcionamento discursivo em que se encontram presentes várias instâncias enunciadoras. Assim, três elementos compõem o diálogo: o falante, o interlocutor e a relação 157 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... entre os dois. Neste caso, em uma relação de respostas aos questionamentos apresentados aos sujeitos entrevistados, o “falante” são os professores entrevistados, o “interlocutor”, o pesquisador, e, entendida a relação entre esses dois indivíduos, ocorre o diálogo. A noção de diálogo, conforme postula Bakhtin (2003), é contrastada com a ideia de monólogo, pela qual os enunciados podem ser proferidos por uma única pessoa ou entidade. O filósofo russo distingue o monólogo do diálogo a partir do conceito de vozes (polifonia). O diálogo é constituído por duas ou mais vozes, enquanto que o monólogo é constituído por somente uma voz e não reconhece a palavra do outro, considerando a si mesmo e ao seu objeto como discurso. Por outro lado, o diálogo leva em conta a palavra do interlocutor, como também as condições concretas da comunicação verbal. É sob esse prisma que os dados foram analisados e que mostraremos seus resultados mais adiante. É a partir das vozes dos professores entrevistados que vamos examinar, explorar e interpretar as condições pelas quais as vozes das DCE-LEM foram colocadas no processo de elaboração de tal documento. Os professores pesquisadores, ao responderem às perguntas do pesquisador, ao mesmo tempo em que se constituem de uma postura de enunciador, eles também se constituem de uma postura de coenunciador, pois não seria possível aos entrevistados enunciarem respostas sem se colocarem no lugar do outro (pesquisador), antecipando suas posições para poder refutá-las, negociando ou não com o outro na direção de transformar suas opiniões, seus valores. O sujeito emerge do outro, ou seja, a voz dos professores entrevistados se compõe a partir da interação com o outro (o pesquisador), sendo mediada pelo questionário e, por essa razão, é dialógica a voz porque o seu conhecimento é fundamentado no 158 JONATHAS DE PAULA CHAGURI discurso que eles produzem. Um aspecto importante a mencionar são as duas noções básicas de dialogismo presentes nos pressupostos de Bakhtin. A primeira denomina-se de diálogo entre interlocutores e a segunda, de diálogo entre discursos. A interação ou diálogo entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem: é na relação entre sujeitos que se constroem a significação das palavras, o sentido do texto e os próprios sujeitos. Como o diálogo se constrói socialmente, pressupondo pelo menos dois interlocutores cujos discursos são impregnados de influências do contexto em que vivem e se relacionam, o diálogo entre esses discursos acaba sendo inevitável. A partir dessa perspectiva, o dialogismo é um princípio constitutivo da linguagem e uma condição de sentido do discurso, pois, conforme as contribuições teóricas de Bakhtin (2006, p. 123), “[...] o discurso não é individual tanto pelo fato de que ele se constrói entre, pelo menos, dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; como pelo fato de que ele se constrói como um diálogo entre discursos, isto é, mantém relações com outros discursos”. É por essa razão que os professores entrevistados, ao responderem ao questionário elaborado pelo pesquisador, eles demonstram que suas posições sociais se movem no interior de seus discursos, mostrando que suas respostas não se materializam como professores entrevistados, mas, a partir de posições sociais, tais como: professor universitário, professor estadual, professor pesquisador, dentre outros. O dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, reconhece a necessidade de darmos conta da presença do outro com que uma pessoa está falando, pois, corrobora Barros (2003, p. 02-03), “[...] só se pode entender o dialogismo interacional pelo deslocamento do conceito de sujeito. O sujeito perde o papel de centro e é substituído 159 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... por diferentes (ainda que duas) vozes sociais, que fazem dele um sujeito histórico e ideológico”. Por essa razão que voltamos aqui destacar que é a partir do papel do indivíduo na interação verbal que se constitui a sua posição como “locutor” ou “interlocutor”, já que são posições sempre intercambiáveis. Por conseguinte, a compreensão do sentido e da significação do enunciado perpassa pela questão do dialogismo. A Polifonia entre as Vozes do “Eu” Outra importante noção bakhtiniana estreitamente ligada ao dialogismo denomina-se de polifonia. Na obra Problemas da Poética de Dostoievski, de 1929, foi que Bakhtin usou a palavra polifonia – uma metáfora musical para poder se referir à pluralidade de vozes que podem manifestar-se em uma mesma obra. O autor entende que na obra do escritor russo Dostoievski há a presença de várias vozes e, com isso, parece haver uma impressão de se tratar não de um autor e artista que escrevia novelas e romances, mas, sim, de uma série de discursos filosóficos de vários autores e pensadores. Explica Bakhtin (2005, p. 4): A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoievski. Não é a multiplicidade de caracteres e destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da consciência uma do autor, se desenvolve nos seus romances; é precisamente a multiplicidade de consciências eqüipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade. O diálogo é extremamente importante na construção 160 JONATHAS DE PAULA CHAGURI estrutural do romance de Dostoievski, onde não só encontramos sujeitos falantes, mas, acima de tudo, sujeitos que têm uma ideologia própria e independência do autor, podendo, assim, manifestar livremente suas diferentes visões de mundo (BRAIT, 2009). Pelas características de pluralidade (multiplicidade de vozes) e de alteridade (aceitação e percepção dos valores do outro) que circundam as trocas discursivas, Bakhtin insiste na intertextualidade dos discursos, pela qual todos os enunciados estão marcados por diferentes vozes provenientes de diversos falantes e contextos. O termo “voz” foi escolhido por Bakhtin para se dirigir à consciência falante presente nos enunciados. Uma importante característica da consciência falante configura-se na carga de um juízo de valor, de uma visão de mundo carregada por ela, ou seja, “[...] a emoção, o juízo de valor, a expressão são coisas alheias à palavra dentro da língua, e só nascem graças ao processo de sua utilização ativa no enunciado concreto” (BAKHTIN, 2003, p. 321). O termo voz, nas concepções bakhtinianas, é definido como a personalidade do falante, isto é, a consciência do falante. Assim, portanto, a construção de um enunciado é constituída a partir de determinado ponto de vista por meio de diversas consciências falantes ou vozes. No entanto, ao se referir ao discurso heteroglóssico e/ou polifônico, constituído por diversas vozes, o filósofo r usso nos leva a compreender que essas vozes coexistem nesse discurso advindo de outros tipos de discursos, de outros contextos comunicativos. Para Bakhtin (2006), todo enunciado de um sujeito falante é o local onde as forças se encontram. Os discursos são moldados a fim de que se tornem, em parte, a palavra do sujeito, em parte, a palavra do outro. É pelos discursos utilizados pelos sujeitos falantes que temos o discurso monofônico e o discurso heteroglóssico ou 161 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... polifônico. Na denominação de ambos os discursos, percebemos que o primeiro (monofônico) abafa as outras vozes, já o segundo (polifônico) propicia um entrelaçar de diferentes vozes que o constituem. Há uma pluralidade de vozes no discurso polifônico e elas coexistem pelo caráter dialógico das práticas discursivas, isto é, as relações dialógicas entre discursos são visivelmente perceptíveis. Por outro lado, no discurso monofônico, percebe-se que são ocultadas as relações dialógicas por de trás de um único discurso, ou seja, de uma única voz. A diferença entre o discurso monofônico e polifônico é visivelmente caracterizada em algumas obras literárias de escritores clássicos, como Cervantes, Shakespeare e outros (BRAIT, 2009). Em consonância com os escritos bakhtinianos, podemos identificar alguns indícios do discurso polifônico desses autores clássicos, contudo, é somente em Dostoievski que há afirmação plena da polifonia, já que, nas obras de tais escritores, não há uma polifonia totalmente constituída (BRAIT, 2009). A respeito dessa temática em questão, o filósofo russo diz que [...] é possível observar alguns elementos ou embriões de polifonia nos dramas shakespeareanos. Ao lado de Rabelais, Cervantes, Grimmelshausen e outros, Shakespeare pertence àquela linha de desenvolvimento da literatura européia na qual amadurecem os embriões da polifonia e que, neste sentido, foi coroada por Dostoievski. (BAKHTIN, 2005, p. 34). Junto a Bakhtin, quando se discute a “polifonia”, que é um 162 JONATHAS DE PAULA CHAGURI termo que caracteriza determinado tipo de discurso em que se percebe a multiplicidade de vozes e posições ideológicas que estão presentes no termo (BRIAT, 2009), encontramos, em sua obra Problemas da Poética de Dostoievski (2005), o verdadeiro criador do romance polifônico, ou seja, o criador de um gênero novo, pois a sua obra compõe-se por vozes que mantêm um diálogo com outras de caráter igual. Em outras palavras, os personagens têm a liberdade de se expressarem acerca do mundo a partir do ponto de vista de cada um, podendo ou não harmonizar-se com o autor da obra. Vale ressaltarmos um ponto que julgamos importante quando discutimos polifonia. Indubitavelmente, esse grande filósofo russo jamais pretendeu expressar, em seus estudos, que o conceito de polifonia não ocorreria em outros gêneros discursivos. Ao contrário do que muitas pessoas possam imaginar, quando se discute “polifonia” a partir do romance de Dostoievski, percebemos que Bakhtin tinha a plena consciência da importância desse conceito a fim de não ficar restrito somente a um único gênero. Assim, compreendemos que a polifonia vai além do gênero romanesco e pode ser encontrada em outros gêneros discursivos. A partir das palavras de Bakhtin (2005, p. 173) é que respaldamos nossos apontamentos: A criação do romance polifônico é um imenso avanço não só na evolução da prosa ficcional do romance, ou seja, de todos os gêneros que se desenvolvem na órbita do romance, mas generalizando, também na evolução do pensamento artístico polifônico de tipo especial, que ultrapassa os limites do gênero romanesco. É por esse motivo que há a polifonia em outros gêneros 163 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... discursivos (não sendo o gênero “romance”) apresenta uma relação polifônica e dialógica, visto que todo diálogo é uma construção de enunciados. O pensamento bakhtiniano decorre do pressuposto de que nos constituímos à medida que nos relacionamos com o outro. A questão central de todo o trabalho de Bakhtin reside no fato de que a linguagem é fruto da interação entre sujeitos falantes. O locutor é um sujeito histórico e ideológico, cuja formação não ocorre sem a presença do outro. Por isso é que entendemos que os professores entrevistados, ao respondem às perguntas solicitadas a eles, projetam seu discurso em detrimento de outro, no caso particular deste estudo, o “pesquisador”. É em decorrência da interação dos locutores com o outro que o mundo simbólico vai sendo construído, e, a partir dessa construção, novos enunciados irão se remeter aos enunciados já precedidos anteriormente. Face ao exposto, é que se utilizou a teoria bakhtiniana para compor o quadro teórico do trabalho, como também, o alicerce de análise para os dados, que se corresponde aos sujeitos entrevistados que apresentamos a seguir. Contexto da Pesquisa Para a elaboração deste trabalho, realizaram-se duas entrevistas como coleta de dados. A primeira entrevista foi direcionada para 02 (dois) professores da rede pública estadual de ensino, professores esses que participaram de todo o processo de elaboração das DCE-LEM. A segunda entrevista direcionou-se a 03 (três) professoras assessoras que participaram de algumas etapas do assessoramento teórico e metodológico das DCE-LEM. Os dados foram coletados entre o período de Fevereiro a Junho de 2009. Depois 164 JONATHAS DE PAULA CHAGURI de recebidos os dados, procedemos à análise qualitativa dos dados, com nuances de um estudo de caso. Antes da entrega do instrumento da coleta de dados foi explicado que o objetivo era levantar dados para um estudo que estava sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação Strico Sensu em Educação em nível de Mestrado da Universidade Estadual de Maringá, sob a orientação do Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo. O trabalho tem como objetivo analisar as vozes dos sujeitos entrevistados, a fim de configurar a forma como se correlacionaram as políticas de ensino de língua estrangeira moderna na educação básica da rede pública de ensino do Estado do Paraná. Assim, foi pedida a colaboração dos 05 (cinco) entrevistados. Com relação aos sujeitos desta pesquisa, cumpre-nos retratálos como indivíduos de faixa etária diferenciada, situando-se entre 27 a 52 anos de idade. O nível é socioeconômico médio. Os pseudônimos escolhidos para a identificação dos professores foram: Professor da Rede Pública 1 (PRP1) e Professor da Rede Pública 2 (PRP2), para professores da rede estadual de ensino, lotados em duas escolas estaduais, pertencentes ao Núcleo Regional de Educação de Loanda. Esses professores nos foram indicados pela coordenadora de ensino da área de Língua Estrangeira Moderna do NRE/Loanda, devido ao fato de eles terem participado de todas as fases do processo de elaboração das DCE-LEM. Em relação às Professoras Assessoras das Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira Moderna, os pseudônimos escolhidos foram: Professora Assessora 1 (PA1), Professora Assessora 2 (PA2) e Professora Assessora 3 (PA3). Tais professoras configuram papeis importantes na elaboração das DCELE, pois as entrevistadas participaram em diferentes etapas no processo de construção do documento. É por isso que as escolhemos 165 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... para compor o quadro de entrevistados do trabalho. Sendo assim, foi realizada uma entrevista com dois professores da rede estadual de ensino (PRP) e três professoras assessoras (PA) do Estado do Paraná. Para coletarmos os dados para nossa pesquisa, realizamos uma entrevista aberta e outra fechada, pelas quais foram direcionadas 13 questões para os professores estaduais e 11 questões para as professoras assessoras. Um aspecto importante a mencionar, é acerca da interação entre o pesquisador e os entrevistados. Vale ressaltar que o pesquisador não participou deste estudo como sujeito de pesquisa, por tratar-se de um estudo inicial com foco exclusivo nas respostas dos PRP e das PA que, ao serem analisadas, constituem um indicador inicial das vozes que articularam o processo de elaboração das DCELEM. Ainda esclarecemos que não houve menções traçando paralelos envolvendo pesquisador e sujeitos de pesquisa (PRP e PA). Por conseguinte, em nossa primeira entrevista aberta e fechada com os PRP as perguntas ficaram centradas nas seguintes questões: (1) Qual é a sua idade? (2) Qual é o seu nível de formação? (3) Em que séries está atuando com o ensino de LEM em sua escola? (4) Em qual(is) série(s) da educação básica gosta de atuar com o ensino de LEM? (5) Qual é a importância da LEM no currículo da educação básica? (6) Descreva os procedimentos que você utiliza ao trabalhar com LEM. (7) Em sua opinião, hoje, qual deve ser a finalidade do ensino de LEM na rede pública? (8) Que estratégias você usa para levar o seu aluno a compreender a LEM em suas aulas? (9) Como você qualifica seus alunos quanto à compreensão da LEM que você ensina? (10) Como foi o processo de criação das Diretrizes Curriculares da Educação Básica? (11) O encaminhamento metodológico das DCE-LE está claro para você? Justifique. (12) As políticas públicas para a formação continuada dos professores da 166 JONATHAS DE PAULA CHAGURI rede pública, como simpósios, grupo de estudo, DEB Itinerante, NRE Itinerante e capacitação dentro dos NRE, têm lhe auxiliado a utilizar os princípios adotados pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Línguas Estrangeiras Modernas em sala de aula? (13) Em sua opinião, o que seria o ideal para o ensino de LEM na rede pública do estado do Paraná? Para a segunda entrevista com as PA, as perguntas configuram-se no mesmo plano dos PRP, porém, com algumas questões diferenciais. Assim, as perguntas centram-se nos seguintes questionamentos: (1) Em que ano nasceu? (2) Qual é o seu nível de formação? ( ) Graduado, ( ) Especialista, ( ) Mestre, ( ) Doutor. (3) Por qual instituição de ensino superior você obteve o título supracitado na questão 2? (4) Qual é a importância da LEM no currículo da educação básica? (5) Em sua opinião, hoje, qual deve ser a finalidade do ensino de LEM na rede pública? (6) Como foi o processo de criação das Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira Moderna? (7) Você participou de todo o processo de assessoria nas DCE-LE? Justifique. (8) O encaminhamento metodológico das DCELE é claro para os professores da rede estadual de ensino? Justifique. (9) As políticas públicas para a formação continuada dos professores da rede pública, como simpósios, grupo de estudo, DEB Itinerante, NRE Itinerante e capacitação dentro dos NRE, auxiliam os professores da rede pública com os princípios adotados pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Línguas Estrangeiras Modernas em sala de aula? (10) O governo do estado do Paraná, ao propor um novo documento que rege a prática do professor em sala de aula e apropriação do conhecimento ao aluno, ofereceu caminhos que possibilitem a aquisição/aprendizagem em sala de aula ao professor de LE? (11) Em sua opinião, o que seria o ideal para o ensino de 167 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... LEM na rede pública do estado do Paraná? O que se esperou com essa pesquisa? A partir da delimitação teórico-metodológica é possível constatar o modo como se configuraram as políticas para o ensino de LE no Estado do Paraná. As vozes que permeiam o discurso das DCE-LEM se constituem a partir de outras vozes (polifonia), e essas outras vozes se correlacionam em parte como vozes de pesquisador, de professor-pesquisador, de professor universitário, de professor da rede estadual, de professor PDE, de professor de espanhol, de professor de inglês, de professor de prática e metodologia de ensino e de entrevistado. Isso tudo fica evidente quando recorremos às respostas do PRP1 e PRP2 em diversas questões, e das PA na questão seis, onde foi perguntado a todos como se deu o processo de criação das DCE-LEM:4 PRP1: [...] Foi uma construção coletiva onde [sic] os professores da Rede Estadual participaram efetivamente, colocando suas angústias e necessidades como professores de escola pública que lecionam para turmas heterogêneas com necessidades, desejos e intenções diferenciadas (Resposta da questão seis, citado em CHAGURI, 2010, p. 173, grifo nosso). PRP1: O inglês não é visto mais como sendo a língua somente dos países que a têm como língua 4 Por questões editoriais, achamos por bem não divulgarmos toda a análise do questionário aplicado aos sujeitos entrevistados. O que pretendemos de fato é apresentar o conteúdo completo da análise, aqui sintetizado. Uma consulta pode ser feito em Chaguri (2010) acerca dos dados que compõe originalmente a pesquisa. 168 JONATHAS DE PAULA CHAGURI oficial, dos quais conhecemos mais a Inglaterra e principalmente os Estados Unidos, mas esses países já perderam o controle desse idioma porque ele se tornou o idioma internacional, importante para o mundo inteiro (Resposta da questão cinco, citado em CHAGURI, 2010, p. 169, grifo nosso). PRP2: Bastante confuso... para os professores. Foi iniciado o processo com os professores em 2004. A SEED, na ocasião, já tinha traçado o perfil teórico-metodológico sobre o qual seria elaborada a nova Diretriz. [...] Na ocasião, lembro que alguns professores apresentaram críticas, dizendo que a SEED estava pedindo a opinião dos professores, mas já tinha sua linha teórico-metodológica definida, e apenas queria que os professores a assimilassem e acabassem reproduzindo suas falas de forma a concordar com o que já estava previamente definido, ou seja, os professores estariam apenas ratificando o desejo da SEED. [...] Após todo este processo de discussões, onde [sic] os professores defendiam a necessidade da colocação de conteúdos básicos para cada série e/ou nível e sobre a necessidade de um livro didático de apoio, surge a 1ª versão da DCE escrito [sic] pela SEED, no [sic] qual já não mais reconhecíamos nossas palavras, estavam totalmente diferentes, já havia [sic] adquirido moldes de documento oficial (Excerto da resposta da questão seis, citado em CHAGURI, 2010, p. 173, grifo nosso). PRP2: Atualmente, para mim está bem mais claro. No entanto, ainda tinha inúmeras dúvidas 169 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... antes da realização do PDE, momento em que tive a oportunidade de ler mais, refletir e discutir com colegas de área sobre as DCE. Quanto aos demais professores da rede, acredito que a grande maioria dos professores de LEM se encontram perdidos, sem conseguir compreender realmente as DCE e isto [sic] pode se verificar pela sua prática. Pelo que tenho conversado com professores de LEM de diferentes NRE (por meio do GTR e de cursos), percebo que muitos sentem dificuldade de implementar a teoria na sua prática (Resposta da questão onze, citado em CHAGURI, 2010, p. 174, grifo nosso). PA1: [...] O documento passou a ser redigido por especialistas e técnicos da SEED. PA2: Não saberia avaliar, pois tive contato apenas com o texto já na sua fase de finalização e com alguns professores do Departamento de Ensino Médio, para os quais dei uma consultoria ao início do processo. PA3: Primeira fase, quando ainda havia o DEB e o DEM, foi bastante colaborativa, envolvendo reuniões e seminários com os professores e consultores. Tivemos bastante liberdade para escolher a linha teórica de nossa preferência, mas nenhum contato com as equipes das outras disciplinas, portanto não fazíamos idéia do que estava sendo feito nas outras disciplinas. Apenas ao final do processo pudemos ler os textos produzidos pelas outras disciplinas, que para nossa surpresa não pareciam destoar muito da nossa perspectiva no inglês. É verdade que a SEED mandava orientações novas a cada etapa do processo, exigindo que refizéssemos a estrutura 170 JONATHAS DE PAULA CHAGURI final do texto muitas vezes, inserindo informações ou excluindo, “vetando” o uso de certos termos ou referências diretas a textos específicos que não pareciam ser do agrado do pessoal que conduzia o processo. (Resposta da questão seis, citado em CHAGURI, 2010, p. 177, grifo nosso). Quando essas vozes são condicionadas, pela Secretaria de Estado de Educação – SEED, a participar do processo de elaboração das DCE-LEM, para a construção de uma política educacional que se oriente para um plano coletivo ao ensino de LE, elas em parte carregam em si seus desejos, seus valores e, posteriormente, o Documento inicialmente é configurado por diversos “eus” que fazem do discurso das DCE-LEM um texto tecido por múltiplas outras vozes. No trecho a seguir das DCE-LEM é clara a temática em questão: Durante os anos de 2004, 2005 e 2006, a Secretaria de Estado da Educação promoveu vários encontros, simpósios e semanas de estudos pedagógicos para a elaboração dos textos das Diretrizes Curriculares, tanto dos níveis e modalidades de ensino quanto das disciplinas da Educação Básica. “Sua participação nesses eventos e suas contribuições por escrito foram fundamentais para essa construção coletiva” (PARANÁ, 2008, In: Carta do Departamento de Educação Básica, s/p). As vozes dos professores que participaram da elaboração das DCE-LEM são constituídas por outras diversas vozes, sendo estas, talvez, condicionantes do mesmo enunciado que precede as vozes 171 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... que tecem o “eu” dos sujeitos entrevistados, que também constituem o seu “eu” com sentidos próprios discursivos, fazendo-nos perceber que o texto final das DCE-LEM compõe uma visão sancionada pela Instituição (SEED) em relação a uma política de ensino de LEM. Essa característica se traduz nas respostas dos questionários aplicados aos entrevistados da pesquisa sendo perceptível na voz da PA1 ao se referir ao processo de elaboração das DCE-LEM: Primeiramente é preciso marcar as diferentes etapas que caracterizaram as DCE. Por um lado havia o desejo de incluir o professor no processo, mas posteriormente o documento passou a ser redigido por especialistas e técnicos da SEED. (CHAGURI, 2010, p. 177, grifo nosso). A resposta da PA3 nos mostra que, após ter sancionadas as vozes dos professores da rede pública estadual na elaboração do Documento, o texto das diretrizes curriculares passou a ser redigido por especialistas e técnicos da SEED, tendo então a Secretaria o total controle dos encaminhamentos metodológicos do Documento sem haver a participação coletiva dos professores de LEM da rede estadual de ensino. Mesmo assim, contudo, conforme alega o Documento, o cenário configurado pelo seu texto final é de uma elaboração participativa pelos diversos professores de LEM que integram a rede estadual de ensino do Paraná: Você está recebendo, neste caderno, um texto sobre concepção de currículo para a Educação Básica e as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE) de sua disciplina. “Esses textos são frutos de um longo processo de discussão coletiva, ocorrido entre 2004 e 2008, que envolveu os 172 JONATHAS DE PAULA CHAGURI professores da Rede Estadual de Ensino” e, agora, se apresentam como fundamento para o trabalho pedagógico na escola. (PARANÁ, 2008, In: Carta do Departamento de Educação Básica, s/p). Pelos encontros organizados e ofertados pela SEED (tais como seminários, simpósios, grupo de estudo, DBE-Intinerante, NRE-Intinerante e grupo de estudos), a Secretaria silencia as vozes dos sujeitos participantes do processo de elaboração das DCE-LEM, ao invés de utilizá-las para promover uma proposta educacional que se oriente para uma ação coletiva voltada para a educação do ensino de LEM. Essa constatação se fez perceptível a nós quando realizamos a análise da voz da PA3 da questão nove, questão sobre se as políticas públicas adotadas pelo governo do Estado do Paraná auxiliam os professores da rede pública com os princípios adotados pelas DCELEM em sala de aula: Acredito que não. Ao invés de promover estudos e discussões sobre as diretrizes, esses grupos parecem ter o objetivo de convencer os professores sobre os preceitos ditados nas diretrizes e, assim, não questiona [sic] a proposta educacional e metodológica apresentada, mas sim tenta [sic] impor aos professores novas práticas. (CHAGURI, 2010, p. 179, grifo nosso). É importante ressaltar que, antes de adentrarmos à análise dos dados, junto às asserções teóricas de alguns autores, tais como: Basso (2005), Bohn (1997, 2000), Celani (1997, 2000b) e Gimenez (2005b), já tínhamos alguns indicativos iniciais que nos davam uma orientação de que o processo de elaboração das DCE-LEM não viabilizava um educar que se pautasse em um caráter emancipador 173 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... político pelo idioma que seria a LEM, já que as ações educacionais, no cerne do Documento, encontravam-se já sublinhadas de forma autoritária no processo de elaboração dele, dando-nos indícios claros por meio de duas, das vozes entrevistadas. PA1: Em relação à última versão: encaminhamento metodológico padrão não fazia parte do escopo do texto. PA3: De maneira alguma. O texto inicial, que acompanha todas as disciplinas, é inconsistente com a abordagem proposta para LE – o referido texto advoga um retrocesso no trabalho significativo com a LE, colocando-se abertamente contra o cruzamento das fronteiras disciplinares (o texto afirma que cada disciplina tem um objeto de estudo, e que este objeto de estudo deve ser tratado DENTRO desta disciplina), em prol de um ensino conteudista e uma educação transmissiva. (CHAGURI, 2010, p. 178). Para que as DCE-LEM assumam caráter de um documento que se preocupe com as questões políticas no ensino de uma LEM, o documento supracitado teria que ser constituído por discursos, isto é, composto por outras vozes participantes de um contexto enunciativo concreto que não abafassem os sentidos dos “eus” discursivos dos entrevistados durante a elaboração do Documento. Ao contrário disso, as vozes, ao se instaurarem em uma relação dialógica e polifônica, fossem além das vozes remanescentes de outros discursos atravessados por valores, que, conforme as asserções bakhtinianas, se materializam na infinita cadeia de enunciado. 174 JONATHAS DE PAULA CHAGURI Considerações Finais Em face de tudo que foi aqui discutido, à guisa de fechamento deste estudo, procuramos examinar o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira Moderna, a partir das vozes que articularam todo o processo de confecção de tal Documento, sempre guiados por uma literatura homogênea e um dispositivo teórico que nos possibilitaram reconhecer que a visão oficial das diretrizes curriculares, na verdade, é multifacetada, ou seja, a criação do Documento não expressa uma construção coletiva e deliberada pelos professores da rede estadual de ensino e pelas professoras assessoras que tiveram suas vozes sancionadas pela Instituição, neste caso, o governo do Estado do Paraná por meio da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Assim, concluímos que, durante todo o momento de construção das DCE-LEM, a SEED manteve sua voz no cerne da elaboração do Documento, e essa voz também se fez presente nos cursos de capacitação continuada para os professores da rede estadual, na medida em que houve a autorização dessa Instituição para o oferecimento dos cursos. Nessa perspectiva, não só no Documento, mas nos cursos de atualização para professores, a voz do sujeito que mantém os efeitos de sentido do discurso só se fez perceptível ao se conceber o dialogismo como o espaço interacional entre o eu e o tu a partir dos questionários aplicados aos sujeitos entrevistados, e da configuração polifônica desses “eus” que passam a constituir as outras vozes na relação dialógica oriundas das experiências sócio-históricas desses sujeitos (PRP e PA). Infelizmente, ainda não se estabeleceu uma articulação política do ensino de LE entre população em geral, legisladores e comunidade 175 As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna... acadêmica com o propósito de se produzirem discursos e práticas significativas, para criação e/ou efetivação de uma política educacional consistente que centre seus objetivos e compactue de uma mesma linguagem entre os sujeitos que compõem esse cenário. Só será possível estabelecer uma for mação e capacitação de professores tornando viável um programa de política de ensino de LE que seja capaz de construir uma orientação nacional coletiva na área da educação de língua estrangeira moderna. Referências ALMEIDA FILHO, J. C. P. Por uma política de ensino de (outras) línguas. Revista Trabalhos em Lingüística Aplicada. v. 37, n. 4, p. 103-108, 2001. ______. O ensino de línguas no Brasil de 1978. E agora? Revista Brasileira de Lingüística Aplicada no Brasil. v. 1, n. 1. p. 15-29, 2006. 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Existe uma Política de Ensino-Aprendizagem de Língua Estrangeira para Criança? In: TONELLI, J. P; CHAGURI, J. P. (Orgs.). Ensino de Línguas Estrangeiras para Crianças: o ensino e a formação em foco. Curitiba: Appris, 2011. GIMENEZ, T. Línguas estrangeiras modernas: questões para eebate. In: PARANÁ/SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná. Curitiba: Secretaria do Estado do Paraná, (Versão Preliminar). 2005a. p. 168-173. ______. Políticas governamentais, mídias e o ensino de língua estrangeira. In: GIMENEZ, K, M. P. (Org.). Contribuições na área de línguas estrangeiras. Londrina, PR: Moriá, 2005b. OLIVEIRA, Ê. Políticas de ensino de línguas estrangeiras em escolas públicas do Estado de São Paulo. 2003. 154 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento de Educação Básica. Diretrizes 178 JONATHAS DE PAULA CHAGURI Curriculares da Educação Básica: língua estrangeira moderna. Curitiba: SEED, 2008. SANTOS, K. C. Construção multicultural: reflexões sobre políticas alternativas para o ensino de língua estrangeira. 2002. 151 f. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia Letras, e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. SOUZA, S. A. F. O movimento dos sentidos sobre línguas estrangeiras no Brasil: discurso, história e educação. 2005. 338 f. Tese (Doutorado em Lingüística) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 179 180 ESTUDOS SOBRE POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS ADOTADAS NOS PROGRAMAS DE EXCELÊNCIA (CAPES, TRIÊNIO 2010) REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS ANAJARA GUERTLER Introdução Na área da Educação, inúmeros pesquisadores têm realizado estudos com o propósito de analisar o movimento, de largo espectro, de reformas e políticas no campo educacional, inaugurado na década de 1990 e consolidado neste início de século, no Brasil. Esse movimento tem gerado impactos no horizonte educacional brasileiro e preocupações por parte da comunidade científica e acadêmica, dados os processos de: aligeiramento da formação; indução de uma política nacional de avaliação em todos os níveis de ensino e expansão e diversificação desordenada da oferta, notadamente no ensino superior e na modalidade da Educação a Distância. A pós-graduação não se mantém alheia a esse cenário e dele participa instaurando debates e pesquisas que possibilitem compreender a complexidade das políticas instituídas e sua repercussão no âmbito educacional. Afinal, o debate sobre políticas públicas em Educação e a conseqüente produção do conhecimento sobre o tema alcança as esferas sociopolíticas, culturais e 181 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... educacionais, sobre elas repercutindo e demandando o aprofundamento dos estudos nessa área, visando a uma apreensão mais ampla e profunda desse fenômeno. Nessa perspectiva, o presente trabalho1 insere-se no universo da pós-graduação stricto-sensu – mestrado e doutorado – para analisar os estudos sobre as políticas públicas em Educação nesse nível de ensino. Buscou-se evidenciar as concepções e os autores privilegiados na formação dos pesquisadores em educação, no que se refere ao tema em análise. A partir desse locus particular, foram selecionados como objeto do estudo os Programas de Pós-Graduação em Educação – PPGE considerados de excelência e com nível de inserção internacional na avaliação continuada da CAPES, no período de 2004-2006. Examinaram-se as estruturas curriculares dos programas selecionados – disciplinas, ementas e bibliografias – evidenciando os conceitos privilegiados, as ideias e as posições dos autores sobre as políticas educacionais. Quando se trata da formação do pesquisador, em Programas cuja produção científica apresenta alto nível de inserção e representatividade na comunidade científica da área, é relevante a análise dos conhecimentos e interlocutores teóricos que subsidiam essa formação e contribuem para elevar os Programas ao nível de importantes centros internacionais de ensino e pesquisa. 1 Este trabalho refere-se a um capítulo do relatório da pesquisa intitulada FORMAÇÃO DE PESQUISADORES NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: principais conceitos, autores e obras estudados nos programas de excelência (CAPES 2004 – 2006) subsidiada financeiramente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, edital Universal, Processo n. 2008 476756/2008-1 e pelo Programa de Bolsas de Iniciação Científica – ProBIC da Universidade do Vale do Itajaí. 182 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER Em face da problemática apresentada nesse campo, pareceu relevante indagar: - Quais são os conceitos, autores e obras que norteiam a formação do pesquisador nos Programas de Pós-Graduação selecionados, notadamente no que se refere ao estudo das políticas educacionais? - Quais são as possíveis aproximações e os distanciamentos existentes entre teorias e teóricos estudados? Essas e outras indagações têm sido objeto de estudo do grupo de pesquisa “Políticas Públicas de Currículo e Avaliação”. da Universidade do Vale do Itajaí, grupo que reúne pesquisadores e alunos envolvidos em investigações que guardam forte interface com as questões das políticas públicas em educação. O universo das pesquisas desenvolvidas pelo grupo é o da produção do conhecimento no ensino superior, particularmente na pós-graduação; o das políticas públicas para a educação, com ênfase na formação de professores e pesquisadores; e o da compreensão das múltiplas facetas e redefinições do conceito de conhecimento que elas expressam e veiculam. Nesse trabalho evidenciam-se: o processo teóricometodológico empreendido na investigação; o perfil curricular dos Programas avaliados; e os principais conceitos, autores e obras que norteiam a formação do pesquisador nos Programas de PósGraduação, notadamente no que se refere ao estudo das políticas educacionais nas disciplinas com essa denominação. Procedimentos metodológicos O desdobramento do estudo foi conduzido simultaneamente em três frentes: 1) Reuniões de nivelamento e Seminários no grupo de Pesquisa: discussão das atividades do grupo de pesquisa, definição das 183 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... estratégias de trabalho, estudo sobre a política de Avaliação da PósGraduação e discussão do referencial teórico e metodológico. Nesse âmbito realizaram-se estudos sobre as principais questões em debate na análise de Políticas, a política de Pós-Graduação no Brasil, o papel da avaliação nesse processo, notadamente a partir de 1996 quando se implantou a avaliação continuada e o seu direcionamento no período 2005 a 2010. 2) Pesquisa Documental: tabulação e análise de conteúdos dos documentos disponíveis no site da CAPES – Avaliação/Cadernos de Indicadores. Foram coligidos dois tipos de cadernos preenchidos pelos Programas: Caderno das disciplinas e Cadernos com a Proposta do Programa em cada um dos anos analisados (2004; 2005; 2006). 3) Pesquisa bibliográfica: visando o embasamento das análises necessárias ao desenvolvimento da pesquisa. Entre os autores estudados situam-se: Sousa; Bianchetti (2007); Kuenzer; Moraes (2005; 2002), Moraes (2001), Horta; Moraes (2005); Mainardes (2006), Ludke (2005), Cury (2010). População e Delimitação do estudo Os Programas de Pós-Graduação em Educação avaliados pela CAPES com nota seis (6) na avaliação trienal 2007 foram: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS). 184 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER Coleta e análise de dados Os procedimentos de aproximação e análise da empiria foram assim sistematizados: a) Análise e discussão das propostas dos programas selecionados (história, objetivos, linhas de pesquisa, base curricular e pontos fortes). b) Leitura prévia das disciplinas cadastradas no DataCAPES e divulgadas nos Cadernos de Indicadores para uma primeira classificação ou descrição das evidências mais significativas. c) Tabulação dos dados em planilha eletrônica Excel destacando as disciplinas e ementas que tratavam de políticas públicas em educação. d) Análise da planilha no sentido de “rastrear a conexão íntima” dos dados. Nessa etapa destacaram-se as palavras-chave das ementas e as categorias de menor e maior complexidade, assim como os autores e obras listados nas referências das disciplinas, por meio de tabela dinâmica e análise de conteúdo. e) Sistematização e aprofundamento das análises estabelecendo correlações com o referencial teórico estudado e outros autores e obras evidenciados na análise da empiria. Estrutura curricular dos Programas de Pós-Graduação de Excelência em Educação na Avaliação da CAPEs – triênio 2004-2006. A análise dos documentos “Proposta dos Programas – PO” permitiu construir um breve perfil da estrutura curricular dos programas selecionados (UFMG, UERJ, PUC-RIO, UFRGS, 185 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... UNISINOS) de modo a compreender como se tornaram importantes centros internacionais de ensino e pesquisa. Considerou-se que a discussão desse perfil permitiria identificar, com mais clareza, a composição do corpus disciplinar que dá sustentação à formação do pesquisador, especialmente no que se refere aos estudos sobre políticas públicas. Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da UFMG Criado em 1971, o Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de Educação da UFMG (Mestrado e Doutorado) tem por objetivo “[...] promover a formação de mestres e doutores em educação consoantes com princípios de inclusão social e de construção de uma escola pública democrática” (BRASIL, 2006a, p. 1). No período avaliado, a estrutura curricular do Programa esteve organizada em dois campos: Educação e processos de produção e de socialização do conhecimento educacional; Organização do trabalho pedagógico e desenvolvimento de práticas educativas. O primeiro vincula-se à aquisição de conhecimentos específicos nas diferentes áreas que configuram os saberes e práticas escolares, em múltiplos espaços educativos. O segundo, por sua vez, busca fundamentar investigações na área das políticas educacionais, da história da educação, das práticas e culturas escolares, das relações entre trabalho, tecnologia e educação, das ações coletivas e educativas que ocorrem em espaços escolares e não escolares. Entre as disciplinas obrigatórias para mestrandos e doutorandos destacam-se: Tendências do Pensamento Educacional; Metodologia de Pesquisa; e Tópicos Avançados de Pesquisa. A 186 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER primeira discute as principais tendências do pensamento educacional no nível local, nacional ou internacional; as demais discutem um amplo espectro de questões epistemológicas e paradigmáticas que orientam as pesquisas na área de Ciências Humanas. O Programa estruturou-se em três linhas de pesquisa: Espaços Educativos: produção e apropriação de conhecimento; Políticas Públicas e Educação; Sociedade, Cultura e Educação. Como se observa, o Programa da UFMG definiu como um dos eixos estruturais de suas linhas de pesquisa as políticas públicas e educação. Na sua estrutura curricular, o estudo das políticas se desenvolve principalmente na disciplina obrigatória: Tendências do Pensamento Educacional. Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da PUCRio O curso de Mestrado em Educação da PUC-Rio foi pioneiro no país (1966) e o doutorado, por sua vez, iniciou em 1976: “Até o final de 2004, o Programa formou 65 doutores e 566 mestres, muitos dos quais ocupam posições estratégicas em universidades públicas e privadas, inclusive à frente de Programas de Pós-Graduação, e no âmbito da gestão estatal” (BRASIL, 2006b, p.1). São quatro as linhas de pesquisa do Programa: Formação de Professores: tendências e dilemas; Educação, Relações Sociais e Construção Democrática; Processos Culturais, Instâncias de Socialização e Educação; História das Ideias e Instituições Educacionais. A estrutura curricular do programa no Mestrado está organizada em disciplinas obrigatórias: Pesquisa Educacional I, Pesquisa Educacional II, Educação Brasileira. No Doutorado são 187 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... obrigatórias: Trabalho Supervisionado em Pesquisa; e Questões Atuais de Educação. Para ambos são também obrigatórias as matérias de fundamentação, como: História de Educação Brasileira, Filosofia da Educação I, Filosofia da Educação II, Sociologia da Educação I, Sociologia da Educação II, Antropologia e Educação, Psicologia da Educação I, Psicologia da Educação II, Política e Educação. No que se refere ao estudo das Políticas Públicas nesse programa observou-se a presença da temática como disciplina obrigatória para o mestrado e o doutorado. Também na disciplina de Educação Brasileira essa temática é estudada. Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da UFRGS O PPGE da UFRGS existe desde 1972 e suas linhas de pesquisa organizam-se em três eixos temáticos: 1: Conhecimento, subjetividade e práticas educacionais; 2: Políticas de formação, políticas e gestão da educação; 3: Cultura, currículo e sociedade. O Programa apresenta uma estrutura curricular flexível, sem disciplinas obrigatórias, com base em espaços indiferenciados entre os Cursos de Mestrado e Doutorado. O currículo desenvolve-se por meio de Disciplinas, Seminários, Práticas de Pesquisa, Leituras Dirigidas e Ciclos de Palestras. As atividades curriculares são amplas e distribuídas nos dois semestres letivos: em 2004, 170; 2005, 162 e em 2006, 155. Essa oferta curricular geralmente resulta da livre proposição das Linhas de Pesquisa, a partir de consensos dos docentes e dos objetivos e necessidades destas. De acordo com o Programa (BRASIL, 2006c, p. 2), “[...] a diversidade altamente polifônica, gerada em termos de conteúdos, 188 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER resultados de pesquisa e de reflexão, permite contemplar a construção de percursos singulares por parte de cada aluno do Programa”. A distinção da oferta curricular entre os níveis de Mestrado e Doutorado ocorre pela avaliação do desempenho, que prevê níveis diferenciados de exigência. As discussões e os aprofundamentos sobre as políticas públicas, no entanto, foram contempladas com ofertas de inúmeras disciplinas na área e com a definição de um dos eixos temáticos na linha de pesquisa: Políticas de Formação, Políticas e Gestão da Educação. Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da UNISINOS O PPGE da UNISINOS existe desde 1994. Em 2006, o Programa realizou mudanças nas linhas de pesquisa, a saber: 1. Educação, História e Políticas; 2. Práticas Pedagógicas e Formação do Educador; 3. Currículo, Cultura e Sociedade; 4 Educação e Processos de Exclusão Social. A base curricular apresenta a seguinte configuração: - Núcleo Básico com seminários obrigatórios para o mestrado: Questões Epistemológicas e Educação; Educação Básica no Brasil; Pesquisa e Problemas em Educação; - Núcleo Específico, com atividades curriculares relacionadas às Linhas de Pesquisa; - Atividades curriculares em Seminários Temáticos, Leituras Dirigidas e Práticas de Pesquisa; - Núcleo Complementar, conforme o interesse de estudo do corpo discente e as possibilidades de oferta do Programa. No doutorado, a configuração curricular busca a interação entre as dimensões teórica e empírica, nos Seminários de Tese I, II e 189 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... III, Seminários de Prática Educativa e Mediação Empírica I e II e Seminários Avançados I e II. Nesse Programa, o estudo sobre políticas públicas evidenciase na linha de pesquisa: Educação, História e Políticas, bem como em algumas disciplinas que compõem o Núcleo Básico e Específico de atividades curriculares. Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da UERJ O PPGE da UERJ iniciou o Mestrado em 1979 e em 2002, o doutorado. Apresenta ele as seguintes linhas de pesquisa: Conhecimento, Autonomia e Participação; Cotidiano e Cultura Escolar; Educação Inclusiva e Processos Educacionais; Infância, Juventude e Educação; Instituições, Práticas Educativas e História. Sua organização curricular encontra-se assim articulada: 1. Construção temática comum: no mestrado: Fórum de Pesquisa I; Estatuto Filosófico da Educação; Educação, Cidadania e Exclusão. No doutorado: Fórum de Pesquisa II. 2. Integração às problemáticas específicas: no mestrado Seminário de Consolidação Temática e no doutorado Seminário de Tematização. 3. Integração às pesquisas: consiste no desenvolvimento conjunto de pesquisa institucional diretamente vinculada aos projetos de dissertação e tese dos alunos. 4. Integralização curricular: atividades eletivas variadas com temáticas específicas do campo da educação ou afins. No PPGE da UERJ o estudo das políticas públicas se efetiva no interior das disciplinas que compõem o núcleo de Construção Temática Comum e no núcleo de Integração às problemáticas específicas. 190 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER Políticas Públicas em Educação: principais conceitos discutidos nos programas de excelência A descrição da estrutura curricular dos Programas analisados evidenciou que os estudos sobre políticas públicas em educação ocupam lugar de destaque, tanto nos eixos centrais das linhas de pesquisa, como nas disciplinas consideradas obrigatórias. Uma leitura prévia das disciplinas catalogadas permitiu mapear as disciplinas que evidenciavam a palavra-chave política, isso já na sua denominação. Foram identificadas 38 disciplinas com essas características, sendo que 19 eram do PPGE da UFRGS; quatro da PUC-Rio; cinco da UERJ, quatro da UFMG; e seis da UNISINOS. No PPGE da UFRGS observou-se maior número de disciplinas ofertadas (19) e com significativa carga-horária. Verificouse também que as denominações, assim como os enfoques das disciplinas, apresentam expressivas mudanças de um ano para o outro, denotando um movimento do Programa no sentido de atualizar a temática e diversificar sua abordagem. Todas, porém, situam-se no âmbito das discussões das macropolíticas e sua relação com o papel do Estado. A leitura atenta das ementas das 19 disciplinas evidenciou que, no Programa da UFRGS, as várias abordagens adotadas para o estudo dessa temática inserem-se em três grandes eixos: 1. Pesquisas em políticas públicas: destacaram-se as disciplinas que enfatizam: a pesquisa em políticas públicas de educação, com ênfase na reflexão sobre Política Pública, Política Social, Descentralização e Direito à Educação; a Pesquisa em temas de Política educacional estabelecendo relações entre as redefinições do papel do Estado e a política educacional; as abordagens que visem à construção de metodologia de avaliação de políticas; 191 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... as pesquisas com temáticas do financiamento, avaliação e controle social das políticas públicas de educação no Brasil e na América Latina². 2. Contextos políticos e econômicos: nesse eixo privilegia-se a discussão da política em nível macrossocial e relacionada às transformações no capitalismo e nas formas de intervenção do Estado; às influências do estamento burocrático na definição, implantação e implementação de políticas públicas de educação no Brasil; estudos sobre federalismo brasileiro, descentralização e centralização das políticas sociais e educacionais e suas relações com as políticas públicas de financiamento da Educação. 3. Modalidades de políticas: discussão de políticas específicas dos diferentes âmbitos e modalidades de Educação: políticas de educação profissional no Brasil, governamentais e não governamentais [...]; políticas públicas que envolvem trabalho-educação-saúde. Evidencia-se, nesses eixos, uma concepção de política direcionada para a noção de Estado e Política nos campos econômico, social e educativo e, de modo concomitante, a discussão da produção do conhecimento sobre o tema na perspectiva crítica. Significa assumir que os estudos sobre políticas, notadamente no âmbito da pós-graduação, não podem ignorar o amplo debate acerca do que Ball (2004, p. 1106) chama de “acordo político do Pós-Estado da Providência”, e as relações no interior desse acordo. Ou seja, não pode ignorar as mudanças nos papéis do Estado – de provedor a regulador – do capital, das instituições do setor público e ² A partir de então, as palavras apresentadas em itálico serão empregadas para destacar o texto ou os fragmentos de texto retirados da empiria 192 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER dos cidadãos. Trata-se de compreender essa mudança como uma passagem gradativa da maximização geral do bem-estar para a maximização da performatividade e da lucratividade, no setor privado e público. Por outro lado, é a atividade de pesquisa e de análise das pesquisas realizadas que possibilita ao pesquisador em formação ter consciência de que “[...] a mudança, mais do que algo que ocorre ‘de uma vez e por todas’, é um processo de contínua fricção, de uma mistura do desenvolvimento/incremento de grandes e pequenas mudanças que são numerosas e díspares” (BALL, 2004, p. 1108). No PPGE da UFMG observou-se que em 2004 não houve registros de oferta de disciplina cujo titulo indicasse o termo política. Em 2005 e 2006, por sua vez, a oferta da disciplina vinculou-se aos eixos de Tendências do Pensamento Educacional e Processos e Discursos Educacionais, acompanhando as mudanças ocorridas no programa nesse período. No eixo dos Processos e Discursos Educacionais discutiu-se a educação superior no contexto das políticas educacionais. Trabalho, teoria e método. Tópicos, teorias metodológicas, política, trabalho e educação. Seminário de políticas públicas. Cada um desses itens foi apresentado como subtítulos da disciplina Processos e Discursos Educacionais e cada qual com professor e carga horária específicos de 45 horas/aula. Os subtítulos não apresentavam detalhamento da ementa. No eixo das Tendências do Pensamento Educacional – em 2005 e 2006 – ocorreu o mesmo procedimento. Na definição há subtítulos, cada qual com professor e carga-horária (60h/a) específicos. Entre eles encontra-se o subtítulo de Políticas Públicas, sem detalhamento de ementa. No programa da PUC-Rio a oferta manteve-se estável, porém houve um desdobramento dos estudos em duas disciplinas. A 193 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... primeira, Política e Educação, com enfoque mais amplo, direcionado para o estudo dos paradigmas analíticos sobre políticas, e a segunda, Política e Educação Brasileira (2006), para o estudo de experiências e propostas de políticas educacionais no âmbito brasileiro. Na disciplina de Política e Educação observaram-se três eixos de análises: 1. Paradigmas de análise em políticas sócio-educacionais: funcionalistas; conflitualistas e neomarxistas [...] em especial face às crises da social-democracia e do neo-liberalismo; 2. Quadros de referência em políticas sócio-educacionais: aplicáveis ao contexto de federalismo e pluralismo político-ideológico das sociedades política e civil brasileiras, e com base em recursos disponibilizados por múltiplas fontes de dados; 3. Revisões críticas de projetos político-educacionais: implementados nas décadas de 1990 – 2010 pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, agências e instâncias nacionais e internacionais, a partir de suas matrizes político-ideológicas. Na disciplina Política e Educação Brasileira, oferecida em 2006, tomam-se os conceitos e temas da ciência política para a análise da educação e das instituições educacionais. São priorizadas cinco ideias-chave do pensamento político – Estado, Sociedade Civil, Instituições, Políticas e identidade – para o estudo de experiências e propostas educacionais: (1) Estado como instância de poder mobilizado por interesses de indivíduos e grupos; (2) Sociedade Civil como processo e estrutura fundamental das instituições formais da vida política; (3) Instituições como expressão de interesses políticos na sociedade; (4) Políticas como conjunto de decisões e ações que expressam interesses coletivos e como processo de agregação e conformação de interesses de indivíduos e grupos; (5) Identidade como força que conforma o comportamento político de indivíduos e grupos. 194 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER A análise desses eixos evidencia a busca do Programa (PUCRio) por maior aprofundamento e desenvolvimento teórico do objeto, aliado ao domínio e à compreensão dos embates existentes nas discussões teóricas sobre políticas e sua complexa relação com a realidade social. No Programa de UERJ, o tema Política, Filosofia e Educação manteve-se com a proposta de discutir as relações entre filosofia, política e educação, indagando o sentido da educação como uma prática política e a política pensada filosoficamente. Em 2005 e 2006, a disciplina Políticas de Currículo passou a compor o conjunto de disciplinas direcionadas para a área. Buscou analisar as políticas de currículo na perspectiva da recontextualização por hibridismos; a ação de agências de fomento; as relações não verticalizadas entre escola, mercado e Estado; a micropolítica nas escolas; as políticas de currículo em contextos disciplinares. Diferentemente do Programa da UFRGS, que ampliou o campo de abordagem das políticas a cada ano do triênio, o Programa da UERJ manteve um núcleo sistemático de estudos com foco na abordagem filosófica e econômico-social do tema. Trabalhou no sentido de compreender as relações entre os contextos macro e micropolítico, as disputas e embates em arenas, lugares e grupos de interesse que envolvem cada um deles. A UNISINOS evidenciou um decréscimo na oferta de disciplinas de políticas no período avaliado. O programa iniciou em 2004 com três disciplinas, duas em 2005 e uma em 2006. Duas das oferecidas em 2004 continham, no entanto, a mesma ementa, apesar de apresentarem nomes diferenciados - LPI Políticas Públicas; Cidade Infância e LPI Políticas Públicas e Cidadania Experiências de Participação Social – e serem oferecidas no primeiro e segundo semestre, respectivamente. 195 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... Essas disciplinas dedicaram-se ao estudo do conceito de política na perspectiva da democracia e cidadania. Sua ementa propunha o estudo das experiências inovadoras de participação ativa na sociedade na busca de construir alternativas via a educação para reinventar a cidadania. Análise de experiências de participação cidadã a partir do Orçamento Participativo de Porto Alegre e de Belo Horizonte. Os desafios da participação na construção de uma cidade educadora. A disciplina Escola Básica, História e Política Educacional (2004) discutiu: Políticas Públicas e Estado; Relações Estado & Sociedade; Relações entre Movimentos Sociais, Identidades e Culturas, História e Educação. Nos anos de 2005 e 2006, o Programa da UNISINOS ampliou seu enfoque de discussão, direcionando as disciplinas para duas vertentes intimamente articuladas: 1. Referenciais analíticos de políticas educacionais: pautados na abordagem do “ciclo de políticas” que visa a análise das políticas no sentido de compreender as diferentes fases de formulação e do movimento de articulação e rearticulação de grupos frente a políticas de educação no Brasil. Nessa abordagem são considerados o contexto amplo de influência em que os discursos são construídos, o contexto de produção dos textos em que o poder central se faz interveniente e o contexto da prática. 2. Estado, Globalização e Políticas Educacionais: nessa vertente discutem-se: as implicações da redefinição do papel do Estado para a análise das políticas educacionais; o Estado e as Teorias do Estado: do Estado-Providência ao Estado Neoliberal. Nessas duas vertentes observa-se uma articulação no sentido de discutir as políticas desde uma concepção abrangente, analítica e metodológica. Evidencia-se, nessa postura, uma opção pela abordagem do “ciclo de políticas” formulada pelo sociólogo inglês 196 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER Stephen Ball e por colaboradores (Bowe; Ball; Gold, 1992; Ball, 1994) e utilizada, na última década, no Brasil como um referencial para analisar a trajetória de políticas sociais e educacionais. Mainardes (2006, p. 49) afirma que “[...] essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da política educacional, enfatiza os processos micropolíticos [...] e indica a necessidade de se articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais”. Considera o autor que, no contexto brasileiro, poucos autores têm discutido ou buscado delinear referenciais analíticos mais específicos para a pesquisa de políticas públicas; proposta que tem se mostrado profícua para esse propósito. As possibilidades de análise vislumbradas em relação às disciplinas de Políticas no interior dos Programas demonstraram as concepções e os eixos teóricos e metodológicos que orientam o debate sobre o tema nos principais centros de investigação e formação do pesquisador no Brasil. Essas concepções, todavia, conduziram à segunda etapa da investigação no sentido de identificar os principais autores e obras que mediaram esses estudos. Os principais autores que mediaram os estudos sobre Políticas Públicas em Educação Os eixos de estudo das políticas identificados na análise das disciplinas oferecidas pelos Programas no período 2004-2006 orientaram o mapeamento dos autores mais estudados sobre o tema. Vale enfatizar que o número e a diversidade de autores é significativo e, por essa razão, enfatizam-se os mais citados nas referências. Tomouse como ponto de corte aqueles que apresentaram duas ou mais 197 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... AUTORES OBRAS UFRGS AFONSO, José R. et alii (3) Brasil, um caso à parte; Descentralização Fiscal e Participação em Experiências Democráticas Retardatárias. ALMEIDA, Maria H. T. de (2) Recentralizando a federação? (em2 disc.); ARRETCHE, Marta (2) Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia; Relações federativas nas políticas sociais. AZEVEDO, Janete M. L. de (2) A educação como política pública (em2 disc.); BOBBIO, Norberto (3) A era dos direitos; Dicionário de Política; Descentralização e Centralização CHESNAIS, François (2) A finança mundializada (em2 disc.). CORTESÃO, Luiza; MAGALHÃES, Antonio M.; STOER, Stephen R. (2) Mapeando decisões no campo da educação no âmbito do processo da realização das políticas educativas (em2 disc.) CURY, Carlos A. J. et alii (4); Ideologia e educação brasileira, católicos e liberais; Legislação educacional brasileira. Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de Educação. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais. CUNHA, Luís A. et alii (3) Educação e desenvolvimento social no Brasil; Educação, Estado e democracia no Brasil. Ogolpe na educação. GENTILI, Pablo e FRIGOTTO, Gaudêncio (2) A Cidadania Negada - Políticas de exclusão na educação e no trabalho (em2 disc.). 198 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER LAVAL, Christian (2) A escola não é uma empresa. O neoliberalismo em ataque ao ensino público (em 2 disc.) LOBO, Theresa (3) Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental (em 3 disc.). LUCE, Maria B. M. et alii (6) La evaluación y acreditación de la Educación Superior en Brasil. Administração da educação: polêmicas e ensaios da democratização. O novo ordenamento constitucional legal e institucional e a educação. A organização da educação - qual educação? direito de quem? dever de quem. Definição e gestão da política nacional Educação e Constituinte; Diversidade e Diferenciação do Público e do Privado na Educação Superior no Brasil. MAINARDES, Jefferson (2). Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais (em 2 disc.). MONTAÑO, Carlos (2) . Terceiro Setor e questão social crítica ao padrão emergente de intervenção social. (em 2 disc.). PERONI, Vera et alii (2) O público e o privado na educação: interfaces entre Estado e Sociedade; Política educacional e papel do Estado no Brasil dos anos 90. REZENDE, Fernando et alii (2) Descentralização e Federalismo Fiscal no Brasil: desafios da Reforma Tributária; Brasil: o estado de uma nação. SANTOS, Boaventura de S. (4) Globalização: fatalidade ou utopia? Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.Pela mão de Alice, o social e o político na pós-modernidade SALLUM Jr. Brasilio (2) Federação, autoritarismo e democratização (em 2 disc.) WOOD, Ellen M. (2) Democracia contra o capitalismo - a renovação do materialismo histórico (em 2 disc.) PUC-Rio BALL, Stephen (2) “Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar” (em 2 disc.) BOBBIO, Norberto (2) Estado, Governo e Sociedade. Para uma teoria geral da política; Liberalismo e Democracia FRANCO, Creso e BONAMINO, Alicia (2). Pesquisa sobre característica de escolas eficazes no Brasil; Os efeitos das diferentes formas de capital no desempenho escolar: um estudo à luz de Bourdieu e de Coleman. 199 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... HABERMAS, J. (2) Três M odelos Normativos de Democracia. In: A Inclusão do Outro: Estudos de Teoria Política; Sobre a coesão interna entre Estado de direito e democracia (2) UERJ BADIOU, Alain (4) Conferências de Alain Badiou no Brasil. Se puede pensar la política? Qué es la política? La ética y la cuestión de los derechos humanos(4). BERNSTEIN, Basil (2) A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle; Pedagogía, control simbólico e identidad LOPES, Alice C. MACEDO, Elizabeth et alii (7) Currículo de ciências em debate; Competências na formação de professores: o que (não) há de novo; Disciplinas e integração curricular: história e políticas;. Competências na organização curricular da reforma do ensino médio; Currículo, práticas pedagógicas e identidades; Parâmetros curriculares nacionais: a falácia de seus temas transversais; Disciplinas e integração curricular: história e políticas MOREIRA, Antonio F. B. (2) Os parâmetros curriculares nacionais em questão; A psicologia... e o resto: o currículo segundo César Coll. UNISINOS AZEVEDO, Janete M. L. de (2) A educação como política pública; Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. AFONSO, Almerindo (3) Estado, mercado, comunidade e avaliação: esboço para uma rearticulação crítica; Avaliação educacional: regulação e emancipação; Reforma do Estado e políticas educacionais: entre a crise do estadonação e a emergência da regulação supranacional. BALL, Stephen (2) Cidadania global, consumo e política educacional (em duas disc.) CURY, Carlos J. (2) Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional da Educação; Gestão democrática da educação: exigências e desafios. DAVIES, Nicholas (3) O FUNDEF e o orçamento da educação; O Fundef e as verbas da educação; Conselhos do FUNDEF – a participação impotente. SAVIANI, Dermeval et alii (3) O Legado Educacional do Século XX no Brasil; Da Nova LDB ao Plano Nacional de Educação: por uma outra política educacional. Sistemas de Ensino e Planos Estaduais de Educação: o âmbito dos municípios. TEODORO, António (2) Globalização e Educação – Políticas Educacionais e Novos Modos de Governação; Políticas Educacionais: A Transdisciplinaridade de um Campo de Estudo 200 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER incidências em cada um dos programas analisados. O Quadro 1 apresenta os autores e obras destacados nas disciplinas de Política: A análise das ementas das disciplinas de Políticas do PPGE da UFRGS revelou três eixos norteadores dos estudos sobre os temas: Pesquisas em políticas públicas; Contextos políticos e econômicos; Modalidades de políticas. Para mediar seus estudos, o Programa adotou uma gama diversificada de bibliografias e fontes documentais. Destacaram-se autores como: Boaventura de S. Santos (4), que realiza uma discussão do contexto da globalização na perspectiva da pós-modernidade, enfatizando a transição paradigmática que tem influenciado a ciência, o direito e a política; Norberto Bobbio (3), estudioso da filosofia política, filosofia do direito, ética, e história das ideias, discutindo as ligações entre razões de Estado e democracia; Cury (4), Luís Antônio Cunha (3), Pablo Gentili, Gaudêncio Frigotto (2) e outros autores cuja produção intelectual tem contribuído significativamente para pensar as políticas públicas, a historia e a legislação educacional. No que se refere ao estudo do conceito de descentralização e ao novo ordenamento constitucional legal e institucional da educação, o Programa recorreu, entre outros, aos estudos de Maria Beatriz Luce (6), Theresa Lobo (3) e José R Afonso (3). Para discutir as pesquisas e produção do conhecimento sobre políticas lançou mão, principalmente de leituras de artigos e obras de Jeferson Mainardes (2), que enfatiza as abordagens analíticas das pesquisas educacionais e Vera Peroni, que investiga o público e o privado na educação e as interfaces entre Estado e Sociedade, no Brasil dos anos 90. O Programa da UFMG centralizou os estudos sobre políticas nos eixos: Tendências do Pensamento Educacional e Processos e 201 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... Discursos Educacionais, no entanto não detalha ementas e bibliografia utilizadas A PUC-Rio direcionou seus estudos para os eixos: Paradigmas de análise em políticas socioeducacionais; Quadros de referência em políticas socioeducacionais; Revisões críticas de projetos políticoeducacionais. Como o PPGE da UFRGS discute os paradigmas de mudança ocorridos na relação Estado, Mercado e Sociedade, realiza revisões críticas de projetos de pesquisas na área e procura identificar os quadros de referência sobre políticas educacionais. Auxiliam-no nas discussões: Stephen Ball (2), sociólogo inglês que, em conjunto com Richard Bowe, propôs uma metodologia de análise de políticas denominada ciclo de políticas; Jürgen Habermas (2), filósofo alemão do século XX que, com sua a teoria crítica social e Teoria Política, contribui para a análise da coesão interna entre Estado de direito e democracia. Do mesmo modo, Norberto Bobbio contribui para discutir Estado, Governo e Sociedade, Liberalismo e Democracia. A UERJ, nas disciplinas Política, Filosofia e Educação recorreu a Alain Badiou (4), filosofo francês contemporâneo que discute concepção de sujeito e verdade, política, ética e direitos humanos; e a Basil Bernstein (2), outro sociólogo inglês que busca entender a forma e o caráter da política educativa no século XX. Nas disciplinas das Políticas de Currículo, são referências principais as obras de Alice Casimiro Lopes e de Elizabeth Macedo (7), professoras e pesquisadoras do Programa, e Antonio Flávio Moreira (2). Esses autores apresentam produção expressiva no âmbito das políticas de currículo, notadamente a partir dos anos de 1990. Finalmente no PPGE da UNISINOS, para mediar os estudos sobre Referenciais analíticos de políticas educacionais e Estado, Globalização e Políticas Educacionais, dois eixos centrais que orientam as disciplinas de políticas, recorreu-se, no período, às obras 202 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER de Dermeval Saviani (3), um clássico nos estudos da Educação brasileira, especialmente no que se refere ao Legado Educacional do Século XX no Brasil; Nicholas Davies (3), com as obras nas quais analisa o Fundef e o orçamento da educação; Almerindo Afonso, que discute Estado, mercado, comunidade e avaliação; reforma do Estado e políticas educacionais; e António Teodoro (2), que discute também globalização e os novos modos de regulação. Carlos Jamil Cury e Stefen Ball, como nos PPGEs anteriormente analisados, também são importantes referências nos estudos desse programa. Considerações finais Considerando os limites e propósito deste trabalho, realizouse um recorte das disciplinas e autores que trataram sobre o tema nos Programas avaliados. Evidenciaram-se aproximações entre os programas analisados, notadamente no que se refere aos eixos de discussão sobre políticas públicas e educacionais. Esses eixos agruparam programas e disciplinas cujo foco de debate priorizou: 1. A abordagem econômico-social no sentido de compreender o contexto no qual as políticas foram gestadas, disseminadas e recriadas em face das transformações no capitalismo e nas formas de intervenção do Estado ocorridas, em especial, a partir das décadas de 1970/80; 2. A abordagem teórico-metodológica visando analisar o que se produz de conhecimento sobre o tema partir de referenciais analíticos pertinentes ou comuns às diferentes temáticas de investigação e, por último, 203 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... 3. A abordagem direcionada para as políticas socioeducacionais específicas, em determinadas modalidades de Educação. Para o aprofundamento dos estudos e com base nas abordagens evidenciadas, mereceram destaque autores internacionais que apresentam contribuições nos âmbitos da filosofia, da sociologia e da teoria política, como Bobbio, Habermas, Boaventura Santos, Ball, Bernstein, Badiou. No âmbito da intelectualidade brasileira e no campo da Educação mereceram destaque Luce, Cury, Saviani, Cunha, Gentili, Frigotto, Mainardes, Peroni, Lopes e Macedo, cujas obras são referenciais para pensar a política educacional brasileira, no que se refere à compreensão dos processos macrossociais e à produção teórico-metodológica que orienta a produção do conhecimento na área. Referências BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2004 – 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade do Rio do Sinos. 2004 – 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade Federal de Minas Gerais. 2004 – 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 2004 – 2006. 204 REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2004 – 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade Federal de Minas Gerais. Brasília: CAPES, 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Brasília: CAPES, 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasília: CAPES, 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade do Rio do Sinos. Brasília: CAPES, 2006. ________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Brasília: CAPES, 2006. BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade Federal de Minas Gerais. Brasília: CAPES, 2006a. BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Brasília: CAPES, 2006b. BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Proposta do Programa. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasília: CAPES, 2006c. CURY, C. R. J. O debate sobre a pesquisa e a avaliação da pósgraduação em educação. Rev. Bras. Educ. [online]. 2010, vol.15, n.43, pp. 162-165. ISSN 1413-2478. (arquivo digital). 205 Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas... HORTA, J. S. B. e MORAES, M. C. M. de. O sistema CAPES de avaliação da pós-graduação: da área de educação à grande área de ciências humanas . Rev. Bras. Educ. [online]. 2005, n.30, pp. 95116. ISSN 1413-2478. (arquivo digital). KUENZER, A. Z.; MORAES, M. C. M. de. Temas e tramas na pósgraduação em Educação. Educação e Sociedade, v. 26, n. 93, Campinas, set./dez 2005. (arquivo digital) LUDKE, M. Influências cruzadas na constituição e na expansão do sistema de pós-graduação stricto sensu em educação no Brasil. Rev. Bras. Educ. [online]. 2005, n. 30, pp. 117-123. ISSN 1413-2478. (arquivo digital). MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para análise de políticas educacionais. 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Acesso em: 24 jun. 2010. 206 AS REFORMAS NEOLIBERAIS E SUAS INFLUÊNCIAS NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DO BRASIL E DA VENEZUELA: EXPLICITANDO RESULTADOS E MUDANÇAS A PARTIR DOS GOVERNOS DE LULA E CHÁVEZ VANDIANA BORBA WILHELM FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA A partir de análises documentais, no presente capítulo 1 objetivamos comparar determinados contrastes e semelhanças da política de educação especial entre Brasil e República Bolivariana da Venezuela, em relação aos aspectos concernentes à trajetória histórica, conceitual e os resultados concretos da implementação dessa política, os quais estão expressos nos indicadores numéricos de matrículas. Antes, porém, de iniciarmos essa discussão, cabe explicitar que se entende que a política de educação especial é parte integrante das políticas educacionais como um todo, e que esta, por sua vez, não possui um caráter autônomo e muito menos hegemônico, desse modo, de acordo com orientação teórico-metodológica, essa política de estado não poderia ser analisada a não ser nas relações sociais que Capítulo vinculado a uma parte da Dissertação de Mestrado intitulada Estudo comparado da Política de Educação Especial no Brasil e na Venezuela: uma análise a partir de emergência do neoliberalismo, defendida no Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, sob a orientação da professora Dra. Francis Mary Guimarães Nogueira, em 2010. 1 207 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... dão origem a ela. Esse entendimento cabe, sobretudo, porque as alterações na base material, de forma mediatizada, incidem no campo educacional, onde emergem novas contradições. Nesse contexto, vale explicar que não são somente aquelas contradições da base material, pois este capítulo expõe inicialmente, de forma sumária, alguns dados teóricos e históricos das reformas neoliberais, para estabelecer os nexos dessa reforma, com a temática central deste trabalho. Nessa direção, assinalamos que as raízes teóricas, ideológicas e políticas do programa de dominação econômica do capital elaborado no decorrer da Segunda Guerra Mundial, denominado por neoliberalismo, podem ser localizadas nos postulados do economista austríaco Friedrich August von Hayek (1899-1992, e de outros expoentes que se opunham às denominadas políticas keynesianas concretizadas no pós-Segunda Guerra. Princípios neoliberais defendidos desde as décadas de 1930/1940 rejuvenescem e se atualizam a partir da crise econômica da década de 1970, a qual foi decisiva para o definhamento do regime de acumulação fordista e para a reorganização do capitalismo sob novas bases produtivas, ou seja, o regime de acumulação flexível, com isso produzindo alterações na base material e, ao mesmo tempo, acarretando implicações nas demais esferas do campo político e cultural. Face ao disposto, convém assinalar que o neoliberalismo tem seu berço em décadas passadas, todavia é nos anos de 1980 e 1990 que esse pensamento político e econômico se encontrou em uma fase de consolidação, propagação e intensas reformas, principalmente nos países periféricos. Desse modo, cabe salientar que o neoliberalismo nesse momento histórico apresentou-se como outra fase do capital e, portanto, em diferentes bases materiais, políticas e culturais. Entretanto, continuou seguindo os mesmos princípios do velho liberalismo do século XVIII, onde, desde esse período, a igualdade, a 208 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA liberdade, a individualidade, a propriedade e a democracia são diuturnamente reafirmadas e fortalecidas. O receituário neoliberal nos países centrais e nos países periféricos latino-americanos, onde destacamos o Brasil e a Venezuela, não penetrou de forma idêntica, pois se, nos países em questão, as políticas neoliberais se enraizaram no final da década de 1980, no Chile, durante a ditadura de Pinochet, encontrou um terreno fértil para emergir. (NOGUEIRA, 2001) De modo geral, a abertura para as reformas neoliberais concentra no ano de 1982, data conhecida como o ponto de eclosão do endividamento externo, crise que já vinha como processo desde o final da década de 1970, podendo ser caracterizada como a transferência da crise dos países centrais para os periféricos, o que corroborou para o aceleramento do processo de anuência às reformas neoliberais, sendo elas aprofundadas no final dessa mesma década e no decorrer dos anos de 1990, com a adesão irrestrita, mas com intensidade diferente dos países periféricos, às diretrizes contidas no Consenso de Washington. (NOGUEIRA, 2001) No rastro da crise econômica e política, os empréstimos para ajuste estrutural negociados com os organismos financiadores multilaterais colocaram-se como condicionalidades para a renegociação da dívida externa e forma de cobrar dos países endividados maior rigor fiscal, a exemplo da redefinição do papel do Estado, feito que atingiu as instâncias e instituições que o constituem, como a escola, que historicamente foi chamada a atender às novas demandas do capitalismo. (NOGUEIRA, 2001) Foi por esse caminho que o neoliberalismo se desenvolveu no continente latino-americano, aprofundando a pobreza e agravando os problemas sociais. Por essas latitudes, as particularidades do neoliberalismo se direcionaram para a adaptação às exigências do 209 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... grande capital internacional, na manutenção do papel de exportadores de matéria-prima, na conservação da condição de subordinação às economias e política aos países centrais, assim como a abertura dos mercados nacionais. Todavia, para Boito (1999, p. 49), “O imperialismo não é apenas uma força externa às nações periféricas. Ele sempre entrelaçou seus interesses com classes e frações de classe dos próprios países dominados”. Ou seja, a situação de dependência não se deu tão somente por imposições, mas, também, por convenções firmadas com as elites nacionais dirigentes, que amealham uma parte menor da mais-valia. Expostos alguns elementos concernentes às reformas neoliberais que trouxeram alterações na base material e em todas as instâncias sociais e culturais, queremos destacar a “sentença” ideológica sustentada pelos velhos liberais e pelos neoliberais de que a educação é o motor para o desenvolvimento econômico, devendo cumprir seu atributo, isto é, o de dar formação ao novo homem, uma formação compatível com as alterações e as exigências do mundo produtivo, agora em sua versão flexível, para continuar a essência imutável, da acumulação, reprodução e concentração de capital. Com a certeza de que o acesso ao mundo letrado gera novas necessidades que estão condicionadas ao consumo de mercadorias, ao aumento da produtividade, dentre outros fatores, a educação ergueu-se como alavanca para a solução dos problemas sociais, além de colocar-se como requisito para o ingresso ao mundo globalizado e meio de incorporação dos novos códigos da modernidade 2. Nessa perspectiva, em consonância com Nagel, é 2 Conhecimentos para o manejo das operações aritméticas básicas, a leitura e compreensão de um texto escrito, a comunicação escrita, a observação, descrição e análise crítica do entorno, a recepção e interpretação das mensagens dos meios de comunicação modernos e participação no desenho e execução de trabalhos em grupo. (BRASIL, 2000). 210 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA [...] impossível pensar a educação sem pensar nas alterações da base produtiva, nas exigências de reorganização do capital, sempre explicitadas pela constante modernização do sistema. Nesse sentido, impossível pensar a educação fora do espectro da contradição que põe lado a lado a mudança e a permanência, que impõe novas formas de trabalho no interior da mesma relação de produção, que aciona velhas atitudes, apenas maquiadas pelo velho dogma do mercado. (2001, p. 101). A referência acima explica por que a exposição deste artigo inicia partindo de dados sumários das reformas neoliberais. Apresentamos, a partir deste momento, as particularidades da emergência e forma de difusão do neoliberalismo do Brasil e da Venezuela e a inflexão dessas políticas econômicas para a política de educação especial. No Brasil, em termos de marco decisório e de implementação decisiva das receitas do Consenso de Washington, destacamos a gestão do ex-presidente da República Fernando Collor de Melo (1990 -1992), o qual, segundo Batista (2001), principiou a liberalização comercial e financeira com a abertura unilateral do mercado brasileiro em nome da inserção ao mundo globalizado; a ofensiva às privatizações dos bens públicos, e, dentre outras medidas, impactou negativamente as condições de vida e de organização dos trabalhadores. Essas ações políticas foram aprofundadas no decorrer das duas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC 1995-1998 e 1999-2002), dando ênfase à reforma do Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado, à intensificação das privatizações do patrimônio público, à precarização da força de trabalho, à redução dos gastos sociais e à supressão dos direitos sociais, 211 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... medidas essas que explicitam a adesão aos princípios neoliberais que já estavam aparentemente consolidados nos países centrais, a exemplo da desregulamentação, da disciplina fiscal, da priorização dos gastos públicos e da liberalização financeira e comercial. Cabe destacar ainda que, com a crise do capitalismo internacional que explodiu no final de 2008 nos Estados Unidos da América, espalhando-se para toda a Europa, demonstra que a crise fiscal da Grécia, da Irlanda, da Espanha e de Portugal evidenciam que parte do receituário neoliberal não foi cumprido, e agora os trabalhadores estão sofrendo o revés do neoliberalismo e a “mão de ferro” do estado burguês. Na sociedade venezuelana, trazemos como marco de emergência do neoliberalismo a gestão do ex-presidente Carlos Andrés Pérez (1989-1993), que foi o responsável por firmar com o Fundo Monetário Internacional (FMI), nos primeiros dias de seu governo, em 1989, o que ficou conhecido como “o pacote”, ou seja, um conjunto de medidas que faziam parte dos ajustes estruturais pelos quais diferentes países da América Latina estavam sendo condicionados. Essas reformas agravaram a pobreza no país, sendo ainda mais intensificadas na gestão do ex-presidente Rafael Caldera, que, em 1996, desencadeou novas reformas, denominadas “Agenda Venezuela”, colocando em prática ações que visavam à redução dos gastos sociais, à abertura do setor petroleiro ao capital internacional, à privatização de empresas estatais, dentre outras medidas que aprofundaram e ampliaram o contingente de pobres no país. Especificamente sobre as reformas educacionais, ressaltamos a elaboração e a difusão de diversos documentos internacionais que foram norteadores dessas reformas nos países periféricos, a exemplo do documento oriundo da Conferência Mundial de Educação para Todos - “Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem”, 212 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA realizada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, cujo teor se centrou na defesa da universalização da Educação Básica3e na erradicação do analfabetismo. Além deste, destacamos também o documento econômico da CEPAL, “Transformação Produtiva com Equidade” (1990) e o de 1992, intitulado “Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade”. Nesse ângulo, mencionamos também o relatório organizado por Jacques Delors entre 1993 e 1996, encomendado pela UNESCO e intitulado “Educação, um tesouro a descobrir”, dentre outros. Em âmbito brasileiro, das metas a serem atingidas por meio da refor ma educacional, nossa referência ficará restrita à universalização do ensino fundamental, meta esta que sustentou política e ideologicamente o discurso de que a inserção na escola regular de grupos marginalizados, dentre os quais localizamos as pessoas com deficiência, público da política de educação especial, era um imperativo do chamado mundo globalizado, fomentando, dessa forma, a ideia da inclusão educacional de todos. Esse discurso corroborou para firmar o processo de universalização desse nível de ensino, resultado que foi divulgado no ano de 2001 com base no Censo de 2000, ao ser atingido o índice de ingresso de 96,3% das crianças em idade escolar. Sobre a meta da universalização do ensino fundamental, Nogueira (2001), alerta para o fato de que os documentos internacionais, em consonância com o Banco Mundial, que têm na educação o motor para o desenvolvimento econômico e a contenção da pobreza, financiando projetos e elaborando diretrizes, a exemplo 3 Para os organismos internacionais corresponde às séries iniciais, porém, no Brasil, foi traduzida como ensino fundamental, conforme os artigos 206, 211 e 214, pela obrigatoriedade apresentada na Constituição Federal de 1988. 213 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... da busca por novas fontes de financiamento, sem dúvida, balizaram as reformas educacionais desencadeadas na década de 1990. Entretanto, essas reformas não se constituíram tão somente de recomendações internacionais, mas, também, de ações de âmbito nacional que vieram ao encontro delas, produzindo um consenso em torno da centralidade da educação básica. A referida autora apresenta um panorama geral da origem e concomitância dessas políticas internacionais, partindo de medidas governamentais que antecederam a Conferência de Jomtien e de outras que, posteriormente, se entrelaçaram a ela e culminaram com a efetivação da universalização do ensino fundamental no ano de 2001. Segundo Nogueira (2001), O consenso em torno da Centralidade da Educação Básica não foi um projeto interventor, “maquiavélico” e unívoco do Banco Mundial para a sociedade e para a educação brasileira. Nos anos 80, ao mesmo tempo que se definia, se propunha e se financiava políticas econômicas, culturais e educacionais de forma insistente pelo Banco Mundial e outros Organismos Internacionais Multilaterais, se elaborava em nível nacional através de Governos Estaduais e Municipais, políticas educacionais que combatiam a evasão e a repetência. Num outro plano, emergiam também reivindicações com essa mesma temática de associações acadêmicas, de movimentos sindicais de todos os níveis de ensino, de estudantes e de movimentos populares que entendiam que a luta pela escola pública era a luta por melhores condições de vida para seus filhos. (2001, p. 21). 214 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA Dito isso, reafir mamos que é no bojo das refor mas educacionais da década de 1990 que o tema da inclusão educacional de pessoas com deficiência em escolas da rede regular de ensino adquire ênfase, apesar de que o conceito de inclusão e a escolarização desse segmento social em escolas ditas comuns não tenha sido uma originalidade dessa década4. É, todavia, nesse momento histórico que se propaga e ganha novos contornos. Cabe assinalar também que, antes da difusão do conceito inclusão, na trajetória histórica da constituição da educação especial brasileira enquanto uma política de Estado, dois outros conceitos já estavam presentes, sendo eles o da institucionalização e o da integração, mudanças conceituais essas que não transcorreram de forma linear e que, apesar dos anos que os separam em termos de marco histórico, não houve rupturas paradigmáticas, pois, na atualidade, a existência de concepções e de práticas ainda os mantém no cenário da política educacional. Na sequência, buscaremos apresentar esses três modelos educacionais, trazendo algumas informações e os resultados concretos da política de educação especial, mais especificamente, da escolarização de pessoas com deficiência no Brasil, para, posteriormente, expor alguns contrastes e algumas semelhanças dessa política educacional em âmbito venezuelano. Em relação à institucionalização, esclarecemos que este é um modelo de atendimento iniciado ainda na Idade Média, por meio do confinamento daqueles desviantes da norma, ou que não davam conta de prover sua subsistência, em asilos e em outras instituições segregadoras, como os hospitais psiquiátricos. No capitalismo, essa 4 Aprofundar estudos em GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. “Políticas públicas de inclusão: uma análise no campo da educação especial brasileira”. 2004. Tese (Programa de Pós-Graduação em Educação), Universidade Federal de Santa Catarina, FlorianópolisSC. 215 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... prática tem continuidade por intermédio da criação dos institutos para a educação de cegos e surdos na Europa, Na segunda metade do século XVIII, sendo que no Brasil, o primeiro instituto é datado do ano de 1854, constituindo-se no marco inicial da educação especial brasileira. É pertinente trazer uma observação relevante elaborada por Bueno (1993), a de que, embora os institutos portassem o timbre de locus para o processo ensino-aprendizagem, por décadas a instrução formal foi secundarizada, e as escolas/institutos tornaram-se uma espécie de asilo-oficina, lembrando que, para essas instituições, eram enviadas pessoas com deficiência pertencentes à classe pobre. No Brasil, somente por volta de 1960 é que esse modelo filantrópico-assistencial, pautado na institucionalização, passou a ser contestado e visto como uma afronta aos direitos humanos, assim como a ser objeto de estudos e de publicações acadêmicas. Desse modo, em meio ao debate que se instaurava, dois novos conceitos emergiram, sendo eles o da normalização e o da desinstitucionalização. A normalização partia do princípio de que, para introduzir a pessoa com deficiência na sociedade, a pessoa necessitava adquirir as condições e os padrões da vida cotidiana, no nível mais próximo possível do normal. Assim, os serviços destinados a esse fim foram ofertados em escolas especiais, nas entidades assistenciais e nos centros de reabilitação. Dessa forma, “Ao se afastar do Paradigma da Institucionalização e adotar as idéias de Normalização, criou-se o conceito de integração, que se referia à necessidade de modificar a pessoa com necessidades educacionais especiais, de forma que esta pudesse vir a se assemelhar, o mais possível, aos demais cidadãos, para então poder ser inserida, integrada, ao convívio em sociedade” (BRASIL, 2000, p. 16). 216 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA Com base na citação acima, identificamos que o modelo da integração que passou a nortear a educação especial brasileira, contrapondo-se à institucionalização, embora mais evoluído, em última instância, também desaguava na segregação ao atribuir a responsabilidade pela adaptação e pela inserção social ao indivíduo, sem que questões mais amplas, tais como as barreiras de ordem arquitetônica e barreiras atitudinais e outras formas de adaptações fossem pensadas no conjunto do processo de integração social. Desse modo, se, mesmo passando pelos serviços voltados à normalização, o indivíduo fosse julgado inapto, aqui em particular à educação, a plena integração escolar não se consolidaria e a formação educacional prosseguiria nos institutos, os quais resistiram à mudança conceitual, como nas escolas de educação especial Pestalozzi e APAEs, que se expandiram, assim como nas classes especiais. Nesse percurso, é relevante destacar também que é em meio ao movimento da integração que, no ano de 1973, é criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP, hoje Secretaria de Educação Especial-SEESP), órgão vinculado ao Ministério da Educação para pensar a política nacional de educação especial, sendo somente nesse momento que a educação de pessoas com deficiência passa a ser uma política de Estado. O modelo educacional pautado na integração trazia a orientação para a inserção na escola regular, entretanto era uma inserção parcial e condicionada ao nível de adaptação do aluno. Essa foi a razão pela qual, já no final dos anos de 1980, que o modelo da integração também enfrentou críticas, tendo em vista a insuficiência de seus resultados frente à avaliação de organismos internacionais, como a UNESCO, e também das próprias pessoas com deficiência, que, já organizadas em associações ou em outras instâncias de representatividade, reivindicavam a plena participação social e o 217 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... acesso a todos os espaços da sociedade, dentre eles, a escola, espaços esses que deveriam estar adaptados para atender a suas necessidades, ao invés de essas pessoas, individualmente, terem que se adaptar a um meio que não lhes oferecia condições favoráveis. Essas reivindicações vieram ao encontro do conceito de inclusão que começava a ser difundido na esfera governamental, respaldadas por recomendações de documentos internacionais, gerando intensos debates principalmente no campo educacional. Nesse percurso, o direito ao acesso à escola regular por parte de pessoas com deficiência foi se fazendo presente no arsenal legislativo, o qual, embora limitado, e muitas vezes restrito ao plano formal, pode ser tomado como um instrumento válido para o enfrentamento político, para a denúncia do não cumprimento pleno e para o acirramento das contradições. Legalmente, é no ano de 2001, com a aprovação da Resolução CNE/CEB n° 2, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, que o conceito de inclusão, ainda de forma pouco elaborado, constou na legislação, embora desde o ano de 1994, com a publicação do documento internacional intitulado Declaração de Salamanca5- “Sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial”, esse conceito tenha sido divulgado, trazendo a equivocada ideia de que a inclusão educacional era uma originalidade dos anos de 1990. Já na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (20032006 e 2007-2010), a política de educação especial vai adquirindo novos contornos, podendo-se destacar a institucionalização do “Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade”, que teve início 5 Sobre a tradução desse documento no Brasil, ler: BUENO, José Geraldo Silveira. As políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação especial?. In: Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise. São Paulo: Junqueira & Marin, 2008. 218 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA no ano de 2003 tendo por objetivo contribuir na política de construção de escolas inclusivas em todo o país. Podemos dizer que o ano de 2008 é o ano em que o conceito inclusão educacional se faz presente na legislação de forma mais definida, e, para essa afirmação, fazemos menção à aprovação da “Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, publicada em janeiro de 2008. Essa política está em consonância com o Parecer CNE/CEB n° 13, homologado pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, em 23 de setembro de 2009, que trata das diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, orientando a matrícula desses alunos em classes regulares e no atendimento educacional especializado. Resumidamente, a orientação da Secretaria da Educação Especial é a inclusão educacional de todas as pessoas com deficiência em classes comuns do ensino regular e a transformação das escolas de educação especial em centros de atendimento educacional especializado, bem como a implantação das salas de recursos multifuncionais em âmbito nacional, o que já vinha ocorrendo gradativamente desde o ano de 2005, sendo que esse atendimento não pode ser substitutivo à escolarização regular, diferença central em relação à Resolução 2/2001. Ainda recente, o teor dessa política da educação especial tem provocado intensos debates e reações acadêmicas e políticas das mais diversas, sendo que, estando em fase de desdobramentos e de tentativas de implantação, é um objeto difícil para sobre ele se fazer afirmações categóricas ou confirmações analíticas. Desse modo, sem a pretensão de aprofundarmos a discussão, o objetivo de fazermos este resgate histórico das ações legais e políticas, bem como das 219 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... concepções e das práticas em educação especial, é o de explicitarmos que a meta da universalização do ensino fundamental trouxe consigo a necessidade de incorporar, à escola, grupos até então marginalizados de seu acesso, desse modo implicando diretamente no debate e na inserção escolar de pessoas com deficiência. Outro elemento é o de que, embora não tenha ocorrido uma superação do modelo da institucionalização para o da integração, e deste para o da inclusão, a difusão deste último conceito produziu resultados concretos, os quais estão expressos nos dados do censo escolar, podendo-se indicar alguns índices estatísticos para demonstrar a significativa ampliação do ensino a essa demanda reprimida do acesso à educação, seja em escolas do ensino regular, seja em escolas especiais. Conforme dados do Censo escolar dispostos no site <http:/ /www.inep.gov.br>, a partir do ano de 1998 os indicadores numéricos referentes à matrícula de pessoas com deficiência são apresentados de forma sistematizada, sendo exposto nesta análise somente o total geral de matrículas de alguns anos, os quais revelam a afirmação acima. As de matriculas foram: em 1998, 43.923; em 2001, 81.344; em 2004, 195.370; em 2006, 325.136; e em 2009, 386.334. Esses dados nos permitem dizer que, entre os anos de 1998 e 2009 houve um aumento de 779% nas matrículas, sendo que o debate em torno da qualidade do ensino, do número de concluintes da educação básica e da oferta dos serviços de apoio especializado não é objetivo deste artigo. Antes de passarmos ao contexto da educação especial venezuelana, abordaremos como o governo do presidente Lula, enfrentou as políticas neoliberais, uma vez que a preposição deste artigo vincula projeto neoliberal e educação especial. Nesse sentido, 220 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA ressaltamos que Lula não promoveu uma guinada radical na gestão da política macroeconômica conduzida pelo ex-presidente FHC, sendo que algumas diretrizes do receituário neoliberal, como a reforma da previdência, foram revistas e tiveram continuidade em seu governo. Apesar disso e de outras ações que não beneficiaram o conjunto dos trabalhadores, como os lucros exorbitantes dos bancos e a ascensão de uma burguesia interna, Lula efetivou políticas que, dado os princípios dos partidos que representam os interesses da elite dominante, nem de longe cogitariam executar, podendo se citar o aumento real do salário mínimo, mesmo sendo um baixo percentual; a retomada de maior controle do Estado em áreas estratégicas, estancando as privatizações e uma política externa de ampliação de mercados das regiões Sul-Sul, particularmente com a América Latina. Cabe destacar que a ida de muitos líderes dos movimentos sociais filiados ao PT para o governo possibilitou a implementação de algumas políticas sociais relevantes para eles, bem como a efetivação de políticas monetárias, como o pagamento da dívida com o FMI, o que possibilitou uma maior autonomia na condução da política econômica brasileira, além da visibilidade política a nível internacional, destacando-se ainda a proximidade e o diálogo, no plano político e comercial, com o presidente Chávez, com o presidente Evo Morales e com outros governos da região, ações que demonstram que o presidente Lula não foi uma continuidade e nem se pautou pelo estrito receituário neoliberal de FHC. Apresentada essa sumária conjuntura política, econômica e social do Brasil, na sequência do artigo exporemos alguns aspectos da reforma educacional venezuelana, para, em seguida, abordar a especificidade da política de educação especial nesse país, buscando explicitar alguns contrastes e algumas semelhanças em relação a essa modalidade educacional em âmbito brasileiro, assim como explicitar 221 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... a atual conjuntura do neoliberalismo na Venezuela. No que tange à reforma educacional venezuelana de 1990, assinalamos que, diferentemente do Brasil, onde uma das metas da reforma educacional neoliberal centrou-se na universalização do ensino fundamental, na Venezuela o foco da reforma esteve na descentralização e na privatização do ensino público, com isto, excluindo milhares de venezuelanos do acesso à educação. Em relação à descentralização, Shiroma (2009) assim expressa: [...] a apologia em prol da descentralização difundida pelas agências multilaterais que orientaram as reformas da década de 1990, ressaltam os aspectos da eficiência administrativa e da qualidade, mas ocultam os aspectos políticos de controle e de racionalização. Como argumentamos, a descentralização tem-se constituído em alternativa para diminuir os gastos públicos, compartilhando o financiamento da educação com as escolas e a sociedade civil, em especial via ações de responsabilidade social. (SHIROMA, 2009, p. 188). Esse pilar do receituário neoliberal não esteve à parte da conjuntura econômica e política vivenciada pelo país. Dessa forma, em linhas gerais, localizamos a origem e o papel da descentralização educacional e seus vínculos com a crise econômica expressa pela dívida externa venezuelana do início da década de 1980, a qual possibilitou o avanço das reformas neoliberais, que, dentre outros resultados, reduziu o tamanho e as funções desse Estado, sob o argumento de torná-lo mais eficiente, transferindo, ou descentralizando, atribuições do governo central para outras 222 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA instâncias, e restringindo gastos sociais, implicando diretamente a precarização da manutenção da escola pública. A reforma de cunho economicista-mercadológica pôs em primeiro plano o controle dos gastos públicos e a sua minimização, deixando a cargo da sociedade a captação de outras fontes financeiras, o que levou à deterioração das escolas públicas e, por outro lado, corroborou para fortalecer o novo mercado, ou seja, a rede privada de ensino, dando destaque para aquelas de caráter confessional, que, segundo Ratjes (2009, p. 33 -34), “[...] intenta jugar un rol de sustituto del Estado en materia educativa. [...] la iglesia se convirtió en una entusiasta defensora de la descentralización como un mecanismo para capturar aparato escolar venezolano y defender los intereses de la elite venezolana”. Esse cenário de desmantelamento do ensino público começou a ser alterado em 1999, quando Hugo Rafael Chávez Frías é eleito democraticamente presidente da República, desencadeando medidas significativas em direção à recuperação do caráter público da educação, medidas essas que ultrapassam o campo educacional e ampliam-se para outros setores sociais. As transformações políticas, econômicas e sociais, as quais se têm defrontado diuturnamente com as críticas virulentas e as ações políticas da burguesia rentista local, com o apoio de grande parte da burguesia e secretaria de Estado estadunidense, que, ao sentir-se ameaçada em seus interesses de classe dominante, repudia e tenta anular o governo chavista e as tentativas de colocar em prática os compromissos de campanha, a exemplo da necessária “Revolución Bolivariana”, que terminaría con la corrupción y la traición en serie del bipartidismo venezolano. Se necesitaban reformas políticas y sociales radicales redistribución de la tierra y una nueva Constitución para una transformación estructural del sistema político y de la vida cotidiana del pueblo” (ALI, 2006, p. 74). 223 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... Com a refundação da República, definida na nova Carta Constitucional de 1999, que traz o caráter democrático, participativo e protagônico da população, necessitava-se de um novo homem republicano e o estabelecimento de uma nova Escola, não excludente, que contribuísse para o fortalecimento da identidade nacional e para o desenvolvimento endógeno do país. É nesse contexto que em 1999 são instituídas, em caráter experimental, as “Escolas Bolivarianas”6, as quais se constituíram em um sistema experimental de ensino que vigorou paralelamente à educação convencional. Outra ação do Estado voltada para o campo educacional são as missões educativas inclusivas, as quais são parte das missões sociais7 criadas a partir do ano de 2003. As missões do campo da educação são destinadas a jovens e a adultos que se encontravam fora da idade escolar regular por terem interrompido os estudos em decorrência das condições materiais de existência ou, então, que sequer iniciaram o processo de escolarização. Essas missões educativas são denominadas de Missão “Robinson I, alfabetización; Misión Robinson II, prosecución al sexto grado; Misión Ribas, para culminar el bachillerato y Misión Sucre, con miras a municipalizar la educación superior” (VENEZUELA, 2004, p. 23)8. Esse processo de reconstrução gradativa da educação pública tem seu ponto de culminância em agosto de 2009 com a aprovação da nova Lei Orgânica de Educação, que é a expressão da recuperação 6 A referência ao Libertador Simón Bolívar tem um profundo valor para os venezuelanos. Ressaltar o bolivariano remete à melhor das tradições e aos fundadores da nação. 7 Essas missões tiveram início no ano de 2003, sendo políticas sociais financiadas com recursos advindos diretamente da renda petroleira. 8 Sobre as missões educativas, ler: BORGES, Liliam Faria Porto e MAZZUCO, Neiva Galina (Org.). Democracia e políticas sociais na América Latina. São Paulo: Xamã, 2009, p. 105-121. 224 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA do caráter público da escola e da concretização do sistema educacional iniciado ainda em 1999, que deixou de ser paralelo para tornar-se oficial. Essas ações políticas visaram a inclusão educacional de toda a população excluída do acesso a esse bem social, sendo que tais medidas tiveram repercussão na escolarização de pessoas com deficiência, afirmação que pode ser constatada nos índices de matrícula desse segmento social em institutos de educação especial, pois no ano de 1992/1993 havia o registro de 57.911 matrículas; em 1999/2000, já sob a gestão de Chávez, um total de 67.883; em 2003/ 2004 um total de 140.797; e no ano de 2006/2007 um quantitativo de 190.03668, representando uma clara ampliação do ensino, pois, comparando 1999/2000 a 2006/2007, houve um aumento de 179,94% nas matrículas, e, se compararmos 2006/2007 com 1992/ 1993, a porcentagem aumenta para 228,15%9. Da conjuntura atual para os marcos da trajetória histórica da educação especial venezuelana, assinalamos que, da mesma forma que no Brasil, a educação das pessoas com deficiência esteve marcada pelas práticas da segregação e do cunho filantrópico, podendo-se destacar a criação da primeira instituição, de cunho privado, voltada ao atendimento desses sujeitos no ano de 1935, conforme se lê: “[...] en respuesta a motivaciones personales de un grupo de padres y amigos de personas con problemas de audición y visión, surge así la Asociación Venezolana de Ciegos (1935) y el Instituto Venezolano de Ciegos y Sordomudos (1936)” (VENEZUELA, 1997, p. 6). Semelhantemente ao Brasil, somente em 1975, com a criação da Direção Nacional de Educação Especial é que o Estado 9 Consultar: <http://www.ine.gov.ve/condiciones/cuadro_educacion.asp?Tt=227VI2&cuadro=Educacion _227_VI2&xls=227VI2>. 225 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... venezuelano assume a escolarização de pessoas com deficiência como um direito social, incorporando-a no rol das políticas do Estado. Um contraste que diferencia o histórico de ambos os países diz respeito à prática da institucionalização. Primeiramente, porque, nos documentos do Ministério da Educação venezuelano e em outras fontes bibliográficas analisadas, essa terminologia não consta e nem é considerada um modelo educacional. Em segundo, e que decorre do primeiro entendimento, é o de que, na Venezuela, nos anos de 1960/1970, não houve (ou ao menos não se encontraram registros nos documentos oficiais) manifestações no que concerne à desinstitucionalização das pessoas com deficiência. Pelo contrário, [...] el Estado Venezolano a través del Ministerio de Educación, crea en 1974 el primer Instituto de Educación Especial para la atención de los ninos y jóvenes con Impedimentos Motores [...] no obstante, las acciones de dicho instituto se enmarcaban dentro de um modelo de atención más asistencial que educativo.(VENEZUELA, 1998, p. 22). A citação revela um movimento oposto, não de contestação, mas de abertura de novas instituições desse gênero, o que demonstra que os processos históricos não se desenvolvem de modo uniforme nos diferentes contextos sociais, pois as particularidades, os embates políticos e a conjuntura de cada país produzem resultados distintos, mostrando também que o acesso à escola regular por parte de venezuelanos com deficiência, semelhante ao que ocorria no Brasil, ainda era restrito. Inferimos que o não movimento pela desinstitucionalização pode ter sido um dos fatores que influenciou para que a educação de 226 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA pessoas com deficiência na Venezuela ainda seja marcadamente ministrada em institutos de educação especial, conforme os indicadores numéricos apresentados anteriormente demonstraram. Devemos destacar também que no país existe a orientação para a inserção em escolas do ensino regular, todavia tem sido sob a égide do conceito de integração, pois para essas escolas são encaminhados aqueles alunos que possuem condições para a ela se integrar, conforme se pode constatar no fragmento do documento do Ministério da Educação do Poder Popular: “[...] los educandos sordos y deficientes visuales son atendidos en Institutos de Educación Especial, con los programas disenados por el nivel de preescolar y de Educación Básica, hasta el 6° grado. Al término de la programación, los alumnos son egresados al sistema educativo regular para que prosigan en los niveles correspondientes” (VENEZUELA, 1997, p. 8). Com exceção dos alunos com deficiência intelectual que permanecem nos institutos, os demais alunos com deficiência, desde que apresentem condições de acompanhar o ensino ministrado nas escolas regulares, após o 6º grau podem ser integrados a essas instituições de ensino, ou antes mesmo, desde que seja do interesse da família, pois o currículo escolar é o mesmo. A prática acima, do governo venezuelano, expressa bem a concepção de integração, conforme já abordado no histórico da educação especial no Brasil, pois, segundo documento oficial, “[...] la integración como derecho, implica, gozar en pie de igualdad, de la educación, el trabajo, la recreación, la cultura y de los servicios sociales y al disfrute a los derechos económicos y sociales, así como también al cumplimiento de los deberes que el estado tiene asignado” (VENEZUELA, 1997, p. 16). Essa definição, em um primeiro momento, parece vir ao encontro dos princípios de inclusão que emergem no Brasil na década de 1990, uma vez que esse princípio 227 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... apregoa o acesso a todos os espaços sociais em contraposição à integração, que, segundo a acepção corrente no Brasil, pressupunha a adaptação individual da pessoa com deficiência, para, só então, ser integrada socialmente. Refletindo, no entanto, com mais acuidade, no mesmo documento lemos: Por otra parte el modelo para la integración social tiene un enfoque educativo, por cuanto se propicia un proceso de ajuste de las personas con necesidades especiales a los valores, exigencias y pautas de comportamientos de los grupos que conforman el medio ambiente social en el cual se desenvuelve [...]. Como proceso la integración social, se concibe como la adaptación de las respuestas del individuo a los requerimientos del medio y de la interacción de ambos. Es la secuencia por la que se van adquiriendo patrones conductuales que permiten la integración en la sociedad con la potencialidad de participar, interactuar y cooperar como miembro de un colectivo. (VENEZUELA, 1997, p. 16). Com base nesta e outras referências, depreendemos que o conceito de integração, à primeira vista, pareceu possuir uma acepção diferente em relação à interpretação brasileira, contudo, ao incorporar a concepção de ajustamento e de adaptação, permanece emaranhado na normalização, princípio esse que, no Brasil, é criticado pelas pessoas com deficiência e por outros segmentos sociais, não por mera questão semântica, mas porque as palavras são carregadas de significados e expressam concepções das quais derivam práticas e atitudes pedagógicas e políticas. Dessa forma, assinalamos que os 228 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA princípios da normalização e da integração não são contrastantes em relação ao conceito incorporado no Brasil, mas, sim, similares. Face ao exposto, destacamos que, na Venezuela na década de 1990, o conceito da integração permaneceu norteando a educação de pessoas com deficiência, sendo que no Brasil essa concepção muda em meados da primeira década do século XXI para inclusão educacional, com a difusão sistemática dos debates. Sobre a inserção de pessoas com deficiência em escolas regulares, esclarecemos ainda que a Venezuela, até meados de 2009, só havia sistematizado os índices de matrículas de pessoas com deficiência referente ao período letivo 2008/2009, demonstrando o quantitativo de 2.484 matrículas10 em salas de aula regulares, o que revela a baixa demanda em comparação às matrículas nos institutos de educação especial. Nesse país, o conceito de inclusão articulado à educação especial, legalmente, aparece somente no ano de 2007, quando é aprovada a Lei para as Pessoas com Discapacidade. Sempre que esse conceito é referenciado, ao seu lado é citado também o conceito de integração. Desse modo, ao serem empregados simultaneamente, expressam o entendimento de serem conceitos complementares e não conflitantes, como ocorre na interpretação brasileira, em que o conceito de inclusão possui uma acepção oposta em relação ao conceito de integração, ou seja, a integração é a inserção parcial, em que o indivíduo tem que se ajustar ou se adequar ao meio social. Já a inclusão pressupõe a adaptação dos espaços sociais, em que a sociedade deve ser modificada em vez de o indivíduo ter que se adaptar a um meio social não acessível. 10 Dos 24 Estados da Federação, em 8 deles não foi possível obter a quantidade de matrículas de pessoas com deficiência em classes comuns do ensino regular. 229 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... Os estudos demonstraram que o conceito de inclusão em âmbito venezuelano passou a ser difundido a partir da gestão do presidente Hugo Chávez, conforme referenciamos na denominação das missões sociais inclusivas, e, nessa perspectiva, ressaltamos que o conceito de inclusão tem sido utilizado para se referir à população venezuelana alheia a todos os bens sociais e materiais. Já no Brasil, o conceito de inclusão dirigiu-se às minorias sociais, cimentando mais ainda a ideia de que a marginalidade social não está relacionada à condição de classe social, mas a questões particulares dos grupos minoritários, como raça, gênero, deficiência, etc. Apresentado esse panorama geral, que passou pela emergência do neoliberalismo nos países centrais e algumas particularidades desse pensamento político e econômico na América Latina, salientamos que, no Brasil, o neoliberalismo não foi superado, entretanto não existe uma sequência generalizada das heranças deixadas por FHC. As reformas políticas e econômicas tiveram implicações de forma mediatizada no campo educacional. Quando o MEC centralizou a reforma educacional dos anos de 1990 com foco na meta da universalização do ensino fundamental, essa orientação não partiu unilateralmente dos organismos internacionais, mas se somou às ações legais, políticas e reivindicativas, desde os anos de 1980, combatendo a evasão e a repetência escolar, numa “cruzada” em prol da democratização da escola pública, desse modo antecedendo o evento de maior repercussão internacional que foi a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em JOMTIEN, 1990. É nesse contexto histórico, das reformas neoliberais, que o tema do acesso à escola regular, por parte de pessoas com deficiência, ganha novas dimensões. Nesse sentido, cabe ainda destacar que a inegável ampliação dessas matrículas não foi apenas resultado das ações do Estado, mas foi também resultado de lutas históricas desse 230 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA segmento social por acesso à educação. O que ocorreu no Brasil, pode-se afirmar, não foi somente uma mudança conceitual, tampouco uma política de inclusão restrita ao plano legal. Já na Venezuela, os mecanismos do neoliberalismo estão sendo combatidos como política de estado, a exemplo da nacionalização de empresas e da expropriação de terras, bem como o custeio dos investimentos sociais está sendo garantido, em grande parte, pela renda advinda da extração petroleira. Em relação à educação, essa situação começa a mudar substancialmente quando Chávez, a partir de 1999, implementou ações como o impedimento de cobrança de taxa de matrícula em todos os níveis da rede pública, criando um sistema paralelo de educação, permitindo o acesso a toda população em todos os níveis. Essas políticas repercutiram na educação de pessoas com deficiência, conforme os indicadores numéricos apresentados anteriormente demonstraram. Por questões de delimitação do artigo, não tivemos condições de referenciar a legislação que garante o acesso á educação por parte de pessoas com deficiência, bem como os documentos internacionais que, da mesma forma que o Brasil, a Venezuela também se orienta, a exemplo da Declaração de Salamanca e da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). O contraste mais significativo de acordo com a análise, é da adoção da concepção de integração que ainda é predominante na Venezuela; educação que é marcadamente ministrada em institutos de educação especial, e somente da emergência do conceito de inclusão no âmago da política da educação especial a partir do ano de 2007. Sem filiar-nos à visão daqueles que defendem a inclusão condicional, ou seja, desde que a escola esteja preparada, entendemos que as providências, tanto no Brasil, como na Venezuela, só vêm sendo tomadas em razão de que, com a presença do aluno concreto, 231 As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e... os problemas explodiram e a pressão organizada das associações e entidades tem tensionado o Estado. Por outro lado, entendemos também que algumas pessoas com deficiência possuem um grau de comprometimento tão severo que carecem do atendimento mais individualizado, e partindo do pressuposto de que a escola deve ser o espaço do conhecimento sistematizado e não somente um local para a convivência social, há que se refletir quanto à proposta de inclusão radical de todo o alunado da educação especial. Não só refletir sobre o contexto da escola regular, mas, também, refletir sobre a própria organização das escolas especiais, as quais mantêm, entre seu alunado, pessoas que possuem condições para acompanhar o ensino ministrado na escola comum, mas que dela foram excluídos por não se enquadrarem no perfil do aluno ideal. Face ao exposto, sublinhamos os avanços adquiridos ao longo das décadas, entretanto chamamos a atenção para o quanto ainda é preciso conquistar, agindo por meio da luta cotidiana dos movimentos em defesa do acesso à escola aos trabalhadores, sejam com deficiência ou não. Referências ALI, Tariq. Piratas del Caribe - el eje de la esperanza. Ediciones Luxemburg, 2006. BATISTA, Paulo Nogueira. O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. BOITO, Armando Jr. A política neoliberal no Brasil. In: Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Xamã, 1999. 232 VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA BUENO, José Geraldo Silveira. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: Educ, 1993. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Série Amarela. Projeto Escola Viva, Visão Histórica, Brasília 2000. NAGEL, Lizia Helena. Estado e políticas sociais no Brasil. O Estado e as políticas educacionais a partir dos anos 80. Cascavel, PR: Edunioeste, 2001. NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães. As orientações do Banco Mundial e as políticas educacionais atuais: a construção do consenso em torno da centralidade da educação básica. In: SILVA, lleizi Luciana Fiorelli (Org.). Educação e Estado: as mudanças nos sistemas de ensino do Brasil e do Paraná na década de 90. HIDALGO, Londrina: Ed. UEL, 2001. RATJES, Rubén Reinoso. Cambio y currículo en la escuela. Ministerio de Educación Superior. Caracas: Centro Internacional Miranda, 2009. SHIROMA, Eneida Oto. Sentidos da descentralização nas propostas internacionais para a educação. 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Acesso em: 28 abr. 2010. 234 A LUTA POR POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTESTAÇÃO, RESISTÊNCIA E POSSIBILIDADES JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA MARIA APARECIDA CECÍLIO Introdução [...] o mundo é formado não apenas pelo que já existe (aqui, ali, em toda parte), mas pelo que pode efetivamente existir (aqui, ali, em toda parte). O mundo datado de hoje deve ser enxergado como o que na verdade ele nos traz, isto é, um conjunto presente de possibilidades reais, concretas, todas factíveis sob determinadas condições (Milton Santos). Este capítulo1 objetiva discutir a importância da luta pelas políticas para a Educação do Campo, enquanto instrumento contraditório de contestação e resistência, pois o MST, movimento popular que nega o Estado burguês capitalista, recorre a este para garantir a sobrevivência de sua luta personificada na formação 1 Este capítulo faz parte das discussões da dissertação de Mestrado que se encontra em andamento pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e conta com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 235 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades educacional de seus sujeitos. Ressalta-se a candente necessidade de se lutar pelas políticas, mas, ainda assim, observá-la sob um viés crítico, uma vez que em uma sociedade de classes, tal qual a sociedade capitalista, as instituições políticas têm o papel fundamental de conservar a classe dominante no poder (MARX; ENGELS, 2007). Nas últimas três décadas da história mundial, o aprofundamento da globalização dos espaços, sentido no âmbito econômico, geopolítico, social e cultural, encontra-se a serviço, predominantemente, da classe dominante atual, a burguesia. O progresso dos meios de comunicação, fundamento da globalização, permite à classe dominante disseminar uma percepção fragmentada e enganosa de mundo, percepção que visa obscurecer e homogeneizar o entendimento da totalidade mundial e ampliar o poder hegemônico burguês, pelos mais distantes rincões do Planeta (SANTOS, 2008). Ocorre, no entanto, que a globalização, como fenômeno multifacetado, não possibilita apenas a homogeneização da sociedade, mas também expõe, de forma contraditória, as particularidades que constituem a totalidade social. Alguns espaços e territórios valorizam suas características singulares e buscam recriar novas realidades para além do despotismo informacional e da “perversidade sistêmica” do capital (SANTOS, 2008). Se, de um lado, há uma produção acentuada de riquezas destinadas a uma minoria, de outro há uma produção acelerada de pobres e oprimidos que podem enxergar possibilidades de resistência e revanche. A produção de desigualdades, desequilíbrios e antagonismos é intrínseca ao capitalismo e, portanto, permitem à população, expropriada das condições dignas de vivência, contestar, resistir e buscar alternativas contra-hegemônicas. Os movimentos sociais, por exemplo, são importantes expressões de resistência e de busca de possibilidades para a construção de uma sociedade “para além do 236 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO capital” (MÉSZÁROS, 2005). No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o principal exemplo de resistência contra-hegemônica que questiona as engrenagens do modo de produção capitalista baseado, principalmente, a partir das rupturas da década de 1970, no tripé: reestruturação produtiva do capital, financeirização da economia e ideologia neoliberal (NETTO; BRAZ, 2007). O campo é o principal espaço de resistência do MST, e nele são travados os embates pela Reforma Agrária e por condições econômicas, políticas e sociais viáveis para a vida no campo e, também, são tencionadas as raízes do capital. Lutar contra as forças hegemônicas não é, no entanto, tarefa simples, uma vez que os tentáculos do capital são muitos e estão prontos para aniquilar as manifestações que não são do seu interesse. Nesse sentido, o MST compreendeu ser necessário qualificar sua luta, ou seja, investir na for mação dos seus sujeitos - da alfabetização à educação comprometida com a transformação revolucionária. Tais necessidades são a origem da Educação do Campo que se fundamenta na própria existência do camponês. Para o MST, é fundamental a luta pela educação, mas não aquela apregoada nas tradicionais escolas rurais, carregada de preconceito em relação ao homem do campo e de exaltações sobre a cidade como o local da modernização, e sim uma educação condizente com a realidade do campo e a formação política, para atuar contra a exploração burguesa. Dessa forma, uma das preocupações do Movimento, no âmbito da Educação do Campo, é a ampliação do conhecimento pelos territórios da reforma agrária e até mesmo a sua universalização, pois já não bastam as práticas comunitárias e iniciativas pontuais, já que se faz necessário ir além dessa realidade e lutar por políticas que regulamentem e financiem a Educação do Campo (CALDART, 2002). 237 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades O trabalho está divido em duas partes: primeiramente apresenta, de forma breve, o contexto econômico e político que fundamenta a luta do MST e os objetivos do movimento na construção de um novo projeto de campo e de vida, por meio da contestação e da resistência. Posteriormente, discute-se um dos aspectos da luta do MST, a Educação do Campo, enquanto formação para a emancipação humana, e a busca por políticas que a garantam, regulamentem e financiem. A Luta Contra-Hegemônica do MST diante da Ofensiva do Capitalismo Globalizado O quadro econômico e político correspondente à configuração atual do capitalismo reflete uma postura ofensiva da sociedade baseada no tripé, “reestruturação produtiva do capital, financeirização e ideologia neoliberal”, que foi adotado a partir de meados da década de 1970 para conter a onda econômica recessiva, característica do fim da “Era do Ouro”. As medidas concernentes ao tripé foram tomadas, inicialmente, nos países desenvolvidos e depois se expandiram para os subdesenvolvidos e emergentes, conformandose de acordo com as realidades nacionais. Com a crise da “Era de Ouro” – período de expansivo de crescimento econômico e taxas de lucros compensadoras –, deflagrada pelos limites da organização produtiva baseada no binômio taylorismo2/fordismo3, pela superprodução e pelo choque do petróleo no Oriente Médio, o capital se viu obrigado a recriar novas formas 2 “Conjunto das teorias para o aumento da produtividade do trabalho fabril, elaboradas pelo engenheiro norte-americano, Frederick Winslow Taylor (1856-1915). Abrange um sistema de normas voltadas para o controle dos movimentos do homem e da máquina no processo de produção” (SANDRONI, 2000, p. 306). 238 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO de dominação, exploração e controle (HOBSBAWM, 1995). A ilusão de um capitalismo sem contradições caiu por terra, no qual “[...] a onda longa expansiva é substituída por uma longa onda recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista, agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando-se episódicas as retomadas” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 214). Frente ao grave contexto de recessão do capitalismo, em detrimento da acumulação produtiva rígida, expressa no binômio taylorismo/fordismo, começaram a ser instauradas alterações nos circuitos produtivos baseados na acumulação produtiva flexível, pilar da reestruturação produtiva. A acumulação flexível é a nova forma de gestão da força de trabalho humana, expressa o controle do capital sob formas diversas, como a polivalência na qualificação profissional e os apelativos psicológicos traduzidos em “vestir a camisa da empresa”, ser um profissional “colaborador” ou “associado”, ou seja, sob a égide da flexibilização, o “[...] capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 217). O toyotismo 4 é o novo momento produtivo do capital expresso na racionalização laboral, que “[...] se apóia na flexibilidade 3 “Conjunto de métodos de racionalização da produção elaborado pelo industrial norte-americano Henry Ford, baseado nos princípios de que uma empresa deve dedicarse apenas a um produto. [...] para diminuir os custos, a produção deveria ser em massa, a mais elevada possível e aparelhada com tecnologia capaz de desenvolver ao máximo a produtividade por operário. O trabalho deveria ser também altamente especializado, dado operário realizando determinada tarefa” (SANDRONI, 2000, p. 128-129). 4 “[...] o toyotismo é o modo de organização do trabalho e da produção capitalista adequado à era das novas máquinas da automação flexível, que constituem uma nova base técnica para o sistema do capital, e da crise estrutural de superprodução, com seus mercados restritos. 239 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY, 2009, p. 140). Por meio de tais padrões flexíveis, buscou-se criar uma nova lógica produtiva, lógica capaz de lidar com a instabilidade do crescimento econômico mundial e com o mercado restrito, de maneira a atender às particularidades do consumo. Da crise dos mercados de massa, buscou-se uma produção voltada para os nichos de mercado. Dessa forma, procurouse uma fuga da standardization, até então utilizada, e promoveu-se uma desconcentração na produção industrial pela busca de mão de obra barata, o que intensificou a exploração e a desregulamentação da força de trabalho (NETTO; BRAZ, 2007). A difusão da reestruturação produtiva pelos países foi alavancada pelo progresso da ciência e da tecnologia que possibilitou o encurtamento das distâncias e a onipresença da informação e, portanto, o desenvolvimento da globalização entendida como “[...] o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (SANTOS, 2008, p. 23). Com a sociedade capitalista globalizada, a classe hegemônica impôs uma “desregulamentação universal” das relações de trabalho e, para tanto, lançou mais um tentáculo estratégico a seu favor, a ideologia neoliberal, nova roupagem para o Estado burguês reestruturado, pautada na desregulamentação dos mercados, abertura financeira e diminuição do papel do Estado no que diz respeito às obrigações sociais (FIORI, 1996). O receituário neoliberal tem seus fundamentos no Consenso de Washington (1989), uma bula com recomendações políticas e econômicas para o desenvolvimento dos países ancorado em dez determinações: Abertura Comercial, Privatização de Estatais, Entretanto, cabe salientar que o toyotismo é meramente uma inovação organizacional da produção capitalista sob a grande indústria, não representando, portanto, uma nova forma produtiva propriamente dita” (ALVES, 2007, p. 246). 240 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO Redução dos Gastos Públicos, Disciplina Fiscal, Reforma Tributária, Desregulamentação, Estímulo aos Investimentos Estrangeiros Diretos, Juros de Mercado, Câmbio de Mercado, Direito à Propriedade Intelectual (FIORI, 1996). O Estado neoliberal, portanto, aprofundou as privatizações na área social e potencializou o investimento em capital financeiro. Sobre as mudanças nos encargos estatais, Netto; Braz (2007, p. 227-228) esclarecem: [...] o objetivo real do capital monopolista não é a “diminuição” do Estado, mas a “diminuição das funções estatais coesivas, precisamente aquelas que respondem à satisfação de direitos sociais. [...]. O ataque do grande capital às dimensões democráticas da inter venção do Estado começou tendo por alvo a regulamentação das relações de trabalho [...] e avançou no sentido de reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de seguridade social. O discurso neoliberal declara a importância da quebra das barreiras para o livre trânsito do capital e das mercadorias, sobretudo nos países subdesenvolvidos e emergentes, no qual a financeirização do capital, expressa nos intensos fluxos econômicos mundiais, circula pelas redes bancárias e nada produz além de uma especulação parasitária que amplia o capital fictício entendido como “[...] as ações, as obrigações e outros títulos de valor que não possuem valor em si mesmos. Representam apenas um título de propriedade, que dá direito a um rendimento [...] (KOSLOV, 1981, p. 217). Nesse capitalismo contemporâneo marcado pela reestruturação produtiva, acumulação flexível, globalização dos espaços e neoliberalismo, “[...] tudo é efetivamente passível de transação mercantil [...]” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 236). 241 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades Nos países periféricos do sistema capitalista, como o Brasil, a reestruturação produtiva do capital foi implantada, inicialmente, sob o jugo da Ditadura Militar (1964-1984). Nas décadas de 1970 e 1980, conformou-se no país um modelo de desenvolvimento ainda mais submisso às ordens mundiais. O Brasil integrou-se ao capital monopolista e o Estado garantiu todo o suporte para o seu desenvolvimento. O “Milagre Econômico”, alcançado no governo do general Médici (1969-1974), já refletia as medidas econômicas, políticas e sociais internacionais materializadas em solo brasileiro. De acordo com Habert (1992, p. 69): O que se convencionou chamar de “milagre” tinha a sustentá-lo três pilares básicos: o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora submetida ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à repressão política; a ação do Estado garantindo a expansão capitalista e a consolidação do grande capital nacional e internacional; e a entrada maciça de capitais estrangeiros na forma de investimento e de empréstimos. Com a economia e a política brasileira alinhada ao capital internacional, aprofundou-se a entrada das multinacionais, principalmente aquelas ligadas à produção de bens de consumo duráveis, mais a requisição de financiamentos para adequação, sobretudo do campo, às novas técnicas modernas, para atender às exigências dos programas de exportação (HABERT, 1992). No interior dessa realidade, as desigualdades sociais foram alargadas e marcadas pelo crescimento desordenado das cidades, devido ao êxodo rural provocado pela concentração fundiária e à expropriação das condições de produção e de sobrevivência do homem do campo. 242 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO Sobre a situação do campo brasileiro, espaço de luta do MST, Habert (1992, p. 17) analisou: [...] o processo de capitalização do campo, com a mecanização da produção, o predomínio do trabalho assalariado e a concentração da propriedade da terra, foi acompanhado por violenta expropriação e expulsão de milhões de pequenos proprietários e trabalhadores rurais das terras e das fazendas e pelo intenso êxodo para as cidades. A tabela a seguir apresenta os dados da população urbana e da rural de 1960 a 2010. Os dados absolutos mostram que, em 31 anos, entre 1960 e 1991, a população total do Brasil duplicou, no entanto, esse aumento foi sentido, efetivamente, no âmbito das cidades, pois a população rural, apesar de apresentar um pequeno aumento da década de 1960 para 1970, permanece, até os dias atuais, em declínio, no qual representa aproximados 30 milhões dos 191 milhões de habitantes totais. Em termos percentuais, na década de 1960 a população rural representou mais da metade dos habitantes brasileiros (54,92%) e, em 2010, não chegou a 16%. 243 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades Tabela 1 – População por situação do domicílio. Variável População (Pessoas) População (%) Brasil Situação Ano do 1960 1970 1980 1991 2000 2010 domicílio Total 70.992.343 94.508.583 121.150.573 146.917.459 169.590.693 190.755.799 Urbana 32.004.817 52.904.744 82.013.375 110.875.826 137.755.550 160.925.792 Rural 38.987.526 41.603.839 39.137.198 36.041.633 31.835.143 29.830.007 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Urbana 45,08 55,98 67,70 75,47 81,23 84,36 Rural 54,92 44,02 32,30 24,53 18,77 15,64 Fonte: IBGE – Censo Demográfico (1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2011). É evidente o esvaziamento populacional do campo, sobretudo a partir de 1970, porém é essencial destacar dois fatores relevantes que se apresentam no campo: primeiro, mesmo com a intensa migração campo-cidade, são inequívocos os quase 30 milhões de pessoas que vivem no campo na atualidade e possuem os mesmos direitos sociais que as populações das cidades; segundo, a quase totalidade da produção agrícola e pecuária ainda é realizada nas dependências do campo e indubitavelmente é base da sobrevivência humana e um dos pilares do crescimento econômico do país. A importância do campo é inegável, no entanto, o desenvolvimento econômico agropecuário do Brasil, baseado no agribusiness, representa um dos braços do capital e tem a finalidade de perpetuar a exploração dos trabalhadores rurais e ampliar o faturamento das grandes multinacionais e não objetiva o crescimento econômico e social da população que trabalha e vive no campo. A reforma neoliberal, acentuada principalmente a partir da década de 1990, com os objetivos de cortar as “gorduras” do Estado, confirmar a supremacia do mercado, acentuar a exploração da mão de obra, a produção voltada para os interesses internacionais e a descaracterização da luta de classes, refletiu intensamente no campo brasileiro por meio de um novo modelo de desenvolvimento 244 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO agropecuário, o agronegócio (agribusiness). Esse modelo de desenvolvimento implantou definitivamente a modernização (mecânica e orgânica) das áreas rurais e destinou a maior porcentagem produtiva à supressão das demandas externas. Suas bases estão ancoradas na exploração da mão de obra que ainda resta no campo e na concentração exacerbada de terras. Para Welch; Fernandes (2005, p. 2): A imagem do agronegócio foi construída para renovar a imagem da agricultura capitalista, para “modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias. [...]. O desenvolvimento do conhecimento que provocou as mudanças tecnológicas foi construído a partir da estrutura do modo de produção capitalista. De modo que houve o aperfeiçoamento do processo, mas não a solução dos problemas socioeconômicos e políticos: o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o agronegócio promove a exclusão pela intensa produtividade. A agricultura camponesa é cooptada pelo agronegócio à medida que ambos são tratados de igual para igual no âmbito do mercado. As políticas são direcionadas ao produtivismo característico do agronegócio e acirram ainda mais a competição desigual entre ambos. As relações estabelecidas no campo diante do capitalismo globalizado perpetuam a dominação dos territórios por aqueles que detêm a maior parte do poder. A agricultura camponesa tenta se 245 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades organizar na produção para subsistência e para abastecimento interno do país, tentando subsistir à realidade das redes do agronegócio que tendem a engolir as pequenas propriedades que se mostram como empecilhos em seu caminho. Bruno (2008, p. 83), ao analisar o agronegócio e os novos modos de conflituosidades nas últimas décadas, afirma a existência de “[...] um novo ciclo de conflituosidade no campo que agrega, de um lado, grandes proprietários de terra, empresários do agronegócio e seus porta-vozes e, de outro, trabalhadores rurais sem terra, agricultores familiares e seus mediadores”. É necessário considerar que, ao mesmo tempo em que os novos componentes da engrenagem capitalista propõem uma reorganização espacial dos territórios e viabilizam novas formas de acumulação e exploração, também acirram as desigualdades e, consequentemente, possibilitam a ascensão das camadas sociais subalternas na negação da dominação imposta, expressa nas lutas sociais. As lutas pela terra e pela reforma agrária realizadas pelo MST demonstram a contestação popular diante da acumulação e exploração econômica capitalista. A instabilidade do capital é o caminho para os movimentos sociais que não consentem as relações de opressão do capital. Para Harvey (2005, p. 87), “[...] a paisagem da atividade capitalista está eivada de contradições e tensões [...], é perpetuamente instável diante de todos os tipos de pressões técnicas e econômicas que sobre ela incidem”. Na luta contra a opressão e a exploração do capital no campo brasileiro, o MST é o principal protagonista. Esse Movimento foi gestado na década de 1980, sendo formalmente criado entre os dias 20 e 22 de janeiro de 1984 durante o I Encontro Nacional dos SemTerra, realizado em Cascavel – Paraná. Seu contexto de criação coincide com um período de grande efervescência política, econômica 246 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO e social no Brasil durante a transição da ditadura para a democracia representativa. Participaram desse Encontro trabalhadores rurais de 12 Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Pará, Goiás, Rondônia, Acre e Roraima. Para Morissawa (2001, p. 138): As atividades iniciais do Encontro foram voltadas a apresentar as principais lutas desenvolvidas pelos sem-terra e as políticas dos governos estaduais e federal quanto à questão. Isso possibilitou a análise das diferentes realidades dos camponeses. As lições aprendidas até então no processo foram fundamentais para o encaminhamento de novas lutas. Na comemoração dos 25 anos de lutas e conquistas do MST, em 2009, as estatísticas evidenciaram a presença do Movimento em 24 Estados, no qual existem 370 mil famílias assentadas nos 7,5 milhões de hectares conquistados e 150 mil famílias em mais de 900 acampamentos que persistem na luta pela terra (MST, 2009). Seus objetivos principais continuam sendo a distribuição da terra, de forma igualitária, criação de empregos, acesso aos bens sociais, tais como saúde, educação, e, mais do que isso, lutam por um novo projeto popular para o Brasil, com início no campo, mas com vias de expansão por todo o país. Para Caldart (2001, p. 1): O MST vem ajudando a recolocar na agenda política brasileira a questão da Reforma Agrária: fazendo a luta pela terra e afirmando, em suas iniciativas, a possibilidade de novas relações sociais e de um novo projeto de desenvolvimento para o campo e para o país. O MST tem chamado a 247 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades atenção dos diversos segmentos da sociedade por apresentar determinadas características que o distinguem em sua trajetória de movimento social de trabalhadores e trabalhadoras do campo. Uma trajetória breve, diga-se, se o considerarmos dentro de um processo histórico mais amplo, mas longa se o compararmos com a maioria dos movimentos camponeses do Brasil, geralmente destruídos com muito menos tempo de vida. O MST, desde o início de sua atuação oficial, investiu na organização de eventos nacionais, como congressos e encontros, para estabelecer os objetivos a serem conquistados, de forma coletiva, e mostrar para a sociedade que a sua batalha está em movimento. As palavras de ordem, elaboradas nos Congressos Nacionais, refletem suas preocupações fundamentais e também a extensão da sua luta: “Sem Reforma Agrária, não Há Democracia” (1985), “Ocupar, resistir, produzir” (1990), “Reforma Agrária: uma luta de todos” (1995), “Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndios” (2000), “Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular” (2007). A Reforma Agrária é uma das bandeiras de maior visibilidade social do MST. Em seu programa estão definidas as necessidades de modificar a estrutura da propriedade da terra; subordinar a propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos da sociedade; garantir que a produção da agropecuária esteja 5 Lê-se na Constituição Federal de 1988: “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigências estabelecidas em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; VI – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores” (BRASIL, 1988). 248 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO voltada para a segurança alimentar, a eliminação da fome e o desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores rurais; apoiar a agricultura familiar; desenvolver técnicas modernas sustentáveis; entre outras. As ocupações são os primeiros passos para tencionar a concentração de riquezas no campo e fazer valer a função social5 da terra. Como evidenciou Morissawa (2001, p. 132), “a ocupação é para o MST uma ação voltada a abrir um espaço de luta e resistência. Com ela se cria uma outra condição para o enfrentamento. Ao realizála, os sem-terra conquistam a possibilidade de negociação”. Os assentamentos representam o próximo estágio de luta, espaço de vida, trabalho e produção. É a possibilidade concreta de construir novas relações de trabalho sob a ótica humana, um processo de afirmação de novos sujeitos do campo que objetivam suas práticas de forma não agressiva ao meio ambiente, como, por exemplo, por meio das organizações cooperativas ancoradas nos princípios da Agroecologia. Para a Secretaria Nacional do MST, Os assentamentos caminham no sentido da resolução das necessidades das famílias, criando condições para o trabalho, para a produção e moradia, ou seja, organizam a economia e as dimensões da vida social, educacional e cultural das famílias assentadas. Dessa for ma, os assentamentos são a grande contribuição do MST para a sociedade brasileira. Buscamos em cada assentamento desenvolver uma mentalidade e uma atitude de Soberania Alimentar, compreendendo que a nossa primeira tarefa é produzir alimentos e eliminar a fome. [...]. Além disso, temos um compromisso com a agroecologia, por meio da qual buscamos criar uma base material e técnico-científica para uma 249 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades nova relação de produção, sustentável, que preserve a natureza. (MST, 2010, p. 21). Para além da Reforma Agrária e do projeto de campo livre das amarras do capital, o MST transcende as fronteiras do campo e tenta expandir sua luta para a totalidade brasileira. Entre seus objetivos está a construção de uma sociedade sem exploradores, em que o trabalho tenha supremacia sobre o capital e a difusão de valores humanistas e socialistas embase as relações sociais. É necessário notabilizar que a defesa do território camponês, enquanto espaço de vida, não significa considerá-lo superior à cidade, mas compreender sua completude, para além da dicotomia campo-cidade, e desvelar o seu sentido e papel no interior da sociedade global enquanto espaço de contestação e de resistência aos ditames da classe hegemônica. Caldart (2001), ao destacar algumas características basilares do MST que o distinguem de outros movimentos populares, ressalta “a capacidade [do Movimento] que vem construindo de universalizar, ou de tornar a sociedade como um todo, uma bandeira de luta” e a “multiplicidade de dimensões em que atua”. A universalização da luta é crucial para a ampliação desse Movimento em nível de Brasil, América Latina e Mundo, e a multiplicidade de dimensões para qualificar a ação do Movimento na medida em que visa garantir não somente questões relacionadas à produção, mas também, à saúde, à cultura, aos direitos humanos e à educação, principal foco de discussão neste trabalho. Nesse complexo jogo de forças, o MST compreendeu que a democratização do conhecimento é fundamental para a continuidade e o sucesso da luta social a favor dos explorados. Para o MST (2010, p. 23): “Escolarizar é incentivar a pensar com a própria cabeça, é desafiar a interpretar a realidade, elevando o nível cultural. É criar 250 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO condições para que cada cidadão e cidadã construam, a partir dos seus pontos de vista, seus destinos”. A constância da luta exige dos sujeitos conhecimentos tanto para dedicar-se aos assuntos práticos banais do cotidiano do campo como também para desvelar o funcionamento econômico, político e social do capitalismo, pois, diante da tirania da informação vigente na sociedade globalizada, que, ao invés de esclarecer, obscurece o entendimento do mundo, faz-se cada vez mais necessário “[...] passar de uma situação crítica a uma visão crítica – e, em seguida, alcançar uma tomada de consciência” (SANTOS, 2008, p. 116). A Luta por Políticas para a Educação do Campo Na atualidade, de acordo com dados da Secretaria Nacional do MST (2010), a Educação do Campo está materializada nos 24 estados brasileiros por meio das 2.250 escolas públicas localizadas em assentamentos e acampamentos (Escolas Itinerantes75), das quais 1.800 são escolas de 1ª à 4ª série; 400, escolas de Ensino Fundamental Completo; e 50, escolas de Ensino Médio. Em torno de 350 mil integrantes do MST já concluíram cursos de alfabetização, ensino fundamental e médio, curso técnico e superior. Em relação ao ensino técnico e superior, existem mais de 5.000 educandos estudando em universidades públicas que possuem parceria com o MST. São aproximadamente 100 cursos formais, divididos em técnicos (Administração de Cooperativas, Saúde Comunitária, Magistério e Agroecologia) e superiores (Pedagogia, Licenciatura em Educação do Campo, Letras, História, Geografia, Ciências Agrárias, Agronomia e Veterinária) (MST, 2010). Todavia, tais conquistas atravessaram um árduo caminho de luta para se efetivarem e ainda necessitam, com urgência, de garantias 251 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades políticas para que não sejam extintas por governos contrários à causa do MST. A luta pela Educação do Campo, denominada inicialmente de Ocupação das Escolas, está presente no ideário do MST desde o início de sua formação, porém suas concepções sofreram modificações e adquirem importância cada vez maior no interior do MST e no cenário nacional. Caldart (2004), ao discutir a história da educação unida à reivindicação pelo direito à terra, evidencia como a preocupação com a escolarização dos sem-terra surgiu durante as lutas, as dificuldades encontradas e o seu progresso ao longo dos anos. Com a formalização do MST em 1984 e a intensificação das ocupações de fazendas improdutivas, a maioria dos sem-terra levou sua família, mulher e crianças, para fazer parte da luta. Com o passar de meses e até mesmo anos em acampamentos, a presença de inúmeras crianças chamou a atenção de alguns sujeitos do Movimento, mães e até mesmo professoras que acompanharam seus maridos. A preocupação se referia à ausência da escolarização destinada às crianças que acompanhavam seus pais nos acampamentos. Mostrou-se necessário levar essa discussão adiante e verificar as possibilidades de se desenvolverem atividades de formação educativa nas áreas de luta do MST. Tal iniciativa não foi recebida sob um único ponto de vista, pois muitas famílias sem-terra colocaram em pauta a possível perda da centralidade da luta, que é pelo direito a terra e não por escolas. De outro lado, porém, devido à amplitude que tomava o MST pelo território brasileiro e à organização de coletivos nos acampamentos para se discutir a importância da educação, as famílias compreenderam a urgência da formação de seus sujeitos e, para além dessa análise, também entenderam que a mesma condição econômica, política e 252 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO social que gerou o MST também impulsionou a luta pelas escolas, pois, como esclarece Caldart (2004, p. 227): O mesmo modelo de desenvolvimento que gera os sem-terra também os exclui de outros direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola. A grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e de uma experiência profissional de escola que não deseja para os seus filhos: discriminação, professores despreparados, reprovação e exclusão. Iniciou-se uma mobilização entre os acampamentos e os assentamentos já existentes, em torno da luta pelas escolas, e também começaram a serem aplicadas práticas pedagógicas elaboradas pelos sujeitos do campo que, mesmo sem a formação adequada, tinham uma sensibilidade maior com a educação. Outro fator de extrema importância que foi levantado se referiu ao tipo de escola que o MST deseja para seus filhos, pois a educação da cidade e aquela apregoada pelas escolas rurais tradicionais não condiziam com a realidade do campo, pois muitas vezes exaltam a cidade como local da modernidade e o campo como local de atraso, além de exporem o preconceito para com os próprios sem-terra. De acordo com Arroyo (2004, p. 79): A cultura hegemônica trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, précientíficos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queria impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e valores 253 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades urbanos, como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. Como se os valores, a cultura, o modo de vida, o homem e mulher do campo fossem uma espécie em extinção. A escola a ser construída pelo MST não poderia estar embasada na educação que nega o valores do campo, mas, sim, na que exalta a complementaridade existente entre o campo e a cidade, valoriza o cotidiano camponês, suas lutas, suas particularidades e singularidades e, assim, com as ações dos sem-terra e a vivência de cada um, faz-se pedagogicamente junto ao Movimento. É por isso que a escola do MST é mais do que escola, pois valoriza o conjunto de conhecimento necessário a qualquer formação, como nas escolas das cidades, mas transcende as cercas da escola e articula a educação com a realidade do campo, ou seja, com a própria história em movimento. Caldart (2004, p. 249) ressalta que a proposta pedagógica do Movimento não busca “[...] apenas ter acesso à escola mas também ter o direito de constituí-la como parte da sua identidade: fazer de cada escola conquistada uma escola do MST”. Com o objetivo de discutir os trabalhos educativos que estavam em movimento nos assentamentos e elaborar diretrizes e rumos para sua continuidade, foi realizado em 1987 o I Encontro Nacional de Professores de Assentamento no município de São Mateus – Espírito Santo. Esse Encontro culminou com a criação do Setor Nacional de Educação do MST também em 1987, com os objetivos de ampliar a articulação entre os coletivos de educação distribuídos pelo território brasileiro e organizar eventos para que as práticas fossem construídas de forma coletiva. A partir de 1988, foram criados os Setores de Educação Estaduais do MST para não 254 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO permitir que as conquistas fossem perdidas e fortalecer a luta no âmbito local (CALDART, 2004). Acontecimentos importantes para a educação pela qual luta o MST foram a realização do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), este ocorrido em Brasília entre os dias 28-31 de julho de 1997, e a execução da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, ocorrida em Goiás entre os dias 27-31 de julho de 1998. Esses eventos quebraram, definitivamente, o silenciamento sobre as precárias condições educacionais do campo e evidenciaram a atenção do Movimento para com a educação de seus sujeitos. Em 1998 foi criado, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), com o objetivo geral de promover a democratização do conhecimento para as populações do campo. Sua proposta visou, inicialmente, promover a justiça social no campo por meio da Alfabetização de Jovens e Adultos (EJA), mas, posteriormente, em 2001, ampliou sua área de atuação para todas as modalidades de ensino. O PRONERA tem sido importante ferramenta para ampliação da abrangência da Educação do Campo pelas áreas de assentamentos e acampamentos do Brasil, no entanto, como analisaram Andrade e Di Pierro (2004, p. 80), “[...] a expansão do atendimento [...] tem sido limitada pela escassez e descontinuidade dos recursos financeiros atribuídos pelo Governo Federal ao Programa, que não conquistou ainda o status de política prioritária, permanente e continuada”. A aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo (BRASIL, 2001) expressou a materialização das discussões sobre educação para os povos do campo e mais um passo 255 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades em direção à constituição de políticas para a educação do campo. De acordo com Fernandes (2002, p. 91): A aprovação das Diretrizes representa um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um novo passo dessa caminhada de quem acredita que o campo e a cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas identidades culturais e modos de organização diferenciados, que não podem ser pensados como relação de dependência eterna [...]. Ocorre, no entanto, que Diretrizes não são Políticas e, como ressalta Caldart (2002, p. 26-27), “A nossa luta é no campo das políticas públicas, porque esta é a única maneira de universalizarmos o acesso de todo o povo à educação”. O reconhecimento político da educação do campo é essencial para enraizá-la na agenda nacional das esferas municipais, estaduais e federais. O Movimento tem a consciência de que a Educação do Campo é um direito das populações e um dever do Estado, o que expressa uma interessante contradição no âmbito da luta educacional do MST, ou seja, ao mesmo tempo em que o Movimento contesta e tenciona as estruturas do Estado burguês, necessita do mesmo estado para garantir o acesso à educação para os povos do campo, uma educação que continuará a fomentar a luta contra as práticas exploratórias do modo de produção capitalista. Munarim (2006, p. 17) esclarece tal contradição, pois, para ele, os sem-terra 256 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO [...] vivem uma espécie de dilema. Isto é, buscar o patamar da política pública, que quer dizer universal, é definido como estratégia básica, maior e mais nobre de suas ações. De outro lado, porém, isso implica para cada um desses sujeitos sociais renunciar, pelo menos em parte, às condições de formação de sua identidade na medida que transfere ao Estado a tarefa de formação. É compreensível, pois, que nas lutas de hegemonia entre os próprios sujeitos sociais e nas relações com o Estado, eles reivindiquem a ação do Estado educador, mas procurem, ao mesmo tempo e a partir de suas próprias experiências pedagógicas, informar e mesmo influir diretamente nessas ações que se dão dentro do sistema público. É basilar não perder de vista a atuação do Movimento mesmo na esfera da política pública, pois não basta apenas lutar pelo direito à educação neste Estado burguês, pois é também necessário lutar pela continuidade e manutenção da proposta original de educação elaborada pelos próprios povos do campo, ou seja, uma educação que vai além dos muros da escola e além da formação de militantes do MST, uma educação para a emancipação humana e para a busca de outra sociedade que não tenha a exploração como seu sustento. Considerações finais Diante dos aspectos apresentados, o texto é finalizado de forma paradoxal, ou seja, é concluído na ausência de conclusões, pois o MST e sua luta pela Educação do Campo estão em constante movimento e, portanto, não há resultados finais, mas apenas 257 A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades considerações em relação às possibilidades que emergem das intrínsecas contradições do modo de produção capitalista e são aproveitadas pelo MST junto à sua preocupação com a formação dos sujeitos, traduzida na Educação do Campo. O MST, enquanto movimento social mais expressivo do Brasil, é complexo quando verificadas todas as suas dimensões de atuação, da luta pela terra à luta pela educação. É uma manifestação contra-hegemônica que busca compreender as condições atuais da economia, política e sociedade nacional e internacional e tem como campo de luta específico o campo. Por meio de suas práticas cooperativas e da agroecologia busca tencionar as práticas exploratórias e degradantes do agronegócio e luta por um novo projeto de campo com vias de expansão para todo o Brasil. A educação é um de seus pilares fundamentais e desde o início das atividades do MST esteve presente em suas ações. Com o crescimento da luta e expansão pelo território brasileiro, tornou-se cada vez mais necessária a educação destinada às crianças, aos jovens e aos adultos. A formação dos sujeitos sem-terra mostrou-se fundamental para a qualificação e a continuidade da luta, pois os tentáculos do capital são muitos e lançam mão de complexas estratégias para obstruir as mudanças que não são de seu interesse. É nesse sentido que a luta por políticas para garantir e financiar a educação do campo é fundamental para a manutenção da luta social do MST na medida em que o conhecimento é pressuposto, embora não suficiente, para a prática revolucionária de transformação na realidade. Em suma, verificou-se que as tendências da globalização hegemônica, que buscam tudo mercantilizar e homogeneizar, também possibilitam as contestações de quem está excluso do processo de distribuição e divisão de riquezas, e que as próprias condições concretas da sociedade atual viabilizam a construção de um mundo 258 JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO diferente do atual, para além da desigualdade, ou seja, para além das classes sociais, como evidencia a epígrafe escolhida para se iniciar este texto. A educação do campo transcende as fronteiras do campo e mostra a urgência do conhecimento para todos os seres sociais, como forma de contestação, resistência e possibilidade, diante de uma sociedade que busca obscurecer o entendimento da totalidade e aprofundar as condições de exploração e expropriação das classes subalternas. Referências ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaio de sociologia do trabalho. Londrina, PR: Práxis, 2007. ANDRADE, M. R.; DI PIERRO, M. 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Dentre os aspectos políticos para a educação, destacase o princípio da gestão democrática, presente na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996, abordada na última parte do texto. Este capítulo1 resulta de estudos desenvolvidos sobre políticas públicas em diálogo com referencial teórico sobre outro tema de estudos e pesquisa: o trabalho dos professores. Pode-se considerar 1 Este capítulo é resultante dos estudos e das pesquisas desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFSM, no Curso de Mestrado em Educação. 263 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores que tais estudos estão organizados a partir de três pilares temáticos: escola, educação e políticas públicas. O espaço e o tempo da escola foi o elemento que permitiu estabelecer uma relação indissociável entre teoria e prática, possibilitando conhecer as implicações dos temas entre si e com o contexto político mais amplo da educação. Tal argumento se justifica com argumentos de Pérez Gómez, segundo o qual “[...] para refletir sobre a legislação escolar brasileira é imprescindível compreendê-la por meio do espaço escolar como espaço público de direito da cidadania” (2001, p. 195). A fim de elaborar sentidos sobre a educação brasileira, é importante, também, compreender as relações entre as políticas públicas educacionais brasileiras e as políticas do macrossistema econômico mundial. Em decorrência, pode-se afirmar que as políticas públicas normalmente se referem a questões não estabelecidas a partir do contexto imediato, mas resultantes de um processo histórico que abrange aspectos políticos, sociais e econômicos. Nesse estudo, são apresentadas as fases do capitalismo que correspondem aos modelos taylorista/fordista e, posteriormente, ao modelo toyotista 2 de produção e organização do trabalho. Nessa perspectiva, pretende-se argumentar sobre de que maneira o capitalismo influencia e/ou influenciou na configuração atual da gestão educacional e do trabalho dos professores, principalmente através da gestão democrática, presente como princípio na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996, apresentados na última parte do texto. 2 O fordismo caracterizou-se por iniciar uma aceleração no processo de produção, utilizando mecanismos hierárquicos, rigidamente estruturados, os princípios tayloristas de administração científica, e intensificando os modos de controle do trabalho dos operários. O toyotismo, genericamente, é o processo de flexibilização da produção, o que exige trabalhadores multifuncionais. 264 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA Concepções de política No senso comum, decorrente de uma história peculiar no Brasil, predomina certo consenso de que política seja algo ruim, negativo. Na maioria das vezes, no entanto, esses discursos se referem a um tipo específico de política, a partidária. Descontente com problemas de diferentes naturezas em âmbitos diversos (municipal, estadual ou federal), grande parte da população, não raramente de maneira equivocada, atribui esse quadro desfavorável às decisões de seus representantes no governo, no caso, os políticos, cujas atitudes coletivas passam a ser entendidas como a política em si, substituindose a criação pelos seres, personalizando-se (e personificando-se) a política. Os inúmeros casos de corrupção acabam por justificar a desilusão da população nas diferentes esferas políticas. Por isso que, em conversas corriqueiras, ao se comentar sobre acontecimentos cotidianos referentes a decisões no âmbito governamental, é comum ouvir-se frases como “Eu não gosto de política”, “Não quero saber de política”. Diferentemente dessa versão, própria do senso comum, na Antiguidade grega, a política era entendida como característica ontológica dos seres humanos, portanto, intrínseca e indissociável do humano. Para Aristóteles (1998), a política seria a ciência da felicidade humana, a qual era subdividida em: ética (referente ao estudo do que é felicidade) e política propriamente dita (concernente ao estudo de como obter a felicidade). Nesse sentido, estava relacionada diretamente à vida prática, uma vez que também a felicidade era relativa às ações cotidianas. O objetivo da política, então, seria descobrir a maneira de viver que levasse à felicidade, à forma de governo e às instituições sociais capazes de garanti-la. Como a vida dos seres humanos se revela pela busca incessante em ser feliz, de acordo com Aristóteles (1998), a política tornar-se-ia inerente 265 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores à sua constituição, ideia expressa em seu conhecido aforismo: “todo homem é político por natureza”. Relacionada à política, a concepção de democracia também é uma produção grega e está relacionada à evolução da política. Tão discutida nos dias atuais, a democracia é resultante, segundo Bobbio (2000), de três fases da tradição política: a teoria clássica, de base aristotélica, ou a democracia como governo do povo, dos cidadãos; a teoria medieval, herdeira da perspectiva romana, o poder delegado, conforme a posição social; a teoria moderna, com base em Maquiavel (1469 – 1527), relacionada ao Estado Moderno, distribuída em dois modelos: a monarquia e a República (BOBBIO, 2000, p. 219). Desse modo, é possível perceber que, em outros diferentes contextos sociais e históricos, o termo política estabelece relações de sentidos diversos, podendo inclusive ser entendido como um conjunto de políticas. Vieira (2007, p. 55) declara que “[...] não há políticas, sem política”. A partir do que pode afirmar que aquelas se constituem em uma dimensão desta. Portanto, a concepção de política vai ao encontro deste entendimento e precisa ser contextualizada. Importante é considerar que a política está diretamente relacionada à ideologia, entendida como o modo como se descreve o real, sob o ponto de vista das classes dominantes (LÖWY, 1988, p. 12). Em continuidade à tentativa de descrever uma concepção de política, e, nesse conjunto, delimitar o foco de nosso trabalho, que são as políticas públicas educacionais, considera-se a significativa contribuição de Freitag (1986) ao afirmar: “[...] a política educacional não é senão um caso particular das políticas sociais”. Nesse sentido, a educação é entendida como uma política pública, manifestada através de políticas educacionais. Nesse viés, sobre a diferença entre política e políticas de educação, a explicação seguinte é bastante esclarecedora: 266 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA A Política Educacional (assim em letras maiúsculas) é uma, é a Ciência Política em sua aplicação ao caso concreto da educação, porém, as políticas educacionais (agora em minúsculas) são múltiplas, diversas e alternativas. A Política Educacional é, portanto, a reflexão teórica sobre as políticas educacionais [...] se há de considerar a Política Educacional como uma aplicação da Ciência Política ao estudo do setor educacional e, por sua parte, as políticas educacionais como políticas que se dirigem a resolver questões educacionais. (PEDRÓ & PUIG, 1998). Azevedo (2004) mostra que a abordagem das políticas educacionais implica o enfrentamento de tensões que objetiva, ao encontro do que propôs Aristóteles (1998), a felicidade e a emancipação humanas. Tais tensões podem ser vislumbradas através de sua explicação para política a partir da língua inglesa, que desdobra o termo em policy e politics. Nas palavras da autora: A política educacional definida como policy – programa de ação – é um fenômeno que se produz no contexto das relações de poder expressas nas politics – política no sentido de dominação – e, portanto, no contexto de relações sociais que plasmam assimetrias, a exclusão e as desigualdades que se configuram na sociedade e no nosso objeto. (AZEVEDO, 2004). No sentido de ampliar a concepção de política e, em decorrência, de políticas educacionais, é importante considerar que estão, na atualidade, diretamente afetadas pelo contexto neoliberal vigente. Nesse caso, o Estado não se encontra relacionado a governos 267 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores nacionais, mas está inserido em um processo de governo mais abrangente. Além disso, não somente a economia passa a ser determinada globalmente, mas as propostas para os diferentes âmbitos da sociedade, dentre elas, a educação, uma vez que, para o neoliberalismo, a educação ainda realiza a função estratégica no desenvolvimento da economia, já que forma recursos humanos “competentes” para a estrutura produtiva. Nessa perspectiva, a seguir, será apresentado um panorama do neoliberalismo a fim de argumentar sobre suas consequências para as políticas públicas, a gestão democrática na escola e o trabalho dos professores. Os contextos em que se produzem políticas sociais Sobretudo nos últimos trinta anos no Brasil, os processos de urbanização, as consequentes mudanças sociais e, ao mesmo tempo, a redução dos investimentos nas políticas sociais, acirraram as dificuldades, gerando efeitos na educação, entre os quais, os mais conhecidos são o aumento não planejado do atendimento a estudantes nos sistemas públicos de educação, a pauperização acentuada na infraestrutura desses sistemas, perda de vários ganhos políticos e salariais dos professores, além dos conhecidos processos de intensificação, precarização, fragmentação e performatividade3 do trabalho dos professores. Todos esses fatores convergem para que se perceba, paralelamente, uma acentuada queda nos índices de aprovação dos estudantes, sendo necessário ver esses dados em 3 A intensificação refere-se ao amplo processo de exploração cada vez maior do tempo de trabalho dos professores, inclusive para além do tempo contratual. A precarização diz respeito à falta de condições para um trabalho efetivo do ponto de vista material e humano. A fragmentação revela-se na contínua dependência de outros profissionais para que a produção da aula aconteça. A performatividade está relacionada às políticas educacionais e aos modos de regulação do trabalho dos professores. 268 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA conjunto, evitando-se a tendência de culpabilizar somente os professores e seu trabalho por esses resultados. A partir de 1980, sob influência dos acordos e ditames neoliberais, há o incentivo à dinamização e à flexibilização do trabalho pedagógico na escola. Dinamiza-se o tempo de aula, o acesso ao conhecimento e flexibiliza-se o currículo, as relações entre os sujeitos. Desse modo, pensa-se estar produzindo uma escola mais em acordo com o modelo toyotista de produção, abordado anteriormente. Nesse contexto, o Estado deixa de ser o provedor e passa, paulatinamente, a ser o avaliador, criando mecanismos de toda a sorte para verificar se os investimentos parcos da União, das comunidades e até mesmo o voluntariado estão repercutindo em melhoria dos índices de aprovação dos estudantes. Então, contraditoriamente, políticas públicas, tão valorizadas nos discursos governamentais, se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais. Magalhães e Stoer apresentam abordagens sobre a política e os processos de decisão expondo um “[...] dispositivo hermenêutico que nos permita simultaneamente escapar ao anything goes (vale tudo) pósmodernista e localizar as acções políticas na nova geografia dos processos de decisão” (2005, p. 19). Nessa perspectiva, descrevem seu entendimento de política social, afirmando que o que faz uma política ser social não são os princípios que traz em si, que as organiza, mas “[...] a sua activação no contexto que visa enquanto projecto de mudança social” (MAGALHÃES; STOER, 2005, p. 25). Essa mudança social é desejada desde a ascensão da burguesia, mas que, sob a forma de políticas sociais, tem suas raízes somente nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos 269 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores entre capital e trabalho, no desenvolvimento das indústrias. Nesse sentido, Offe adverte: [...] parece ser mais fecundo interpretar a política educacional estatal sob o ponto de vista estratégico de estabelecer um máximo de opções de troca para o capital e para a força de trabalho, de modo a maximizar a probabilidade de que membros de ambas as classes possam ingressar nas relações de produção capitalistas. (1984, 128). Assim, as políticas educacionais, nesse viés, revelam um processo de reestruturação do Estado que se adapta às exigências neoliberais e da globalização. O neoliberalismo surgiu para a retomada das taxas de desenvolvimento econômico do pós-guerra. Era uma época de crise do capitalismo devido ao poder crescente dos sindicatos a interferir no gerenciamento dos ganhos e de gastos com a manutenção dos direitos sociais. Seus resultados mais imediatos são a desenfreada inflação, controle das ações sindicais que representavam a classe trabalhadora, a mudança do Estado que se tornou não interventor, controle dos gastos com políticas sociais, desempregos e controle do aumento do salário. Tais mecanismos de ajuste se manifestam até hoje, toda vez que o capitalismo tem acirradas suas inúmeras crises. Paralelamente, mudam os valores sociais: preza-se a igualdade, mas destaca-se a diversidade e pluralidade; surgem novas e renovadas concepções de propriedade, democracia e defendem-se concepções de cidadania. Tais revisões conceituais vão se manifestando na esfera social através das políticas públicas, publicizadas pela mídia. No plano educativo, acirram-se as exigências de a escola reforçar e solidificar a preparação de trabalhadores aptos. Tais 270 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA exigências, quando não respondidas, são interpretadas como falta de eficiência e falta de qualidade da educação e dos profissionais da educação, isentando o Estado por suas responsabilidades. Paralelamente, outras estratégias vão sendo utilizadas para compatibilizar os objetivos da escola e os objetivos do capital: privatização das instituições educacionais, utilização das noções de competência e de qualificação como discurso educacional, avaliação externa da educação e da escola. Uma concepção de neoliberalismo é apresentada por De La Garza, quando afirma: O neoliberalismo como for mação sócioeconômico é uma configuração de configurações (não é sistêmico; também o caracterizam a contradição, a descontinuidade e a obscuridade). É por um lado uma concepção do mundo, cujo centro se encontra nas teorias da linha genética neoclássica e hoje da escolha racional; é um tipo de política de ajuste macroeconômico, que enfatiza o combate à inflação através da depressão da demanda agregada e uma forma de mudanças estrutural das economias dirigida de forma a permitir a “ação” do livre mercado; é também uma forma de Estado que rompe com os acordos keynesianos e com os pactos corporativos que buscaram conciliar acumulação de capital com legitimidade política do Estado; e é, também, uma forma de reestruturação produtiva, conseqüente com a abertura e a globalização das economias, assim como com a ruptura daqueles pactos corporativos. (1997, p. 129). 271 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores Desse modo, o neoliberalismo é a versão atualizada do liberalismo. Este foi a base sobre a qual se erigiu a sociedade capitalista, porém adequado a estes últimos tempos, nos quais se fala em reestruturação produtiva, acumulação flexível e suas consequências sobretudo sobre o emprego e o trabalho. A globalização, concepção associada ao neoliberalismo, por sua vez, interfere na educação de modo bastante claro e evidente. Globalização é um termo recorrentemente usado nas análises sobre educação, sobretudo nas políticas em educação, ao ponto de se estabelecer um aparente “[...] ambiente intelectual propício para conferir ares de novidade a acontecimentos e tendências que constituem a repetição, sob nova roupagem, de fenômenos às vezes bastante antigos” (BATISTA JÚNIOR, 1997, p. 6). E o autor ainda reafirma essa recorrente divulgação da ideia de globalização: “De um ponto de vista histórico ‘globalização’ é a palavra da moda para um processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização européia a partir do final do século XV” (BATISTA JÚNIOR, 1997, p. 6). Cabe, ainda, recuperar a concepção de globalização apresentada por Singer: “[...] processo de reorganização da divisão internacional do trabalho, acionado, em parte, pelas diferenças de produtividade e de custos de produção entre países” (SINGER, 1996). Ou seja, não apenas globalização cultural, viabilizada pelo avanço dos meios de comunicação e informação, mas a expansão da abertura de fronteiras ao capital internacional. Segundo o autor, vive-se uma segunda etapa dessa globalização, na qual “[...] os países semi-industrializados apresentavam ao capital global vantagens comparativas, que consistiam de grande disponibilidade de mão-de-obra já treinada e condicionada ao trabalho industrial a custos muito menores que nos países desenvolvidos” (SINGER, 1996). Comparadas, a primeira e a segunda etapas, do 272 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA amplo processo de globalização, Singer conclui: “Ao contrário da primeira etapa, desta vez a globalização assumia o papel de causador de desindustrialização e empobrecimento de cidades e regiões inteiras” (SINGER, 1996). Essa segunda fase, em sua exigência de “mão de obra mais qualificada”, gerou a ação planejada e intencional de organismos internacionais no sentido de gerenciar a educação no país em acordo com as demandas do capital através de “[...] projeto hegemônico, caracterizado como uma alternativa dominante à crise do capitalismo contemporâneo, através da qual se pretende levar a cabo um profundo processo de reestr uturação material e simbólica das nossas sociedades” (GENTILI, 1998, p. 102). É nesses contextos que surgem as políticas públicas. Destas, surgem as leis, entre elas, a LDB de 1996. Leis, como essa, já na década de 1970, Cury considerava que são textos cuja importância “[...] não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de realização de direitos sociais” (1978, p. 258). São textos que acompanham e orientam o modo como se desenvolve a cidadania, portanto, pressupõem luta: “Luta por inscrições mais democráticas, por efetivações mais realistas, contra descaracterizações mutiladoras, por sonhos de justiça” (CURY, 1978, p. 258). O contexto neoliberal e a (re)organização do trabalho Como já referido, o modelo de organização do trabalho que sustentou o sistema capitalista durante quase todo o século XX foi o taylorista/fordista. De forma sucinta, sob tal perspectiva, o processo de trabalho é pautado na produção em massa de mercadorias e estruturado como uma produção homogênea e vertical. Na década de 1970, no entanto, o capitalismo começa a dar sinais de colapso, sinais revelados principalmente pelo esgotamento de tais formas de organização. Antunes (2005) esclarece que tal crise justifica-se por 273 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores uma diminuição crescente do consumo, diminuição causada pelas grandes taxas de desemprego da época. Além disso, aponta que o aumento do preço da força de trabalho, conquistado através de lutas sociais, nos anos 1960, resultou em diminuição do lucro dos capitalistas. Ao aparente fracasso do sistema vigente, o pró prio capitalismo responde através do chamado neoliberalismo, já abordado anteriormente, que preconiza a total liberdade de mercado, um Estado mínimo, uma sociedade aberta, concorrencial e competitiva. Ampliando, Castells caracteriza essas transformações como um amplo processo de reestruturação marcado por: [...] maior flexibilidade de gerenciamento; descentralização das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas; considerável fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o trabalho, com o declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalhadores; individuação e diversificação cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada, geralmente em condições discriminatórias; intervenção estatal para desregular os mercados de forma seletiva e desfazer o estado do bemestar social com diferentes intensidades e ostentações, dependendo da natureza das forças e instituições políticas de cada sociedade; aumento da concorrência econômica global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários geográficos e culturais para a acumulação e a gestão do capital. (1999, p. 21-22). 274 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA Essas características estão de acordo com o contexto social capitalista. Um capitalismo “[...] global, e está estruturado, em grande medida, em uma rede de fluxos financeiros” (CASTELLS, 1999, p. 499). Essa configuração do capitalismo, sobretudo após o período auge do fordismo, passando pelo Estado de Bem Estar Social, nos países desenvolvidos, chegando ao recrudescimento, com o avanço do neoliberalismo ou o que Chesnais (1999, p. 78) denomina de “mundialização do capital”, em vez de globalização, aliado a todas as decorrências desses processos em relação à vida humana. Tais processos acabam por gerar novas configurações também do trabalho e dos trabalhadores. Então, inserido nesse quadro, ocorre um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com o objetivo de possibilitar que o capital volte às condições de expansão verificadas antes da crise. Em consequência, a hierarquia de produção é substituída pelo trabalho coletivo, pela participação, pela autonomia e pela descentralização. O modelo taylorista/fordista dá lugar ao toyotismo, que representa a flexbilização nas relações de trabalho, resultando na horizontalidade do poder de decisão e uma atribuição de cargos mais fluida. O modelo toyotista de organização do trabalho exige que os trabalhadores passem a se responsabilizar e serem responsabilizados pelo que produzem, ratificando a compreensão de que o excedente depende exclusivamente do caráter inteligente da ação dos seres humanos. Em decorrência, a fim de garantirem seus postos, os trabalhadores potencializam o dispêndio de energia e de tempo para serem o mais produtivos possível. 275 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores As políticas educacionais e o neoliberalismo Considerando-se que a educação, como ação social, é permeada pelas características de seu tempo e de seu espaço, compreender os desdobramentos das mudanças nas esferas políticoeconômicas é condição imprescindível para conhecer as razões e interesses geradores das transformações no campo educacional, desde 1970, quando começa a se revelar um metabolismo do capital que acirra as relações neoliberais e globalizadoras. Saviani (2005) explica que, em síntese, a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico significou torná-la útil ao sistema capitalista, isto é, colocá-la a serviço de interesses da classe dominante, ao qualificar a força de trabalho, o processo educativo, possibilitando o aumento da produção de mais valia. Antunes esclarece que: O século XX, sob a égide do taylorismo e do fordismo, viu nascer uma educação parcelada, fragmentária, restritiva, que especializava o trabalhador – até porque as ciências eram especializadas. De 1970 para cá, com a empresa flexível e a desespecialização multifuncional, nasceu, sob a impulsão do capital, a escola flexível. (ANTUNES, 2005). Nessa perspectiva, também, Azevedo (2004) explica que as reformas educacionais em âmbito mundial têm em comum a busca pela melhora das economias nacionais pelo fortalecimento dos laços entre escolarização, trabalho, produtividade, serviços e mercado. Desse modo, objetivam que se evidenciem competências e habilidades para o trabalho e vislumbram alcançar esse objetivo na escola, por meio de um currículo associado ao campo da administração. Pode-se 276 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA considerar que a concepção de competências é polêmica e surge em um momento localizado em relação às mudanças econômicas. Por isso, Hirata afirma que a noção de competência é “[...] bastante imprecisa e decorreu da necessidade de avaliar e classificar novos conhecimentos e novas habilidades geradas a partir das novas exigências de situações concretas de trabalho” (HIRATA, 1994, p. 132). Tais demandas surgiram em função dos “[...] novos modelos de produção e gerenciamento, e substitutiva da noção de qualificação ancorada nos postos de trabalho e das classificações profissionais que lhes eram correspondentes” (HIRATA, 1994, p. 132). Então, “o desenvolvimento de competências” é atrelado ao modelo flexível de produção e à qualificação ao seu antecessor, o modelo tayloristafordista, de produção em série. E Ramos reitera que a noção de competência, no contexto de desenvolvimento assentado na reestruturação produtiva, atende, pelo menos, a três propósitos: [...] a) reordenar conceitualmente a compreensão da relação trabalho-educação, desviando o foco dos empregos, das ocupações e das tarefas para o trabalhador em suas implicações subjetivas com o trabalho; b) institucionalizar novas formas de educar/formar os trabalhadores e de gerir o trabalho internamente às organizações e no mercado de trabalho em geral, sob novos códigos profissionais em que figuram as relações contratuais, de carreira e de salário; c) formular padrões de identificação da capacidade real do trabalhador para determinada ocupação, de tal modo que possa haver mobilidade entre as diversas estruturas de emprego em nível nacional e, também, em nível regional (como entre os 277 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores países da União Européia e do Mercosul). (RAMOS, 2001, p. 39). De maneira atrelada aos movimentos do capital, as políticas educacionais vão se estabelecendo no Brasil. Oliveira (2005) destaca que programas em âmbito nacional que se referem diretamente às escolas, sem a mediação dos órgãos intermediários do sistema, têm sido frequentes nas reformas implementadas nos últimos vinte anos, tanto no sentido de financiamento de ações quanto no sentido de avaliação de resultados. Tais iniciativas vêm associadas ao incentivo à administração por objetivos, ao estímulo à pedagogia de projetos, à cultura da eficiência e à demonstração de resultados, conformando o que Ball (2002), criticamente, denomina de performatividade escolar4. Conforme já mencionado, o processo de trabalho, de acordo com a perspectiva neoliberal, sofreu grandes modificações, caracterizadas como pós-fordistas, visto o próprio toyotismo. Uma dessas formas de gerência do trabalho, que tem influenciado o ambiente escolar e o trabalho dos professores, é o que se denomina de modelo gerencialista, como uma das bases importantes do projeto neoliberal para a educação. Hypólito & Pizzi & Vieira (2008) explicam que, como parte desse projeto, novos requisitos educacionais 4 Como exemplo de performatividade aplicada ao contexto escolar, ao tratar sobre o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), Lopes (2008) destaca que a supervalorização dos exames faz parte do que vem sendo chamado de cultura da performatividade. Segundo essa perspectiva, o conhecimento tem mais importância pelo seu valor de troca (por capital econômico ou cultural) do que pelo de uso. É como se ir à escola servisse apenas para conseguir um bom emprego. De acordo com essa lógica, as escolas que melhor se posicionam nos rankings são as que têm mais chances de proporcionar sucesso aos seus alunos. 278 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA passaram a ser exigidos e começaram a ser articulados novos processos de reestruturação educativa. Conforme os autores: As políticas neoliberais para a educação têm incluído o princípio da competência do sistema escolar, por inter médio da promoção de mecanismos de controle de qualidade externos e internos à escola, que visam a uma subordinação do sistema educativo ao mercado, ao mesmo tempo em que propõem modelos gerencialistas de avaliação do sistema. (HYPÓLITO; PIZZI; VIEIRA, 2008). Ratificando essa abordagem, Oliveira (2005) ressalta que, de forma geral, os sistemas de ensino ainda adotam uma atitude administrativa vertical sobre as escolas, impondo-lhes ações e operações. Processos participativos de decisão são impostos autoritariamente, sem promoverem essa participação em seu próprio contexto e na definição de políticas educacionais. A autora observa, também, que a literatura nacional e internacional sobre o tema da política e administração escolar evidencia certa generalização nos programas de reforma educacional na última década que tomam a escola como unidade do sistema, transformando-a em núcleo de gestão e do planejamento. Conforme Oliveira (2005), as reformas acontecidas no espaço social latino-americano na década de 1990 contribuíram para que se estabelecessem modos de regulação das políticas públicas. Regulação é outro termo caro para a compreensão dessas políticas. De acordo com Barroso (2005), o conceito de regulação é bastante polissêmico. Aqui, no entanto, pode ser entendido como o “[...] controlo de elementos autônomos, mas interdependentes e, neste sentido, é usado, por exemplo, em economia, 279 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores para identificar as intervenções de instâncias com autoridade legítima (normalmente estatais) para orientarem e coordenarem a acção dos agentes econômicos” (BARROSO, 2005). Em decorrência dessa regulação evidente nas políticas públicas, há consequências no modo de organizar e realizar a gestão das escolas, acabando também por gerar: [...] uma reestruturação do trabalho docente, podendo alterar, inclusive, sua natureza e definição. O trabalho dos professores não pode mais ser definido apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreende a gestão da escola, no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração dos projetos, à discussão coletiva do currículo e sua avaliação. (OLIVEIRA, 2005). A autora reitera que as políticas educacionais contemporâneas são, em sua maioria, políticas de gestão. Hypólito & Pizzi & Vieira (2008) explicam o fenômeno como consequência de políticas neoliberais: Entre idas e vindas, avanços e recuos, as políticas neoliberais, com um papel hegemônico, têm um efeito devastador na educação, reduzindo as políticas educacionais a políticas de gestão. A história recente da educação brasileira é um cardápio de novos programas de gestão que prometem resolver todos os problemas do ensino público, por intermédio de ações gerenciais visando à melhoria da qualidade de ensino. Para construir esse discurso hegemônico, a educação pública sofreu e sofre ataques sistemáticos de 280 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA ineficiência. A precária formação do professorado é atribuída como uma das causas e como grande responsável pelo declínio da qualidade. (HYPÓLITO; PIZZI; VIEIRA, 2008). Devido às características de abordagem temática deste estudo, não se está apresentando um aprofundamento dos diversos aspectos históricos, políticos, sociais e culturais que perpassam a discussão relativa aos termos gestão e administração. Optou-se por, neste artigo, aplicar o termo gestão em suas diferentes adjetivações: escolar, educacional e democrática, entretanto, a gestão democrática, foco desta abordagem, melhor esclarecida adiante, se configura em um princípio presente nas políticas educacionais, um eixo transversal que pode estar ou não presente na gestão escolar ou na gestão educacional, mas que, de todo modo, acaba por colaborar para a configuração do trabalho dos professores, revelando-se, geralmente, atinente aos moldes neoliberais. Cabe reafirmar, com Vieira (2005), que o termo gestão é resultante das políticas que, na realidade, acabam por revelar as intenções do Poder Público. Mesmo assim, porém, um aspecto que precisa ser destacado é a compreensão equivocada de que as políticas se concretizam exclusivamente como iniciativa do Estado. É comum se entender o Poder Público como única instância de formulação política, sabendo-se que, conforme explica a autora, “[...] é na correlação de forças entre os atores sociais das esferas do Estado – a sociedade política e civil – que se definem as formas de atuação prática, as ações governamentais e, por conseguinte, se trava o jogo das políticas sociais” (VIEIRA, 2005, p. 58). Em suma, tornam-se objeto de análise da política educacional as iniciativas do Poder Público em diferentes instâncias e espaços, abrangendo desde a sala de aula, as escolas, incluindo até os planos de educação. 281 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores Em continuidade, faz-se importante apresentar a diferença entre gestão escolar e gestão educacional, gestões que correspondem, respectivamente, às esferas micro e macro das políticas de educação. As definições encontradas na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) permitem situar o terreno da gestão educacional como espaço das ações dos governos, seja federal, estadual ou municipal. Já a gestão escolar refere-se à abrangência dos estabelecimentos de ensino. A LDB de 1996, de acordo com Vieira (2005), “[...] foi a primeira das leis da educação a dispensar atenção particular à gestão escolar atribuindo um significativo número de incumbências5 aos estabelecimentos de ensino”. Essa perspectiva marca um momento em que a escola passa a se configurar como um novo foco da política educacional. Ora, considerando-se que a escola é, em primeira instância, o lugar privilegiado do trabalho dos professores, parece decorrente que os processos de reestruturação educacional propostos pelas políticas de gestão neoliberais têm forte impacto sobre o trabalho dos professores. Por isso, a seguir, discutir-se-á o impacto dessas políticas de reestruturação da educação sobre o trabalho dos professores, analisando as condições de execução e os processos de intensificação a partir da publicação do princípio da gestão democrática na LDB de 1996. 1 São as seguintes as incumbências atribuídas aos estabelecimentos de ensino em lei: “elaborar e executar sua proposta pedagógica; administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; prover meios para a recuperação de alunos de menor rendimento; articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica” (LDB de 1996, Art. 12, Incisos I a VII). 282 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA Gestão democrática e a intensificação do trabalho dos professores As transformações no trabalho dos professores, como resultado do processo de reestruturação produtiva do trabalho em geral, acontecem mais precisamente e de maneira sistemática a partir da consagração do princípio de gestão democrática na Constituição Federal, de 1988, e de sua posterior regulamentação pela Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira (LDB) de 1996. A Constituição Federal de 1988 aponta para modificações necessárias na gestão educacional, com vistas a imprimir-lhe qualidade. Do conjunto dos dispositivos constitucionais sobre educação, é possível inferir que essa qualidade diz respeito ao caráter democrático, cooperativo, planejado e responsável da gestão educacional, orientado pelos princípios arrolados no artigo 206 do documento. Entre esses princípios se coloca a garantia de um padrão de qualidade do ensino e a gestão democrática desse ensino (BRASIL, 1989), posteriormente regulamentada na LDB de 1996. Esse modelo de gestão educacional inclui a viabilização de formas diversas de mobilização dos sujeitos, com vistas ao compartilhamento da tarefa educativa, num movimento que relativiza a atuação direta e a responsabilidade estatal nessa área. Com esses propósitos desencadeiam-se medidas de reforma e inovação político-institucionais e administrativas. Nessa perspectiva de Gestão Democrática há a descentralização das decisões e as mudanças efetivas acontecem fundamentalmente pela participação coletiva, pautada no princípio de autonomia. Nessa situação, há que se destacar o caráter paradoxal da Gestão Democrática. Hypólito & Pizzi & Vieira (2008) explicam que: 283 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores De um lado, preconiza um estado fraco por onde justifica toda a ineficiência do que é público, apontando culpados para a crise da escola, tais como a ineficiência administrativa, a centralização financeira, a desprofissionalização docente, os sindicatos, etc. Como solução apresenta a submissão da escola pública às regulações do mercado incentivando for mas gerenciais baseadas nos modelos pós-fordistas, e descentralizando aspectos administrativofinanceiros em nome da autonomia escolar. De outro, preconiza um estado forte que exerce controle centralizado sobre aspectos fundamentais do cotidiano escolar, tais como a definição do currículo nacional; programas de formação docente articulados à Mídia [...]. (HYPÓLITO; PIZZI; VIEIRA, 2008, p. 10). Isso significa que, pautada numa concepção de gerencialismo econômico que visa ao fortalecimento do capitalismo neoliberal, apesar de representar uma conquista, traz novas exigências para os envolvidos. Seria a mudança do caráter taylorista/fordista para o toyotista no campo educacional. Nesse caso, fica evidente que as conseqüências de tal modelo no contexto escolar têm como foco o trabalho dos professores, já que este se amplia, englobando, além da aula, outras atividades relativas à gestão da própria escola, descritas através da necessidade de participação, de comprometimento, de envolvimento e de autonomia necessárias a todo o processo escolar. Desse modo, os professores intensificam seu trabalho: para além da aula, devem participar e se envolver com as atividades de gerenciamento de pessoal, financiamento, atenção à comunidade, 284 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA entre outras atividades que compõem o processo de gestão escolar democrático. A partir do princípio de Gestão Democrática, os trabalhadores docentes veem-se forçados a dominarem práticas e saberes que antes não eram exigidos deles para suas funções. Oliveira (2005) aponta que, muitas vezes, os professores recebem tais exigências como avanço em termos de autonomia e democratização da escola e de seu trabalho. Ocorre, no entanto, que a sobrecarga de atividades e a maior responsabilização por parte dos professores sobre os destinos da escola e dos estudantes não são acompanhadas de melhor remuneração, parecendo que ele “paga o preço” por sua autonomia, que acaba sendo relativa. Neste contexto educativo, os professores têm vários tipos de trabalhos individuais e pouco tempo para estar com os colegas em seu ambiente de socialização. E, contraditoriamente, conforme destaca Ferreira (2007), a educação implica necessariamente interação entre sujeitos. A autora destaca que se tornar profissional significa mais que apenas competências, pois requer também a integração entre um grupo de trabalhadores, cuja característica comum é o objeto de trabalho, no caso, o conhecimento. É necessário que haja reflexão e ação coletiva sobre e a partir do trabalho pedagógico, para que se evidencie um projeto pedagógico escolar efetivo (FERREIRA, 2007). O isolamento e o excesso de trabalho, aliados a uma condição financeira desfavorável, acabam por determinar um quadro que foi denominado originalmente, por Michael Apple (1995), como intensificação do trabalho. Em estudos posteriores ao de Apple (1995), Hargreaves (1998) caracteriza tal fenômeno da seguinte maneira: 285 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores [...] um processo em que os docentes têm que responder a pressões cada vez mais fortes e consentir com inovações crescentes sob condições de trabalho que, na melhor das hipóteses, se mantêm as mesmas e que, na pior situação – mais comum entre nós, vão se precarizando cruelmente. (HARGREAVES, 1998 apud HYPOLITO, PIZZI, VIEIRA 2008). No livro I, de O Capital, Marx (2008, p. 467) refere-se à intensificação do trabalho, como uma das “conseqüências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador”, ao lado da apropriação das forças de trabalho pelo capital e do prolongamento da jornada de trabalho 6. O autor explica ainda que, sempre que acontece desmedidamente, há uma reação da sociedade que reivindica para que a jornada se torne limitada legalmente, porém, como um ciclo vicioso, é justamente por esse fato que o trabalho do operário se intensifica. Isso porque, em um espaço de tempo menor, precisa produzir, pelo menos, o mesmo que fazia em uma jornada estendida. Segundo Marx (2008, p. 470), “[...] a redução da jornada cria de início a condição subjetiva para intensificar o trabalho, capacitando o trabalhador a empregar mais força num tempo dado”. Em síntese, como o próprio Marx explica, há uma conversão da grandeza extensiva para a intensiva. Vale destacar, no entanto, que tal conversão não acontece no trabalho dos professores no contexto neoliberal atual, em que parece que ambas as grandezas são sobrepostas. Hypolito, Pizzi e Vieira 6 “[...] alguns países do continente fixam um ‘tempo máximo’ durante o qual uma pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura” (ANTUNES, 2004, p. 86). 286 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA (2008) apresentam uma série de fatores que caracterizariam o processo de intensificação, dos quais se destaca a falta de tempo para descanso na jornada de trabalho e a sensação crônica e persistente de sobrecarga de trabalho que sempre parece estar aumentando. Nessa situação, o trabalho dos professores, se, por um lado, é, na contemporaneidade, o modo de pertencer a uma classe profissional, de se incluir socialmente; por outro, é um modo de entrar em contato com tudo o que ofende e macula a condição humana, na medida em que exige esforço demasiado, controla a utilização do tempo e exaure. Considerações finais O propósito deste texto foi propor discussões que possam auxiliar os trabalhadores da educação a entenderem melhor as pressuposições constantes nas políticas públicas, as quais acabam por determinar a forma de trabalho a que estão submetidos. Essa forma como se apresenta o trabalho está, indelevelmente, organizada a partir das características do capitalismo em seu estágio atual. Assim, portanto, exige lutas dos trabalhadores com o intuito de garantir condições e possibilidades para seu trabalho. No caso específico dos professores, tais pressupostos interferem imensamente em seu trabalho, gerando, não raramente, seu desconhecimento em seu próprio trabalho. A gestão com características democráticas, que supere o fato de ser uma política com características neoliberais, exige o enfrentamento dos conflitos, das resistências, o desvelamento das relações de poderes e, sobretudo, a circulação da palavra. Para tanto, uma das mais exigentes atividades dos gestores é promover o diálogo, não se omitir diante da diferença. Essas são condições para a gestão democrática, condições sem as 287 Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores quais fica impossibilitada a convivência e a coletividade, a elaboração de um projeto educacional comprometido e visando à transformação social, estas características básicas para que se configurem projetos em educação marcados pela qualidade real, não aquela superficial e inclusa nas perspectivas neoliberais. Acredita-se que o entendimento do princípio de Gestão Democrática colabore para tal percepção, na medida em que se perceba de que modo contribui para a intensificação do trabalho e para uma democratização. É também desse modo que se podem superar as características de muitas gestões em educação assentadas no corporativismo, na competitividade, no impedimento da circulação da palavra. Pensa-se nessas perspectivas como encaminhamento de uma real função social da escola - real porque fruto de uma análise daquela cultura, daquele grupo social; real porque efetivamente produzida por aquela comunidade educacional. Referências ANTUNES, R. (Org.). Os sentidos do trabalho – ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 7ª reimpressão. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. APPLE, M. W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1995. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BALL, S. J. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação, v. 15, n. 2, p. 3-23, 2002. BARROSO, J. “O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas”. In: Educação & Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 92, p. 288 CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA 725-751, out. 2005. BATISTA JÚNIOR, P. N. Mitos da globalização. 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TERRAZZAN LIDIANE LIMANA PUIATI ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA LUCIANA BAGOLIN ZAMBON JANAÍNA XAVIER DE ALMEIDA Introdução Este capítulo apresenta uma síntese dos principais resultados de investigações realizadas pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Inter venções “Inovação Educacional, Práticas Educativas e Formação de Professores” (Gepi INOVAEDUC), a respeito da temática geral de pesquisa “Políticas Públicas em Educação”, aqui denominadas “Políticas educacionais”. De modo mais específico, estes resultados referem-se às ações investigativas realizadas pelo Núcleo de Pesquisa do projeto IEPAM (Inovações Educacionais e as Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil )1, sediado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 1 Projeto de Pesquisa “Inovações Educacionais e as Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil”, aprovado no Edital CAPES/INEP/SECAD n.001/ 2008 do Programa Observatório da Educação, sob o número 3284. Este projeto é desenvolvido em rede, articulando ações de Núcleos de Pesquisa vinculados a três Instituições de Ensino Superior (IES): Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), de Santa Maria/RS; Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Curitiba/PR; e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande/MS. 291 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica O objetivo geral deste projeto (IEPAM) é compreender as incidências de algumas Políticas Educacionais em Escolas de Educação Básica, a saber: políticas de avaliação da educação básica, políticas de materiais didáticos e políticas de formação de professores. Assim, neste trabalho, apresentamos, de modo mais específico, resultados de ações investigativas de subgrupos do Gepi INOVAEDUC, as quais objetivam a compreensão da incidência, nas Escolas de Educação Básica da região de Santa Maria/RS, das seguintes políticas: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da CAPES/MEC2, Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) da SEB/MEC3, Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) do INEP/MEC 4e o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS) da SEDUC/ RS5. Partimos do pressuposto de que as orientações e as exigências presentes nas políticas educacionais prescrevem, em algum nível, o desenvolvimento das atividades cotidianas das unidades escolares. Nesse sentido, compreender as formas pelas quais essas políticas incidem nas instituições escolares permite estabelecer considerações fundamentadas sobre a organização e o desenvolvimento do trabalho nelas realizado (trabalho escolar). E, assim, torna-se possível um repensar a educação escolar, tendo em vista a melhoria da sua qualidade. 2 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Coordenadoria de Aperfeiçaomento de Pessoal do Nível Superior do Ministério da Educação. 3 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. 4 Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais - INEP do Ministério da Educação. 5 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS) da SEDUC/RS. 292 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. Para um melhor entendimento de nossos resultados, primeiramente, caracterizamos, de modo breve, o contexto social no qual essas instituições estão inseridas e especificamos a noção de política educacional com a qual nosso grupo vem trabalhando. Ao final, apresentamos, mediante uma breve caracterização de cada uma das políticas educacionais acima referidas, os resultados alcançados pelas ações investigativas de nosso grupo de pesquisa acerca dessas políticas educacionais. A sociedade na alta modernidade Na contemporaneidade, os contextos sociais nos quais as instituições escolares estão inseridas caracterizam-se, entre outros aspectos, por sua forte vinculação ao contexto mundial, sendo este ser marcado por diversas transformações políticas, econômicas, sociais e culturais, ocorridas, principalmente, nas últimas décadas. Como conseqüência dessas transformações, vive-se hoje em uma sociedade caracterizada por mudanças aceleradas e, de certa forma imprevisíveis, baseadas no conhecimento, no sentimento de incerteza e de provisoriedade. Esta ‘nova’ sociedade, isto é, este sistema específico de relações sociais recebe diversas qualificações, tais como, sociedade do conhecimento, do consumo, da informação ou pós-moderna. Anthony Giddens alerta que embora a atual sociedade apresente “contornos de uma ordem nova e diferente”, que seria ‘pós-moderna’, estamos ainda num período que podemos chamar de modernidade. De acordo com ele, as consequências da modernidade estão se tornando “mais radicalizadas e universalizadas do que antes”, isto é, as características da modernidade ainda permanecem; porém, estão mais acentuadas e sua abrangência é (quase) mundial. Assim, o que 293 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica marca este contexto social não são as transformações em si, mas o ritmo em que acontecem (caracterizado pela rapidez extrema), o escopo das mesmas (porque atingem a tudo e a todos em algum grau) e a natureza intrínseca das instituições modernas (que não existiam em outros períodos históricos ou sofreram grandes transformações). A este conjunto de características que definem este período histórico Giddens denomina alta modernidade. (GIDDENS, 1991a, p.13) Além dessas características, existem fatores e processos ligados, principalmente, ao grande desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte de massa, que intensificam as características já mencionadas. Diante deste quadro, na área educacional se percebe a existência de um discurso de crise e de fracasso da escola pública, devido à inadequação da educação escolar ofertada frente às exigências do mundo atual. Há outros fatores que agravam a inadequação da educação praticada nas instituições escolares, como por exemplo, a exigência de execução de ações referentes a planos de governos. Essas exigências, em geral, estão associadas à proposição de políticas educacionais por parte desses governos, entre elas políticas referentes à gestão, à avaliação dos processos educativos, ao financiamento da educação, etc. Cada uma delas representa para as instituições escolares novas prescrições a serem consideradas na organização e no desenvolvimento de seu trabalho. Para um melhor entendimento da ideia de políticas educacionais, apresentamos algumas características que ajudam a conceituar essa expressão. 294 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. Uma possível definição para as Políticas Educacionais O termo política é derivado do adjetivo politikós, proveniente da palavra grega polis, que significa tudo o que se refere à cidade e, em consequência, ao que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social. Esse termo se popularizou e passou a abranger outros significados, a partir da obra Política, de Aristóteles, que é considerada o primeiro tratado publicado com discussões a respeito da “natureza”, das “funções” e da “divisão do Estado”, bem como das “várias formas de Governo” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998, p.954). Nessa obra, ocorre um deslocamento no significado do termo política, até então entendida como o conjunto das ‘coisas’ qualificadas, de certo modo, pelo adjetivo “político”, para ser entendido como um conjunto de saberes, mais ou menos organizado, sobre esse mesmo conjunto de coisas; ou seja, essa obra apresenta os contornos do que, hoje, podemos chamar de Ciência Política. Com novas teorizações sobre o Estado, sobretudo, dos jusnaturalistas (Hobbes, Locke, Rousseau e Hegel) e dos materialistas (Marx e Gramsci), teorizações essas que dão origem à ideia moderna de Estado (que considera este um sistema de poder organizado que se relaciona com a sociedade, indicando e determinando as regras de convívio, de utilização de seu território e suas fronteiras), o termo política passa a ser acompanhado do adjetivo pública, quando ligado a ações do Estado. Mais especificamente, essa expressão está atrelada à relação de mediação entre Estado e sociedade. É importante ressaltar que o Estado não se confunde com governo; o Estado refere-se ao conjunto de instituições permanentes, tais como: órgãos legislativos, tribunais, exército e outras instituições que possibilitam a ação do governo; ele “atua como órgão assegurador de certa unidade de coesão e de formação que se estende a todos 295 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica que vivem sob seu domínio”. Já o governo diz respeito a um corpo de diretrizes, programas e projetos propostos para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação de uma determinada representação, que assume e desempenha as funções do Estado, por um determinado período (GARCIA, 1977, p.92-93). Além disso, o termo governo também se refere às atividades nas quais atuam determinados indivíduos, encarregados das funções legislativas do Estado. Um terceiro significado remete ao conjunto de ideias que orientam determinadas condutas, posicionamentos, regras e/ou comportamentos de um indivíduo, grupo e/ou instituição. Nessa perspectiva, as políticas públicas referentes à educação, aqui denominadas políticas educacionais, corresponderiam às formas específicas de interação entre o Estado e uma parcela da sociedade, qual seja, as instituições escolares ou instituições relacionadas à educação formal, para operacionalização dos desígnios e das plataformas de governos, mediante a proposição, a implantação e a implementação de programas, ações e normativas que produzam resultados ou mudanças nas atividades desenvolvidas nesse âmbito (GIOVANI, 2009). Resultados das investigações sobre Políticas Educacionais Brasileiras, desenvolvidas pelo Gepi INOVAEDUC A seguir, apresentamos uma síntese dos resultados alcançados, até o momento, pelo desenvolvimento das ações investigativas do Gepi INOVAEDUC, separadamente por temática de pesquisa, ou seja, relativos ao estudo de cada uma das políticas educacionais já referidas. Introduzindo cada uma dessas apresentações, caracterizamos, de modo breve, a política educacional foco de investigação. 296 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. Políticas Educacionais Brasileiras de Formação de Professores A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9.394/96) provocou discussões sobre a organização e o funcionamento dos Cursos de Ensino Superior no Brasil. Em consequência, são homologadas, em fevereiro de 2002, as Resoluções CNE/CP 1 e 2/2002. A primeira institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, de Graduação em Licenciatura Plena e a segunda estabelece os mínimos de duração total de carga horária das principais componentes desses cursos. Com a aprovação destas Resoluções, todos os Cursos de Licenciatura do país foram instados a reformularem suas configurações curriculares, adequandoas às novas orientações contidas nessas resoluções. Nesse sentido, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores (DCNFP) e as demais políticas educacionais, relacionadas à Formação de Professores, assinalam a necessidade de que haja uma maior interação entre Instituições de Ensino Superior (IES) e Escolas de Educação Básica (EEB). No caso da Formação Inicial de Professores, as Escolas de Educação Básica foram instadas a atuar como co-formadoras de futuros professores, alunos dos Cursos de Licenciatura, principalmente mediante ações de acompanhamento e avaliação dos Estágios Curriculares Pré-Profissionais obrigatórios como componente curricular desses cursos. Mais recentemente, com o lançamento de programas nacionais voltados à melhoria da for mação docente, tais como o PRODOCÊNCIA e o PIBID, e com a instituição da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, torna-se necessária, cada vez mais, a realização de ações para que a escola se reconheça como co-participante da Formação Inicial de 297 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica Professores. É preciso, também, a realização de ações para a operacionalização dessa parceria entre IES e EEB. Esses programas têm como intenção principal o estabelecimento e a consolidação de mecanismos institucionalizados de interação entre IES e EEB, ou seja, esses mecanismos devem ser estabelecidos no sentido de reconhecer (1) que as unidades escolares (EEB) também são locais necessários e privilegiados para o desenvolvimento de ações de formação docente e, portanto, sua atuação como instituição co-formadora que contribui para a melhoria dos Cursos de Licenciatura deve ser promovida e consolidada; (2) e, ao mesmo tempo, que as IES podem contribuir na Formação continuada dos professores em serviço envolvidos, promovendo momentos de reflexões sobre a docência. Nesse sentido, o Programa PIBID foi criado com o objetivo de promover a integração entre IES e EEB, objetivando tanto a melhoria da formação de professores quanto à melhoria da educação básica brasileira. Para a operacionalização do programa, são previstos apoio financeiro para as participações de: (1) alunos de Cursos de Licenciatura, na condição de bolsistas de iniciação à docência; (2) professores de Educação Básica em serviço, na condição de bolsistas supervisores; (3) professores de IES, na condição de bolsistas coordenadores de áreas disciplinares relativas aos Cursos de Licenciatura ofertados; (4) professores de IES, na condição de bolsistas coordenadores de área de gestão de processos educacionais (5) professores de IES, na condição de bolsistas coordenadores institucionais. Assim, investigamos o Programa PIBID em dois âmbitos: (1) Documentação dos Projetos Institucionais e dos Subprojetos por Área PIBID/CAPES/UFSM, Editais 2007 e 2009; (2) Gestão escolar de 298 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. EEB envolvidas com Subprojetos de Área dos Projetos Institucionais da UFSM, Editais 2007 e 2009. Em relação ao primeiro âmbito, tínhamos como objetivo identificar e analisar as ações previstas por cada um dos subprojetos para operacionalizar os objetivos do programa. Os projetos analisados referenciam-se às dez áreas disciplinares atendidas nos dois projetos institucionais em vigor na UFSM até o início de 2011, a saber: Física, Química, Matemática, Ciências Biológicas, Ciências Naturais, Filosofia, Artes Visuais, Educação Física, História e Pedagogia. A partir desta análise percebemos que há, na grande maioria dos subprojetos, ações que expressam preocupação com a Formação Inicial e Continuada de Professores. De modo geral, as propostas caracterizam-se pela descrição de atividades de intervenção em sala de aula, a serem realizadas pelos bolsistas de iniciação à docência, com a supervisão de um professor de Educação Básica (Bolsista Supervisor). Outro aspecto que chama atenção é a prevalência de ações que se utilizam de metodologias e recursos de ensino diversos. Esses variam desde oficinas, experimentos, palestras, mini-cursos, jogos didáticos, filmes, teatros, textos, até o uso das tecnologias da informação e da comunicação. No âmbito das EEB, entrevistamos, até o momento, membros das equipes gestoras de cinco escolas da cidade de Santa Maria/RS que tem professores envolvidos em Projetos PIBID/CAPES/UFSM. Após realização e análise dessas entrevistas, constatamos que não há, por parte das equipes gestoras das escolas entrevistadas, clareza suficiente quanto às finalidades dessa política educacional. Também evidenciamos que as expectativas de uma escola para outra divergem. Dentre as expectativas estão: motivar os professores, melhorar a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, oportunizar maior 299 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica envolvimento dos alunos da escola com atividades escolares, melhorar o trabalho do professor. Outra constatação é a inexistência de um acompanhamento efetivo, por parte das escolas, do trabalho escolar realizado com a participação de bolsistas do PIBID na própria escola. Deste fato, podemos inferir que a incidência desta política nas EEB restringe-se à atuação do professor supervisor e do desenvolvimento da disciplina correspondente à sua atuação. Dois aspectos podem ser percebidos nestes dois âmbitos de estudo: o primeiro diz respeito à inexistência de ações institucionais, pois as ações elencadas, tanto nos subprojetos, como nos relatos das entrevistas evidenciam a falta de articulação entre as áreas disciplinares que constituem o PIBID; o segundo aspecto diz respeito à indefinição do que podemos entender por iniciação à docência, tendo em vista, a realização de ações desta natureza, por bolsistas que são alunos de cursos que pretensamente deveriam iniciar todos à docência. Como já citado, existem diversas atividades previstas nos Subprojetos de Área do Projeto Institucional PIBID/UFSM, embora haja prevalência de atividades ligadas ao ensino, bem como diversas expectativas, por parte das equipes gestoras de EEB, para atuação desses bolsistas em suas escolas. Isto nos permite inferir que: (1) a ideia de docência presente nos documentos analisados ainda está restrita às atividades realizadas em sala de aula, embora os documentos referentes a essa política apontam para a necessidade de ampliação de participação e do compromisso do professor com outras tarefas escolares, tais como, participação nas instâncias deliberativas das escolas, organização e operacionalização do projeto político-pedagógico, organização e desenvolvimento das reuniões pedagógicas, participação em Conselhos de classe etc.; (2) parece 300 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. não ter havido esclarecimento suficiente por parte da IES proponente às EEB envolvidas sobre as finalidades do PIBID. Programa Nacional do Livro Didático O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pode ser compreendido, em termos históricos, a partir de três “fases”. Esse programa foi criado em 19856, a partir do Decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985. Essa política educacional foi criada e implementada pelo Estado para cumprir seus deveres com a Educação definidos na Constituição de 1988, garantindo, dentre outros aspectos, materiais didáticos para o ensino. Em 1993 o MEC institui a comissão de especialistas encarregada de avaliar a qualidade dos Livros Didáticos mais solicitados pelos professores e de estabelecer critérios gerais de avaliação do Livro Didático. No ano seguinte é feita a publicação do documento “Definição de critérios para avaliação dos Livros Didáticos” e, em 1996, inicia-se o processo de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o ano seguinte, ao invés de apenas comprá-los e distribuí-los. Numa segunda fase do PNLD, conviveram três Programas do Governo Federal, destinados à distribuição de Obras Didáticas de qualidade para os alunos de toda a Educação Básica: o PNLD Programa Nacional do Livro Didático, atingindo os segmentos de 1ª à 4ª séries e de 5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental; o PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, criado em 2003, pela Resolução nº 38 do FNDE, previa a universalização de livros didáticos para os alunos do ensino médio público de todo o 6 Neste trabalho, estamos considerando o marco do ano de 1985 quando é criado o Programa Nacional do Livro Didático, do qual algumas características ainda se mantêm no atual PNLD. 301 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica país; e o PNLA - Programa Nacional do Livro Didático para Alfabetização de Jovens e Adultos. Já em 2010 são criados, pelo Decreto n.7.084, de 27 de janeiro de 2010, os Programas de Material Didático, os quais têm como objetivo a distribuição de obras didáticas, pedagógicas e literárias, bem como materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita às Escolas de Educação Básica das Redes Públicas, composto por dois grandes programas: Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Nesse sentido, considerando a amplitude dos programas de material didático na atualidade no Brasil (tornando esse país o maior comprador de livros didáticos), a consolidação do PNLD, estabelecendo um mecanismo próprio de escolha dos livros pelos professores, e a presença de Livros Didáticos, reafirmada a partir do PNLD, no cotidiano das escolas e das salas de aula, de uma forma mais intensa e com uma perspectiva de utilização de melhor qualidade, consideramos de extrema relevância realizar estudos investigativos que busquem compreender como os livros têm sido escolhidos, utilizados e, em especial, como os planejamentos didático-pedagógicos dos professores se relacionam com os livros escolhidos. Assim, temos desenvolvido, no âmbito do projeto de pesquisa IEPAM, estudos nos quais buscamos compreender como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) incide no contexto de Escolas de Educação Básica e que implicações ele traz para o trabalho docente desenvolvido nessas escolas Em pesquisa realizada com membros das equipes gestoras de 14 Escolas de Educação Básica das redes públicas municipal e estadual da cidade de Santa Maria/RS (TERRAZZAN, ZAMBON, 2011), percebemos que a maioria das escolas investigadas (08/14) 302 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. tem como expectativa, em relação a sua participação no PNLD, possibilitar a utilização efetiva do livro didático como recurso (ferramenta) para professores e/ou alunos. Quatro escolas (04/14) referem-se genericamente à melhoria na qualidade do ensino/ educação, outras quatro escolas (04/14) têm como expectativa a ampliação do acervo de livros na escola (maior disponibilidade de livros para os alunos) e duas escolas afirmam que sua expectativa é a atualização dos professores, em relação às atividades didáticas e aos conteúdos Quanto às ações realizadas, as escolas, de modo geral, parecem seguir a seguinte sequência de etapas: I) recebimento de materiais do MEC ou de editoras; II) análise dos materiais; III) escolha dos livros; IV) preenchimento de formulários com dados da escola e envio de lista dos livros selecionados ao MEC; V) recebimento e distribuição dos livros na escola; VI) utilização dos livros em sala de aula. Percebe-se que o maior número de ações acontece próximo ao período de escolha dos livros didáticos, o que demonstra a inexistência de um planejamento nas escolas para realização de escolhas mais fundamentadas dos livros e que de fato contribuam para o desenvolvimento da proposta pedagógica das escolas. Já em pesquisa desenvolvida com professores de Física (ZAMBON et al, 2011), investigamos, dentre outros aspectos, como aconteceram os processos de escolha de Livros Didáticos, no âmbito do PNLEM 2007, realizados por esses professores, e que papéis assume o Livro Didático na organização e no desenvolvimento de aulas de Física do Ensino Médio. Essa pesquisa foi desenvolvida com professores de Física de Escolas Públicas de Educação Básica da cidade de Santa Maria/RS que possuem o Ensino Médio como etapa de escolaridade e, para coletar informações com esses professores, utilizamos questionários. 303 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica Obtivemos retorno de 27 de um total de 58 professores de escolas das redes federal e estadual de ensino. Em relação à escolha de Livros Didáticos, no âmbito do PNLEM/2007, obtivemos, basicamente dois tipos de resposta: Seis (6) professores referem-se ao processo/mecanismo de escolha dos Livros Didáticos, convergindo para um mecanismo básico de escolha dos livros que consiste na análise das obras, individual ou coletiva, e na decisão acordada entre os professores da escola; um professor chega a afirmar que esse acordo aconteceu utilizando-se de votação. Outro professor explica que o trabalho dos professores foi, apenas, relacionar as únicas três obras recebidas na época nas três opções de escolha (primeira, segunda e terceira). Outro conjunto de onze (11) professores refere-se aos critérios utilizados no processo de seleção do Livro Didático, os quais foram agrupados em quatro categorias. A primeira refere-se à sequência de assuntos da área disciplinar física, citada por seis professores. A sequência desses conteúdos foi comparada com aquela sugerida na programação do Programa de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES/UFSM), uma forma alternativa de ingresso à UFSM, no qual as provas são realizadas em três etapas, cada uma ao final de uma das três séries do Ensino Médio. Recentemente, esse programa foi extinto, dando lugar ao chamado Processo Seletivo Seriado, que mantém, em geral, as mesmas características do PEIES. A segunda categoria, Correspondência com a proposta da escola, envolve duas respostas, nas quais houve referência genérica à proposta pedagógica da escola sem nenhuma explicitação de quais aspectos foram considerados. A terceira categoria remete para a utilização do livro pelo aluno, sendo feita uma única referência genérica à facilidade de manuseio da obra escolhida, sem, porém, explicar o que isso significa. A última categoria, Organização e abordagem adotada, agrupa duas respostas, 304 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. nas quais foram feitas referências genéricas à contextualização do conteúdo (1 resposta) e ao tratamento de temas atuais (1 resposta). Podemos dizer, com base nessas constatações, que, no âmbito do PNLEM 2007, a seleção de Livros Didáticos ocorreu de forma quase que improvisada, havendo apenas algum tipo de análise dos livros que chegaram até a escola, seguida da decisão, tomada em conjunto pelos professores, sobre a obra a ser escolhida. Surpreende o fato de que nenhum professor fez referência à utilização do Guia do Livro Didático PNLEM 2007, organizado pelo MEC, como parte dos procedimentos para a escolha dos livros. Quanto aos critérios, podemos afirmar que o determinante na escolha dos livros é a seleção de assuntos realizada pelos autores e a ordem de sua apresentação. A sequência esperada, em geral, é aquela sugerida pelo Exame Vestibular PEIES/UFSM, cuja programação apresenta conteúdos para cada série do Ensino Médio, o que tem ocasionado, consequentemente, um engessamento do currículo escolar para o Ensino Médio, o que acaba também influenciando fortemente a decisão sobre a escolha dos livros. Assim, pode-se dizer que a utilização da programação do PEIES como a própria programação curricular das disciplinas escolares em nossa região está tão naturalizada entre os professores que acaba sufocando qualquer possibilidade de adoção de livros que possuam uma sequência alternativa de assuntos. Em relação à utilização de Livros Didáticos, podemos afirmar, a partir das informações coletadas, que ele constitui-se como material privilegiado para o uso imediato do dia-a-dia de sala de aula, mediante um mecanismo em que, primeiro acontece a leitura e o estudo por parte dos alunos, e/ou a explicação do professor, sobre aspectos conceituais, seguidos da resolução de exercícios pelos alunos. 305 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica Porém, o Livro Didático não tem sido o único material utilizado pelos professores na preparação das aulas de física, ainda que os demais materiais pareçam ser utilizados nas aulas de física com menor frequência e com uma finalidade complementar. Assim, a exposição do professor (ou leitura do livro pelos alunos) e a resolução de um número extremamente grande de exercícios continuam sendo as formas privilegiadas de ensinar física e os demais recursos, atividades e materiais são, em geral, considerados ou tratados como acessórios ou complementares. Políticas Educacionais Brasileiras de Avaliação Na década de 1980 e início da década de 1990, uma tendência mundial de modificação de parâmetros de indicação da qualidade da educação escolar é identificada. Essas mudanças se caracterizam pela adoção de procedimentos e instrumentos de mensuração da quantidade de conhecimentos ‘adquiridos’ pelos alunos em detrimento da caracterização e quantificação dos ‘insumos’, isto é, dos recursos materiais, infra-estrutura, materiais didáticos, etc. disponíveis aos alunos e aos profissionais das escolas. (KELLAGHAN, 2001, p.260) No Brasil, esta tendência teve como reflexos a formulação e proposição de políticas de avaliação educacional, a partir do final da década de 1980. Para a Educação Básica, o MEC, através do INEP, implantou um sistema de avaliação nacional7, o Sistema de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau – SAEP que, em 1991, passou a ser chamado de Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Em 7 Uma avaliação nacional é um exercício planejado para descrever o nível de desempenho, não de estudantes individuais, mas de todo um sistema educacional, ou uma parte claramente definida dele. (KELLAGHAN, 2001, p. 265) 306 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. 1994, o SAEB foi institucionalizado como processo nacional de avaliação, através da Portaria 1.795 e, em 1997, foram elaboradas as Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB, as quais foram atualizadas em 2001. Em 2005 o SAEB passou por modificações, introduzidas pela Portaria n.º 931, de 21 de março de 2005 (BRASIL, 2005), o qual passa a ser composto por dois processos: 1) Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) que se caracteriza por ser amostral e, portanto, oferece resultados de desempenho apenas para o Brasil, regiões e unidades da Federação. Avalia estudantes de 4ª e 8ª séries (5º e 9º anos) do ensino fundamental e também estudantes do 3º ano do ensino médio, da rede pública e da rede privada, de escolas localizadas nas áreas urbana e rural; 2) Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), mais conhecida como Prova Brasil, é aplicada somente aos alunos de 4ª e 8ª séries (5º e 9º anos) do ensino fundamental da rede pública de ensino de escolas localizadas em área urbana. A avaliação é quase universal, expandindo o alcance dos resultados oferecidos pelo Saeb, fornecendo as médias de desempenho também para cada um dos municípios e escolas participantes. O SAERS foi instituído através do Decreto estadual 45.300, de 30 de outubro de 2007 (RIO GRANDE DO SUL, 2007) e encontra-se num status de inatividade, devido à troca de partido político a frente do governo do RS. Esta política tinha por finalidade fornecer subsídios para a correção de políticas educacionais. Para isso, realizava, a cada dois anos, avaliações para diagnosticar as habilidades cognitivas, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, desenvolvidas pelos alunos ao final da 2ª série/3º ano e 5ª série/6º ano do Ensino Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio. 307 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica No IEPAM realizamos duas ações de pesquisa referentes a estas políticas de avaliação: 1) entrevistas com membros das equipes gestoras de 14 EEB, das redes públicas municipal e estadual, da cidade de Santa Maria/RS, procurando compreender, dentre outros aspectos: as razões apontadas pela escola para participar nas ações previstas no SAEB e no SAERS, as expectativas declaradas pela escola com a participação nas ações previstas no SAEB e no SAERS e as ações desenvolvidas pelas escolas no âmbito dessas políticas; 2) análise de 14 documentos oficiais, referentes ao SAEB (08) e ao SAERS (06), elaborados para regulamentar e orientar as EEB, a fim de identificar as prescrições e/ou recomendações para participação nessas políticas. Em relação à participação no SAEB, a maioria (7/12) das escolas tem uma participação por sugestão ou indução da mantenedora, da própria política ou ainda devido à participação de outras escolas no SAEB. Notamos, portanto, que não existem espaços para reflexão sobre a participação das escolas no SAEB, nem organizados pelas secretarias estadual ou municipal, nem pelas próprias escolas. Três escolas participam do SAEB de modo a inserirse na “lógica da política” (receber verbas). Nestes três casos, fica clara a tendência da atual política em educação brasileira de elaborar e implementar instrumentos gerenciais e práticas de convencimento para adesão nos programas governamentais (FERREIRA, 2009). Outras três (3/ 12) escolas dizem que participam do SAEB por obrigatoriedade, ou seja, a escola não tem opções para decidir sobre sua participação. Quanto à participação no SAERS, cinco escolas estaduais (5/6) declararam participar por obrigatoriedade, devido às imposições da mantenedora e/ou da própria política e argumentam que a escola não teve escolhas ou oportunidade de decidir sobre sua participação. A coordenação da outra escola estadual não respondeu à pergunta. 308 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. Um dos coordenadores entrevistados afirma que as escolas não têm dado valor para essas avaliações externas, pois a tendência é rechaçar tudo o que vem de fora. Ao mesmo tempo, ele critica o fato de que os professores têm sido tachados de incompetentes caso o resultado não seja satisfatório e que somente a escola e os professores têm sido responsabilizados por esse resultado. Neste caso, podemos estender a crítica desse professor ao SAEB, pois o fato de o IDEB – indicador de Qualidade Educacional que combina informações de desempenho no SAEB (Prova Brasil ou Saeb) com informações sobre rendimento escolar (taxa de aprovação, oriundos do censo escolar) – possuir como meta nacional assumida atingir a média 6,0 em 2021, desresponsabiliza o Estado e responsabiliza exclusivamente os professores e a escola por seus resultados. Em relação às expectativas com a participação no SAEB, as escolas referem-se genericamente à melhoria do trabalho do professor (03), da qualidade do ensino/educação (04) ou da escola como um todo (03). Outras três escolas indicam que sua expectativa é a própria avaliação dos alunos e, como consequência, a dos professores. Em duas escolas (02/12) as coordenadoras não indicaram suas expectativas e uma delas comparou os resultados do IDEB da sua escola (de periferia) com escolas do centro da cidade. Em outros momentos de contato que tivemos com as escolas municipais da cidade de Santa Maria/RS essa preocupação apareceu de forma recorrente. Isso pode ser explicado pelo fato de que no segundo semestre do ano de 2010, foi promulgada uma lei municipal (N° 5341/ 2010) que cria o Prêmio Qualidade da Educação; isso gerou um descontentamento dos professores, principalmente os de escolas que atendem alunos mais carentes econômica e culturalmente. Concordamos com esses professores no sentido de que não podemos naturalizar esse tipo de ação, pois as escolas como instituições sociais 309 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica reproduzem desigualdades próprias da sociedade e, portanto, os melhores resultados tenderão a concentrar-se nas escolas que atendem camadas com melhor nível socioeconômico. FREITAS (2007) ao criticar ações políticas meritocráticas como essa adotada no município de Santa Maria/RS, afirma que [...] deixada à lógica do mercado, o resultado esperado será a institucionalização de escola para ricos e escola para pobres [...]. As primeiras canalizarão os melhores desempenhos, as últimas ficarão com os piores desempenhos. As primeiras continuarão sendo as melhores, as últimas continuarão sendo as piores. (FREITAS, 2007, p. 969) Em relação ao SAERS, as escolas também referem-se genericamente à melhoria do trabalho do professor (03), da qualidade do ensino/educação (02) ou da escola como um todo (01). Podemos afirmar que a maior parte das escolas espera, genericamente, melhorar a qualidade do ensino/educação, o trabalho do professor e a escola como um todo. Isso demanda, porém, ações programadas e desenvolvidas nas escolas, que vão além daquelas previstas como básicas pela própria política. De modo geral, podemos perceber, no discurso dos profissionais entrevistados, que a avaliação da aprendizagem dos alunos tem sido considerada uma ação externa, ao invés de ser considerada uma tarefa continuamente realizada pela escola e pelos professores. Em relação às ações desenvolvidas pelas escolas, percebemos que são os membros da coordenação pedagógica das escolas os responsáveis por grande parte das ações. Quanto à influência dessas políticas no calendário de discussões da escola, percebemos que não 310 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. existe um planejamento prévio sobre quais serão as ações a serem desenvolvidas quando da participação da escola em determinada política; as ações quando acontecem são para atender demandas ou contingências dos prazos das políticas. Nas duas políticas analisadas (SAEB e SAERS) existem ações comuns, tais como consulta aos resultados na internet e discussão, em algum nível, desses resultados na escola. Essas ações são desenvolvidas por algum membro da coordenação pedagógica, no caso do SAEB, e por professores, diretor e coordenação pedagógica, no caso do SAERS. Essa diferença se deve em parte ao fato de que, no âmbito do SAERS, as escolas recebiam um caderno com comentários sobre a avaliação realizada e/ou boletim por correspondência. Em algumas escolas (03/12) há também uma preparação dos alunos, realizada pelos professores, para as avaliações no âmbito do SAEB. O SAERS é a política que possui um maior número de ações desenvolvidas nas escolas (08). Entre essas ações destacamos a realização, por parte da mantenedora, de ações que envolvem os profissionais da escola de forma mais efetiva, a saber: envio de boletins de resultados diretamente às escolas, bem como, a disponibilização dos mesmos na internet e realização de reuniões de formação e de apresentação de resultados. Já a consulta aos resultados é feita, conforme depoimentos dos gestores, ou somente como curiosidade sobre o desempenho da escola ou de modo a orientar mudanças na atuação em sala de aula. Pode-se dizer que as ações desenvolvidas nas escolas, decorrentes de sua participação no SAEB e SAERS, restringem-se àquelas previstas no âmbito da própria política ou então se concentram em ações de preparação dos alunos para prova para obtenção de resultados melhores. Uma das razões é o fato de que as escolas só recebem seus resultados na forma quantitativa. Este tipo 311 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica de resultado atrelado a outras políticas somente permite na escola discussões referentes ao aumento desta média, o que gera soluções paliativas como a preparação antecipada dos alunos para atingir melhores médias e não a melhoria da qualidade da educação escolar. A análise dos documentos legais (decretos e portarias) relativos aos Sistemas Oficiais de Avaliação mostra que não existem prescrições diretas para o trabalho docente, ainda que possam ser identificadas recomendações sobre a forma pela qual os professores podem desenvolver atividades de ensino, buscando o desenvolvimento de habilidades e competências propostas em suas matrizes de referência. Um aspecto marcante nesses documentos é a presença de um discurso que acaba por fortalecer a crença de que apenas mediante a educação escolar será possível diminuir ou extinguir desigualdades sociais. Considerações finais Nos nossos estudos pudemos perceber que a incidência da política educacional PIBID nas EEB está restrita a ações relativas a uma determinada área disciplinar, no caso a do professor supervisor, e não se expraiam para outros tempos e espaços escolares. Além disso, devido à prevalência de atividades cuja preocupação básica é a metodologia de ensino utilizada, tais ações limitam-se ao trabalho direto em sala de aula em EEB, resultando em uma concepção de docência que restringe a atuação do professor no espaço escolar. Além disso, algumas das metodologias de trabalho propostas nesses projetos nos parecem inadequadas à formação de um profissional cujo trabalho é caracterizado pela necessidade de 312 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. estabelecer uma linha de continuidade para todas as suas ações. São exemplos deste tipo de atividades a proposição de oficinas e minicursos para serem ministrados pelos bolsistas de iniciação à docência. Consideramos que tais atividades são mais adequadas a práticas educativas realizadas em espaços educativos não-formais, pois seu caráter de curta duração atende melhor às finalidades de ações mais pontuais, em que um determinado assunto é foco da atividade e seu tratamento exige, em um tempo curto, um fechamento explícito para um determinado propósito. Também fica evidente a falta de articulação entre IES e EEB, no que diz respeito à definição das finalidades da iniciação à docência, fato que pode ocasionar situações constrangedoras, principalmente, para os alunos bolsistas de iniciação à docência desse programa que muitas vezes parecem estar nas escolas sem saber o que, de fato, significa estar na condição de iniciantes à docência, e para as escolas que, na maioria das vezes, acreditam que o programa acabará com todos os problemas que ela enfrenta. O PNLD pode ser considerado como a política que mobiliza maior número de profissionais na escola, uma vez que envolve todos os professores na escolha dos livros didáticos. Diferente do que ocorre com os sistemas de avaliação, não há questionamentos sobre sua importância e, diferente do que ocorre com o PIBID, as suas finalidades parecem claras. De modo geral coordenadores e professores justificam sua relevância baseados, principalmente, no fato de que o PNLD permite que alunos de escolas públicas tenham acesso gratuito a Livros Didáticos. Porém, as ações desenvolvidas no âmbito dessa política se restringem,via de regra, ao cumprimento do que é previsto no programa. Assim, as ações desenvolvidas nas escolas, relativas à sua participação no PNLD, mobilizam, em geral, todos os professores 313 Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica envolvidos, mediante a realização de ao menos uma reunião. Porém, essas ações restringem-se à escolha dos livros em cada área disciplinar, não havendo discussões mais amplas acerca das finalidades da escola e do papel do livro didático para atingir tais finalidades. Portanto, para uma determinada etapa da escolaridade, ou para um determinado conjunto de professores de uma área disciplinar, só são desenvolvidas atividades a cada três anos, quando nova edição do programa é desenvolvida e uma nova listagem de livros recomendados é apresentada para escolha. Não acontece, portanto, um trabalho contínuo de estudos, buscando for mas de escolhas mais fundamentadas dos livros, nem, o mais importante, um acompanhamento ou uma avaliação da utilização do livro pelos professores. Com relação às políticas de avaliação é possível afirmar que, em geral, o trabalho escolar não sofre alterações significativas em decorrência da participação da escola, nas atividades propostas pelos sistemas oficiais de avaliação. Diferentemente das recomendações apresentadas nos documentos dessas políticas, as ações desenvolvidas pelas escolas são realizadas de forma pontual e em decorrência da demanda do calendário de execução das políticas, sem manter qualquer relação com o projeto da escola. Também podemos afirmar que existem muitas discrepâncias entre as expectativas que as escolas têm com relação às políticas de avaliação e as ações que desenvolvem, a partir dos resultados decorrentes de sua participação. Além disso, muitas vezes, essas ações se restringem ao que já estava previsto como ações minimamente estabelecidas pela própria política, situação que se agrava pelo fato de não existir um planejamento de ações que serão desenvolvidas. Por isso, as escolas têm restringido suas ações ao cronograma de cada política. 314 EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X. Assim, de um modo geral, podemos afirmar que a incidência, nas escolas, das políticas aqui analisadas, é pequena, pois as escolas e os profissionais que trabalham nela as vivenciam somente quando uma ação externa, por parte dos realizadores das políticas, lhes é proposta ou imposta; isto é, somente quando o calendário das políticas, no caso do PNLD, SAEB e SAERS, ou o projeto, no caso do PIBID, exige a realização de atividades nas escolas. Apesar disso, novas demandas de pesquisa surgem em decorrência desses primeiros resultados. Nesse sentido, pretendemos aprofundar os estudos dessas políticas no que se refere à sua incidência na aprendizagem da docência nos Cursos de Licenciatura, no caso do PIBID, na seleção de Livros Didáticos no âmbito do PNLD 2012 e nas atividades de gestão escolar, no caso do SAEB. Referências BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v.1, 11. ed. Tradução de Carmen C. 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(Coleção Biblioteca ANPAE, Série Cadernos, n.11). 317 318 POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTE E MÚSICA: A LEI 11.769/2008 E A REALIDADE MUSICAL ESCOLAR EGON EDUARDO SEBBEN MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL Introdução O capítulo1 problematiza as políticas educacionais adotadas para o ensino de arte e música. Com a aprovação da Lei Federal nº 11.769/2008, a música foi instituída como conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do ensino de arte nas escolas de educação básica do país (BRASIL, 2008), sendo que os sistemas de ensino tiveram três anos para se adaptarem às exigências da lei. Nesse espaço de tempo, comunidades, associações e instituições musicais brasileiras atuaram no sentido de encaminhar a efetivação da lei com base nos estudos e experiências realizadas na área da educação musical. A música configura-se como um instrumento de grande alcance social, porém ainda relegado a papéis historicamente construídos que, em grande parte, não contribuem para seu 1 Trabalho resultante de parte de dissertação de mestrado, intitulada “Concepções e práticas de música na escola na visão de alunos de 8ª série do Ensino Fundamental: as contradições entre o legal e o real”, desenvolvida com auxílio financeiro da CAPES e defendida em 2009, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná. 319 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... fortalecimento enquanto a práxis humana mais significativa (VÁZQUEZ, 1977). Como declara Penna (2008a, p. 155): A música [...] tem uma intensa presença na vida cotidiana, em função dos meios técnicos disponíveis na atualidade, que geram, inclusive, novas formas de vivência musical. A educação musical precisa, então, responder de modo produtivo a essas questões, para que seja capaz de estender e intensificar a sua presença na prática escolar, conquistando uma maior valorização social. As concepções e práticas musicais na sociedade e na escola, bem como as disposições legais a respeito do ensino musical, são aspectos fundamentais quando se trata da música. É nesse sentido que o presente trabalho tem como objetivo apresentar e discutir o processo de tramitação da Lei Federal nº 769/2008, que dispõe sobre a música como conteúdo curricular obrigatório nas escolas de educação básica, contrapondo o debate com dados empíricos referentes à música fora da escola e à Arte e música no ambiente escolar, coletados junto a alunos de 8ª série do Ensino Fundamental. Desse modo, pretende-se desenvolver reflexões que possam auxiliar no debate a respeito da implementação da educação musical nas escolas. A obrigatoriedade do ensino de música nas escolas: Lei 11.769/ 2008 A Lei Federal nº 11769/2008 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/1996) e dispõe sobre a 320 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. As ideias a respeito de sua criação começaram a ser delineadas a partir da primeira reunião da Câmara Setorial de Música MINC/Funarte em 17 de maio de 2005, no Rio de Janeiro. Segundo a Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM, 2005, s/p): Com cerca de quarenta participantes, o encontro discutiu a estruturação da Câmara Setorial de Música, conselho consultivo que reunirá governo, sociedade civil e representantes da cadeia produtiva da Música para a discussão de políticas públicas para o setor. Com o estabelecimento da Câmara Setorial de Música, a educação musical foi inserida na pauta de discussão da Comissão de Educação e Cultura da Câmara e do Senado, trazendo possibilidades mais concretas de implementação de políticas públicas nessa área. Em 30 de maio de 2006 aconteceu o seminário “Música Brasileira em Debate”, na Câmara do Congresso Federal, em Brasília, sendo que “[...] a volta2 (obrigatória) da aula de música nas escolas regulares de ensino do Brasil foi defendida pela grande maioria dos presentes” (ABEM, 2006, grifo nosso). O evento foi organizado pelo Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAP) e contou com a participação de músicos, compositores, educadores musicais, deputados e senadores, além de diversas entidades ligadas à música. Posteriormente ao Seminário formou-se, em agosto de 2006, um Grupo de Trabalho (GT) chamado GT Educação Musical Audiência Senado, o qual tinha “[...] uma pauta única, que focalizava 2 A questão da volta da Educação Musical será mais amplamente discutida em trecho posterior do trabalho. 321 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... o tema ‘a inclusão da educação musical no currículo escolar no ensino fundamental’” (ABEM, 2007). Esse GT foi constituído por representantes da ABEM, Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música (ANPPOM) e International Society for Music Education (ISME), em parceria com o Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAP) e o Núcleo Independente de Músicos (NIM). Seu objetivo, segundo a ABEM (2007, s/p), foi desenvolver: [...] um cronograma de trabalho de preparação para a audiência pública no Senado, que incluiu a organização de todo um material de embasamento (documentos produzidos pela área, artigos e pesquisas) para a elaboração do Manifesto para a volta da Música nas Escolas de Ensino Básico do Brasil. Nesse ponto destacam-se a audiência no Senado e o Manifesto, elementos cruciais no processo que resultou na Lei Federal nº 11.769/2008. A partir de um requerimento feito pelo senador Roberto Saturnino realizou-se no Senado Federal uma audiência pública que discutiu a Educação Musical, tendo sido expostos argumentos que procuravam fundamentar e esclarecer aos parlamentares as razões da educação musical nas escolas, aspectos todos explicitados no Manifesto. De acordo com a ABEM (2007), o Manifesto para a volta da Música às Escolas de Ensino Básico do Brasil “[...] foi o documento que deu respaldo político e ético às nossas reivindicações e argumentações na audiência pública realizada em 22 de novembro de 2006 no Senado”. O Manifesto foi divulgado em âmbito nacional, tendo adesão de diversas entidades brasileiras e do exterior que apoiam a música, depoimentos de artistas e de entidades, e mais de 322 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL 11 mil assinaturas de estudantes, profissionais da área e diversos indivíduos da sociedade brasileira. A concepção de música e Educação Musical proposta é o resultado de diversas pesquisas na área, que procuram levar esse entendimento para além da visão da música difundida no senso comum. De acordo com o Manifesto, publicado pelo Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAP, 2008a), “A Música é uma prática social, produzida e vivida por pessoas, constituindo instância privilegiada de socialização, onde é possível exercitar as capacidades de ouvir, compreender e respeitar o outro”. O ensino de música nas escolas de educação básica, diferente do proposto por escolas especializadas, “[...] não visa a formação do músico profissional, mas o acesso à compreensão da diversidade de práticas e de manifestações musicais da nossa cultura bem como de culturas mais distantes” (GAP, 2008a), aspecto que corrobora a visão de Hentschke e Del Ben (2003). Desse modo, o objetivo principal da Educação Musical na escola é desenvolver e ampliar o acesso e fruição musical dos alunos, possibilitando práticas musicais que considerem a diversidade presente nos contextos sociais onde se apresenta. A atuação e o comprometimento da comunidade musical brasileira, que contou com representantes na audiência pública no Senado Federal, levou à possibilidade de ser redigido o texto de um Projeto de Lei que foi aprovado como PL 330/2006. Ao tratar do projeto de lei surgem algumas controvérsias em relação à tramitação que necessitam ser esclarecidas. O projeto de lei de autoria do senador Roberto Saturnino e construído em conjunto com o GAP intitulava-se PL 343/2006, sendo que sua elaboração conjunta foi um ato de suma importância, em que a sociedade civil participa de forma efetiva na elaboração de políticas públicas. No 323 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... entanto, como afirma a ABEM (2007, s/p): “No momento de dar entrada processual ao nosso PL foi detectado um problema – havia um outro PL, com texto idêntico ao que nosso GT originariamente redigiu de autoria da senadora Roseana Sarney”. O fato é que o projeto de lei da senadora (PL 330/2006) havia entrado no processo de tramitação anteriormente ao PL 343/2006, tendo dessa forma prioridade. Juntamente com esses dois projetos havia um terceiro, que versava sobre a obrigatoriedade do ensino não apenas da música, mas também das Artes Cênicas e Artes Plásticas. O processo que se sucedeu incluía a tramitação conjunta dos três projetos. Sendo esse, contudo, um fator negativo para a tramitação, solicitou-se a tramitação livre do projeto de lei (PL) da senadora Roseana Sarney, intitulado PL 330/06. Mencionar esses aspectos é necessário para esclarecer que o projeto de lei que tramitou no Senado Federal e deu origem à Lei Federal nº 11769/2008 não era, na verdade, aquele redigido em conjunto com a comunidade, apesar de trazer texto idêntico. No momento de desenvolvimento do projeto, a estratégia de ação do GAP consistia em isolar “[...] o principal impedimento para a implementação plena da educação musical” (GAP, 2008b). Tal impedimento diz respeito ao texto da LDB de 1996, o qual prevê a obrigatoriedade do ensino de arte, termo que leva a inúmeras controvérsias por não especificar qual área artística deve ser contemplada. Segundo o GAP (2008b, s/p): A redação da lei permite variadas interpretações, o que tem acarretado distorções e a manutenção de práticas polivalentes de educação artística e finalmente na ausência do ensino de música nas escolas. Assim, o grupo de trabalho desenvolveu 324 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL a estratégia de abordagem exclusivamente do ponto de vista legal, atuando sobre a redação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Desse modo, objetivou-se redigir o projeto de forma a deixar claro que a proposta era a inclusão da educação musical nas escolas de educação básica, reduzindo as possibilidades de interpretações equivocadas em relação à proposta. A respeito da aprovação do PL 330/2006 no Senado Federal, ressalta-se que “[...] o dia 4 de dezembro de 2007 foi histórico. Após pouco mais de um ano de tramitação no Senado Federal, era realizada a sessão de votação do Projeto de Lei 330/2006. O projeto de lei (PL) foi aprovado por unanimidade” (GAP, 2008b, s/p). Tendo sido aprovado no Senado Federal, o próximo passo foi a votação junto à Câmara dos Deputados, onde foi apresentado no dia 18 de janeiro de 2008, passando a ser reconhecido como PL 2732/ 2008. Sua aprovação se deu por unanimidade no dia 28 de maio de 2008 e a tramitação seguiu até a sanção pela Presidência da República, tornando-se Lei Federal nº 11769/2008, cujos ter mos são apresentados a seguir: Art. 1 o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6o: “Art. 26. [...]. § 6o A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.” (NR) Art. 2o (VETADO) Art. 3o Os sistemas de ensino terão 3 (três) anos letivos para se adaptarem às exigências 325 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... estabelecidas nos arts. 1o e 2o desta Lei. Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, 2008a). Salienta-se que somente o parágrafo 6º está incluído na LDB de 1996; as disposições adicionais ficam disponíveis no documento anterior mente citado. Alguns aspectos da lei vêm gerando controvérsias. Um deles diz respeito ao pensamento de que haverá uma disciplina de música. A lei propõe a música como conteúdo obrigatório dentro do componente curricular de que trata o parágrafo 2º do artigo 26 da LDB de 1996, a saber: “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, 1996, grifo nosso). O conteúdo de música será, portanto, obrigatório, mas não exclusivo, na disciplina de Arte já existente nos currículos escolares. Outro ponto que tem levantando discussões relaciona-se ao artigo 2º, disposto nos projetos de lei apresentados na Câmara e no Senado com os seguintes termos: “O ensino da música será ministrado por professores com formação específica na área” (BRASIL, 2006; BRASIL, 2008b). Esse artigo foi vetado e um dos argumentos que justificam o veto afirma: Vale ressaltar que a música é uma prática social e que no Brasil existem diversos profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em música e que são reconhecidos nacionalmente. Esses profissionais estariam impossibilitados de ministrar tal conteúdo na maneira em que este dispositivo está proposto (BRASIL, 2008b). 326 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL O texto do veto parece considerar a atuação de profissionais não habilitados na área como suficiente para efetuar o trabalho em sala de aula, o que reflete a visão do senso comum de que “[...] para ensinar, basta tocar [...] correntemente tomada como verdade dentro do modelo tradicional de ensino de música, caracterizado pela ênfase no domínio da leitura e escrita musicais [...]” (PENNA, 2007, p. 51). Em certa medida, o veto do artigo que postulava professores com formação específica para o ensino de música foi comentado por Penna (2008b) em artigo anterior à aprovação da Lei Federal nº 11769/2008. Ao mostrar que, em meio à falta de profissionais habilitados na área, os conteúdos curriculares obrigatórios seriam trabalhados de modo até mesmo contraproducente, a autora afirma: Nessas circunstâncias, as exigências legais a respeito da for mação dos professores simplesmente cairiam no vazio – como no caso das indicações do Projeto de Lei do Senado nº 330/06, no sentido de que o ensino de música ‘seja ministrado por professores com formação específica na área’ (PENNA, 2008b, p. 60). Um aspecto levantado por Sobreira (2008) diz respeito à utilização da expressão volta da educação musical no site de divulgação da proposta desenvolvida pelo GAP, do Projeto de Lei e de sua tramitação. De acordo com a autora: “Volta é retorno a algo já ocorrido. Nesse caso, pode significar o retorno ao Canto Orfeônico3, frequentemente criticado em nossos dias, mas que representou a 3 O Canto Orfeônico foi uma proposta idealizada pelo compositor Villa-Lobos na década de 1930, a qual teve apoio do então presidente Getúlio Vargas. Sua concepção calcava-se na ideologia do Estado totalitário e seu desejo de controle social, disciplina e civismo. 327 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... efetiva inclusão da música no currículo” (SOBREIRA, 2008, p. 48). O uso desse termo torna-se bastante questionável pelo fato de o modelo de música muitas vezes idealizado nas escolas decorrer da proposta do Canto Orfeônico. Ainda assim, pela própria articulação da Lei junto às entidades participantes do processo e as concepções de Educação Musical que fundamentam as discussões, essa não é a proposta idealizada. Em certa medida, o desafio a respeito do trabalho musical a ser efetivado com a Lei Federal nº 11.769/2008 acaba fazendo parte de um jogo de forças entre as concepções dos especialistas na área e as ideias a respeito da música na escola difundidas na sociedade. Nesse ponto, a discussão estende-se, inclusive, às visões dos políticos envolvidos nesse processo: Para Marisa Serrano, relatora da proposta na Comissão de Educação (CE), a música, como componente curricular, poderá contribuir para tornar a escola mais atrativa aos jovens, bem como favorecer para a redução da violência e do envolvimento do estudante com drogas (SENADO, 2007, s/p)4. Fica evidente que, para os políticos envolvidos no processo de tramitação da lei, a música possui um caráter que não a reconhece enquanto conhecimento. Isso intensifica a importância da articulação entre a sociedade política e a sociedade civil na implementação de leis, auxiliando no encaminhamento de concepções engajadas com suas propostas. 4 Notícia do dia 4/12/2007, retirada do site: <http://www.senado.gov.br/agencia/ verNoticia.aspx? codNoticia=69826>. Acesso em: 7 mar. 2010. 328 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL Apesar do exposto, a aprovação da Lei Federal nº 11.769/ 2008 é um avanço para a Educação Musical brasileira. Um dos fatores para isso inclusive citado no XVII Encontro Nacional da ABEM, durante reunião sobre estratégias de ação referentes à citada lei é de que agora a palavra música está presente no documento oficial, ao contrário do texto da LDB de 1996, que anteriormente trazia somente o conceito genérico de “ensino da arte”. Deve-se atentar para o fato de que “[...] leis e propostas oficiais não têm o poder de, por si mesmas, operar transformações na realidade cotidiana das salas de aula” (PENNA, 2008a, p. 156). Todavia, a autora prossegue afirmando que: Tornando-se objeto de reflexão e questionamento, podem contribuir para as discussões necessárias ao aprimoramento de nossas práticas; analisadas e reapropriadas, podem, ainda, ser utilizadas como base de kpropostas, reivindicações e construção de alternativas. (PENNA, 2008a, p. 156). Importa reforçar que esse resgate histórico auxilia na compreensão de como os imperativos legais se apresentam na realidade complexa e contraditória da educação dos adolescentes hoje. Procedimentos metodológicos Entende-se que, a partir da obrigatoriedade da música nas escolas de educação básica, os verdadeiros desafios a serem transpostos estão na efetivação concreta das disposições legais. Nesse sentido, pretende-se contrapor o debate com dados empíricos 329 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... referentes ao contato dos adolescentes com música fora da escola e à Arte e música no ambiente escolar. As informações a serem apresentadas foram coletadas junto a 297 alunos de 8ª série de 13 escolas públicas e 6 escolas particulares e fazem parte de investigação resultante de dissertação defendida pelo autor. A escolha de turmas de 8ª série justifica-se por situaremse na transição para o Ensino Médio, e os alunos trazerem consigo todo o aprendizado adquirido desde as séries iniciais5. O instrumento de coleta de dados foi questionário, composto de 22 perguntas de caráter aberto e fechado. Salienta-se que, no presente trabalho, serão apresentados dados referentes a três questões6, pelo fato de trazerem informações mais relevantes quanto à discussão proposta. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa (LÜDKE E ANDRÉ, 1986), empregando também dados de natureza quantitativa. A categoria de análise empregada é a variável de classe, compreendida como escola pública e escola particular. O desenvolvimento fundamenta-se no materialismo histórico e dialético. É necessário conhecer e interpretar a realidade de forma concreta, reconhecendo seus condicionamentos históricos, sociais, econômicos e culturais, a fim de transpor visões apriorísticas que a concebem como um fato dado, para então haver possibilidades de mudança. É importante salientar que: Com isso não queremos dizer que a mera explicitação do método contribuirá para a 5 Ressalta-se, nesse ponto, a existência da Lei Federal nº 11.274/2006, que dispõe sobre a duração de nove anos para o ensino fundamental, não estando, no entanto, efetivada no momento da pesquisa no município investigado. 6 Os enunciados serão apresentados conforme os dados referentes a cada uma forem sendo discutidos. 330 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL transformação da realidade, porém sem a clareza dos fundamentos de um método para a explicitação da realidade torna-se mais difícil a tarefa de compreensão e transformação do real. (MASSON, 2007, p. 106). Desse modo, ao empreender uma pesquisa, é de fundamental importância que se adote um método que auxilie na compreensão em profundidade dessa realidade, o que vai ao encontro das concepções assumidas pelo materialismo histórico e dialético. A realidade musical escolar: meios de contato com a música Pretende-se trazer para a discussão três pontos: os meios de contato com a música na sociedade; a área artística mais trabalhada na escola; e as atividades artísticas desenvolvidas nas instituições. Tais aspectos auxiliam na discussão a respeito da música como componente curricular na escola na medida em que apresentam a realidade do contato musical fora da escola e do trabalho artístico musical escolar. A adolescência, fase na qual estão inseridos os alunos investigados, é caracterizada como construção social, sendo “[...] um emaranhado de fatores de ordem individual, por estar associada à maturidade biológica, e de ordem histórica e social, por estar relacionada às condições específicas da cultura na qual o adolescente está inserido” (SALLES, 2005, p. 35). Desse modo, são indivíduos que trazem concepções musicais culturalmente e socialmente construídas, podendo, portanto, contribuir quanto à discussão a respeito da música de modo geral na sociedade e também no interior 7 A questão intitula-se “Onde você tem contato com a música?” e trazia as seguintes opções de resposta: Na escola; Pela TV; Pelo Rádio; Pela Internet; Pelo Computador. 331 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... da escola. O local ou meio de contato com a música7 traz um panorama geral a respeito da vivência musical dos alunos, auxiliando a refletir em que medida a escola se faz presente nesse processo. Serão apresentados inicialmente os dados gerais, que compreendem as respostas de ambas as redes escolares estudadas. Com 294 alunos respondentes, o meio mais significativo no cômputo geral foi o Rádio, com 79,9%. A Internet totalizou 61,2% das respostas, sendo o segundo meio de contato mais apontado e contrariando o que se poderia esperar da TV, com 52%, que ficou em terceiro lugar na escolha dos alunos. O Computador teve 21,8% de registros e a Escola foi a opção menos escolhida, com 16,7%. Os dados apresentam informações bastante relevantes, principalmente no que diz respeito ao fato de a Internet ter sido mais apontada do que a TV, além de a Escola ter totalizado o menor número de respostas. Pretende-se, no entanto, dar mais ênfase à análise referente ao cruzamento com as duas redes escolares estudadas, pública e particular. O Rádio teve números bastante próximos nas duas realidades, com 80,9% de respostas na escola pública e 78,3% na particular. A Internet, segundo meio mais registrado no cômputo geral, acabou tomando uma direção diferente na análise entre as duas redes. No caso da escola pública, 50,5% dos alunos a apontam como meio de contato com a música, o que a coloca como terceiro meio mais registrado. A TV alcançou um total de 54,3%, estando ligeiramente à frente da Internet. Vale destacar, de acordo com Subtil (2003, p. 76), que [...] esse apelo icônico e cinético proposto pelas emissões televisivas é o responsável por 332 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL expressões que explicam mais do que aparentemente querem dizer como “eu vi a música da Carla Peres”, “eu gosto de ver a música do Daniel”, ou ainda a fixação pelos ídolos, com suas performances e caracterizações e não tanto nas letras e melodias criando expressões metonímicas, tais como, “eu gosto da Vanessa Camargo” (não “eu gosto da música da Vanessa Camargo!”).8 A TV inscreve-se como meio que atribui novos significados ao contato e gosto musical dos alunos, nos quais a música é vista e não somente ouvida. Mesmo assim, contudo, na escola particular a Internet totalizou 80,2% de escolhas, sendo o meio de maior contato com a música nessa rede, mais significativa que no Rádio e na TV (respectivamente primeiro e segundo meios na escola pública). Somase a esse aspecto o fato de que 12,2% dos alunos das escolas públicas afirmam ter contato com a música por meio do Computador, enquanto 38,7% dos alunos das escolas particulares registraram esse meio. As informações evidenciam que o acesso a bens materiais e tecnológicos e consequentemente culturais é maior na escola particular, onde há poder aquisitivo mais elevado. Mesmo assim, no entanto, a proximidade da Internet (50,5%) com a TV (54,3%) nas escolas públicas mostra que essa questão ultrapassa a condição econômica, além de não justificar que os alunos da escola pública não tenham acesso à internet. Segundo Subtil (2003, p. 22), “as condições materiais de existência adversas não são empecilho para o 8 Na época da pesquisa da referida autora, as duas artistas citadas estavam em bastante evidência na mídia, o que se refletiu nas respostas dos alunos e foi utilizado como exemplo. 333 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... usufruto de bens culturais postos à disposição para todos pelo mercado, em razão das demandas sociais e econômicas”. Por meio da evolução dos aparelhos tecnológicos de acesso aos bens culturais, como rádio, televisão e internet, também foram se modificando as formas e, consequentemente, as necessidades de acesso. De acordo com Belloni (1994, p. 49), “[...] não se pode negar que a televisão fornece as mensagens que antes eram transmitidas às novas gerações pela família por meio dos contos, dos relatos familiares, das canções, etc.”. Essa característica atribuída à televisão não a torna um aparelho que chegue a suprir as relações de interação e intersubjetividade. Entretanto, “[...] a televisão substitui a experiência vivida, não pelos conteúdos que ela difunde, mas simplesmente pelo fato de ocupar tempo livre das pessoas com a contemplação mais ou menos passiva de experiências factícias” (BELLONI, 1994, p. 50). Pode-se afirmar que há procura maior por meios mais democráticos de acesso e consumo dos bens culturais, que vão além da massividade televisiva. A internet, pelo fato de ser construída por qualquer indivíduo que a ela tenha acesso, apresenta um ponto positivo ao possibilitar uma liberdade maior de escolhas, fato que a inscreve em um campo mais ativo no acesso aos bens culturais, transpondo a relativa passividade da televisão (BELLONI, 1994). Tais aspectos tornam a internet um fator de extrema validade quando pensada no viés do gosto musical dos adolescentes. De acordo com Vilches (1997, p. 99), a internet “[...] permite acessar informação, educação ou entretenimento com um potencial 9 O website <www.youtube.com> é um exemplo factual das possibilidades de interação na internet. Seus usuários têm a possibilidade de assistir a vídeos, assim como também inserir produções próprias para serem assistidas por outros. 334 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL de irresistível atração horizontal, baseado no fato de que qualquer um pode emitir conteúdos, além de recebê-los”9. Entende-se que os indivíduos se tornam ao mesmo tempo receptores e emissores de informação, interagindo socialmente por meio de redes virtuais. Nesse sentido, o papel da escola torna-se fundamental na compreensão desses novos meios de interação social. Mesmo fazendo parte do cotidiano dos alunos, devem ser trabalhados com o objetivo de relativizar seus usos, considerando a validade por excelência do contato social presencial. Considerando-se os dados obtidos nos outros meios e espaços de contato, a Escola tem um papel pouco expressivo, sendo que assume condições diferentes nas duas realidades. Na escola pública teve 13,8% de escolhas, tendo mais respostas que Computador, com 12,2%. Já na rede particular, Escola obteve 21,7% de registros e, apesar de estar à frente do número de respostas na escola pública, foi a menos registrada em comparação com o Computador, com 38,7%. Independentemente do número de escolhas nas duas realidades, fica evidente que a escola não proporciona contato musical significativo para um número considerável de alunos, quando comparada a outros meios (internet, computador, TV, rádio). Essa constatação mostra que a obrigatoriedade do ensino da música na escola, por meio da Lei Federal nº 11.769/2008, cria um desafio tanto para os gestores das escolas quanto para os professores. Os aspectos apresentados refletem a ação dos meios de comunicação e da mídia no contato musical dos alunos, tendo um alcance consideravelmente maior que a ação da escola. Por outro lado, as informações mostram a urgência da inclusão desses meios no trabalho escolar, assumindo-os como componentes constituintes das características contemporâneas dos adolescentes. 335 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... Arte e música na escola Aproximando a discussão do espaço escolar, os dados a seguir elucidam questões referentes às quatro áreas artísticas (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro) previstas no ensino de Arte, e como cada uma se efetiva no trabalho escolar10. No cômputo geral, Artes Visuais foi apontada por 78,7% dos alunos, seguida da Música, por 9,2%, Teatro com 7,9% dos registros e Dança em última posição de escolha, com um total de 4,2%. Os dados tomam uma proporção diferenciada quando cruzados entre as duas realidades. No caso das escolas públicas, Artes Visuais detém 69,1% de escolhas, seguida da Música, com 13,8 %, Teatro, com 11,8% e Dança, que totalizou 5,3%. Nas escolas particulares obteve-se os seguintes números: Artes Visuais, 95,4%; Dança, 2,3%; Música, 1,1% e Teatro, 1,1%. Em ambas as realidades, Artes Visuais detém a maioria de registros dos alunos. O fato de 95,4% dos alunos da rede particular apontarem essa área não se confirma na realidade pública. Nesse caso, mesmo havendo um número majoritário de Artes Visuais (69,1%), as outras áreas detêm um percentual mais significativo quando comparadas às respostas da rede particular. Os dados mostram que a aula de Artes continua sendo sinônimo de Artes Visuais, em detrimento das outras três áreas artísticas que a compõem. Essa visão tem suas raízes na Lei Federal nº 5.692/1971, mostrando o quanto ainda está arraigada nas práticas e concepções referentes à aula de Artes na escola. A esse respeito, Figueiredo (2004, p. 56) afirma que, ao adotar a polivalência, a 10 A questão trazia o enunciado “Com qual área de Arte sua escola mais trabalha?” e apresentava as opções de resposta Teatro, Dança, Música e Artes Visuais. 336 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL disciplina de Artes acaba “abordando todas as linguagens artísticas, o que significa, na maioria das vezes, a manutenção de práticas ligadas às artes visuais, sendo a música constantemente relegada a planos secundários”. Subtil (2009, p. 191-192, grifo da autora) complementa essas afirmações: A Lei nº 5692/71 de caráter economicista promulgada no contexto autoritário da ditadura militar estabeleceu a obrigatoriedade da Educação Artística nos currículos (art. 7º), mas, ao propor a polivalência como metodologia, fragmentou o conhecimento específico de cada área e, contraditoriamente, promoveu uma redução de conhecimentos da Arte nas escolas. Mesmo tendo a música na segunda posição de escolha, o percentual é bastante reduzido em relação às Artes Visuais. De acordo com De Paula (2007, p. 77), um aspecto: [...] que corrobora a supremacia das Artes Visuais perante a música, a Dança e o Teatro, é o fato de que, contrariamente aos professores de Música, de Teatro e de Dança, que em sua grande maioria trabalham outras áreas que não a de sua formação, os das Artes Visuais, em sua maioria, se recusam a trabalhar com outras áreas. A respeito da formação dos profissionais atuantes na disciplina de Artes, vale ressaltar que a área de Artes Visuais forma mais professores que as outras linguagens, aspecto que acaba refletindo-se também na maior presença dessa área na escola (HIRSCH, 2007). A aproximação dessa questão com os docentes 337 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... atuantes na área denota considerações a respeito de sua formação continuada, como aponta Del Ben et alii (2006, p. 116): O fortalecimento da educação musical nas escolas passa, necessariamente, pelo investimento na formação musical continuada dos professores em serviço. Por outro lado, sabemos que são escassas as políticas de formação continuada em música elaboradas ou apoiadas pelos sistemas públicos de ensino. A autora desenvolve a discussão considerando o fato de que muitos dos profissionais atuantes na disciplina possuem formação em Educação Artística e em uma perspectiva polivalente, impossibilitando a exigência de atuação como professores especialistas em uma das quatro áreas. Vale destacar, ainda, as dificuldades em aproximar a escola dos avanços da produção científica na área de educação musical (DEL BEN et alii, 2006). Fernandes (2004) amplia as considerações ao discutir o fato de que a quase exclusividade das Artes Visuais na escola não apenas dificulta o acesso à música, mas também às outras áreas da Arte. Entende-se que tal concepção deve ser considerada no interior da escola, visto que o aluno necessita entrar em contato com todas as manifestações artísticas. Atividades artísticas desenvolvidas na escola As quatro áreas e sua presença na escola podem ser discutidas frente às respostas a respeito das atividades artísticas desenvolvidas 11 A questão era de caráter aberto e trazia o seguinte enunciado: “Dê exemplos de atividades artísticas que sua escola desenvolve”. 338 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL no espaço escolar11. Vale salientar que, pelo fato de a música não ser a única manifestação artística contemplada na disciplina de Artes, as outras áreas também serão discutidas. Com um total de 94 atividades12, foram apontadas tanto aquelas consideradas como específicas a cada área, como Compositores, Pop arte, ou Dança de rua, bem como respostas gerais, como Desenho, Teatro, Dança e Música. A quantidade de atividades registradas é bastante positiva, mostrando um amplo universo dentro das realidades investigadas. Por outro lado, especificamente a respeito das atividades musicais, o registro foi de apenas 11. Dessas, poucas possuem um caráter de conteúdo: instrumentos, estilos musicais, compositores e conteúdo de música. As atividades musicais mais apontadas são relacionadas a apresentações, feiras e concursos, tendo um caráter de entretenimento extraclasse ou mais seletivo, como bandas marciais e corais. Focalizando somente nas áreas de modo geral e em atividades correlatas, o cr uzamento dos dados apresenta as seguintes informações nas escolas públicas: Teatro - 28,8%; Desenho - 23,5%; Dança - 19,4%; Música - 13,7%; Pinturas – 12,4%; Artes Visuais – 9,2%. No caso das escolas particulares, deu-se da seguinte forma: Desenho - 46,2%; Pinturas - 33,7%; Teatro - 6,7%; Música - 4,8%; Dança - 4,8%; Artes Visuais - 1%. A rede pública apresenta uma proximidade maior entre as quatro áreas artísticas. Em certa medida, esse aspecto relaciona-se com a proposta de ensino de arte do Estado do Paraná, em que foi desenvolvida a pesquisa, na qual há uma proposição de articulação das outras áreas artísticas em que o professor tenha algum conhecimento com sua área de formação. A proposta é pensada no sentido da possibilidade de diálogo com outras áreas e não enquanto 12 Devido à natureza do trabalho, serão apresentadas apenas as atividades mais relevantes à discussão. 339 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... abordagem polivalente do professor. . Chama atenção na escola pública o Teatro como trabalho mais apontado, inclusive mais expressivo que Desenho ou afins. Música possui um percentual razoavelmente próximo em relação às outras atividades. A rede particular apresenta uma expressão mais forte nas Artes Visuais, traduzidas por meio de Desenho e Pinturas, em detrimento das atividades nas outras áreas da arte. Música tem o mesmo percentual de Dança, encontrando-se bastante distantes em relação a Desenho ou Pinturas. A partir dos dados, os aspectos discutidos no registro de ambas as realidades a respeito da área artística mais trabalhada na escola confirmam-se por meio das atividades oferecidas. A arte como forma de entretenimento e “manifestação cultural”, expressa por meio das respostas Festival Cultural e Feira Cultural, mostra-se presente somente na rede particular, assim como o Balé. As datas comemorativas são apontadas em ambas as redes escolares: Danças em datas comemorativas, Teatros em datas comemorativas ou Somente em datas comemorativas. Como afirma Subtil (2003, p. 116): Os festejos escolares relativos às datas “comemorativas” são uma tradição profundamente entranhada nas práticas escolares, constituindo-se, na maioria das vezes, no único trabalho mais ou menos sistemático desenvolvido pelos professores quanto à música. As datas comemorativas, como sinônimo da presença da música na escola, remontam à época do Canto Orfeônico e estão ainda bastante presentes no imaginário escolar quando é abordado o assunto da música. 340 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL Considerações finais A música, como componente curricular obrigatório, ampliou as discussões sobre a forma de atuação dos profissionais nas escolas e sua formação nas universidades. Com isso, faz-se necessária a aproximação da comunidade acadêmica com os órgãos oficiais de educação municipais e estaduais, contribuindo desse modo para o fortalecimento da área no âmbito escolar e da universidade. É nesse sentido que a proposta do presente trabalho encaminhou-se, buscando discutir não apenas o processo de tramitação e as disposições legais da Lei Federal nº 11.769/2008, mas como a Arte e, mais especificamente a música, configuram-se no contexto real e concreto da sociedade e da escola. A partir dos dados, percebe-se que a relação dos adolescentes com a música é consideravelmente mais expressiva fora da escola, sendo em grande parte determinada pela ação dos meios tecnológicos contemporâneos, como a internet. Em certa medida, tais informações corroboram os registros a respeito do trabalho musical na escola e as atividades artísticas desenvolvidas, nos quais a área tem uma presença bastante reduzida. O desafio atribuído ao trabalho musical tem como um dos principais elementos as mediações e contradições entre as concepções da comunidade acadêmica e as ideias difundidas na sociedade acerca da música na escola. Esses aspectos relacionam-se também com o emprego da música na escola, a qual ainda é vista como elemento secundário, de auxílio a outras disciplinas, e não enquanto área com conhecimentos específicos. A formação musical é essencial nesse processo, pois traz o real sentido da educação musical escolar e possibilita transpor as propostas atualmente vigentes na grande maioria das escolas. 341 Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008... Considerando-se as dimensões de um país como o Brasil, a educação musical escolar encontra possibilidades de efetivação no trabalho realizado em cada espaço educacional e na conscientização dos gestores, professores e alunos. Esses aspectos necessitam estar acompanhados principalmente de movimentações políticas dos indivíduos envolvidos. A ação deve ser iniciada dentro das possibilidades existentes no momento, que inclui falta de professores com formação, carência de instrumentos e salas adequadas e da falta de diretrizes nacionais que regulamentem o conteúdo musical. Existem experiências já sendo realizadas no Brasil e, mesmo ainda não estando acompanhadas de condições ideais, são os primeiros passos. No entanto, a realização desse trabalho não deve ser acompanhada de conformismo por parte da comunidade escolar. A reivindicação por melhores condições para a realização do trabalho musical escolar deve sempre estar em foco. Para haver mudança na situação da educação, a sanção de leis não é suficiente. Leis são resultado de intervenção e ação humana e pelos sujeitos devem ser discutidas, avaliadas e ressignificadas, para terem, desse modo, validade prática. A partir da atual conjuntura, a efetiva implementação da música na educação básica necessita de ampla teorização e problematização que contemple a formação de professores, condições físicas e materiais e pesquisas na área, além do debate sobre metodologias do ensino da música e o conteúdo musical contemporâneo que integra o cotidiano dos alunos. Referências ABEM - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSI- 342 EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL CAL. Informativo – Maio: Edição Extra. 2005. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.org.br/infor mativos.html>. Acesso em: 3 maio 2011. ______. Informativo – Junho. 2006. Disponível em: <http:// www.abemeducacao musical.org.br/informativos.html>. Acesso em: 2 maio 2011. ______. Informativo – Abril. 2007. Disponível em: <http:// www.abemeducacaomusical. org.br/informativos.html>. Acesso em: 3 maio 2011. BELLONI, M. L. A mundialização da cultura. Revista Sociedade e Estado, Brasília, vol. 9, n.1-2, jan./dez. 1994. BRASIL. 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AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PESSOA IDOSA 346 RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA FLÁVIA DA SILVA OLIVEIRA Introdução A pessoa idosa tem inúmeros direitos, mas muitas vezes há o desconhecimento de quais são eles, principalmente os relacionados à questão educacional para essa faixa etária. Percebe-se, porém, que, em diversas situações, não existem as mínimas condições de sobrevivência, pois os direitos básicos não são respeitados, e o idoso encontra-se à deriva na sociedade. Devido a um panorama hostil que a sociedade capitalista, não por raras vezes, impõe à pessoa idosa, apresenta-se a necessidade de políticas públicas que atendam às demandas, assegurando que os direitos básicos sejam garantidos. Assim, as políticas públicas voltadas para a pessoa idosa visam estabelecer direitos para um público que se encontra vulnerabilizado com relação ao respeito de seus direitos elementares básicos, prescritos na Constituição. Logo, além de políticas públicas gerais para a pessoa idosa, existe um recorte que faz referência ao direito da educação, e este como qualquer outro direito deve ser respeitado. No ordenamento jurídico, não existe uma política educacional para a pessoa idosa, mas políticas públicas que apresentam no decorrer de seu texto prescrições à educação. Dessa maneira, o presente texto volta-se para um recorte abordando os aspectos educacionais das principais políticas públicas para a pessoa idosa. 347 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa Políticas públicas: conceito e aplicabilidade A identificação de diferentes problemas, discriminações, preconceitos e mazelas existentes na sociedade justifica a formulação e a implementação de políticas públicas, definindo, assim, uma agenda de trabalho. Essas questões são de interesse geral da sociedade política e civil, carecem de discussões públicas, reflexões das quais serão originadas intervenções para amenizar as questões supracitadas. Assim, as políticas públicas são instrumentos governamentais de ação e, se baseadas num estado que se define como estado social, têm a obrigação de implementar os direitos fundamentais (BUCCI, 2002). Segundo Urpia: Uma questão se transforma em um problema digno de atenção pelo governo quando as pessoas são convencidas de que algo precisa ser feito. Até que uma decisão seja tomada, percorre-se um longo caminho, visto que a construção da área e do tema da política exige o reconhecimento e a identificação de ações e processos diversos, o que acontece em meio ao embate em torno das ideias e interesses de grupos os mais diferentes. (URPIA, 2009, p. 30). Entende-se que “[...] política pública é o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos da sociedade civil” (BONETI, 1997, p. 188). As políticas públicas fazem correspondência às orientações e disposições do governo, por meio das mais diversas 348 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA decisões nas esferas sociais, influenciando a população direta ou indiretamente, nos âmbitos pessoais, profissionais, sociais e também educacionais. Depois de definida uma política pública, são elaborados programas, projetos e pesquisas que continuamente devem ser avaliados por meio de um sistema de acompanhamento buscando a solução para o problema que originou todas as atividades, avaliando os processos, produtos e os impactos ocasionados (URPIA, 2009). Estabelecem-se leis, diretrizes, planos, estatutos, resoluções e demais decisões provenientes do poder público. O Brasil tem enfrentado, nas últimas décadas, uma mudança no seu desenho demográfico. O nosso país está constituído por aproximadamente 21 milhões e, no ano 2025, segundo projeção do IBGE (2008), a população brasileira estará composta de 34 milhões de idosos, representando 15% da população. O Brasil se encontra entre os dez países com maior número absoluto de idosos. Além do número de pessoas crescer sensivelmente, fato esse atribuído aos avanços tecnológicos e da medicina, a diminuição das taxas de natalidade e da mortalidade, soma-se também a longevidade, que se apresenta como um fenômeno real, ampliando a expectativa de vida. Atualmente o número de pessoas idosas com mais de 80, 90 ou 100 anos não provoca tanto espanto e notícia na mídia como outrora. Diante desse contexto de envelhecimento, o grande contingente de pessoas idosas apresenta uma demanda social em diferentes aspectos, entre os quais: previdência social, moradia, saúde, cultura, trabalho, educação, segurança. Considera-se que o grande número de pessoas idosas, em um país em desenvolvimento como o Brasil, apresenta-se como uma questão social de grande relevância e precisa entrar na pauta das 349 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa discussões das políticas públicas brasileiras. Ao se pensar em políticas públicas, há a necessidade de fazer uma leitura das políticas assistencialistas no período pós-guerra, que trouxeram avanços, mas que não se consolidaram devido ao desenvolvimento do Estado capitalista. O surgimento do Estado de bem-estar social pressupôs a garantia de materializar direitos como a vida, a saúde e a alimentação. A partir desse momento, o caráter assistencial e de caridade começa a desaparecer e os benefícios começam a serem percebidos como direitos da cidadania, mas, nesse período, esses direitos ainda eram considerados como dádivas provenientes de um Estado bom (FREIRE Jr, 2005). Como o Estado de bem-estar não foi mantido e o sistema capitalista não sustenta a possibilidade do provimento de todos os direitos sociais, fortaleceu-se o estado mínimo aos direitos da população. Nesse meio em que promessas não são cumpridas, conseguiu-se forjar o Estado Democrático de Direito, que busca a efetivação da Constituição, num caráter mais dinâmico e aberto, visando o pleno desenvolvimento humano (FREIRE Jr, 2005). Como afirma Batista (et alii, 2008, p. 11), “ as políticas promovidas pelos Estados de Bem-Estar Social no pós-guerra levaram a uma melhoria considerável das condições de vida e de trabalho, contribuindo para o aumento progressivo da expectativa de vida de suas populações”. Então, no contexto globalizado atual, o sistema capitalista encontra novas formas de excluir, surgindo então a necessidade de políticas que garantam direitos elementares. Entretanto, as políticas não se formulam aquém da globalização. Assim, cabe pensar se realmente as políticas estão incluindo os excluídos. Garantir, por exemplo, o direito ao voto representa de fato um real Estado 350 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA Democrático de Direito ou a obrigatoriedade sobrepõe a consciência e camufla os interesses do Estado? Sendo assim, torna-se imprescindível pensar o que atualmente representam as políticas públicas, pois elas são permeadas pelas contradições entre a reprodução do capital e as demandas sociais. Segundo Bucci (2002, p. 241), as políticas públicas são “[...] programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos relevantes e politicamente determinados”. Complementando, Freire Jr. (2005, p. 48) afirma que “[...] as políticas públicas são os meios necessários para a efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que pouco vale o mero reconhecimento formal de direitos se ele não vem acompanhado de instrumentos para efetivá-los”. Assim, para que se possa realmente atingir um Estado democrático, com efetivação e respeito aos direitos elementares, torna-se elementar estruturar ações que permitam que esses propósitos sejam cumpridos e não se tornem apenas meros discursos, em especial nos períodos de eleições. Todavia, outras questões também precisam ser apresentadas. O Estado capitalista exerce funções contraditórias de acumulação e de legitimação, para que se criem as estruturas de consenso por meio da ação de suas instituições (JACOBI, 1993). É necessário haver uma movimentação oposta à hegemonia econômica e à lógica da acumulação de capital. Essa direção é a efetivação dos direitos humanos, que passa a exigir a releitura de seus dogmas e a formulação de novas teorias (FREIRE Jr., 2005). Assim, políticas públicas são “[...] um conjunto ou uma medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito” (FREIRE Jr., 2005, p. 47). 351 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa Ao se pensar na efetivação dos direitos para a população marginalizada, logo se evidencia a situação perversa a que a pessoa idosa está submetida. Nesse sentido, para que realmente se possa garantir um Estado Democrático de Direito, surge a necessidade de políticas específicas para o público idoso. Como afirma Boneti (2007, p. 37), As práticas sociais, na medida em que produzem recursos e se impõem como alternativas de sobrevivência, ganham legitimidade no contexto social mais amplo. Este deveria ser o caminho para estas práticas sociais se transformarem em capital social, mas elas são apropriadas pelas classes sociais determinantes da sociedade, impondo impeditivos ao acesso às demais. [...] O reconhecimento destas práticas pelo serviço público se dá justamente por meio de políticas públicas, quase sempre nor matizando e organizando estas práticas. Quando os direitos elementares passam a não serem respeitados, surge a necessidade de ações governamentais que supram essa carência, destacando-se as políticas públicas (OLIVEIRA; SCORTEGAGNA; OLIVEIRA, 2011). No caso das demandas sociais relacionadas à pessoa idosa, nesse contexto, cabe afirmar que não são recentes, mas cada vez mais se acentuam, exigindo a formulação e a implementação de políticas públicas. O respeito deveria ser inerente ao relacionamento com todo ser humano, entretanto a vulnerabilidade em que se encontram as pessoas idosas no Brasil é o ponto inspirador para as políticas públicas voltadas a esse segmento da população. Como aponta Camarano (2006), o envelhecimento da 352 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA população é resultado de políticas assistencialistas para a melhoria de condições de vida, além do próprio desejo da população de viver cada vez mais. Entretanto, se as políticas não forem contínuas, se não houver mais investimento, o seu sucesso enquanto prolongamento da vida irá tornar-se-á sua própria falência. Assim, “[...] conhecer a realidade do idoso brasileiro é um passo fundamental para a construção de políticas que visam garantir seus direitos e necessidades” (BATISTA et alii, 2008, p. 105). Além de a sociedade conhecer a realidade da pessoa idosa, compete à própria pessoa idosa entender a sua inserção e o papel que desempenha na sociedade brasileira, percebendo suas necessidades, reivindicando o respeito aos seus direitos, a sua cidadania, contribuindo para uma nova visão do idoso e um esboço de outro paradigma de velhice. O perfil do idoso brasileiro lentamente se modifica, dentro de um novo olhar de velhice, emergindo outra representação social, um idoso mais ativo, participativo, conhecedor de seus direitos, integrado socialmente. Busca-se uma mudança cultural, que não é rápida, mas encerra uma grande complexidade pelos múltiplos fatores que envolvem. Aqui se pontua a educação como estratégia fundamental para empoderar o idoso rumo a esse processo de superação da marginalização, estereótipos negativos, para a construção desse novo olhar frente a velhice: “No contexto deste debate, torna-se necessário analisar as diretrizes internacionais que dão base às políticas públicas e às novas representações sociais sobre a velhice” (FONTE, 2002, p. 4). Como afirma Fonte (2002, p. 4), [...] as alternativas que parecem prevalecer na 353 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa adoção das políticas públicas se baseiam na ideia de responsabilizar o envelhecimento populacional pelos desequilíbrios nas contas do Estado indicando propostas que, muitas vezes, vêm sobrecarregar este grupo de população. Entretanto, o grupo de idosos não pode ser visto como “[...] um grupo homogêneo no Brasil, mas como um grupo com especificações próprias, que traduzem-se pelas diferenças culturais, políticas, educacionais, valorais e morais” (CAMARANO, 2006; RAMOS; VERA: KALACHE, 1987). Segundo Camarano (2004, p. 593), [...] assume-se que a finalidade de qualquer política pública deva ser o bem-estar da população. Para que isso possa ocorrer de forma sustentada, é preciso equilíbrio financeiro. No caso brasileiro, a preocupação com o ajuste fiscal aparece como a finalidade última das políticas públicas, quer dizer, os fins estão sendo trocados pelos meios. As políticas públicas para as pessoas idosas devem promover a solidariedade entre gerações, ou seja, diferentes grupos da população necessitam de cuidados e atenção especial das sociedades política e civil, devido à situação de vulnerabilidade que enfrentam, mas deve ser de forma equilibrada para a implementação de políticas públicas que favoreçam uma sociedade mais justa. Conforme afirma Silva, Hirose, Cecilio (2008, p.166 apud AZEVEDO, 2008), Quando um Estado prima por políticas públicas de garantia de direitos de todos os habitantes de seu espaço geográfico, prima, também, por 354 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA compromissos de democratização de espaços e de poderes, por processos de construção da cidadania como fator essencial à vida da nação. A sociedade atual tem se caracterizado pela desigualdade e por conflitos. A idade não pode ser considerada como aspecto negativo, mas focalizada como sinônimo de experiência, sabedoria acumulada ao longo dos anos que os idosos podem transmitir aos jovens. A esfera governamental precisa cumprir sua função de responsabilidade social, sendo que a decisão do poder público deve ser a de proporcionar e fortalecer as ações comunitárias na região em que está presente e minorar possíveis danos provenientes de discriminações da faixa etária. Responsabilidade social é entendida aqui como um compromisso do poder público em relação à sociedade em geral e uma forma de prestação de contas do seu desempenho. Entre os vetores da responsabilidade social, existe o apoio ao desenvolvimento da comunidade onde atua, preservação do meio ambiente, satisfação e investimento no bem-estar dos indivíduos, tendo a pessoa idosa como uma realidade da população brasileira, compete também assumir esse compromisso social com essa parcela da população que contribuiu para a sua formação. Não pode, porém, ser considerado um ato de assistencialismo, mas antes deve ser encarado como de justiça social e de solidariedade, além de superação da dívida social para com a sociedade mais ampla que utilizou da contribuição de trabalho de pessoas que hoje são integrantes dessa faixa etária. Ao exercitar seu papel social, o homem utiliza suas perspectivas de cidadania, que, para ser efetivamente exercitada, exige 355 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa do indivíduo a capacidade de analisar e compreender a realidade, criticá-la e atuar sobre ela. Para essa nova realidade ser delineada se faz necessário, porém, um novo olhar sobre o processo de envelhecimento, e o apoio da sociedade civil e pública para que oportunizem ações preventivas, permitindo a construção de uma nova realidade. Dessa maneira, também torna-se imprescindível destacar que, para além do direito à educação, os idosos possuem a capacidade contínua de aprender, e isto deve ser respeitado e previsto nas políticas públicas. Percebe-se, então, que a sociedade civil pode e deve desempenhar um papel de grande relevância para a estruturação e formulações de políticas para o idoso. Para tanto, nesse âmbito, os setores organizados da sociedade civil utilizam-se de planos, conferências, seminários e de eventos similares como lugares de encontros de pessoas para a discussão sobre a velhice e a pessoa idosa (SCORTEGAGNA, 2010). Nesse sentido, esses eventos são considerados espaços públicos de propostas de ações, debates e construções de propostas para políticas. Assim, são considerados espaços importantes para explicitar a representação / representatividade da sociedade civil (DAGNINO, 2002). A sociedade civil, como define Couffignal (2000, s/p), é “[...] toda forma de organização espontânea ou institucional, duradoura ou não, cuja finalidade é a de expressar-se, em determinado momento, sobre a cena política”. E, dentro da sociedade civil, a sociedade civil organizada é uma parcela que se estrutura e atua como uma força política em busca de soluções para conflitos sociais. Marx (2006, s/ p) estabelece que a sociedade civil organizada “[...] é a estrutura moldando-se em superestrutura para defender interesses da maioria, ou mesmo parciais, atuando em conjunto com o Estado e as forças 356 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA de mercado, na ‘busca maior’, qual seja, a de uma melhor simbiose com a sociedade civil”. Em meio a essa discussão, Dagnino (2004) releva que, cada vez, mais a sociedade civil está sendo considerada como sinônimo de Organização Não Governamental (ONG), apesar de as ONGs fazerem parte dessa sociedade, mas não expressarem a totalidade do conceito. Outro fator que também merece destaque refere-se ao fato de que, cada vez mais, o Estado está transferindo à sociedade civil as suas responsabilidades quanto à manutenção da população e seus direitos. Dagnino (2002) também aponta que, nessa situação em que a sociedade civil se encontra, os espaços públicos enquanto meios de participação confrontam-se com as concepções elitistas da democracia estabelecida pelo Estado. Mesmo assim, porém, para que se possa efetivar uma sociedade civil ativa, os espaços públicos devem estar organizados para a implementação de políticas públicas em prol dos interesses da população. Assim, deve-se considerar “[...] a elaboração das políticas públicas como uma arena pública aberta” (DAGNINO, 2002, p. 299), e deve-se manter num caráter igualitário, para que a participação da sociedade não seja inútil. Ao se pensar na estruturação das políticas públicas por meio da ação da sociedade civil, busca-se o resgate do caráter público da política, reconhecendo a constituição do interesse público (DAGNINO, 2002). Nesse sentido, as ações da sociedade civil, por meio de espaços públicos, devem garantir ao idoso os seus direitos, além da participação efetiva na constituição das arenas políticas e nas sociedades civis organizadas. A longevidade é um fenômeno real, mas, para que se consiga uma melhor qualidade de vida das pessoas idosas, as políticas públicas 357 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa em favor dessa faixa etária devem ser promovidas, em diferentes âmbitos, entre os quais a saúde, a segurança, a previdência e, em especial, no âmbito educacional, que será enfocado a seguir. Educação: direito assegurado e políticas necessárias A educação ocupa papel fundamental na formação crítica de qualquer pessoa, assim como também do idoso, para que tenha condições de manter-se ativo e consciente da sua própria velhice. Por meio da ação pedagógica é que se oportuniza uma maior inserção social, além de que a formação da pessoa idosa enquanto ator social, mobilizado em diferentes grupos, terá possibilidade de articulação e passará a exigir mais respeito, dignidade e um compromisso sociopolítico a propósito dos seus direitos. Além de propor e ser agente da ação que transforma, a educação é um direito elementar de todo ser humano, independente da idade, numa percepção educacional ao longo da vida, preconizada pela Unesco. Logo, o idoso tem direito à educação, não somente como instrumentalização ou compensação, mas enquanto espaço de questionamento, decisões, capacitação e, acima de tudo, de diálogo. Como afirmam Oliveira, Scortegagna e Oliveira (2011, p. 90), [...] tão fundamental quanto a cidadania, é o direito pela educação, pois não se alcançará a cidadania sem que haja conhecimento pleno deste direito. Logo, pensar a educação para a terceira idade é pensar mais que uma ocupação para o idoso, é permitir uma ação intensiva e intencional para que este sujeito se perceba, entenda seu entorno social, político e econômico, como também não seja ludibriado ou tenha seus direitos 358 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA negligenciados. A educação é considerada como um direito fundamental, que está incluso em algumas políticas públicas destinadas para as pessoas idosas, todavia ainda não existe nenhuma política que referencie exclusivamente a educação para esse público. No Brasil, a legislação educacional contempla a Educação Básica (educação infantil, ensinos fundamental e médio) e o Ensino Superior, juntamente com as suas modalidades (ensino profissionalizante, educação de jovens e adultos – EJA, educação indígena, educação especial, entre outras), mas, apesar de incluí-las, em tese, pode-se dizer que de fato as pessoas idosas só têm sido contempladas, quando muito, nas políticas de EJA. Assim, o idoso encontra-se incluso em legislações específicas da modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer CEB 11/2000), o idoso é citado, porém dentro dessa modalidade: Tanto a crítica à for mação hierárquica da sociedade brasileira, quanto a inclusão do conjunto dos brasileiros vítimas de uma história excludente estão por se completar em nosso país. A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade de vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo também os idosos, exatamente no momento em que o acesso ou não ao saber e aos meios de obtê-lo representam uma divisão cada vez mais significativa entre as pessoas. No século que se avizinha, e que está sendo chamado de “o século do conhecimento”, mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a 359 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa vida cidadã e para o mundo do trabalho. Adulto é o ente humano já inteiramente crescido. O estado de adulto (adultícia) inclui o idoso. Este parecer compreende os idosos como uma faixa etária sob a noção de adulto. Sobre o idoso, cf. art. 203, I e 229 da Constituição Federal. (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 2000, p.11). Apesar da inclusão do idoso na EJA, percebe-se que caracterizá-lo como adulto faz submergir todas as suas peculiaridades, além das diferenças conceituais e necessidades educacionais. Devese pensar e analisar quais os motivos que levam o idoso à EJA, para que se institua uma metodologia e materiais adequados, além de um profissional preparado para trabalhar com esse público. Já observando a legislação referente à Terceira Idade, observase que a educação adquire destaque. No artigo terceiro da Lei Federal nº 8842/1994 propõe-se a melhoria das condições de estudo para que os idosos possam aprender com mais facilidade, criando programas voltados às pessoas idosas, além de educar a população para melhor entender o processo de envelhecimento. Segundo o Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10741/2003), no capítulo 5, nos artigos 20 ao 25, estabelece-se que o idoso tem direito à educação, respeitando a peculiar condição de sua idade. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, havendo cursos especiais para que se integre à vida moderna, além de apoiar a criação de universidades abertas para as pessoas idosas e publicações de livros e periódicos com conteúdos adequados à população idosa. A 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa 360 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA deliberou, no eixo sobre a educação: promoção e garantia de acesso à educação em todos níveis de ensino, com metodologias e currículos específicos, além de profissionais capacitados para o trabalho com o idoso; inserção do envelhecimento e velhice como tema transversal em todos os níveis de ensino; democratização do acesso às Universidades da Terceira Idade; adequação da metodologia de EJA à realidade e às necessidades da pessoa idosa; promoção da inclusão tecnológica e digital. No texto base da 2ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, a educação é vista como “[...] uma categoria associada à capacidade de oportunizar desenvolvimento pessoal, transformação e mudança social, além de qualificação para o trabalho e para vida coletiva” (SAFONS; PESSOA, 2008, p. 31). No mesmo texto, a educação, considerada como política pública para o envelhecimento, está amparada pelas Leis Federais nº 8842/1994 e nº 10741/2003. A educação encontra apoio na cultura, a qual “[...] expressa a totalidade das experiências materiais e simbólicas adquiridas e acumuladas pelas pessoas ao longo da vida e revela os comportamentos apreendidos no aprendizado social” (SAFONS; PESSOA, 2008, p. 32). No Plano de Viena1, a educação é entendida em seu caráter permanente, o qual auxilia diretamente a adaptação do indivíduo, segundo o avanço de idade, numa sociedade que evolui constantemente e que exige cada vez mais capacidades, inclusive laborais. Há várias recomendações no que diz respeito à educação, em especial a um ensino compatível com os idosos, respeitando o ritmo e estimulando para novas aprendizagens de uma maneira 1 Em 14 de dezembro 1978 a ONU convocou uma Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, a qual foi realizada em Viena, no ano de 1982. Desta assembleia resultou um plano internacional sobre envelhecimento, o qual foi considerado por 361 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa universalizada, além de estimular para auto-suficiência e responsabilidade. Deve-se também educar a população para o processo de envelhecimento e para o respeito e aceitação dos idosos. Conforme descrito no plano, “se deberá poner a disposición de las personas de edad amplia información sobre todos los aspectos de su vida, en forma clara y comprensible” (ONU, 1982, p. 38). E, no Plano de Madri2, a educação é encarada como uma base indispensável para uma vida ativa e digna, inclusive no envelhecimento. Segundo esse mesmo plano, uma grande quantidade de pessoas idosas em países em desenvolvimento chega à velhice com noções de escrita e leitura. É, porém, necessário que educação seja intrínseca a qualquer indivíduo, desde a infância, para que, quando esteja na terceira idade, tenha condições de gozar seus direitos, seu bem-estar integral e reclamar por melhores condições. Além disso, a educação deve possibilitar uma formação continuada para o mercado de trabalho, uma vez que o idoso tem condições e oportunidades de continuar trabalhando, permitindo que aqueles que desejam continuar em atividade, o façam. O Plano de Madri apresenta dois objetivos para a educação, muitos estudiosos o primeiro documento de nível mundial, o qual destacava a situação da população idosa e trouxe metas como atender às preocupações e necessidades especiais das pessoas de mais idade, e fomentar uma resposta internacional adequada aos problemas do envelhecimento, estabelecendo um nova ordem econômica e o desenvolvimento de atividades de cooperação técnica, principalmente entre os países em desenvolvimento (ONU, 1982). 2 A II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorreu em Madri em 2002, 20 anos após a primeira assembleia. Também resultou-se desta um plano internacional sobre o envelhecimento, conhecido como Plano de Madri. Nesta assembleia também foi a aprovado um outro documento, uma Declaração Política, na qual todos os países signatários comprometem-se em cumprir as metas do Plano de Madri em até 25 anos. O referido Plano traz três prioridades: necessidade das sociedades ajustarem suas políticas e instituições para que a crescente 362 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA o primeiro: “[...] igualdad de oportunidades durante toda la vida en materia de educación permanente, capacitación y readiestramiento, así como de orientación profesional y acceso a servicios de colocación laboral” (ONU, 2002, p. 17); e o segundo “[...] utilización plena de las posibilidades y los conocimientos de las personas de todas las edades, reconociendo los beneficios derivados de la mayor experiencia adquirida con la edad” (ONU, 2002, p. 18). Esses objetivos devem ser alcançados numa organização comum de toda sociedade civil e política, considerando a totalidade do ser idoso. Na carta de Brasília (2005) é recomendado o fomento de ações de capacitação dos idosos para o exercício da cidadania e o protagonismo social. No Paraná, a Política Estadual dos Direitos do Idoso (Lei Estadual nº 11863/1997), no inciso III do artigo terceiro, também destaca a adequação de currículos e de programas educacionais destinados aos idosos. Essa lei pressupõe o desenvolvimento de programas que adotem modalidades de ensino à distancia adequados às condições do idoso. No contexto municipal de Ponta Grossa, no inciso III do artigo segundo da Lei Municipal nº 4536/1991, apresenta-se a necessidade de incentivar a colaboração e a participação da comunidade em favor de programas e projetos, visando, por meio de entidades, buscar a melhoria das condições de educação e formação, garantindo a promoção social. Como citado, as legislações próprias dirigidas ao público idoso apresentam os direitos relativos à educação, podendo-se citar o acesso aos mais diversos meios educacionais, continuidade, capacitação, população idosa, promoção da saúde e bem-estar para todo o ciclo de vida e a criação de contextos propícios e favoráveis, que promovam políticas orientadas para a família e a comunidade como base para um envelhecimento seguro (MADRI, 2002). 363 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa inserção social e tecnológica, importância da relação intergeracional, numa perspectiva de educação permanente. Afirma-se, então, que, mediante o amparo dessas políticas, a educação é respeitada como direito fundamental da pessoa idosa, e age como política necessária, na medida em que propõe e possibilita meios para os avanços sociais, o reconhecimento da velhice, a preparação para o envelhecimento, a capacitação para enfrentar a globalização, a formação para continuar no mercado de trabalho, se o idoso assim o desejar, enfim, na medida em que permita que o idoso se considere capaz, integrado e articulado, melhorando sua qualidade de vida. Nas políticas específicas para a educação, percebe-se que, em algumas leis, o idoso é contemplado em alguns pontos, como também é integrado à educação de adultos ou à educação para todas as idades. Ainda há, porém, a ausência de uma política pública específica para a educação do idoso. Outro ponto de discussão referese à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9394/1996), que, em nenhum momento, faz referência à educação para a terceira idade ou a integração do tema envelhecimento aos currículos. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) não se referem à temática do envelhecimento na apresentação dos temas transversais, sabendo que o envelhecimento deve ser trabalhado nessa perspectiva e que esses parâmetros foram organizados posteriormente à Política Nacional do Idoso, que elencou uma série de orientações acerca da educação. Há apenas uma indicação referente ao processo de envelhecimento e à velhice, no PCN do Ensino Fundamental de Ciências Naturais, quando se trata do desenvolvimento humano (PCN, 1997). Já no Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 10172/ 364 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA 2001 – período 2001/2011) é apresentado, em seus objetivos e metas, o estímulo às universidades e às organizações não-governamentais a oferecer cursos dirigidos à terceira idade. Apesar das limitações do objetivo, ressalta-se que essa foi a primeira política educacional em nível nacional, no Brasil, que abriu um espaço ao idoso. No Paraná, no ano de 2006, as Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos acrescentou o idoso em sua redação, partindo para a estrutura da educação de jovens, adultos e idosos no estado. A partir dessas diretrizes, percebe-se o idoso enquanto sujeito do processo de aprendizagem, que necessita de uma prática pedagógica emancipadora num caráter político, econômico, científico e ético-social (SEED, 2006). Em relação às diretrizes internacionais, a educação para o idoso tem espaço nas Declarações de Jomtien (1990), Hamburgo (1997) e Dakar (2000). Todas as declarações são resultados de Conferências Mundiais organizadas pela ONU e UNESCO. Na Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien/ Tailândia, 1990), a educação é considerada como um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Há a necessidade de universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como de tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades. Assim, torna-se fundamental o acesso à educação e a promoção da equidade, independentemente de idade, de raça, de religião ou de classe social. Segundo as recomendações da Declaração de Jomtien, as políticas de apoio nos setores social, cultural e econômico são necessárias para se concretizar a plena provisão e implementação da educação básica para a promoção individual e social. A educação básica para todos depende de um compromisso político e de uma vontade política, respaldados por medidas fiscais adequadas e 365 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa ratificadas por reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional (ONU, 1990). Na Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA V), na cidade de Hamburgo, no ano de 1997, estabeleceu-se a Declaração de Hamburgo, que recomenda que “[...] governos e parceiros sociais devem tomar as medidas necessárias para garantir o acesso, durante toda a vida dos indivíduos, às oportunidades de educação” (UNESCO, 1999, p. 22). Nessa declaração, percebe-se que a educação para a terceira idade encontra um grande suporte, pois, como recomendado, a educação básica para todos significa garantir às pessoas, independentemente da idade, a oportunidade de desenvolver seu potencial, coletiva ou individualmente. Além de promover uma sociedade tolerante e instr uída para o desenvolvimento socioeconômico (UNESCO, 1999). A Declaração de Hamburgo também recomenda que o direito à educação e ao aprender por toda vida é uma necessidade, afirmandose como direito de ler, escrever, questionar, analisar, ter acesso a recursos, desenvolver e praticar habilidades e competências individuais e coletivas. Hoje há mais idosos do que havia anteriormente, e essa dimensão prossegue aumentando. Esses idosos têm muito para oferecer ao desenvolvimento social. Desse modo, é importante que eles tenham a mesma oportunidade de aprender que os mais jovens. Suas habilidades devem ser reconhecidas, respeitadas e utilizadas (UNESCO, 1999). A Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Dakar, no ano 2000, reafirmou a necessidade e a importância da educação em todas as idades. Recomendou-se novamente a necessidade de assegurar o direito de educação, para que haja a equidade de acesso a uma aprendizagem apropriada, que desenvolva 366 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA habilidades e que possibilite programas de formação para a cidadania (ONU, 2000). No ano de 2009 ocorreu, em Belém (Pará), no Brasil, a VI Conferência Mundial de Educação de Adultos (CONFINTEA VI). Essa conferência embasou-se no diálogo sobre políticas e promoção da aprendizagem de adultos e educação não formal em âmbito global, com a temática: “Vivendo e aprendendo para um futuro viável: o poder da aprendizagem e da educação de adultos”. Nessa conferência foram organizados diversos documentos que servirão de diretrizes para a educação de adultos nos próximos anos, destacando-se o Marco de Ação de Belém e o documento “Educação e Aprendizagem para Todos”, que reúne as declarações finais das conferências regionais preparatórias para a Sexta Conferência Internacional de Educação de Adultos. Segundo o Marco de Ação de Belém (2010, p. 6-7), Reconhecemos que aprendizagem e educação de adultos representam um componente significativo do processo de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo um continuum que passa da aprendizagem formal para a não formal e para a informal. Aprendizagem e educação de adultos atendem às necessidades de aprendizagem de adultos e de idosos. Aprendizagem e educação de adultos abrangem um vasto leque de conteúdos – aspectos gerais, questões vocacionais, alfabetização e educação da família, cidadania e muitas outras áreas – com prioridades estabelecidas de acordo com as necessidades específicas de cada país. 367 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa As diretrizes internacionais de educação não se findam no direito de uma educação para todos. Atualmente, além de garantir acesso à educação, afirma-se a necessidade de uma educação de qualidade, enfim, de efetivar o ensino e a aprendizagem para todas as pessoas de todas as idades, focalizando as necessidades de quem aprende e dinamizando a prática de quem ensina (UNESCO, 2005). A partir da busca de mais qualidade para a educação dos idosos, além da preocupação de quanto e como se aprende, se analisa como a aprendizagem realmente se efetiva em prol de benefícios próprios, da sociedade e do desenvolvimento (UNESCO, 2005). O processo de envelhecimento deve ser encarado como uma questão social. O perfil do idoso hoje é diferente de meio século atrás, e essa realidade atual exige novas ações educacionais para esse setor social, num aspecto permanente. Aprender permanentemente e desenvolver novas habilidades são maneiras de enriquecimento pessoal, social e cultural, considerando a educação profícua para o idoso (SCORTEGAGNA, 2010). Educação para a pessoa idosa A educação, além de direito da pessoa idosa, como supracitado, representa a possibilidade de mudanças conceituais em relação ao envelhecimento e à velhice. Uma ação educacional que contemple essa temática dentre um de seus eixos conduz à ampliação da reflexão sobre o processo de envelhecimento populacional, como também facilita a própria aceitação da condição de pessoa idosa. A educação deve ser vista como um processo, um fato existencial e um fato social. É considerada como um fenômeno cultural e não consiste na formação uniforme de todos os indivíduos 368 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA porque se desenvolve no contexto sócio-econômico da sociedade. É, em si, uma atividade teleológica, sempre visa um fim, sendo um fato de ordem consciente, um processo exponencial, com uma essência concreta e de natureza contraditória (PINTO, 1989). A toda concepção de educação existe subjacente uma visão de mundo, de homem e de sociedade. Com base nessas concepções se determinam os fins a serem atingidos pela educação. A educação é uma prática social, situada historicamente, em uma realidade concreta, englobando diferentes aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos. A educação enquanto prática social permite que o homem aprenda constantemente, tornando-se possível pensar numa transformação cultural e na transformação da própria sociedade. Relativa à condição essencial de prática social, a educação tem função essencial junto à pessoa idosa. Os processos educacionais não podem estar atrelados à escolarização somente, mas, sim, às demais possibilidades, comumente encontradas nas práticas de educação não formal. E é nesses espaços que, muitas vezes, o idoso encontrará vez e voz, efetivando a participação cidadã. Entretanto, a pessoa idosa não se tornará crítica e consciente de seus direitos pelo fato de que tais direitos já se encontram prescritos. Para que haja mudança de paradigma, passando do idoso inativo para o idoso participativo, é necessário que a educação se atrele a esse processo e possibilite que as mudanças possam ocorrer. Como afirma Brandão (1984, p. 22), [...] a educação deve ser um ato coletivo, solidário – um ato de amor, dá pra pensar sem susto –, não pode ser imposta. Porque educar é uma tarefa de trocas entre pessoas e se não pode ser nunca feita por um sujeito isolado (até a auto-educação 369 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa é um diálogo à distância), não pode ser também o resultado do despejo de quem supõe que possui todo o saber, sobre aquele que, do outro lado, foi obrigado a pensar que não possui nenhum. Assim, para que haja educação para a pessoa idosa, é preciso necessariamente que o diálogo ocorra. Não basta pensar em programas de alfabetização para o idoso ou incluí-lo em classes heterogêneas como solução para cumprimento de lei. É preciso ir além. Como aponta Paulo Freire, é preciso aprender a leitura de mundo. Neste sentido, é necessário trabalhar com a conscientização e apropriação de conceitos, direitos e contextos. A pessoa idosa precisa ser contemplada pelo processo educativo, na educação formal e não formal. Nesses contextos, o direito de aprender deve pressupor qualquer ação e fundamentar projetos e programas que permitam ao idoso, além de aprender, uma melhor qualidade de vida: “Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados” (FREIRE, 1979, p. 61). Assim, cabe à educação estabelecer uma relação democrática entre a política e os sujeitos desse paradoxo educacional, a fim de reordenar e reconstruir gradativamente processos de ensino e de aprendizagem pautados – pelo simples fato de que da intenção de um ensino não resulta, necessariamente, uma aprendizagem desejada... na construção e reconstrução crítica, reflexiva e democrática dos conhecimentos, na qual todos os indivíduos presentes nesse meio possam desenvolverse e constituírem-se como cidadãos atuantes e conscientes. 370 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA Considerações finais A população, independentemente de idade, de etnia, de gênero ou de condição social, deve ter uma educação completa e global, que permita o desenvolvimento real de cada sujeito, para que realmente a transformação e a evolução social ocorram, além da superação dos preconceitos, dos estigmas e dos estereótipos que os grupos minoritários3 sofrem atualmente. Nesse sentido, torna-se cada vez mais evidente a importância de uma educação que propicie a reflexão à luz dos pilares da educação preconizados pela UNESCO: aprender a ser (a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade; desenvolver a autonomia, o discernimento e a responsabilidade); aprender a fazer (a educação deve contribuir para que a pessoa adquira competências para uma melhor qualificação profissional, experimentando uma diversidade de atividades, alternando o ensino e o trabalho, teoria e prática), aprender a conhecer (combinando com uma cultural geral ampla e aprender a aprender para saber aproveitar as oportunidades que a vida pessoal e profissional lhe apresentar); aprender a conviver (desenvolver a compreensão do outro, a percepção e sensibilidade da interdependência entre as pessoas na sociedade) (DELORS, 2001). 3 Grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas, religiosas ou linguísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não dominância; vítima de discriminação. No Brasil isso compreende os índios; os ciganos; as comunidades negras remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de imigrantes; membros de comunidades religiosas. Fonte: <http://www.dhnet.org.br/ direitos/militantes/... >. 371 As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa Entende-se que a educação é uma prática social, que tem sua intencionalidade e finalidade, além de contemplar o homem em sua totalidade, por meio de uma formação que esteja direcionada para questões relativas ao ser humano em sua integralidade, no caráter social, político, econômico, cultural, biológico, ético e moral. É necessário pautar-se numa teoria crítica que dê substância concreta ao esforço de subsidiar uma educação de qualidade nas condições históricas atuais, além de evitar que a mesma seja articulada e apropriada segundo os interesses da classe dominante (SAVIANI, 2003). A educação não se restringe a mera transmissora de cultura, mas necessita estabelecer seu alicerce nesta cultura, abarcando as transformações decorrentes na sociedade, nos aspectos sociais, econômicos e políticos. Tais mudanças, decorrentes da evolução e desenvolvimento da sociedade, apresentam-se como influência direta na educação. Freire (2005) admite que é necessário tornar a educação acessível às camadas populares. Porém, a educação cumprirá seu caráter político e social na medida em que possa criar o espaço de discussão e problematização da realidade, com vistas à educação consciente, voltada para o exercício da cidadania por sujeitos comprometidos com a transformação da realidade. Todo indivíduo está envolto num processo educativo, seja onde for e em qual circunstância se encontrar, evidenciando que a educação permanente se encontra não apenas na educação formal, mas também nos mais diversos espaços da educação dita não formal. Assim, torna-se imprescindível conscientizar-se da importância de todas as possibilidades de ensino e de aprendizagem, como também da realidade apresentada. 372 RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA Nesse contexto, Paulo Freire (2005) salienta que a educação precisa voltar-se para a realidade e, principalmente, para transformála, sendo necessário reinventar a própria a educação. Torna-se necessário, antes de compreender a inserção do idoso num contexto educacional, refletir sobre o processo de envelhecimento e a velhice, sabendo-se que “[...] o envelhecimento proporciona variedade e riqueza de experiências psicossociais e reacionais” (MORAGAS, 1991, p. 124). A partir do momento em que o idoso se percebe como ator de sua vida, conquista um espaço mais respeitado no cenário familiar e social, pois, como afirma Paulo Freire, “[...] somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua ‘convivência’ com o regime opressor” (FREIRE, 2005, p. 58-59). Apesar de todos os aspectos considerados ao longo do texto, de ser evidenciada a necessidade e a relevância da educação para a pessoa idosa, ainda as políticas públicas na área educacional são incipientes para atender à demanda dessa faixa etária, por muitas vezes desconsiderando as especificidades e as características dos seus destinatários. Isso nada mais é do que um direito da pessoa idosa! Referências BATISTA, A. S. et alii. Envelhecimento e dependência: desafios para a organização da proteção social. Brasília: MPS/SPPS, 2008. (Coleção Previdência Social, v. 28). BONETI, L. W. 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Atuou em diversas instituições universitárias e organizações educativas da América Latina e Caribe. É membro do Conselho Latinoamericano de Ciencias Sociais (CLACSO). E-mail: [email protected] Olinda Evangelista Professora Associada da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1980), mestrado em Educação: História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988) e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Realizou Estudos Pós-doutorais na Universidade do Minho, Portugal, em 2004. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, Curso de Pedagogia e formação docente. Coordena o Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho GEPETO/ CED/UFSC. Disponível em: <http://www.gepeto.ced.ufsc.br. Email: [email protected]>. 379 Luciane Francielli Zorzetti Maroneze Assistente social da Prefeitura Municipal de Londrina no Paraná. Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (1999), especialização em Violência doméstica contra Criança e Adolescente pela Universidade de São Paulo (2000), especialização em Pesquisa Educacional pela Universidade Estadual de Maringá (2006) e mestrado em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) na linha de pesquisa: Políticas e Gestão em Educação. Tem experiência nos seguintes temas: políticas educacionais, educação básica, violência domestica contra criança e adolescente e precarização do trabalho docente. E-mail: [email protected] Ângela Mara de Barros Lara Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá e - Programa de Pós-Graduação em Educação. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (1986), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1992) e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Pós-Doutorado em Educação na UFSC (2011). Pesquisadora do GEPPEIN – Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Infância. E-mail: [email protected] 380 Neuza Maria Barbosa de Oliveira Antunes Coordenadora geral do Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal. Tutora no Ensino Superior no Curso de Pós Graduação em Métodos e Técnicas na Universidade Aberta do Brasil, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Mestre em educação (UNIOESTE). Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1995), Especialização em Psicopedagia pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Extensão (2003) e em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura pela UNIOESTE. E-mail: [email protected] Roberto Antonio Deitos Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel, - Programa de Pós-Graduação em Educação. Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE (1992), mestrado (2000) e doutorado (2005) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, na área de história, filosofia e educação. Atualmente cursando estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual de Maringá – UEM – Programa de Pós-Graduação em Educação. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social - GEPPES. E-mail: [email protected] Jonathas de Paula Chaguri Professor da Universidade Estadual do Paraná, Campus de Paranavaí/Fafipa. Possui graduação em Letras(Português/Inglês/ Espanhol) e especialização em Letras e Literatura Infantil pela 381 Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná, especialização em Ensino de Língua Inglesa e em Ensino de Língua Espanhola pela Faculdade Iguaçu. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail: [email protected] ou [email protected] Regina Célia Linhares Hostins Professora da Universidade do Vale do Itajaí – Programa de Pós-Graduação em Educação e Educação Especial. Graduada e especialista em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (1983; 1985), mestre e doutora em Ciências da Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000; 2006). Especialista em Avaliação Institucional pela Universidade de Brasília (2002). Área de atuação: Políticas Públicas e a Avaliação de Sistemas, Instituições, Planos e Programas Educacionais direcionados para a educação inclusiva, o ensino superior e a pós-graduação . E-mail: [email protected]; [email protected]. Anajara Guertler Graduada em Pedagogia pela UNIVALI. Bolsista no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, ano 2009/2010, no Projeto: Estudo Sobre Políticas Públicas Em Educação na PósGraduação Brasileira: Principais Teorias e Teóricos Discutidos nos Programas de Excelência (CAPES 2004-2006). Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Currículo e Avaliação, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail: [email protected] 382 Vandiana Borba Wilhelm Pedagoga da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná. Possui Especialização em Fundamentos da Educação e graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2004). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial. E-mail: [email protected] Francis Mary Guimarães Nogueira Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – programa de Pós-Grauação em Educação. Possui graduação em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná (1987), mestrado em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1993) e doutorado em Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1998). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em política educacional como parte das políticas sociais e estudos sobre as políticas sociais na América Latina, particularmente sobre a Educação Escolar na Venezuela. Email: [email protected] Jeinni Kelly Pereira Puziol Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá - PPE/UEM e graduanda do curso de Pedagogia da mesma Universidade. Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2009). É pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão Educacional (GEPPGE - CNPq). Atua nos seguintes temas: Geografia Geral, Geografia do Paraná, Educação do e no Campo, 383 Movimentos Sociais, Políticas Públicas Educacionais e Territorialidades. E-mail: [email protected] ou [email protected] Irizelda Martins de Souza e Silva Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá – UEM – Programa de Pós-Graduação em Educação. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá UEM (1986), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1991) e Doutorado pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001). Atua na área de Educação, com ênfase em Políticas Públicas e Gestão Educacional atuando principalmente nos seguintes temas: Educação no e do Campo, Formação de Professores, Políticas Educacionais e Estado. E-mail: [email protected] Maria Aparecida Cecílio Professora da Universidade Estadual de Maringá – Programa de Pós-Graduação em Educação. Possui doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em políticas públicas, educação campo e gestão educaional, atuando principalmente nos seguintes temas: Políticas públicas e educação do campo, educação e desenvolvimento humano e politicas públicas e Direitos Humanos. E-mail: [email protected] 384 Cláudia Letícia de Castro do Amaral Professora assistente de Ensinos Básico, Técnico e Tecnológico no Colégio Agrícola de Frederico Westphalen – UFSM. Possui graduação em Letras Português-Inglês e Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). É especialista em Metodologia do Ensino do Inglês pelo Centro Universitário Franciscando e em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria. É mestre em Educação também pela UFSM. E-mail: [email protected] Gabriel dos Santos Kehler Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação na UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. Tutor da Equipe Multidisciplinar da Universidade Aberta do Brasil - EMUAB/UFSM e Bolsista da ANPED/IPEA - temática de Educação, trabalho e emprego, projeto com ênfase na Educação Profissional. e Especialização em Gestão Educacional (2010). Licenciado no Curso de Pedagogia pela UNICRUZ- Universidade de Cruz Alta (2008). Educador Social na Prefeitura Municipal de Cruz Alta-SMDS (2009) e Assistente Administrativo nos Cursos Técnicos - FISMA Faculdade Integrada de Santa Maria (2010). E-mail: [email protected] Liliana Soares Ferreira Professora do Departamento de Fundamentos da Educação, do Centro de Educação, na Universidade Federal de Santa Maria – RS - Programa de Pós-graduação em Educação. Licenciada em 385 Pedagogia (1985) pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), licenciada em Letras (1992) pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Especialização em literaturas em língua portuguesa (1988), pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Mestre em educação nas ciências (1999), pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) e Doutora em educação (2006), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É lider do grupo Kairós Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Educação e Políticas Públicas. Pesquisa com ênfase em trabalho, Pedagogia, políticas públicas e escola, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, emprego/desemprego, pedagogia, políticas públicas, escola e educação profissional. E-mail: [email protected] Eduardo A. Terrazzan Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria, RS - Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência da Faculdade de Ciências da UNESP, Campus de Bauru/SP. Possui graduação em Licenciatura em Física pela Universidade de São Paulo (1976), graduação em Bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (1978), mestrado em Ensino de Ciências (Modalidade Ensino de Física) pela Universidade de São Paulo (1985), doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (1994) e estudos de pós-doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2001-2002). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e coordenador-líder do Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas Educativas e 386 Formação de Professores. E-mail: [email protected]; [email protected] Lidiane Limana Puiati Professora da Rede Municipal de Restinga Sêca/RS. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Educação Física Escolar pela UFSM. Bolsista Professora de Educação Básica CAPES/INEP/SECAD (Observatório da Educação); Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas Escolares e For mação de Professores. E-mail: [email protected] Andréia Aurélio da Silva Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Possui graduação em Física Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (2007) e Especialização em Gestão Educacional também pela Universidade Federal de Santa Maria (2011). Linhas de pesquisa em que trabalha: Formação de Professores, Políticas Educacionais, Configurações Curriculares de Cursos de Licenciatura, Ensino de Física e Recursos didáticos no Ensino de Ciências. [email protected] Luciana Bagolin Zambon Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM e Bolsista do Programa Observatório da Educação da CAPES Possui Graduação em Licenciatura em Física pela Universidade Fed387 eral de Santa Maria (2009).. Tem experiência na área de pesquisa em Educação, com ênfase em Educação em Ciências/Física, atuando principalmente nas seguintes temáticas: Analogias no Ensino de Ciências, Conteúdos de Ensino e Resolução de Problemas no Ensino de Ciências, Livros Didáticos, Programa Nacional do Livro Didático. É integrante do Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas Educativas e Formação de Professores. [email protected] Janaína Xavier De Almeida Professora da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul - Escola Estadual de Ensino Médio João Isidoro Lorentz em Formigueiro-RS. Possui graduação em Ciências - Licenciatura de 1º Grau pela Universidade Federal de Santa Maria-RS- (1995) e graduação em Matemática - Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria-RS- (2006). Atualmente é bolsista Professora de Educação Básica do Projeto em Rede Inovações Educacionais e as Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil IEPAM da Universidade Federal de Santa Maria-RS. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Tecnologias Educacionais, Ferramentas Digitais, Atividades Didáticas, Resolução de Problemas e Políticas Públicas em Educação. E-mail: [email protected] 388 Egon Eduardo Sebben Professor assistente do curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Licenciado em Música pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2006) e Mestre em Educação pela mesma instituição (2009). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Arte e Comunicação (GEPEAC). Coordenador da Linha de Pesquisa Música, Educação e Sociedade. Sócio da Associação Brasileira de Educação (ABEM). Foi Professor do Quadro Próprio do Magistério da rede de Educação Básica do Estado do Paraná, atuando na disciplina de Artes nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Desenvolve pesquisas sobre práticas e gosto musical de adolescentes, práticas musicais na escola e políticas educacionais para o ensino de arte e música. E-mail: [email protected] / [email protected] Rita de Cássia Oliveira Pedagoga, Gerontóloga pela SBGG, Doutora e Pós- Doutora em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da UEPG. Pesquisadora Produtividade do CNPq. Coordenadora da Universidade Aberta para a Terceira Idade da UEPG. E-mail: [email protected] 389 Paola Andressa Scortegagna Professora Colaboradora do Departamento de Educação da UEPG. Professora da Universidade Aberta para a Terceira Idade na UEPG. Pedagoga, Mestre em Educação pela UEPG. Professora Formadora do Curso de Pedagogia (EaD) da UEPG. Professora do Ensino Fundamental na Rede Sagrado de Educação no Colégio Sagrado Coração de Jesus. E-mail: [email protected] Flávia da Silva Oliveira Professora do Curso de Direito da Faculdade União. Professora da Universidade Aberta para a Terceira Idade na UEPG.Bacharel em Direito. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Doutoranda em Ciências Jurídicas na Universidade Católica de Buenos Aires. E-mail: [email protected] 390 Editora e Gráfica Universitária Diretor: Assistente Administrativa: Criação e Diagramação: Hélio Augustinho Zenati Laurenice Veloso Antonio da Silva Junior André Crepaldi Bruna Patrícia da Luz Santos Impressão: Gilmar Rodrigues de Oliveira Izidoro Barabasz Acabamento: Gentil David Teixeira Marizelda Webber Vera Müller Juliane Alves Rafael Basgal 391 392