POLÍTICAS EDUCACIONAIS
um exame de proposições e reformas educacionais
1
2
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
um exame de proposições e reformas educacionais
3
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE
REITOR
Paulo Sérgio Wolff
VICE-REITOR
Carlos Alberto Piacenti
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO
E FINANÇAS
Rosiclei Fátima Luft
PRÓ-REITORA DE PESQUISA
E PÓS-GRADUAÇÃO
Silvio César Sampaio
PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO
Prof. Dr Gilmar Baumgartner
PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO
Jandir Ferrera de Lima
PRÓ-REITOR DE RECURSOS HUMANOS
Amarildo Jorge da Silva
DIRETOR DO CAMPUS DE CASCAVEL
Alexandre Webber
DIRETOR DO CECA - CENTRO DE
EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
Elenita Conegera Pastor Manchope
COORDENADOR DO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO
Alexandre Felipe Fiuza
PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO
Liliam Faria Porto Borges
CONSELHO EDITORIAL
Liliam Faria Porto Borges
Gilmar Baumgartner
Silvio César Sampaio
Aparecida Feola Sella
Clodis Boscarioli
Marina Kimiko Kadowaki
Loreni Teresinha Brandalise
Beatriz Helena Dal Molin
Lavínia Raquel Martins
4
Samuel Klauck
José Ricardo Souza
Adílson Francelino Alves
Yolanda Lopes da Silva
Antonio de Pádua Bosi
Mário Luiz Soares
Gustavo Biasoli Alves
Jefferson Andronio Ramundo Staduto
Soraya Moreno Palácio
Ângela Mara de Barros Lara
Roberto Antonio Deitos
(Orgs)
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
um exame de proposições e reformas educacionais
EDUNIOESTE
CASCAVEL
2012
5
© 2012, EDUNIOESTE
Capa: Hugo Alex da Silva
Ilustração da Capa: Araucárias - espécie de pinheiro característico da região
Sul do Brasil.
Revisão: Célio Escher
Diagramação: André Crepaldi
Ficha Catalográfica: Marilene de Fátima Donadel - CRB 9/924
História da educação : escola pública e práticas educativas /
H673 Organização de João Carlos da Silva, André Paulo Castanha,
Paulino José Orso e Marijane Zanotto. – Cascavel :
EDUNIOESTE, 2012.
189 p.
ISBN:
1. Educação - História 2. Educação – Paraná - História 3. Escolas
públicas 4. Prática de ensino 5. Currículo 6. Educação inclusiva I.
Silva, João Carlos da, Org. II. Castanha, André Paulo, Org. III.
Orso, Paulino José, Org. IV. Zanotto, Marijane, Org. V.T.
CDD 20. ed.
Impressão e Acabamento
Editora e Gráfica Universitária - EDUNIOESTE
Rua Universitária, 1619 - E-mail: [email protected]
Fone (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590
CEP 85819-110 - Cascavel-PR - Caixa Postal 701
6
370.981
SUMÁRIO
Prefácio........................................................................................11
CÉSAR AUGUSTO MINTO
Introdução....................................................................................15
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela
venezolana en la transición postliberal: iniciativas,
tensiones y conflictos
.................…………………………………...............…………...33
RAMÓN CASANOVA
Formação docente na América Latina e Caribe: a
atuação da Rede Kipus..............................................................59
OLINDA EVANGELISTA
Políticas públicas para a educação a distância no Brasil:
o sistema Universidade Aberta................................................85
NEUZA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA ANTUNES
ROBERTO ANTONIO DEITOS
A política de pessoal da educação e os desafios da
precarização do trabalho dos professores na rede
estadual de educação básica do Paraná (1995- 2002)..........117
LUCIANE FRANCIELLI ZORZETTI MARONEZE
ÂNGELA MARA DE BARROS LARA
7
As vozes de uma política de ensino de língua
estrangeira moderna na educação básica no estado do
Paraná....................................................................................................147
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação
em educação: perspectivas teórico-metodológicas
adotadas nos Programas de excelência (CAPES,
triênio 2010)....................................................................................181
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS
ANAJARA GUERTLER
As reformas neoliberais e suas influências na política
de educação especial do Brasil e da Venezuela:
explicitando resultados e mudanças a partir dos
governos de Lula e Chávez.........................................................208
VANDIANA BORBA WILHELM
FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA
A luta por políticas para a educação do campo:
contestação, resistência e possibilidades..................................235
JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL
IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA
MARIA APARECIDA CECÍLIO
Implicações da gestão educacional democrática no
trabalho dos professores .............................................................263
CLÁUDIA LETÍCIA DE CASTRO DO AMARAL
GABRIEL DOS SANTOS KEHLER
LILIANA SOARES FERREIRA
8
Incidência de políticas educacionais em escolas de
educação básica............................................................................291
EDUARDO A. TERRAZZAN
LIDIANE LIMANA PUIATI
ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA
LUCIANA BAGOLIN ZAMBON
JANAÍNA XAVIER DE ALMEIDA
Políticas educacionais para o ensino de arte e música:
a Lei nº 11.769/2008 e a realidade musical escolar ..................319
EGON EDUARDO SEBBEN
As abordagens educacionais nas políticas públicas
para a pessoa idosa......................................................................347
RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA
PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA
FLÁVIA DA SILVA OLIVEIRA
Dos Autores.............................................................................379
9
10
PREFÁCIO
É com grande satisfação que apresento a coletânea
POLÍTICAS EDUCACIONAIS: um exame de proposições e
reformas educacionais, organizada pelos professores Ângela Mara
de Barros Lara, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Roberto
Antonio Deitos, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), que envolveu a participação direta de vinte e seis
profissionais na área da Educação e, sobretudo, trabalhadores que
defendem a educação pública, gratuita, laica, democrática, e de
qualidade socialmente referenciada. Mas, por certo, eu não poderia
deixar de registrar a contribuição de muitos técnico-administrativos,
funcionários ditos operacionais e estudantes das instituições que
participaram dessa empreitada.
Vários são os motivos da satisfação mencionada. Citarei
apenas três, por entender que eles são suficientemente significativos.
Primeiro, a presente coletânea foi viabilizada pela iniciativa de
representantes de três instituições estaduais de ensino superior do
Paraná, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE); de uma instituição federal do Rio Grande do
Sul, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); e de uma
instituição particular de Santa Catarina, Universidade do Vale do
Itajaí (UNIVALI), por meio do Termo de Cooperação Ampla (TCA),
de 2009. Destaco ainda que, já em 2010, agregou-se às participantes
mais uma instituição paranaense, a Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG).
Embora talvez a iniciativa não seja inédita, o que não lhe
ofusca o mérito, cabe ressaltar a adequação de seu caráter exemplar,
pois a produção de conhecimento evoca sim o “desenvolvimento de
11
projetos conjuntos de ensino, pesquisa e extensão; para viabilizar o
acesso e o uso da infra-estrutura disponível em ambas as entidades
[participantes], para promover o intercâmbio de pessoal docente e
técnico [...] a fim de atender a programas e projetos de interesse mútuo
(cursos, palestras, seminários, etc.), e para a troca de informações
[eu diria: para o compartilhamento de culturas, experiências,
informações etc.], através da assinatura de termos de convênios, que
ficarão vinculados a este termo de cooperação”, conforme destaca o
referido TCA. Essa postura – exemplar, repito – tem tudo a ver com
o que a sociedade espera de instituições de caráter educacional.
Segundo, é louvável o que resulta “[...] do esforço e da ativa
decisão de promover a solidariedade e a integração acadêmica entre
Programas, Grupos de Pesquisa e Pesquisadores dos Programas
envolvidos em amplo processo de colaboração que envolve a
cooperação acadêmica e um processo de integração da pesquisa em
rede”, conforme argumentam, com razão, os organizadores na
introdução da coletânea. E trata-se, por ora, de uma primeira
disponibilização pública, materializada em onze artigos que se
dedicaram à análise de temas educacionais de grande relevância na
área – formação de professores, precarização do trabalho docente,
ensino a distância, ensino de língua estrangeira, pós-graduação,
educação especial, educação do campo, gestão educacional, políticas
de educação básica, ensino de arte e música, políticas para pessoas
idosas – tendo início com o artigo do professor venezuelano Ramón
Casanova, que instiga “La irrevocable voluntad de igualdad...”
Terceiro, porque, por óbvio, os leitores poderão fruir dessa
coletânea para inteirar-se, em maior ou menor profundidade,
dependendo da contribuição disponibilizada e do seu interesse particular, tendo a oportunidade de corroborar ou não, no todo ou em
parte, os argumentos fundamentados pelos autores dos artigos que a
12
compõem. Mas, em especial, poderão sentir-se estimulados a
acompanhar com mais proximidade os temas abordados nos estudos
aqui apresentados por docentes competentes e dedicados e – quiçá –
engajar-se plenamente ou em algumas das lutas que as políticas
educacionais aqui tratadas evocam. Estou convicto de que é isso
que todos esperamos...
Assim, só me resta desejar a todas as pessoas uma boa leitura!
São Paulo/SP, fevereiro de 2012
CÉSAR AUGUSTO MINTO
Professor na FE-USP
13
14
INTRODUÇÃO
A coletânea POLÍTICAS EDUCACIONAIS: um exame
de proposições e reformas educacionais resulta do esforço e da
ativa decisão de promover a solidariedade e a integração acadêmica
entre Programas, Grupos de Pesquisa e Pesquisadores dos Programas
envolvidos em amplo processo de colaboração que envolve a
cooperação acadêmica e um processo de integração da pesquisa em
rede. Dentre os aspectos mais relevantes para os Programas de PósGraduação em Educação – PPGE destaca-se o Termo de Cooperação
Ampla, firmado em 2009 pelos reitores das universidades da Região
Sul: Universidade Federal de Santa Maria/RS – UFSM, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná/PR – UNIOESTE, Universidade
Estadual de Londrina/PR – UEL, Universidade do Vale do Itajaí/
SC – UNIVALI e a Universidade Estadual de Maringá/PR – UEM e
que tornou viáveis, institucionalmente, atividades entre os vários
PPGE.
Esse convênio tem por objetivo promover a ampla cooperação
técnica, científica e cultural para o desenvolvimento de projetos
conjuntos de ensino, pesquisa e extensão; viabilizar o acesso e o uso
da infraestrutura disponível nas cinco IES; promover o intercâmbio
de pessoal docente e alunos da pós-graduação stricto sensu; e viabilizar
o desenvolvimento de projetos de interesse recíproco, como: cursos,
palestras, seminários, publicações, estágios de pós-doutorado, redes
de pesquisa. Desde o momento em que esse convênio foi firmado,
diversas atividades de intercâmbio já foram realizadas em 2009.
Ocorreram parcerias para publicações entre os Programas citados.
Destaca-se o fato de que professores da UEM, UNIVALI, UEL,
UNIOESTE e UFSM, em virtude do convênio, atuaram como em
várias outras atividades de intercâmbio acadêmico. Salienta-se,
15
também, a realização de eventos nos quais professores dos Programas
participam como convidados e membros de comitê científico.
Destacamos que, em 2010, a Universidade Estadual de Ponta
Grossa/PR – UEPG, por meio do seu PPGE, passou a integrar o
intercâmbio de cooperação acadêmica. O intercâmbio de cooperação
acadêmica vem contribuindo para o desenvolvimento e a articulação
de grupos e pesquisadores e a articulação de redes de pesquisa nas
áreas de atuação dos referidos programas, fortalecendo a integração
e o desenvolvimento de pesquisas e a formação docente na pósgraduação na região Sul do Brasil.
O conjunto de artigos que compõem a presente coletânea
expressa interpretações sobre questões educacionais que afetam
populações bastante diversas, mas que, em certos aspectos do
processo socioeconômico e político, são muito semelhantes quando
o assunto se refere ao enfrentamento e à realidade que envolve as
questões das políticas educacionais no contexto latino-americano.
Nesse sentido, é importante destacar mos alguns aspectos
socioeconômicos que afetam coletiva e estruturalmente os países
latino-americanos, em especial, nas últimas três décadas.
Os organismos internacionais ditos multilaterais têm sido
obrigados a diagnosticar certas situações sociais graves e crônicas.
No início da década de 1970, o Banco Mundial publicou um relatório
intitulado Sócios no Progresso, sob a presidência de Lester B. Person.
Nele havia considerações a respeito da chamada ajuda externa aos
países e sobre a necessidade de mudanças políticas e estruturais que
deveriam ser implementadas pelos países. Assim, expressava o
referido relatório sobre desenvolvimento e política:
O desenvolvimento não é uma garantia de
estabilidade política nem um antídoto contra a
violência. O fenômeno é, por si mesmo,
16
intrinsecamente desagregador. Mas a participação
ativa nas refor mas necessárias oferece
oportunidade de comunicar um sentido de
direção e identificação. Por outro lado, dificultar
ou ignorar essa participação significa
inevitavelmente uma ruptura violenta da estrutura
social. (BANCO MUNDIAL, PEARSON, 1971,
p. 17).1
E quando se trata de educação, a questão também aparecia
com um tratamento ideológico definido, pois
Uma necessidade especial é a de instituições pósgraduadas, tecnológicas ou profissionais, que
ofereçam treinamento relacionado às necessidades
do mercado de trabalho.
Nessas circunstâncias, o sistema educacional pode
tornar-se facilmente um instigador de
desajustamento e desemprego estrutural, em vez
de fonte essencial de crescimento e
desenvolvimento. Os graduados das escolas
primárias da África, das secundárias da América
latina, e das universidades da índia não encontram
os empregos que esperam. Uma educação mal
orientada gera descontentamento e frustração nos
países de qualquer nível de renda. Nos países mais
pobres, esse problema pesa como um fardo
ameaçador sobre toda a estrutura social.
1
BANCO MUNDIAL. PEARSON, Lester B. (Presidente). Membros da Comissão:
Sir Edwuard Boyle, Roberto de Oliveira Campos, C. Douglas Dillon, Wilfried Guth,
W. Arhur Lewis, Robert E. Marjoli, Saburo Okita. Sócios no progresso. Relatório da
Comissão do Desenvolvimento Internacional. Rio de Janeiro: APEC Editora S. A.,
1971.
17
(BANCO MUNDIAL, PEARSON, 1971, p. 8182)2
Mais recentemente, o Banco Mundial publicou o Informe sobre
a Oportunidade Humana na América Latina e Caribe em 2010 – IOH.
Nele podemos observar algumas constatações sobre essas situações
sociais na região, depois de quatro décadas:
Sí, pero con lentas y con marcadas diferencias
entre países. Desde 1995, el promedio del IOH
regional ha crecido a una tasa de un (1) punto
porcentual al año. Esto es claramente insuficiente.
A este ritmo por ejemplo, a los países de Centro
América les tomará 37 años lograr la
universalización de servicios básicos en educación
y vivienda. (2010, p. 5).3
Particularmente no campo das políticas educacionais, existem
fartos e consideráveis diagnósticos – e receituários – para os crônicos
problemas educacionais a que a região vem sendo historicamente
submetida. Vejamos o tratamento dado à questão em outro
documento, também publicado pelo Banco Mundial:
2
BANCO MUNDIAL. PEARSON, Lester B. (Presidente). Membros da Comissão:
Sir Edwuard Boyle, Roberto de Oliveira Campos, C. Douglas Dillon, Wilfried Guth,
W. Arhur Lewis, Robert E. Marjoli, Saburo Okita. Sócios no progresso. Relatório da
Comissão do Desenvolv[imento Internacional. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1971.
3
BANCO MUNDIAL. ¿Qué oportunidades tienen nuestros hijos? Informe sobre la
oportunidad humana en América Latina e el Caribe 2010. (código 54508, v.1, edición de
conferencia. José R Molinas, Ricardo Paes de Barros, Jaime Saavedra, Marcelo Giujale
con Louise J. Cord, Carola Pessino, Amer Hasan). Washington, DC, EUA: Banco
Mundial, 2010. (LAC, oportunidades para todos). Disponível em:
www.worldbank.org/laoportunity.
18
Si bien muchos países latinoamericanos han
logrado aumentar el acceso a la educación básica
para una gran mayoría de sus niños, la calidad de
la educación sigue siendo muy baja en la región
[...]. En un mundo cada vez más globalizado en
el cual las competencias y conocimientos de los
trabajadores cumplen un rol crucial, los países
cuyos trabajadores están predominantemente mal
capacitados se quedarán atrás indefectiblemente
y sus ciudadanos seguirán percibiendo bajos
salarios y perdiendo oportunidades de salir de la
pobreza y disfrutar de una vida mejor. Desde el
punto de vista de la utilización eficiente de los
escasos recursos disponibles, es inquietante que a
pesar de que la mayoría de los países de la región
gasta mucho en educación, las competencias que
poseen los egresados de los establecimientos
educacionales latinoamericanos no son suficientes
como para obtener un ingreso que les permita
costear un nivel de vida de calidad.
América Latina como región enfrenta enormes
desafíos, particularmente aquellos planteados por
el desarrollo, la pobreza y la desigualdad.
Como lo ilustra la cita anterior, la educación es
reconocida a todo nivel como uno, si no el más
crítico, de los medios para enfrentar estos desafíos.
La democratización de la educación, a través del
mejoramiento tanto de su cobertura como de su
calidad, es crítica para superar la desigualdad social y económica existente en toda América Latina
[...]. Asegurar que todos los niños tengan la
oportunidad de adquirir las habilidades críticas
en el nivel primario y secundario es crucial para
superar las barreras de habilidades que perpetúan
19
el subdesarrollo y la pobreza. (p. 1-2, omitimos
notas do autor)4
O diagnóstico apresentado revela uma situação educacional
perversa na América Latina, desdobrada nos problemas tais como
acesso, permanência, qualidade educativa e desigualdades sociais,
problemas que são, evidentemente, muito graves e têm sido crônicos.
O que fica também expresso no relatório como um receituário é que
a educação é responsável por um conjunto de fatores sociais
debilitados, em especial pelas condições sociais de
subdesenvolvimento, pobreza e renda. Há ainda no relatório outro
dado segundo o qual se penaliza ideologicamente os países que,
apesar de toda a situação, considera-se que gastam muito com
educação. É o tradicional receituário liberal que prescreve haver
recursos, mas incompetência nos gastos. Ademais, o relatório constata
que as escolas revelam-se ineficientes, os gestores incompetentes e
os professores despreparados e desmotivados, e, por fim, conclui
que as escolas são ineficazes e caras.
A permanência de diagnósticos e receituários para os países
da América Latina e Caribe sobre suas políticas educacionais e sociais
tem sido uma constante por parte dos organismos internacionais, em
especial do Banco Mundial. Como qualificados membros do seleto
grupo dos guardiões representativos da ordem econômica hegemônica
mundial, proclamam veementemente os receituários para as crises e
as economias e sociedades regionais. O tratamento dado é bastante
4
BANCO MUNDIAL. Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de
incentivos. ¿Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina? (código
33266, Emiliana Vegas e Ilana Umansky). Washington, D.C., EUA: Banco Internacional
de Reconstrucción y Desarrollo/Banco Mundial, 2005. Disponível em:
<www.worldbank.org>.
20
conhecido. Há muitos relatórios reveladores da situação econômica,
social e política. Muita fartura de dados econômicos e sociais. Muita
consulta aos setores sociais, econômicos e políticos envolvidos
nacionalmente com essas situações. Muitas críticas aos problemas
nacionais existentes nos diversos países a ponto de revelarem com
maestria que os responsáveis pela situação em que cada país se
encontra é o resultado da adoção interna de políticas sociais e
econômicas equivocadas. Assim, o receituário neoliberal apresenta
seu protocolo prescritivo e os remédios: reformas, ajustes sociais e
econômicos, corte nos gastos sociais e remessa e reserva de dinheiro
para o mercado financeiro internacional se acalmar. É como se fosse
um monstrengo obsessivo-compulsivo, cujo verdadeiro nome é
globalização do capital (Mészáros, 2007)5, que precisa ser saciado
para não mostrar toda a sua força e maltratar os maus seguidores, que
não sabem fazer a tarefa de casa e precisam ser castigados com redução
de salários e precárias condições sociais e educacionais.
O potencial perverso e destrutivo do processo de globalização
do capital pode ser aquilatado
Quando consideramos o processo de reprodução
como um todo, percebemos que certos
componentes desse processo de reprodução
geral estão se tornando cada vez mais parasíticos.
Pensemos, nesse respeito, nos custos sempre
crescentes da administração e dos seguros. A
forma mais extrema de parasitismo em nosso
processo de reprodução contemporâneo é,
evidentemente, o setor financeiro, engajado de
5
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo do
século XXI. Tradução Ana Cotrim, Vera Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007 (Mundo
do Trabalho).
21
maneira constante na especulação global, com
repercussões muito severas – e em potencial
extremamente grave – sobre o processo de
produção propriamente dito. O parasitismo
perigoso do setor financeiro especulativo
internacional – que, para piorar as coisas, continua a ser glorificado sob o lema propagandístico
da “globalização” inevitável e universalmente
benéfica – mantém uma importante relação com
as perspectivas futuras de transformação social
[...]. (MÉSZÁROS, 2007, p. 71).6
O Banco Mundial revela, em relatório sobre a gravidade
climática e a destruição ecológica mundial, algumas de suas
preocupações sobre questões determinantes desse processo
socioeconômico e como as toma de forma a secundarizar os
determinantes principais e efetivamente responsáveis pelo processo
de deterioração social e econômica em curso:
O crescimento econômico é necessário para
reduzir a pobreza e é fundamental no aumento
da resiliência à mudança climática nos países
pobres. Mas o crescimento por si só não é a
resposta para uma mudança climática. O
crescimento provavelmente não é suficientemente
rápido para ajudar os países mais pobres e pode
aumentar a vulnerabilidade aos perigos do clima
[...]. Nem o crescimento é em geral igualitário o
bastante para garantir a proteção para os mais
6
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo do
século XXI. Tradução Ana Cotrim, Vera Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007 (Mundo
do Trabalho).
22
pobres e mais vulneráveis. Ele não garante que as
principais instituições funcionarão bem. [...].
(BANCO MUNDIAL, 2009, p. 7).7
Da mesma forma como é tratada pelo receituário liberal a
política macroeconômica, assim também o é a política educacional;
ou seja, a política educacional é apenas mais uma componente do
conjunto de medidas adotadas para as políticas sociais, e que acaba
se justificando ideológica e politicamente como uma das principais
responsáveis pelo acesso às condições tais como: renda, superação
dos patamares de pobreza e elevação dos níveis de crescimento
econômico. Logo, seriam as políticas educacionais consideradas
ineficientes as responsáveis, em grande medida, pelas mazelas
econômicas, sociais e educacionais dos países, reforçando o caráter
ideológico de um ciclo discursivo de alegações coercitivas e
dissimuladoras das causas efetivamente determinantes desse processo
crônico de distribuição desigual das riquezas socialmente produzidas.
Os capítulos aqui apresentados revelam diversos aspectos
das políticas educacionais e reúnem certas proximidades analíticas
sobre determinadas temáticas estudadas e expressam interpretações
que versam sobre inúmeros problemas de ordem político-educativa.
O capítulo La Irrevocable Voluntad de Igualdad o la
Escuela Venezolana en la Transición Postliberal: iniciativas,
tensiones y conflictos, de autoria de RAMÓN CASANOVA,
apresenta uma análise da experiência venezuelana de política
educacional e conjuga o exame de suas reformas no contexto político
nacional do país, que se consolida com a vitória de um bloco político
7
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2010: visão
geral antecipada: desenvolvimento e mudança climática. Washington, D. C.: Banco
Mundial, 2009.
23
em 1999. Nesse contexto, examina as implicações e os
desdobramentos econômicos e político-ideológicos que expressam
essas configurações e, como processo, revela os novos sentidos
atribuídos para a educação dentro do desenho de um projeto nacional
de desenvolvimento com características de cunho antiliberal.
O capítulo Formação Docente na América Latina e Caribe: a atuação da Rede KIPUS, de OLINDA EVANGELISTA,
examina os argumentos teóricos e políticos que apresentam a ideia
de que redes educativas são importantes e necessárias para a difusão
de projetos atinentes aos vários aspectos que a educação comporta,
inclusive com disseminação internacional. Dessa perspectiva se
afirma que a ação em redes é decisiva na construção de alianças em
torno de interesse comuns, particularmente os que se referem à
formação docente e à qualidade do ensino. Ao analisar esse contexto,
revela os propósitos da Red Docente de América Latina y el Caribe –
KIPUS, criada em 2003, no Chile, e que envolve mais de 300 membros
entre universidades, institutos pedagógicos, faculdades de educação,
redes profissionais, ONGs, associações, sindicatos de docentes,
investigadores, diretores e participantes representando ministérios
de 17 países da América Latina e Caribe – ALC.
O capítulo Políticas Públicas para a Educação a Distância
no Brasil: o Sistema Universidade Aberta, de autoria de NEUZA
MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA ANTUNES e ROBERTO ANTONIO DEITOS, apresenta uma leitura específica das políticas que
têm orientado a expansão da Educação a Distância no Brasil, tendo
como foco uma breve análise do processo de constituição e
implantação da Universidade Aberta do Brasil – UAB, que hoje
desempenha o papel de gestora no contexto da política pública na
modalidade de Educação a Distância.
24
O capítulo A Política de Pessoal da Educação e os Desafios
da Precarização do Trabalho dos Professores na Rede Estadual
de Educação Básica do Paraná (1995-2002), de autoria de
LUCIANE FRANCIELLI ZORZETTI MARONEZE e ÂNGELA
MARA DE BARROS LARA, discute as configurações do trabalho
dos professores na rede estadual de educação básica do estado do
Paraná nas duas gestões do governo Jaime Lerner, tendo por base os
elementos fundamentais que incidiram em sua precarização e examina
a política educacional, delimitando sua articulação com as políticas
de cunho neoliberal e com os parâmetros de reestruturação produtiva
que emergiram nessa nova fase de reorganização capitalista.
O capítulo As Vozes de uma Política de Ensino de Língua
Estrangeira Moderna na Educação Básica no Estado do Paraná,
de autoria de JONATHAS DE PAULA CHAGURI, analisa questões
que envolvem as políticas adotadas no Brasil sobre os processos de
ensino e de aprendizagem de línguas, procurando perceber que o
momento de opção pelo ensino de determinada língua estrangeira é
resultante de processo intenso de acordos e/ou imposições políticas,
ideológicas e culturais no que concerne à escolha do ensino de uma
ou de outra língua estrangeira.
O capítulo Estudos sobre Políticas Educacionais na PósGraduação em Educação: perspectivas teórico-metodológicas
adotadas nos programas de excelência (CAPES, triênio 2010),
de autoria de REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS e
ANAJARA GUERTLER, debate a questão dos impactos no
horizonte educacional brasileiro e as preocupações por parte da
comunidade científica e acadêmica, dados os processos de
aligeiramento da formação e indução de uma política nacional de
avaliação em todos os níveis de ensino e a expansão e diversificação
desordenada da oferta, notadamente no ensino superior e na
25
modalidade da Educação a Distância. O trabalho aborda o universo
da pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado – para analisar
os estudos sobre as políticas públicas em Educação nesse nível de
ensino, tendo como objeto os Programas de Pós-Graduação em
Educação – PPGE considerados de excelência e com nível de inserção
internacional na avaliação continuada da CAPES, no período de 20042006.
O capítulo As Reformas Neoliberais e Suas Influências na
Política de Educação Especial do Brasil e da Venezuela:
explicitando resultados e mudanças a partir dos governos de Lula
e Chávez, de autoria de VANDIANA BORBA WILHELM e
FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA, compara
determinados contrastes e semelhanças da política de educação especial do Brasil e da Venezuela, em relação aos aspectos concernentes
à trajetória histórica, conceitual e os resultados concretos da
implementação dessas políticas, os quais estão expressos nos
indicadores educacionais e em alguns dados teóricos e históricos das
reformas implementadas nesses dois países no campo da política
educacional, com foco nas políticas para a educação especial.
O capítulo A Luta por Políticas para a Educação do
Campo: contestação, resistência e possibilidades, de autoria de
JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL, IRIZELDA MARTINS DE
SOUZA e MARIA APARECIDA CECÍLIO SILVA, analisa o
processo político e educacional de políticas para a educação do campo
no contexto da produção de desigualdades, desequilíbrios e
antagonismos intrínseca ao capitalismo no Brasil e reflete sobre os
movimentos sociais como importantes expressões de resistência e
busca de transformação social. O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) é apresentado com um exemplo de resistência
contra-hegemônica no campo das lutas dos movimentos sociais.
26
O capítulo Implicações da Gestão Educacional
Democrática no Trabalho dos Professores, de autoria de CLÁUDIA
LETÍCIA DE CASTRO DO AMARAL, GABRIEL DOS SANTOS
KEHLER e LILIANA SOARES FERREIRA, examina questões das
políticas educacionais com enfoque no processo e adoção da gestão
democrática configurada a partir da Constituição Federal de 1988 e
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – LDB,
tratando dos aspectos políticos, sociais, econômicos e educacionais
para o estudo da questão da gestão democrática no Brasil.
O capítulo Incidência de Políticas Educacionais em Escolas
de Educação Básica, de autoria de EDUARDO A. TERRAZZAN,
LIDIANE LIMANA PUIATI, ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA,
LUCIANA BAGOLIN ZAMBON e JANAÍNA XAVIER DE
ALMEIDA, apresenta uma síntese dos principais resultados de
investigações realizadas pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e
Intervenções Inovação Educacional, Práticas Educativas e Formação
de Professores – GEPI INOVAEDUC, a respeito da temática de
pesquisa Políticas Públicas em Educação e refere-se a pesquisas no
âmbito do Projeto de Pesquisa “Inovações Educacionais e as Políticas
Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil – IEPAM”,
vinculado ao Programa Observatório da Educação da CAPES,
articulando ações de grupos de pesquisa vinculados a três IES:
Universidade Federal de Santa Maria; Universidade Federal do Paraná
e a Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande/MS.
O capítulo Políticas Educacionais para o Ensino de Arte
e Música: a Lei 11.769/2008 e a realidade musical escolar, de
autoria de EGON EDUARDO SEBBEN, trata da inserção da
componente curricular musical no processo de ensino de arte nas
escolas de educação básica do país e avalia a adoção desse processo
nos sistemas de ensino desde de a implantação da referida exigência
27
curricular como integrante do conjunto das políticas educativas no
Brasil.
O capítulo As Abordagens Educacionais nas Políticas
Públicas para a Pessoa Idosa, de RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA,
PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA e FLÁVIA DA SILVA
OLIVEIRA, analisa as políticas adotadas para a pessoa idosa nos
aspectos sociais, das mínimas condições de sobrevivência, saúde e
educacionais e as bases legais que estabelecem os direitos básicos
para a pessoa idosa no conjunto das políticas sociais implementadas
no Brasil.
Os capítulos aqui reunidos, portanto, apresentam o exame
de políticas nos eixos temáticos que tratam de questões como
implementação de políticas educacionais que expressam alterações
de cunho estrutural e de outras que sustentam como eixos internos
do processo amplo de reformas estruturais no campo da política na
área em seus aspectos socioeconômicos, políticos, ideológicos e
educativos de forma ampla e específica.
Algumas questões levantadas são perenes, ao mesmo tempo
em que per versas e crônicas, considerando-se os aspectos
socioeconômicos, políticos e educacionais constatados nos países
abordados, em particular, da América Latina e do Caribe. Nesse
contexto, cabe lembrar o escritor brasileiro Manuel Bonfim que, ao
referir-se ao processo de desenvolvimento social e político latinoamericano, revelava em seu livro A América Latina – males de origem,
de 1903, a seguinte interpretação:
Na prática, todos esses homens das classes
dirigentes são escravos passivos da tradição e da
rotina; são ativos apenas para opor-se a qualquer
inovação efetiva, a qualquer transformação real,
28
progressista. Dir-se-ia medo ou preguiça;
conservam, porque têm a impressão de que assim
estão no caminho mais seguro para evitar o
imprevisto e criar o menos possível dificuldades
no momento. Vivem – eles e o país que dirigem
– uma vida de adiamentos e vãos expedientes.
Para todos, o ideal é dizerem conservadores. Há
políticos ousados... de idéias, radicais, e até
revolucionários; mas obedecendo a uma
necessidade íntima da organização afetiva, acham
sempre o meio de explicar que não querem ser mais
que conservadores. E de fato é o que eles são.
A tendência instintiva ao conservadorismo não
lhes permite refletir que essa política conservadora,
anti-social, mesmo para os povos que possuem
um passado capaz de despertar entusiasmos,
funesta para os próprios países que trazem de
outras eras instituições benfazejas e obras
grandiosas – que essa política vem a ser, não só
ridiculamente absurda, como essencialmente
criminosa, tratando-se de nações onde não há,
em verdade, o que conservar. A história nos
mostrará que, nas nacionalidades sul-americanas,
antes mesmo de completa independência, já
aparece um partido “conservador”, pesando
decisivamente sobre a marcha das coisas públicas.
Pergunta-se agora: o que havia então para
conservar?... A vida das populações, a linguagem,
os territórios?... E, ainda hoje: em nome do que
se justifica esse programa de política conservadora?...
São nações, estas, em que tudo está por fazer, a
começar pela educação política e social das
29
populações. [...]. (BONFIM, 1903, p. 730-731,
grifos do autor).8
Passado mais de um século da referida publicação, as questões
socioeconômicas, políticas, ideológicas e educacionais, com
características diversas e longe das que tínhamos no início da década
de 1900, não são menos perversas e crônicas, em se tratando de
questões socioeconômicas e políticas para os povos dos países latinoamericanos, como podemos observar em dados recentes sobre a
situação social na América Latina e Caribe, situação que piorou nos
últimos vinte e cinco anos, como podemos observar no gráfico 9 a
seguir.
8
BONFIM, Manuel. América Latina – males de origem. (1903, p. 626-895). In:
Intérpretes do Brasil. Coordenação, seleção de livros e prefácio, Silviano Santiago. 2.
ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. 3 v. (Biblioteca Luso-Brasileira; Série Brasileira).
9
BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. IPEA –
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Comunicados da Presidência, n. 38,
janeiro de 2010. Brasília, DF: IPEA, 2010. p. 5.
30
São problemas socioeconômicos crônicos que assolam os
povos latino-americanos e a questão educacional, como um problema
social, sofre do mesmo problema estrutural imposto pelas políticas
econômicas hegemônicas no quadro da globalização do capital. O
que argumentava Florestan Fernandes acerca da situação por que
passava a humanidade nos anos de 1970 serve para refletirmos sobre
o momento atual:
Vivemos uma época difícil, de grandes conflitos
e contradições, e de grandes esperanças e
realizações. Toda época de crise de civilização possui
as duas dimensões. Uma, de “destruição do que
é estabelecido”; outra, de “construção do que é
novo”. Essas duas dimensões não são sucessivas.
Elas se entrecruzam no tempo e no espaço
histórico-sociais, na atuação dos homens e dos
grupos humanos, no funcionamento,
desorganização e reintegração da economia, da
sociedade e da cultura. Os que vivem os
momentos mais diretamente vinculados aos
períodos em que as transições efetivas se
desencadeiam e atingem a capacidade de
perpetuação do padrão existente de civilização,
sofrem com maior intensidade os pequenos dramas individuais e os grandes dramas coletivos
da referida crise. Os que lutam pela
“sobrevivência do estabelecido” como os que
lutam pela “construção do que é novo”
defrontam-se como inimigos e arrostam abalos
morais, psicológicos e políticos que criam
31
insegurança permanente, inquietação e frustração.
(FERNANDES, 1981, p. 123).10
A política educacional está impregnada dessas questões
sociais e políticas, mas como fruto de um processo de luta social, de
enfrentamentos de classe e disputa de projetos, deve poder orientar
os povos para um processo de transformação social, de efetiva
emancipação humana. Assim, a política educacional exige, de todos
nós, decisão ativa e prontidão crítica para rumos diferentes da ordem
social vigente e que possam trazer transformações que promovam
diretamente as necessidades humanas básicas como substrato para
um efetivo rompimento com políticas destrutivas da condição
humana.
É nesse universo que as questões político-educativas devem
aparecer como instrumentos de um projeto societário que persiga o
socialmente viável e a utopia humanitária – enquanto antecipação
criadora, como defendia Florestan Fernandes – por meio de políticas
educacionais, numa perspectiva de rompimento com a ordem tida
como definitiva, que devem libertar os homens de suas amarras
político-ideológicas que se prestam à manutenção de sociedades
altamente destrutivas e humanamente perversas.
Cascavel-PR, e Florianópolis-SC, novembro, primavera de 2011.
ÂNGELA MARA DE BARROS LARA
ROBERTO ANTONIO DEITOS
(Organizadores)
10
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América
Latina. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
32
LA IRREVOCABLE VOLUNTAD DE
IGUALDAD O LA ESCUELA VENEZOLANA EN
LA TRANSICIÓN POSTLIBERAL:
INICIATIVAS, TENSIONES Y CONFLICTOS
RAMÓN CASANOVA
Introducción
El texto 1 pretende valorar el alcance de la experiencia
venezolana de reforma de la escuela. Esta desplegada con la victoria
en el año 99 de un bloque político y social que se define desde el
comienzo antiliberal. Para ello describe las fuentes ideológicas que
la apartan del programa del consenso de Washington, registrando el
“retorno” de las tradiciones intelectuales igualitaristas y los nuevos
sentidos atribuidos a la educación dentro del diseño del proyecto
nacional de desarrollo. De seguida analiza las lógicas que acompañan
su puesta en escena, precisando sus líneas estratégicas, haciendo un
inventario de las variables sociales y educativas a las que las políticas
le otorgan prioridad y sintetizando aquellos ámbitos en donde
pareciera lograr resultados en la neutralización de las barreras que
durante los años 90 acentuaron la discriminación y los bajos
desempeños de la escuela. Concluye anotando brevemente las
tensiones que abren las direcciones del cambio, sobre todo alrededor
1
Originalmente publicado en Propuesta Educativa (Buenos Aires: Revista, Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLCSO), Nº 29) y en Revista Temas & Matizes,
n. 13, Cascavel, PR, EDUNIOESTE, 1º. Sem, 2008.
33
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
del papel del estado y el currículum, llamando, por último, la atención
sobre lo que pudiera constituir el espacio menos dinámico de la
experiencia, a saber, el “retraso” en la actualización de los
mecanismos de gestión.
La crisis de modernización, con el colosal derrumbe de los
índices de bienestar que le fueron propios a Venezuela hasta finales
de los años 70, el “cansancio” de las reformas ensayadas en las dos
décadas siguientes para cristalizar una sociedad liberal, que permitiese
garantizar las condiciones políticas de reproducción local de la
economía global capitalista como salida a tal crisis, y, sus
consecuencias, impredecibles hasta su ocurrencia en la inesperada
revulsión victoriosa en el año 98 de un movimiento sui géneris
integrado especialmente por los más pobres y liderado por una élite
militar nacionalista, son eventos que han puesto a la orden del día de
nuevo la tensión histórica sobre el destino de la educación en el
proyecto nacional de desarrollo.
Como sea, el curso experimentado por las decisiones
gubernamentales en el campo de la educación desde el año siguiente,
implicará una radical disputa con las intensiones de las reformas
impulsadas en toda la región por el Consenso de Washington. Y la
inteligibilidad de la misma será comprensible, entonces, al interior
de un escenario que entrañará una nueva conflictualidad alrededor
de la confrontación con las iniciativas del estado que actualizan las
herencias igualitaristas. Embestidas por un bloque emergente que
articula movimientos de usuarios de las clases medias, segmentos de
la alta burocracia eclesiástica, corporaciones que controlan el mercado
de servicios privados, la vieja aristocracia sindical y una parte no
despreciable de la intelligentsia académica, que insistirán en los
“pactos de competitividad” frente a los sentidos políticos sugeridos
y no transables para el “contrato educativo” que comienza a ensayarse.
34
RAMÓN CASANOVA
Es desde una óptica de este tipo que intentaremos un análisis
de los cambios educativos que se vienen sucediendo y de los cursos
dentro de los cuales evolucionan.
El contrato bolivariano para la escuela, sostenido sobre un
aumento consistente del financiamiento, impulsará la universalización
de la educación integral y la jornada completa y reivindicará un tiempo
educativo que no se limita ni al establecimiento escolar ni al salón de
clase, promoviendo una apertura hacia los espacios comunitarios,
pretendiendo que sean agentes pedagógicos complementarios y
lugares contextualizados de aprendizajes.
Con esta sensibilidad radical, dentro de los enfrentamientos,
ha venido avanzado en la recuperación de la responsabilidad pública
por los servicios, atornillada ésta a una interpretación alternativa y
crítica del significado de igualdad y de la idea de la calidad de la
educación.
Como sea, uno de los signos novedosos de los cambios, ha
sido la introducción de instituciones de democracia directa y control
social de la gestión del estado. Este viene siendo el terreno de las
mayores resistencias al concretar estilos organizativos en abierta
contradicción con la descentralización, corazón de las reformas del
mencionado Consenso. Sin que debamos perder de vista aquel de la
“ideología” que acompaña la renovación del currículum (el siempre
polémico campo de los valores que deben regir los contenidos de la
educación para la ciudadanía).
Pretendemos una descripción de sus líneas estratégicas, sus
concepciones ideológicas y su plataforma programática, concluyendo
en un balance de los desempeños y en un mínimo registro de las
tensiones conflictivas que experimenta.
Para la descripción, nos servimos de investigaciones que
hemos venido haciendo sobre su marcha. En lo esencial, diríamos
35
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
que éstas, que mencionaremos en la bibliografía, dan cuenta tan sólo
de una perspectiva muy provisional del “estado de situación”. Y es
que la experiencia se mueve en las coordenadas inestables de un
tiempo de transición que hace imposible determinar desenlaces de
largo plazo por los “juegos de guerra” en los que se materializa.
I. Las líneas estratégicas de la política
Genéricamente, la crítica de las políticas de la década de los
noventa en torno al escaso impacto de las mismas para impulsar un
dinamismo económico sostenido, ha tenido repercusiones al volver
a plantear el debate en torno a las “vías latinoamericanas de
desarrollo”, estimulando intelectualmente las experiencias de
transición que se vienen sucediendo a comienzos de siglo2 y poniendo
en juego, en lo que nos interesa, estrategias diferentes para responder
a las disyuntivas educativas abiertas por el papel del cambio
tecnológico en la sociedad actual3.
Ciertamente, que la actual gestión gubernamental venezolana
viene insistiendo en una endogenización del cambio para apoyar una
reindustrialización que busca autogenerar capacidades productivas y de
2
Es cada vez más creciente desde todas las perspectivas intelectuales. Ver, por ejemplo,
el debate chileno alrededor de los proyectos nacionales en Tomás Moulian (Coordinador),
Construir el futuro. Vol. 1. Aproximaciones a proyectos país (Santiago de Chile:
Lom Ediciones, 2002) y la reciente crítica de Ricardo Ffrench-Davis, Reformas para América
Latina después del fundamentalismo neoliberal (Buenos Aires: Cepal/Siglo XXI Editores,
2005).
3
Y es que la revolución tecnológica está presionando “la necesidad de trabajadores
autónomos y educados que quieran programar y decidir –y que sean capaces de hacerlosecuencias enteras de su trabajo”. Ricardo A. Ferraro, La marcha de los locos. Entre
las nuevas tareas, los nuevos empleos y las nuevas empresas (Buenos Aires: Fondo
de Cultura Económica, 1999), pág. 94.
36
RAMÓN CASANOVA
autoorganización social, sobre todo desde el horizonte de romper lo que
viene llamando desequilibrios estructurales de la sociedad4.
Valorando estas prioridades, pretende recuperar el valor de
la educación en el desarrollo, acercándola a un concepto de política
estructural que cruza funcionalmente economía, empleo, cultura, tecnología; pero
dejando de pensar a ésta como una variable independiente de acuerdo
con la premisa de que no podrá haber igualdad educativa sin haber
igualdad social5.
1. La crítica a la reforma de los 90. Retomar la dirección de una
educación universal
Quizás el despliegue más estratégico en sus concepciones,
apunta en una de sus líneas a abordar los problemas pendientes de
cobertura que se hicieron intensos con la crisis que arranca a fines de
los 70 y que pusieron en jaque el ciclo de modernización que impulsó
la bonanza de la economía petrolera.
Problemas que se intensificarán con políticas que favorecerán
la escolaridad de los más educados y la distribución social polarizada
en el capital cultural en manos de las familias por la aparición de
nuevas barreras en las trayectorias sociales y los tránsitos educativos
4
Ministerio de Planificación y Desarrollo, “Venezuela construye su camino, en la
transición hacia la revolución bolivariana. Líneas generales del Plan de Desarrollo
Económico y Social de la Nación 2001-2007” (Caracas: Ministerio de Planificación y
Desarrollo, 2001).
5
Planteada en los siguientes términos por Tedesco: “… ¿cuánta equidad social es
necesaria para que haya una educación exitosa?..[precisando que]... por debajo de la
línea de subsistencia, los cambios institucionales o pedagógicos no tienen impacto en
los resultados escolares de los alumnos”. Juan Carlos Tedesco, Tedesco, “Desafíos de
las reformas educativas en América Latina”, París, Carta Informativa del IIPE, Vol.
XVI, N° 4, Diciembre, Instituto Internacional de Planificación Educativa, 1998).
37
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
que agudizarán la segmentación territorial de las ofertas, en razón de
fuertes restricciones (políticas) en el gasto social en una economía
con reiteradas crisis recesivas, y de mecanismos institucionalizados
que asociaron los resultados de la gestión al arraigo de una cultura
empresarial y un estado management, con una fuerte promoción de
un mercado de nuevos proveedores de servicios, básicamente
subsidiado6, y de servicios públicos espuríamente descentralizados,
sin recursos financieros y técnicos, y, por lo tanto, fuertemente
resistidos por las administraciones estadales y municipales.
El esfuerzo destinado a minimizar las problemáticas, se
concentrará, entonces, en montar un ensayo masivo orientado a la
universalización de la escolaridad. Veremos más adelante las
direcciones tomadas para garantizar tal ensayo.
2. Una cultura para la cohesión social: ¿cuáles valores deben
regir la vida democrática?
Una parte del diagnóstico sobre la sociedad venezolana que
alentará desde el comienzo el movimiento bolivariano, explicará la
“crisis nacional” por los crecientes déficits en los dispositivos de
cohesión de la vida colectiva.
6
Un estudio reporta que para la década de los 90 hubo un considerable aumento del
financiamiento a la educación privada pasando de 333.652.834 millones de bolívares
en 1993 a 14.940.999 en 1996. Rita Pucci de Liprandi, “El costo social del ajuste
(Caracas: Cendes, Documento de Trabajo, 1996). Textos que resumen estas tesis de
acuerdo con la formula financiamiento público y gestión privada son David Osborne
y Ted Glaebler, La reinvención del gobierno: la influencia del espíritu empresarial
en el sector público (Barcelona, Ediciones Paidós, 1994) y Louis V. Gerstner, et. al.,
Reinventando la educación. Nuevas formas de gestión de las instituciones
educativas (Barcelona, Editorial Paidós, 1996).
38
RAMÓN CASANOVA
Intentando interpretar la aún incipiente documentación del
pensamiento que viene nutriendo la ideología de este movimiento, el
diagnóstico se concentrará –desde la versión primitiva de los
manifiestos de su fase fundacional hasta la profundización
programática que ocurre en el ciclo del control político del aparato
de gobierno, en las secuelas de desintegración social –crisis moral y cultural- por el ocaso del contrato desarrollista y por los efectos culturales
del capitalismo globalizador7.
Este abordaje del malestar de la sociedad venezolana en
términos de una crisis cultural y moral -una crisis orgánica, Gramsci),
que explicaría la brutal “descomposición” de la “comunidad
nacional”, irá tomando cuerpo al avanzarse en la dirección ideológica
de una crítica a la imposibilidad del capitalismo para conducir un
régimen de solidaridad humana y cooperación social.
Las reformas legitimaron la idea de un “consumidor
educativo” que se desplazaba en un mercado de instituciones
diferenciadas en el ingreso y el destino por variables sociales de
ocupación, estatus e ingreso. El resultado será un sistema escolar
que empujará una fuerte polarización social sobre las percepciones
particularistas que unos grupos sociales tienen sobre otros.
Ya desde el comienzo, una de las líneas estratégicas será
volver a hacer de la escuela uno de los ejes de la cohesión, sólo que
con un matiz: asociándolo a las definiciones éticas y morales del
bien y la justicia que se quieren para el nuevo contrato social,
reivindicando en esta empresa, como veremos, las tradiciones no
liberales de la democracia radical.
7
Ramón Casanova, Para una cartografía de las ideas de la transición venezolana.
Conversaciones sobre proyecto nacional, estado y política social (Caracas:
Fundación Escuela de Gerencia Social, 2007).
39
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
3. Más allá de la escuela: el uso social y los espacios de los
aprendizajes
Revisando el valor que debe tener la educación dentro de las
exigencias de una vía del desarrollo desde adentro8, otra línea será la
modificación drástica no sólo en los objetivos educativos sino en la
naturaleza misma del papel asignado a la educación9; éste más allá
de la simple escolarización y articulado al impulso de ampliar los
espacios de aprendizaje para concretar formas sociales y productivas
que le conceden importancia a las competencias y saberes que
implican aumentar, precisamente, la capacidad nacional de
autoorganización social y de innovación, revisando incluso las
nociones de desempeño y calidad que se difunden con las reformas
educativas de las agencias internacionales, acotadas sobre todo a la
mesura de logros educativos de los escolares, y extendiéndola a otros
ámbitos del trabajo educativo y a la influencia de éste en la
organización de la vida colectiva de su área social de influencia.
4. Romper las barreras que condicionan el fracaso escolar de
los sectores populares
Una última línea se vinculará con el esfuerzo encaminado a
generar condiciones que permitan enfrentar las variables que están
8
Una reflexión sobre el programa alternativo de la experiencia venezolana puede verse
en “Conversaciones con Osvaldo Sunkel” (Caracas: Revista Cuaderno del Cendes, Nº
60, septiembre-diciembre de 2005).
9
República Bolivariana de Venezuela/Ministerio de Educación, La Educación
Bolivariana. Políticas, programas y acciones (Caracas: Ministerio de Educación y
Deportes, 2004). Y República Bolivariana de Venezuela/Naciones Unidas. Venezuela,
Cumpliendo las Metas del Milenio. 2004 (Caracas: Gabinete Social, República
Bolivariana de Venezuela, 2004).
40
RAMÓN CASANOVA
en el origen del deterioro sostenido de la escuela pública, Sintetizadas
en la “vuelta” a la jornada completa, tocarán la gestión institucional,
la atención integral a los escolares, la definición de nuevos valores y
competencias en el currículum, la reconceptualización del trabajo de
enseñanza, la revalorización de las didácticas y los medios
pedagógicos, incluyendo las nuevas tecnologías, las adecuación de
las infraestructuras escolares, los incentivos a los maestros y la
participación social.
Ciertamente, lo que parece ser el sello de la experiencia
venezolana es una perspectiva que aborda simultánea y
complementariamente acciones hacia las variables sociales y hacia
las escolares en una perspectiva holística.
II. Contra la idea del consenso liberal, el retorno al sentido
creativo de la ideología
1. Los idearios republicanos para la idea democrática de la
escuela y la sociedad
¿Qué le otorga singularidad a esta experiencia desde el punto
de vista del escenario qué inaugura?
Digamos, sin más, que la vuelta al igualitarismo.
Pero desde un radicalismo que coloca la ideología (ese espacio
prototípico del disenso) en el centro de la elección de una idea de
democracia para la sociedad y la escuela. En abierta oposición al
consensualismo liberal que proclama el fin de las contradicciones y
la reducción de la política al arte de la administración, la vuelta a las
41
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
tradiciones políticas del “republicanismo popular”10, incluyendo las
variantes socialistas modernas, que tendrán continuidad en los
movimientos críticos por una educación popular del siglo xx.
Y tal vuelta despegará con el aprovechamiento del imaginario
educativo de la etapa fundacional de la nación, que sigue ejerciendo
influencia en el ideario político de los venezolanos: la instrucción
masiva (lancasteriana) de Bolívar 11, la pedagogía (rousseauniana)
popular de Simón Rodríguez12, actualizado en el pensamiento
“normalienne” de los movimientos gremialistas por la escuela pública
y de las corrientes actuales que le conceden importancia a la
reconstrucción política de la comunicación pedagógica y a la crítica
de los mecanismos sociales cerrados del don escolar13.
Esta concepción la podemos rastrear en el argumento según
el cual las “virtudes” educativas deben provenir de la sociabilidad
que permite el espacio público, contrarrestando los “vicios” del orden
caníbal de los intereses individuales14: Pero también, en él de que la
escuela debe ser el foco deliberativo de las cosas que están en disputa
en de una época de cambio, asumiendo la tarea que reclamaba Flaubert
para una época similar: la construcción de una nueva “educación
sentimental” –moral-.
10
Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad: una revisión republicana de la
tradición socialista (Barcelona: Editorial Crítica, 2004).
11
Armando Rojas, Ideas educativas de Simón Bolívar (Caracas: Monte Ávila Editores
Latinoamericana, 1996) y Eduardo Morales Gil, Simón Bolívar y Simón Rodríguez.
Pioneros de la educación popular (Caracas: Ministerio de Educación, 2005).
12
Rafael Ramón Castellanos, Simón Rodríguez. Pensador universal y pulpero de
Azangaro (Caracas: Fogade, 2005).
13
República Bolivariana de Venezuela/Ministerio de Educación, La Educación
Bolivariana. Políticas, programas y acciones (Caracas: Ministerio de Educación y
Deportes, 2004).
14
Philip Pettit, Republicanismo. Una teoría sobre la libertad y el gobierno
(Barcelona: Paidós, 1999).
42
RAMÓN CASANOVA
III. La plataforma programática y las variables de la política
educativa
1. La recuperación de lo público: El sistema nacional de
educación
Una de las “zonas turbulentas” será precisamente la de cuál
debe ser el diseño institucional de la institución escolar.
Se quiere si una escuela integral, de jornada completa,
socialmente compensatoria, pero sobre todo ideológicamente movilizada,
recusado con un profundo escepticismo el funcionamiento
democrático de un “mercado educativo” determinado por la
capacidad de negociación y las expectativas de la demanda.
Aspirando, lo hemos dicho, a la recuperación de la educación pública,
al carácter masivo – inclusivo- de la oferta, al uso político de la
institución escolar, a la superación de las barreras estructurales de
producción material y cultural de la desigualdad social y a echar
adelante una interpretación radical de la idea de justicia, fundada
sobre la posibilidad humana de la cooperación y el aprendizaje de
habilidades sociales para tal posibilidad, esperando comportamientos
ciudadanos para lo que los griegos llamaban la “vida buena”, el punto
de partida no será otro que impulsar de nuevo un sistema nacional de educación15.
Si por algún rasgo sintético pudiéramos definir la escuela
bolivariana, éste se correspondería con aquel atribuido por Sylvia
15
Con preocupación la Unesco últimamente ha venido planteando el rol integrador de
la educación. En uno de sus textos recientes señala: “...la tendencia a la privatización en
varios países de la región está ampliando la brecha entre educación pública y privada; la
creciente separación de escuelas en función del nivel de ingresos afecta las bases de la
convivencia, y de la integración y cohesión social de un país”. Unesco, “Propuesta de
Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Caribe” (La Habana:
Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura, 2002).
43
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
Schmelkes a un tipo de innovación de los que ha venido investigando:
aquel que alude “[a una] transformación intencionada de personas,
de grupos, de colectividades, de instituciones y de sistemas.” 16, pero
que, además, se desenvuelve en el interior de “contextos cambiantes”,
entendiendo por estos escenarios aquellos en los cuales el cambio
educativo es una consecuencia de variables del entorno que se va
construyendo alrededor de una dinámica de cambio social.
Intentaremos ahora abordar en esa dirección las variables en
las cuales se ha enfocado el diseño de la escuela Bolivariana.
2. Las variables organizativas: gestión directa y control social
De una cierta manera, la política educativa busca apoyarse
en la movilización de los actores colectivos populares, intentando
asignarles nuevos papeles en la gobernabilidad y la gestión de los
servicios públicos17.
Este parece ser un rasgo acentuado en la experiencia
venezolana, que se despliega no sólo en la dirección de un control
social de la gestión de los ser vicios, sino en el progresivo
desencadenamiento de modos de gestión de las escuelas en los cuales
se involucran nacientes organizaciones (consejos comunales, mesas
técnicas, comités ciudadanos), esperando generar desde ellas, lo que
16
Sylvia Schmelkes, “La investigación en la innovación educativa” (México:
Departamento de Investigaciones Educativas, Cinvestav, 2001), pág. 1, en http://
redepja.upn.mx
17
Contra la idea de que el buen desempeño era posible simplemente introduciendo
cambios administrativos en la gestión de los servicios, invocando para ellos estrategias
de descentralización. En la práctica significará transferencia de costos y responsabilidades
a administraciones locales, a proveedores de un mercado escolar y a las mismas familias,
con lo cual se hará de suyo difícil romper las disparidades en el capital educativo
acumulado por los grupos sociales.
44
RAMÓN CASANOVA
nos parece importante, espacios de aprendizaje colectivos más allá de los
estrictamente escolares que envuelven dinámicas participativas, en las que está
en juego, por lo demás, el uso de saberes asentados en las
comunidades.
El esfuerzo por cristalizar alianzas cooperativas entre
administradores, agentes educativos y actores sociales en un escenario
que va más allá de la escuela, a contracorriente de la moda por
desresponsabilizar la gestión pública a favor del mercado, sin lugar a
dudas supone un dato político relevante incluyendo, a lo interno, la
acumulación de capacidades organizativas adecuadas y, a lo externo,
la constr ucción social de tejidos asociativos necesarios a la
democracia directa.
3. Las variables educativas. La jornada, el salón de clase y la
educación preescolar
Otra dirección estará dirigida hacia un desplazamiento en la
concepción que orientaba a la escuela., procurando pasar de concepciones
asistencialistas y/o instruccionalistas a una integral, (con una jornada que
se reestructura ampliándose el tiempo efectivo del currículum
aumenta de tres horas y cuarenta y cinco minutos a seis horas
destinadas a las actividades directas de enseñanza diarias,
extendiéndose entonces a treinta y cinco horas semanales, cinco de
las cuales se destinan a la planificación), que descansa en una
perspectiva sistémica de intervención, atendiendo sobre todo al reconocimiento de necesidades de los grupos a lo que se dirige. Es desde este
ángulo que debe comprenderse el diseño de la escuela.
Al interior de la concepción, el currículum, el trabajo escolar
y la jornada educativa deberán estar fuertemente dirigidos a generar
condiciones para los aprendizajes de la complejidad que tiene hoy
45
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
día la vida social. La idea educativa que hace de todas las actividades de la
escuela actos educativos no remediales, suponen percibir el despliegue de
valores, conocimientos y competencias en los establecimientos y hacia la
familia y la comunidad que deben mejorar la calidad de los bienes
culturales socialmente disponibles por familias y comunidades,
experimentando con ideas y mecanismos para reducir los efectos,
por ejemplo, de la espuria educación, del deterioro de la organización
familiar, del trabajo infantil, de la extrema pauperización cultural en
las familias, de la violencia infantil y juvenil.
Complementariamente acompañados por la universalización
de la educación inicial, pensada en su versatilidad para incidir
positivamente en las variables sociales, familiares, culturales,
económicas y estrictamente educativas18.
4. Las variables pedagógicas. Una pedagogía para el aprendizaje
de competencias para las nuevas necesidades culturales de la
vida política y el trabajo.
Sea como sea, la política, masiva no hay que olvidar, envolverá
no sólo un concepto de institución educativa integral para el control
de los handicaps sociales y familiares -programa de alimentación,
asistencia médica, asesoramiento legal, fortalecimiento de la familiay los educativos –capacitación, útiles, equipamientos,
18
El reciente informe de seguimiento del plan de Educación para Todos de la Unesco,
por cierto que dedicado a la primera infancia resume estos incidencias, indicando su
contribución al tránsito escolar a las etapas posteriores, al mejoramiento de la prosecución
educativa, al impacto favorable sobre la disminución de la pobreza y a la ampliación de
los márgenes de igualdad social y del rendimiento de la inversión en educación. Unesco,
Informe de seguimiento de la EPT en el mundo 2007. Bases sólidas. Atención y
educación de la primera infancia (Organización de la Naciones Unidas para la
Educación, la Ciencia y la Cultura, segunda versión revisada, 2007).
46
RAMÓN CASANOVA
infraestructuras- sino, como intentaremos verificar luego, un modo
de gestión al interior y desde las instituciones de las políticas sociales
que permitirá el aprendizaje de competencias en los entornos sociales
dentro de los que se encuentran los servicios.
La “puesta en escena” de conceptos pedagógicos, de
estrategias de gestión de la enseñanza y de criterios del trabajo los
podríamos resumir en los siguientes criterios:
El aprendizaje debe ser a través de la participación de todos. En la
concepción educativa aplicada, la participación es definida como
derecho y obligación que implica desarrollar esferas de participación
adecuadas para la comunidad, el vecindario, la ciudad, la sociedad.
El eje de la escuela debe ser la transmisión de competencias para la
vida, las cuales se construyen cotidianamente alrededor del trabajo educativo
escolar y extraescolar. En este sentido las competencias deben estar
orientadas a manejar entornos complejos e conflictivos. Es este uno
de los planos donde la escuela debe redefinir sus sentidos,
promoviendo capacidades inteligentes para controlar estos entornos
marcados por modificaciones en los roles familiares, en los
dispositivos culturales de socialización, en los estilos de valores, en
los márgenes de la autonomía, cada vez más asociados, como anota
Marina, a la expansión de una inteligencia creadora centrada en
programar información, inventar proyectos y elegir opciones19.
5. Las variables sociales. El aumento del capital educativo de
las familias
La escuela, dentro de la política, viene siendo complementada
con ensayos destinados a impactar las variables sociales que están
19
José Antonio Marina, La inteligencia creadora (Barcelona: Anagrama, 2005).
47
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
en el origen de la exclusión y el fracaso escolar temprano. En este
caso a aumentar el promedio de escolaridad de las familias y en
consecuencia el capital cultural. Ello intentando dirigir esfuerzos hacia
la alfabetización y la masificación de la escolaridad de seis grados en
los sectores populares. La misión Robinson20 ha sido pensada en esta
dirección.
Al respecto no puede pasarse por alto que los estudios
comparados relativos a la determinación del impacto en el desempeño
de los escolarizados, apuntan, en general, que la contribución social,
especialmente de la cultura familiar es, comparada con la escuela, de
aproximadamente un 50% de la varianza21.
Sintéticamente diríamos que la política descansa en un
principio programático para la sociedad y la educación: el “retorno”
de lo público; en un propósito normativo del rumbo y los resultados:
la igualdad; en una visión de la organización y el desempeño: la
promoción del autogobierno; en una concepción del currículum: una
pedagogía para disponer de competencias para el manejo en entornos
cambiantes.
IV. Hasta dónde ha avanzado
Diremos que la combinación de una política centrada en la
universalidad de la oferta, el ensayo de otros manejos administrativos
de los servicios, la orientación del gasto con un sentido distributivo
20
Las misiones son experimentos de gestión con cierta autonomía de las oficinas
estatales para mejorar la coordinación interinstitucional, el manejo de recursos, el
aprovechamiento del capital técnico, los modos de cooperación de la sociedad, las
resistencias de las burocracias y, especialmente, la integración de las políticas sociales.
21
Juan Casassus (2003): La escuela y la (des)igualdad, Lom ediciones, Santiago de
Chile.
48
RAMÓN CASANOVA
y el aumento de la inversión, que sube de 3% en promedio en la
década de los 90 a 5% en los últimos años22, evidencian al menos la
sensibilidad que anima la construcción política de la política.
Quedándonos en el campo que nos interesa, la educación
Básica, los datos indican ciertamente una recuperación de la
matrícula, que en los últimos siete años aumentó en 437.357 llegando
a 4.885.779 de incorporados en el 2006 mientras que en los diez
años de los 90 sólo lo hizo en 246.050, si tenemos en cuenta que
para 1991 era de 4.052.947 y para 1999 de 4.299.67123, sugiriendo
que se comienzan a cerrar las brechas entre educados y no educados.
Otro dato, de los disponibles, la tasa bruta de escolarización, apunta
en la misma dirección. Si para 1998, último año de la gestión anterior, ésta era de 89.7 ya en el 2006 avanzó hasta el 99.524.
A su vez, el crecimiento de la red de escuelas Bolivarianas de
jornada completa, que pasan de 599 establecimientos en el año inicial
del proyecto (1999/2000) a 3000 para diciembre del 200325, abre
una posibilidad real de disminuir las distancias entre los peor y los
mejor educados. Creciendo a una velocidad mayor que la planeada.
Complementariamente, mirando una de sus posibles
consecuencias en la efectividad de la escuela, la rápida alfabetización
22
Fuente: Datos aportados por la oficina de estadística del Ministerio de Educación,
Cultura y Deportes. No incluye aquel que corresponde a las misiones educativas.
23
Fuente: Memorias y Cuentas del Ministerio de Educación, Cultura y Deportes.
24
Fuente: Sistema Integrado de Indicadores Sociales, en www.sisov.mpd.gob.ve
25
Fuente: Datos aportados por la oficina de estadística del Ministerio de Educación,
Cultura y Deportes, 2004.
26
Comenzando un programa agresivo en el 2003 (Misión Robinson) ya para julio de
este año se alfabetizaron 1.908.000 personas –leer y escribir-, quedando reducida la
exclusión a un mínimo y arrancado la segunda fase que implica la cobertura de los seis
primeros grados. Eliezer Otaiza, Informe de la Comisión Presidencial de Alfabetización
200302004 (Caracas: Ince, Abril de 2004).
49
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
de grupos excluidos26 puede favorecer, como hemos indicado, la
contribución familiar al desempeño educativo, al reducir las asimetrías
en el capital educativo que controlan las familias, mejorando la
función socializadora del hogar en el amplio sector de la población
pobre.
Ello, junto con la expansión de la educación preescolar, que
también experimenta un aumento, aunque menor, pasando la tasa
bruta de escolaridad de 44.7 % en 1998 a 60.6 % en el 200527,
recordando que ésta tiene un impacto sobre la promoción escolar en
la educación Básica.
V. Lo que sale al mirar los desempeños. Nota para seguir
investigando
Aunque la valoración que hacemos de los desempeños
corresponden a conclusiones de estudios cualitativos limitados en el
número de experiencias analizadas, no resultada improcedente anotar
aquellos factores, sin que su orden implique una jerarquía, que parecen
estar definiendo buenos resultados; siempre dependiendo para la
evaluación de futuras investigaciones de mayor alcance.
1. Uno primero, ya lo hemos dicho, la escuela bolivariana es
en buena medida la actualización creativa de concepciones de la
escuela pública en la tradición republicana democrática, que favorece
condiciones de inclusión y elimina restricciones. En ello tiene que
ver el hecho de que la escuela tiende a convertirse en una institución
política para la rex publica. En la construcción progresiva de este hecho
organizacional viene jugando un papel preponderante el liderazgo social del
27
Fuente: Sistema Integrado de Indicadores Sociales, en www.sisov.mpd.gob.ve
50
RAMÓN CASANOVA
maestro y una pedagogía, prácticas pedagógicas y situaciones de aprendizaje que
dan lugar a un clima educativo enriquecido, estimulante y gratificante.
En esta dirección, la participación de las familias, la
contextualización de las necesidades educativas y el uso de la escuela para la
autoorganización comunitaria parecen desencadenar dinamismos en torno
a la neutralización de las barreras que influyen en el desempeño.
Así, aún en un umbral todavía incipiente, la participación de
la familia, y ello en una doble condición: en tanto receptores de
cambios para la modificación de los hábitos para la vida en el hogar
y en el colectivo comunitario, como en cuanto agentes pedagógicos
suplementarios con tareas en la escuela, acelerando lógicas positivas
en las variables sociales (vida del barrio) y en las variables familiares
(background) que están en la raíz cultural de la pobreza.
De la misma manera, la adecuación flexible entre necesidades sociales
y respuestas educativas. Y es que desde la perspectiva de las
competencias, la escuela despliega las respuestas educativas desde las
necesidades detectadas y diseña situaciones de aprendizaje para, por
ejemplo, hacerle frente a problemas de violencias social y escolar,
especialmente a fenómenos de bullying y vandalismo y
descomposición familiar.
Simultáneamente, el hecho de hacer de la escuela el corazón
de la vida democrática comunitaria, el lugar de encuentro de vecindarios y
suburbios pobres, para la educación política ((consejos comunales, mesas
de trabajo, asociaciones sociales comunitarias), convierten a los centros
en puntos neurálgicos de la autoorganización social.
2. En las investigaciones, una de las variables que aparece
como minimizadora del umbral de la pobreza que se tiene y de los
buenos desempeños, es la legitimidad de la política, produciendo en si misma
fenómenos de identidad institucional, alta aceptación en enseñantes y
comunidades y expectativas crecientes, al favorecer rápidamente el nivel
51
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
de satisfacción educativa a la que estaban acostumbrados,
generándose lógicas incrementales de cambio.
3. Otro (que igualmente aparece en una investigación sobre
escuelas con desempeños exitosos por encima de los esperados según
las condiciones culturales de las familias de origen) tiene que ver con
la forma como el maestro enseña en el salón de clase. Digamos, que más que
a la carrera profesional, el arte didáctico que emplea para desplegar
situaciones de aprendizaje que cubran los objetivos del currículum.
4. Por último, desde el punto de vista de la viabilidad financiara
y técnica, la asunción de la escuela como el lugar de convergencia de
servicios, actores administrativos y redes sociales que permite minimizar barreras
financieras y políticas que son tenidas con restricciones estructurales que afectan
la inclusión y los resultados educativos de la escuela pública. Al respecto
debe destacarse la contribución, con respuestas orgánicas, de las
instituciones de apoyo técnico y pedagógico en la cadena de gestión.
VI. Las tensiones
Decíamos al comienzo del texto que las iniciativas han dado
pie a una nueva conflictualidad. Definamos en donde se coloca
actualmente.
La táctica gubernamental a no ceder en su ideario educativo,
viene determinando el carácter de la misma confrontación, girando
en torno a la presión cotidiana de movimientos que se ensamblan y
reensamblan según los intereses y las expectativas en juego. Lo cierto
es que las reacciones ilustran las cosas que están en juego y que
marcarán desde el mismo año inaugural la conflictualidad: el carácter
distributivo que se le otorga, las prioridades de la asignación del
financiamiento, los sentidos democráticos que la deben regir: la
gratuidad (con la prohibición del cobro de la matrícula que se venía
52
RAMÓN CASANOVA
haciendo costumbre en la escuela pública), la demarcación de los
subsidios estatales a la educación privada y la regulación y
fiscalización de las tarifas de la misma, la supervisión escolar y el
currículum.
El tema más general que permitirá la asociación de estos
movimientos, será la acusación de que las iniciativas gubernamentales
en torno a la descentralización suponen una rejuvenecida tentación
estatista de la gestión educativa.
Y la reforma curricular será desde el comienzo una zona de
confrontación persistente y álgida, sobre todo por la requisitoria a
cuáles deben ser los contenidos de la educación ciudadana, que en
realidad es un hecho que señala la naturaleza ideológica del bloque
del que hemos hablado en la introducción, éste girando hoy día
alrededor del liderazgo intelectual conservador de una iglesia que
pareciera moverse dentro de una idea de sociedad propia del
catolicismo agrario antimoderno.
Epílogo. Un comentario final
Como se quiera, nuestra exploración deja claro que en un
horizonte de largo plazo hay que encarar ya nuevas preguntas desde el balance
que aportan las investigaciones. Si lo objetivos están claros, si hay una
asignación financiera creciente y acuerdos gubernamentales para poner
en el corazón de las políticas de desarrollo a la educación, nuestros
análisis de la dinámica educativa nos alertan sobre la herencia
institucional que arrastra inercialmente la administración de los
servicios educativos. Mucho más compleja la política, que intenta
articularse transversalmente a los otros campos funcionales del Estado
y a desplegarse con mecanismos de participación social, las
posibilidades de no fracasar guarda relación con superar el obsoleto
53
La irrevocable voluntad de igualdad o la escuela venezolana en la...
diseño del aparato administrativo de la educación. Sin una reingeniería
de la gestión, de las dinámicas del trabajo, de las tecnologías de
información y de los enfoques de planificación, la precariedad de los
instrumentos para la toma de decisiones atentará contra los desafíos
de cobertura, organizativos, pedagógicos y sociales que están
planteados.
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57
58
FORMAÇÃO DOCENTE NA AMÉRICA LATINA
E CARIBE:
A ATUAÇÃO DA REDE KIPUS
OLINDA EVANGELISTA
Introdução
A ideia de que redes educativas são importantes e necessárias
para a difusão de projetos atinentes aos vários aspectos que a
Educação comporta tem se disseminado internacionalmente. Dessa
perspectiva afirma-se que a ação em redes é decisiva na construção
de alianças em torno de interesses comuns, particularmente os
referidos à formação docente e à qualidade do ensino. Esse é o âmbito
mais geral em que podemos entender a Red Docente de América Latina
y El Caribe – Kipus, criada em 2003, no Chile1. Participam dessa aliança
mais de trezentos membros entre universidades, institutos
pedagógicos, faculdades de educação, redes profissionais, ONGs,
associações, sindicatos de docentes, investigadores, diretores. No
momento da criação participaram ministérios de 17 países da América
Latina e Caribe – ALC.
Seu objetivo central é o de “[...] colocar el tema docente en
las políticas públicas de los países [...]”, o que determina suas ações
de construção de alianças continentais e de troca, geração e
disseminação de conhecimento. Destacam-se, entre os temas aos
quais a Kipus se dedica, os da formação docente e da qualidade da
1
Para mais informações, cf. <http://www.redkipus.org/>.
59
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
educação. Seu projeto tem o vasto escopo de resignificar la educación
no interior de instituições dedicadas à formação de professores,
particularmente a “[...] todo lo que signifique fortalecer la profesión
y la profesionalidad docente, en el contexto de una educación de
calidad con equidad para toda la población” (UNESCO, 2003).
A intenção desse programa de intervenção é a de investir na
“ressignificação da educação” no interior de instituições de formação
docente tendo em vista construir os significados referidos para tal
formação. Suas orientações ressaltam, entre outros pontos, que a
formação de docentes é fundamental para o sucesso das reformas
educativas na região, deflagradas a partir dos anos de 1990, e para
enfrentar os desafios do Fórum Mundial de Educação de Dakar
(ACTIONAID, s.d.). Ademais, considera tarefa essencial dos sistemas
educacionais e dos professores a melhoria da qualidade da educação,
razão pela qual investe em mudanças curriculares, na pesquisa, na
prática profissional, bem como no controle da qualidade das
instituições formadoras. Para a tarefa de resignificar la educación foram
chamadas as instituições supostamente capazes de fazê-lo mediante
mudanças na formação dos formadores nas instituições de formação
inicial, articulada à formação contínua (UNESCO, 2003).
A característica dos encontros promovidos pela Rede
encontra-se no fato de que em todos se procura discutir e propor
políticas relativas ao professor, bem como ser um espaço para troca
de experiências2. O crescimento da Rede Kipus pode ser observado
02
O primeiro Seminário da Rede realizou-se na Universidade Metropolitana de Ciências
da Educação, em Santiago, no Chile, em 2003. O segundo foi em Honduras, em 2004.
Na Colômbia, em 2005, aconteceu o terceiro encontro da Rede. Em 2006, na Venezuela, ocorreu o quarto encontro. Em 2008, no Peru, ocorreu o V Encuentro. O último
encontro, em 2010 – o sexto –, foi no México.
60
OLINDA EVANGELISTA
em toda região3. Uma de suas intervenções mais significativas se
expressa no programa de “Doutorado Latino-Americano em
Educação: políticas públicas e profissão docente”, sob a
responsabilidade de universidades reconhecidas por seu prestígio. A
UNESCO dá seu aval à iniciativa por meio da Oficina Regional de
Educação para América Latina e o Caribe (OREALC) e do Instituto
para a Educação Superior da América Latina e o Caribe (IESALC).
O objetivo expresso é
[...] fortalecer los equipos nacionales a partir de
una impronta latinoamericana, así como también
alcanzar una mayor integración entre los países,
los programas, los docentes y los alumnos del
doctorado, que estudian, discuten e investigan en
temas educativos, especialmente los relacionados
con las políticas públicas y la profesión docente.
(UNESCO, s.d.).4
3
Estão envolvidas na Rede Kipus a Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e a
Universidade Federal de Minas Gerais.
4
Nesse momento participavam da equipe Pablo Ríos Cabrera (Universidade Pedagógica
Experimental Libertador, Venezuela), Rosa Maria Torres Hernandéz (Universidade
Pedagógica Nacional, México), Margie Jessup (Universidade Pedagógica Nacional,
Colômbia), Dalila A. Oliveira e Lucíola L. C. Paixão (Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil), Magaly R. Campos (OREALC), Sueli Pires (IESALC). Colaboram
Emilio Gautier e Rebeca Zevallos (OREALC) e Martha Duque (Universidade
Pedagógica Experimental Libertador, Venezuela). (RÍOS et alii, 2009). Segundo Ríos
et alii (s.d.), a ideia surgiu em 2006, no quarto encontro da Rede Kipus, na Venezuela,
quando foi criado um comitê técnico com Brasil, Colômbia, México e Venezuela,
UNESCO, por meio da OREALC-Chile e IESALC-Caracas, com a presença de 11
instituições de ensino superior. A UFMG, por meio de Programa de Pós-Graduação
em Educação, abriu inscrições para a seleção de candidatos ao Doutorado no ano de
2011 (UFMG, 2011).
61
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
O Fator Docente
Magaly Robalino Campos (2006a) expõe a posição da Rede
Kipus e da OREALC em relação à formação docente. A autora
defende que, nas reformas educacionais na ALC, houve avanços em
relação à expansão do atendimento, à infraestrutura, aos materiais
didáticos, às mudanças de currículos. Entretanto, uma demanda
permanece: discutir a educação como uma responsabilidade social.
Campos entende que o “fator docente” é fundamental para o êxito
da reforma, sublinhando, entre os pontos principais, que “[...] una de
las certezas compartidas por la mayoría es que sin buenos docentes
los cambios educativos no son posibles” (CAMPOS, 2006a). Tal
exigência, contudo, não se acompanha das condições para que os
professores possam assumir seu papel, inclusive o de corresponsável
pelos resultados de seu trabalho.
Argumentando que a escola está pressionada em razão da
desqualificação que sofre, afirma que os professores são tradicionais.
Os professores estariam presos à “[...] transmisión de información,
memorización de contenidos, escasa autonomía en los diseños y
evaluación curriculares, actitud pasiva frente al currículo [...]”, entre
outros atributos negativos (CAMPOS, 2006a).
Para ser superada, essa situação precisaria de uma intervenção
do Estado na formação inicial, na formação continuada ou em
serviço, nas condições de trabalho, na remuneração e incentivos, na
saúde, na carreira, na avaliação de desempenho. Desses pontos, Campos (2006a) considera mais problemáticos a formação inicial e em
serviço. As críticas dirigem-se à ausência de sistemas articulados de
educação que organizem as várias esferas administrativas, assim como
as ações que desencadeiam. Para a autora, essas ações são tradicionais
e podem ser percebidas nas capacitações eventuais e não na formação
62
OLINDA EVANGELISTA
inicial e no desenvolvimento profissional permanente. De outro lado,
acusa as políticas educacionais da ALC de não acompanharem o
avanço da ciência e da tecnologia (CAMPOS, 2006a). Por essa razão
considera a formação inicial nodal e assinala que, “Sin embargo, la
actual formación inicial, en general, refleja los mismos problemas de
la educación tradicional, refuerza el rol pasivo de los docentes y
contribuye a sostener los sistemas educativos jerárquicos y cerrados”
(CAMPOS, 2006a).
Suas conclusões derivam dos estudos que realizou em sete
países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Alemanha, Espanha,
Holanda), estudos com base nos quais elaborou uma proposta que –
se implementada – asseguraria o sucesso da reforma. Ao se
operacionalizá-la, algumas medidas seriam imperativas:
[...] una nueva relación dialéctica teoría/práctica;
la investigación como metodología didáctica;
visión transdisciplinar de la for mación;
organización a través de talleres o núcleos de
interés; trabajo en equipo de los docentes más
allá de las disciplinas; formación generalista y
especializada; el centro de formación docente
como organización de aprendizaje; escuela, el otro
espacio de la formación inicial; ofertas abiertas
basadas en las tecnologías. (CAMPOS, 2006a).
Em recente entrevista, Campos (UNESCO, 2010) afirmou
que o professor tem um valor estratégico. Por isso mesmo se deve
superar sua formação tradicional. Denomina tradicional a ênfase posta
pelas políticas em “ajustes salariais, capacitação e avaliação”
desarticuladamente. Propõe – em nome de “uma compreensão
ampliada do espaço e do papel da profissão docente nas
63
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
transformações educacionais” e da “geração de conhecimento que
fortaleça e desenvolva esta compreensão” para garantir a “qualidade
da docência” – uma atuação direta sobre a “qualidade do desempenho
docente”.
É precisamente esse o conteúdo da atuação da Red Kipus: la
red docente de América Latina y el Caribe, cujo esforço é o de produzir
um consenso, uma concertación na região para que possa ser levada a
cabo essa estratégia de reconversão docente. Sua proposta é a de
“repensar a profissão docente” e adequar a ideia de boa educação,
boa escola, bom professor ao momento atual caracterizado como
um cenário complexo e mutante. Vê-se o professor “em permanente
construção”, passível de aderir às propostas de reforma. Tratar-se-ia
de alcançar, de um lado, o profissionalismo – relativo às capacidades
técnicas da docência – e a profissionalidade – relativa às capacidades
éticas da docência –, ambas necessárias para fortalecer o papel e o
“protagonismo” dos professores. Tais capacidades se expressariam
na aprendizagem, na gestão das escolas e na formulação de políticas,
ou seja, um protagonismo que iria da sala de aula ao nível
macropolítico. Dessas capacidades também fariam parte, como faces
da mesma moeda, o direito de participar e o dever da
corresponsabilidade.
Resta claro que este é um problema das instituições
formadoras que deveriam: aprender e se transformar; captar as
mudanças e oferecer novos enfoques para a educação e o trabalho
docente; realizar o direito à educação de qualidade para todos; formar
docentes para contextos multiculturais; preparar tomadores de decisão;
tornar os professores responsáveis pelos resultados alcançados e
protagonistas das reformas de hoje; construir alianças para formular
políticas educativas e docentes; ser centros de geração de
conhecimentos e trabalhar com outros centros escolares. Esse perfil
64
OLINDA EVANGELISTA
de instituição formadora em nível superior só seria possível se essas
instituições compreendessem que o “desenvolvimento profissional
docente” é um conceito estratégico que demanda alianças. Campos
(2006b) sugere um compromiso por la formación inicial de los docentes.
Professor: pior problema, melhor solução
Tornou-se voz corrente, em documentos sobre formação
docente na ALC, que o professor constitui um risco para o
desenvolvimento econômico e social por fazer parte de uma categoria
de funcionários públicos, na maioria dos países, bastante organizada
(DELORS, 1998). Também Puryear (1997), do Programa de
Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe –
PREAL, tem o mesmo entendimento: “[...] o maior obstáculo para a
implementação das reformas educativas é o professor”. Shiroma,
Campos e Garcia assinalam que Estados Unidos e Inglaterra
deflagraram as primeiras reformas nos anos de 1980, seguindo-se as
reformas latino-americanas:
Nessa empreitada, tiveram marcada influência
organismos multilaterais como Banco Mundial,
UNESCO, OCDE, PNUD, entre outros, que,
por meio de seus documentos, não apenas
prescreviam as orientações a serem adotadas, mas
também produziram o discurso “justificador” das
reformas que, preparadas em outros contextos,
necessitavam erigir consensos locais para sua
implementação. (2005, p. 3)
O sujeito da reforma é o professor, embora construído de
modo paradoxal: é responsável pela má qualidade de ensino; é
65
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
responsável pela produção da boa qualidade de ensino. Sua
centralidade reside no fato de que a conformação intelectual da
população necessita do professor; transformá-lo ou reconvertê-lo é
um imperativo. Reconvertê-lo significa reformar as agências de
formação e reformar os projetos de formação docente, posto que o
projeto capitalista dele necessita. Vaillant (2005, p. 47) exprime esse
entendimento:
[...] devemos aceitar algo que pode soar muito
óbvio: que, para mudar a educação, é necessário
fazê-lo com os docentes. Seu papel-chave nas
reformas educacionais é reconhecido por razões
que, aparentemente, são contraditórias e que Fullan
resume em sua frase tão citada: “A formação
docente tem a honra de ser, simultaneamente, o
pior problema e a melhor solução em educação”.
Considerado o “pior problema e a melhor solução”, ao professor se pede protagonismo nas reformas educacionais para que estas
se concretizem e concretizem o novo perfil docente. Segundo Calvo
(2008), a não percepção das necessidades dos professores têm
atrapalhado o andamento da reforma. É necessário assumir que sem
professores não é possível conseguir qualidade e equidade
educacional. O professor é instado a ser seu próprio reformador.
Nessa proposta, a ideia de reconversão é utilizada
relativamente às mudanças sociais, políticas e econômicas derivadas
da reestruturação capitalista – ou reconversão produtiva – que
resultaram em mecanismos de adaptação do trabalhador ao novo
ordenamento. No caso dos professores, a reconversão foi associada
às ações de aperfeiçoamento e atualização em direção à produção de
66
OLINDA EVANGELISTA
competências docentes e saberes úteis para o que foi denominado de
“escola para o século XXI” (OEI, 2003).
Na América Latina e Caribe, a Rede Kipus atua na
reconversão docente pela interferência direta junto aos formadores
de professores, isto é, junto à inteligência da área, em instituições de
nível superior responsáveis pela formação do professor. Seu
desiderato é oferecer condições para “uma formação inovadora” que
concilie demandas locais, regionais e universais. Entrevista com a
Secretária Técnica da Rede, Rebeca Zevallos, no Chile, sede da
UNESCO/OREALC, evidenciou que a Kipus assumiu a tarefa de
coordenar um movimento regional de produção de conhecimento e
de ressignificação da educação no interior das universidades e
correlatos (EVANGELISTA, 2009). Para Zevallos, o conceito
“reconversão” significa atribuir novos significados para a formação
e conduzir os professores a acreditarem na reforma e realizá-la. De
outro lado, significa a adequação das instituições de formação a esse
padrão.
A solução dos problemas educativos encontra, então, no professor a saída sonhada: alterações substantivas na mentalidade da
população cabem ao professor reconvertido pela reconversão de seus
formadores, pela ressignificação da educação e pela reconversão das
agências de formação e espaços de atuação. A problemática que se
apresenta é: como formar um professor funcional ao sistema? Ou:
como convencer a população que a educação é terreno de produção
dos problemas sociais e econômicos e que, por isso mesmo, se constitui
em terreno para sua solução? Que mágica se procura operar com tal
deslocamento da percepção da realidade?
É o que discutem Xavier e Deitos (2006) ao demonstrarem
que a educação, após os anos de 1990, foi uma seara importante para
a sustentação ideológica da nova regulação econômica. O discurso
67
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
então elaborado levava à conclusão de que havia uma inadequação
da educação às novas demandas, particularmente as econômicas. Os
autores, em sua síntese, evidenciam os argumentos justificadores das
mudanças educacionais propostas: a economia mundial estava
acelerada e a globalização era inevitável; o Estado era ineficiente e
mal administrado; o atraso tecnológico era evidente; o país não tinha
competitividade internacional; o modelo econômico estava esgotado;
nossa democracia era frágil; a sociedade era iníqua. Esses argumentos,
entre outros, foram conduzidos de modo a que à educação foi atribuída
a dupla condição aludida: a de causa dos problemas e a de sua solução.
Esse direcionamento fez-se acompanhar de mudanças em
relação à gestão e às novas for mas de avaliação do sistema
educacional, dos professores e dos alunos. Propunha-se, então, uma
reforma de largo espectro que articulasse educação com maior
controle social. Entendia-se, então, que a ajuda externa de
organizações multilaterais, mediante empréstimos ou apropriação de
suas diretrizes educacionais, era um meio adequado para que as
alterações socioeconômicas acontecessem. Ressaltam, como se viu,
as exigências postas sobre os professores nessa empreitada que lhe é
externa.
Denise Vaillant (2003, p. 23) assinala que a formação docente
é “[...] um dos desafios mais críticos do desenvolvimento educativo
latino-americano, e implica um profundo replanejamento de formação
dos docentes”. O desafio seria duplo: formação inicial de qualidade
e aperfeiçoamento por meio de formação em serviço.
Um dos problemas da formação na região encontra-se na
heterogeneidade e diversificação das instituições formadoras que
envolvem escolas normais, institutos de ensino superior, instituições
estaduais, municipais e federais, instituições de ensino técnico,
universidades, instituições públicas e privadas. Proliferou também
68
OLINDA EVANGELISTA
nos anos de 1980 e 1990 forte crítica à formação em serviço, tendo
em vista que foi considerada pouco eficaz, além de pouco valorizada
pelos professores. Para Vaillant (2003, p. 26),
O formador de for madores é quem está
dedicado à formação de docentes e realiza tarefas
diversas, não só em formação inicial e em serviços
de docentes, senão também em planos de
inovação, assessoramento, planificação e execução
de projetos em áreas de educação formal e informal.
Por isso mesmo, qualquer reorientação na reforma educativa
latino-americana deve envolver necessariamente esse profissional,
assim como um processo sistemático de avaliação de seu trabalho e
de superação da concepção de que para ensinar é preciso conhecer o
conteúdo a ensinar.
Reconversão e profissionalização
A noção de reconversão, difundida pela Rede Kipus, oferece
solo fértil para se discutir a reforma educacional. Na América Latina
e Caribe, a UNESCO é uma das organizações que disseminam
propostas de reconversão por meio de mudanças nas formas de
preparo docente. De nossa perspectiva, tal noção se articula às
mudanças econômicas, políticas e sociais após os anos de 1970.
Muitos países da região tiveram que responder às novas demandas
capitalistas postas pela reestruturação produtiva. Novas estratégias
de formação profissional foram produzidas para que se verificasse a
adequação dos trabalhadores a essa realidade e a educação foi uma
das soluções encontradas para a requalificação exigida. O conceito
69
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
de “empregabilidade” associou-se à área educacional, cabendo a ela
criar as condições para que os trabalhadores fossem permanentemente
empregáveis. Se coube à educação tal papel, os sistemas de ensino
foram obrigados a sofrer reformas que o preparassem para tal.
Alguns pontos importantes são correlatos à problemática da
reconversão. Trata-se das ideias de profissionalização e protagonismo
docente. A profissionalização se configura como uma estratégia de
reconversão e o protagonismo docente como um de seus conteúdos.
Em comum, as duas têm o compromisso de produzir o professor
exigido pelas reformas iniciadas nos anos de 1990, posto que ainda
não se conseguiram as alterações desejadas.
Textos produzidos pela Oficina Regional de Educación para
América Latina y el Caribe – OREALC5 permitem verificar que ela tem
sido responsável pelo fortalecimento da Rede Kipus na região
(MOSIMANN, 2008). O documento Educación para el desarrollo
sostenible. Aportes didácticos para docentes del Caribe, por exemplo, propõe
que os professores sejam capacitados para formar jovens “bondosos”,
bem equilibrados, para garantir um desenvolvimento sustentável. Os
professores são percebidos, então, como peças fundamentais para
esae processo: “Los docentes juegan un papel esencial en el proceso
de socialización de los jóvenes para un desarrollo sostenible.
Independientemente de la materia académica […] su principal
prioridad desde la perspectiva social y emocional es la formación de
individuos bien equilibrados” (WILTSHIRE, 2008, p. 12).
5
A OREALC, criada em 1963, é um dos escritórios da UNESCO, situada em Santiago,
no Chile, e objetiva, principalmente, assistir os países pertencentes à região da América
Latina e Caribe. No Brasil, assim como nos outros países da região, produz estudos e
pesquisas relacionados à temática educacional, divulgando e incentivando políticas
educativas.
70
OLINDA EVANGELISTA
Para Carneiro (2006, p. 53), “Um docente incapaz de dominar
adequadamente essas ferramentas de comunicação se verá seriamente
limitado em sua prática pedagógica e na capacidade de responder
aos complexos requisitos que se colocam hoje nas interfaces
combinatórias dos métodos de ensino-aprendizagem (e-learning)”.
Dessa forma, percebemos a introdução da reconversão
profissional no campo educacional por meio da atuação de redes
articuladas a organismos multilaterais, como a Kipus, os quais buscam
transformar os professores em profissionais polivalentes, capazes de
atuar em diversas áreas, além de lhes propor incumbências que vão
além do seu escopo de formação, caso da responsabilidade pela
solução de problemas da sociedade capitalista.
Frente a essas grandes justificativas sociais, econômicas e
políticas para a reforma educacional e para a qualificação do professor, um discurso sobre sua centralidade vai sendo construído e
juntamente o perfil para ele desejado. Alonso (2005, p. 22) apresenta
o caso argentino, afirmando que não existem professores adequados
para atuar nessa conjuntura:
Diversos estudios muestran que la demanda de
docentes se ha expandido concomitantemente
con el crecimiento de la matrícula, especialmente
en el nivel medio y que existe un déficit de perfiles
docentes adecuados a las necesidades generadas
por la nueva estructura educativa, especialmente,
en las materias centrales del nivel secundario.
Fanfani (2004) assinala que são duas as condições para a
reforma: a primeira, objetiva, refere-se às limitações orçamentárias,
marcos institucionais, interesses e relações de força no que diz respeito
à política educativa; a segunda, às condições subjetivas dos
71
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
envolvidos, isto é, suas atitudes, representações, valores,
predisposições, entre outros. O autor coloca que
Reestruturação não é o mesmo que
reenculturação. Para cambiar a subjetividade dos
atores [...], num contexto político pluralista e
democrático, requerem-se dois recursos
fundamentais: um longo horizonte de tempo e
um conjunto de predisposições e aptidões
especificamente orientadas à negociação, à
discussão e ao acordo. (FANFANI, 2004, p. 103).
Os excertos permitem pensar que os professores que
lecionavam antes das reformas não servem mais para a nova fase da
educação e que estão sendo descartados, devendo modificar o seu
perfil para atender às novas exigências. Nesse rol de novas exigências
estão tarefas que não cabem à escola e tampouco ao professor.
A análise de conjuntura apresentada indica uma sociedade
presa de mudanças aceleradas, dominada pelas TICs, atravessada
por efeitos perversos. O problema da pobreza, por exemplo, residiria
na ausência de uma escolarização que oferecesse a todos as condições
de sobreviver no mercado de trabalho. A educação é construída como
o lugar que gera esses problemas e o lugar que os resolve. Chegamos,
então, ao cerne da proposição: para que a educação se torne lugar de
salvação é necessário que seu principal agente, o professor, seja
reconvertido.
Nesse contexto, os autores assinalam que, para que os
programas surtam efeito, faz-se necessária a mobilidade do trabalho
do professor que está em exercício em adaptar-se às novas tecnologias
para que estas entrem nas salas de aula.
72
OLINDA EVANGELISTA
[…] el conjunto de estándares debe ser
considerado como un continuo de adquisición
que continua durante los primeros años de
ejercicio, lo que corresponde al proceso de
inserción y adaptación profesional en contextos
reales, donde se pone en juego la validez de los
protocolos formativos en la toma de decisión
situada. (QUIROZ; SALVAT; MIRANDA;
MÉNDEZ, 2008, p. 166).
Se, de um lado, se pode pensar em um professor continuamente
em aprendizagem, pode-se levantar a hipótese de sua permanente
obsolescência (RODRIGUES, 2008). Uma das formas de se afastar
de seu atraso congênito é tornar-se “multifuncional”, podendo atuar
em diferentes áreas educacionais, profissional polivalente e sem
especialização alguma – ou seja, reconvertível sempre. Para a
emergência do professor multifuncional ou reconvertido torna-se
necessária a convicção de que conteúdos e técnicas pedagógicas não
são suficientes. Vaillant (2005, p. 44) assim se coloca:
Evidentemente, a solução não está numa mera
mudança do “papel docente” – sobre o qual se
costuma insistir –, mas sim numa mudança profunda do próprio modelo escolar. É necessário
conseguir reformas significativas, efetivas e,
sobretudo, sustentáveis nas práticas profissionais
e culturas de trabalho dos docentes.
O professor é chamado a prover as novas condições solicitadas
à educação, condições espelhadas em suas atitudes, práticas escolares,
modo de pensar. Carneiro (2006, p. 52) ressalta que “[...] a matriz do
saber e das competências dos docentes – suscetível de se traduzir
73
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
num novo profissionalismo –, devem ser incentivadas com urgência
a enfrentar os desafios impostergáveis da refundação da escola”.
Para Aguerróndo (2008), essas propostas, além de exporem a
necessidade da eterna reconversão do professor, visam adaptá-lo aos
novos contextos impostos pela sociedade. A autora entende que “Se
trata ahora de mejorar los conocimientos de los profesores, de
‘actualizarlos’, por lo que se desarrollan ofertas de capacitación
docente que se ofrecen a través de cursos presenciales o también a
través de los materiales de cambio curricular” (AGUERRÓNDO,
2008, p. 64).
Em um dos documentos da II Reunião Intergovernamental do
Projeto Regional para América Latina e Caribe, Educación de Calidad para
Todos: un asunto de derechos humanos, de 2007, argumenta-se que, para
promover a qualidade do exercício docente, são necessários alguns
fatores e um deles é a capacidade de aprender ao longo da vida, ou
seja, estar em constante adaptação:
El propósito es lograr que trabajen bajo los
mismos objetivos, definan estándares de calidad,
diseñen sus planes en relación con ellos, recuperen
el valor de la escuela como el espacio natural para
la formación docente, evalúen su trabajo y rindan
cuentas a la sociedad sobre la calidad del
aprendizaje docente. Uno de los resultados de
este proceso debiera ser que los maestros pasen
de “expertos rutinarios” a “expertos
adaptativos”; es decir, apoyarlos para que actúen
como personas preparadas para un aprendizaje
eficiente a lo largo de la vida, en un medio
complejo y cambiante, y frente a grupos
heterogéneos. (ASTORGA et alii, 2007, p. 52).
74
OLINDA EVANGELISTA
O protagonismo docente
Alves (2010), ao estudar a Rede Kipus, verificou os sentidos
atribuídos à ideia de protagonismo docente, um dos conteúdos da
reconversão docente. A autora evidenciou que, ao lado da noção de
protagonismo, existe um conjunto de ideias que permite entender o
seu sentido. Noções como democracia, autonomia e eficácia (formas
de gestão e governo no plano geral e no educacional), compromisso
e responsabilidade (formas de fazer o professor assumir seu
protagonismo e demonstrar seu interesse em relação ao avanço dos
alunos) e revalorização, formação, capacitação do professor (formas
de profissionalização).
Ana Luiza Machado, diretora da OREALC-UNESCO, assume que
O enfoque sobre o papel de protagonista do
docente constitui um imperativo político e
técnico para a OREALC/UNESCO Santiago.
É um dos focos estratégicos do Projeto Regional
de Educação para a América Latina e o Caribe
(PRELAC). Esse projeto é a carta de navegação
definida, em novembro de 2002, pelos ministros
da Educação da região, conscientes da
necessidade de conseguir mudanças na maneira
de fazer políticas e práticas educacionais para
alcançar os objetivos do Educação para Todos.
(MACHADO, 2005, p. 3).
O protagonismo docente como estratégia de valorização do
professor recobre-se de dois aspectos: trata-se, de um lado, de sua
adesão à reforma como política; de outro, reduzem-se suas atitudes
à sala de aula ou à escola. Esse movimento se explicita no segundo
75
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
foco estratégico do PRELAC: “los docentes y el fortalecimiento de
su protagonismo en el cambio educativo para que respondan a las
necesidades de aprendizaje de sus alumnos” (UNESCO, 2005, p.
11). Nele protagonismo se vincula a formar e capacitar – “los
profesores ven en estas experiencias destinadas a formarlos y/o a
capacitarlos la puerta de entrada al nuevo protagonismo que la
sociedad les demanda” (UNESCO, 2005, p. 20) – e a responsabilizar
– “Si el que aprende es el centro, también se desarrolla su
responsabilidad y el protagonismo en el aprendizaje, de aprender”
(UNESCO, 2005, p. 65).
Montero (2003, p. 7) também se refere ao protagonismo:
“[…] la dificultad de conciliar las necesidades del sistema en su
conjunto y la desconfianza en el profesorado para su interpretación
con el insoslayable principio de protagonismo del profesorado […]”,
posição que é chamada de real: “Investigar y actuar para promover la
presencia activa de los docentes es fundamental con miras a fortalecer
un protagonismo real” (CAMPOS & KORNER, 2005, p. 20).
Rosa Torres afirma que a reforma necesita de: “[...] calidad,
equidad, autonomía escolar, revalorización, profesionalización y
protagonismo docente, estímulo a la innovación, consulta, consenso,
alianza, concertación, democratización” (TORRES, 2000, p. 1). É a
mesma Torres que estabelece uma relação orgânica entre
profissionalização e protagonismo docente ao indicar que “La
afirmación acerca de la necesidad del cambio educativo ha ido junto
con la afirmación del protagonismo de los docentes en dicho cambio
y la urgencia de una preparación docente amplia y profunda para
forjar el ‘nuevo educador’ y el ‘nuevo rol docente’ requerido para
llevarlo adelante” (TORRES, 2000, p. 7). Para ela, “El protagonismo
docente en el cambio educativo ha estado presente desde siempre en
el discurso de la reforma, sin que tal afirmación haya logrado hasta
76
OLINDA EVANGELISTA
la fecha conceptualizarse ni plasmarse adecuadamente en políticas y
medidas” (TORRES, 2000, p. 8).
A vinculação do ter mo “protagonismo” ao ter mo
“profissionalização” é reforçada na assertiva:
La magnitud de la “crisis docente” cobró
notoriedad internacional y regional, y fue objeto
de numerosos estudios y eventos. Se extendió el
discurso de la revalorización, la profesionalización,
la autonomía y el protagonismo docente.
(TORRES, 2000, p. 22).
Em síntese, o professor profissionalizado é o que assume seu
papel de líder, de protagonista junto aos seus alunos, junto à
comunidade escolar e junto ao país.
Como se vê, a expressão “protagonismo docente” tem sido
utilizada nos textos difundidos pela Rede e nas passagens em que
aparece geralmente vincula-se à ideia de que o professor deve assumir
sua tarefa na execução do ideário da reforma dos anos de 1990.
Marcada pelo reducionismo da perspectiva neoliberal e pelas
contradições da reestruturação produtiva, à expressão podemos
agregar as ideias de empoderamento, de prestação de contas e de
responsabilização. Essa articulação de slogans de apelo “positivo”
obscurece o papel reservado ao professor: o de subalterno às diretrizes
da reforma da educação, expressão nesse campo das demandas do
capitalismo. Contraditoriamente, protagonizar significa submeter-se.
Conclusão
Aguerróndo (2002, p. 17) assinala que a reconversão é uma
estratégia para “aproveitar o excesso de professores de uma
77
Formação docente na América Latina e Caribe: A atuação da rede...
disciplina” e “cobrir novas necessidades” que, bem organizadas e
monitoradas, podem evitar as “fortes resistências” que surgem entre
os professores. Entre as formas de se produzir tal reconversão,
figuram, segundo a autora, os “encontros de reflexão”. Entretanto,
tal modelo “resultou ser de uma interessante eficácia individual” ou
para “pequenos grupos, mas se mostrou bastante inadequado como
estratégia para a reconversão rápida e maciça do professorado em
seu conjunto” (AGUERRÓNDO, p. 18-19). Também Alves (2002,
p. 3) defende essa concepção. Para ele,
Manter ou readquirir a competitividade no
mundo de trabalho e trabalhar no sentido da
reconversão profissional e atualização da
demanda profissional é importante. A
flexibilidade, a mobilidade, o acesso democrático
à internacionalização do conhecimento vêm
constatar a universalização do ensino em seus
vários segmentos e mudança na formação do
perfil do docente.
Os autores referidos apostam na reconversão docente como
fator de mudança na educação e como modo de se conseguir o que
denominam de educação de qualidade e, mesmo, democrática. Uma
outra posição pode ser trazida para o debate. O fenômeno da
reconversão diz respeito, segundo De Rossi (2005), a um tipo de
procedimento que, expressando “[...] o conjunto de estratégias
adotadas por distintas instâncias e centros de poder para racionalizar
os sistemas educativos [...]”, tem em vista adequar as políticas
educacionais “[...] às pressões econômicas das agências (inter)
nacionais.” Faz coro a essa análise a abordagem de Gindin (2006, p.
98), que chama a atenção para a existência, nos anos de 1990, de
78
OLINDA EVANGELISTA
“políticas produtivistas” que “[...] impulsionam medidas de
reconversão neoliberal do trabalho docente”.
Ou seja, tomando o projeto de reconversão profissional
articuladamente ao de formação docente na ALC, tal como vem sendo
difundido pela Rede Kipus, concluímos que as estratégias políticas
de preparo do professor podem ser compreendidas como uma
expressão da “reconversão” do magistério na região. Mesmo assim,
contudo, essa conclusão não se esgota nela mesma.
Mais do que realizar a reconversão como meio de operar a
reforma, está em causa a reconversão da inteligência da área para
que se torne funcional aos interesses de manutenção da hegemonia
do capital. Esse processo compõe o conjunto de ações desencadeadas
pela burguesia para a manutenção de sua hegemonia, para o que os
intelectuais orgânicos são fundamentais.
Percebe-se, então, claramente, que a educação (e a sua suposta
má qualidade) foi tomada como causa dos problemas sociais e
econômicos, bem como sua universalização (com boa qualidade) seria
a sua solução. Segundo Xavier e Deitos (2006), essa formulação
expressa uma imensa racionalização cujo objetivo primeiro é o de
obscurecer as determinações históricas da sociedade, construindo
uma explicação que retira da esfera econômica seu comprometimento
com a produção das condições materiais de existência. Entende-se a
centralidade atribuída ao professor e por que sua reconversão tornase vital.
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83
84
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA NO BRASIL:
O SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA
NEUZA MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA ANTUNES
ROBERTO ANTONIO DEITOS
Introdução
Este capítulo 1 apresenta uma leitura específica sobre as
políticas que têm norteado a expansão da Educação a Distância no
Brasil, tendo como foco uma breve análise do processo de constituição
e implantação da Universidade Aberta do Brasil, que hoje desempenha
o papel de gestora no contexto da participação pública na modalidade
de Educação a Distância.
A Educação a Distância tem apresentado, no Brasil,
especialmente nas últimas duas décadas, um processo de expansão
significativo tanto na esfera pública quanto na esfera privada. A partir
desta compreensão objetiva-se, neste artigo, apresentar algumas
reflexões sobre as políticas educacionais que têm orientado esse
processo de desenvolvimento e crescimento da oferta da escolarização
nesa modalidade.
1
Este texto vincula-se a parte da pesquisa intitulada “Políticas para a Educação a Distância
no Brasil: o Sistema Universidade Aberta do Brasil”, dissertação de mestrado defendida no
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, área de concentração “Sociedade,
Estado e Educação”, da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
por Neuza Maria Barbosa de Oliveira Antunes, em 2011.
85
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
Uma análise dos pressupostos que norteiam a construção
desse cenário educacional que fomenta o atendimento escolar por
meio da Educação a Distância (EAD), principalmente na educação
superior e na formação continuada, sob o discurso da democratização
de acesso à educação, é de extrema importância, pois sabe-se que as
políticas públicas também refletem disputa de interesses numa
sociedade dividida em classes, ou seja, não são isentas de uma
concepção de sociedade e de mundo que se deseja.
Assim, observa-se, pelas ações públicas desenvolvidas, que
a promoção da “educação para todos”, amplamente disseminada nos
discursos políticos, tem sido pensada com a utilização da modalidade
de educação a distância e esse caminho apresenta-se como uma
possível solução para as agruras do sistema educacional e seus índices.
Este estudo traz a abordagem de que há políticas públicas, tais como
o Sistema Universidade Aberta do Brasil, que se apresentam como
pilares desse processo e oportunizam a massificação da educação
sem a devida preocupação com as questões que vão além da
democratização do acesso: a permanência, a qualidade e iguais
oportunidades no contexto da educação presencial a todos.
Educação a Distância e sua Constituição Legal no Brasil
A Educação a Distância (EAD), segundo afirma Aretio e
Ibáñez (1998), apresenta-se como uma modalidade educacional em
crescente expansão em todo o mundo e, no Brasil, este quadro não
se mostra diferente. Todo esse processo de aumento da oferta de
cursos nessa modalidade é motivado por diversos fatores,
principalmente pelas questões relacionadas ao avanço das tecnologias
de informação e comunicação, que atuam como agentes facilitadores
da interação entre pessoas que se encontram distantes fisicamente.
86
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Mesmo assim, no entanto, a expansão da EAD não tem como
único agente propulsor o desenvolvimento tecnológico. Afinal, esse
segmento se apresenta dentro de um contexto econômico, social e
político, que é historicamente determinado e é parte de uma realidade
caracterizada por estar em constante movimento e por suas
contradições. Pimentel (2006, p. 29) afirma que “[...] o processo de
definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos
de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam
as instituições do Estado e da sociedade como um todo [...]”, ou
seja, isso reforça que a ocorrência do fenômeno de crescente aumento
de oferta de escolarização por meio tecnológico não ocorre isolado
no tempo e no espaço, pois as ações pululam num nível
macroestrutural e representam vontades políticas, opções de
organização educacional vinculadas a concepções ideológicas que
concebem a necessidade de aplicação de políticas públicas, muitas
denominadas emergenciais, que atendam à necessidade de resolver
os problemas de acesso à educação e na tentativa de corrigir índices
educacionais que se apresentam decorrentes de históricos problemas
socioeducacionais que se arrastam ao longo da história.
É importante destacar que, notadamente, está ocorrendo
expansão de uma forma de educação que já existia, pois a EAD não
é algo novo e inerente à sociedade moderna e/ou contemporânea.
Essa modalidade, concebida por Moore e Kearley (2007, p. 2) como
“[...] o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar
diferente do local de ensino, exigindo técnicas especiais de criação
do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias
e disposições organizacionais e administrativas especiais”, já é
bastante antiga. Assim, o que tem variado são os meios
(correspondência, rádio, televisão, computador, internet,
87
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
videoconferência, dentre outros) pelos quais são promovidas as
interações dentro do processo de ensino e aprendizagem.
A gênese da EAD no país, assim como na maioria das outras
nações, não apresenta uma data precisa. João Roberto Moreira Alves
(2009), por exemplo, destaca que, no Brasil, embora inexistam
registros sobre o surgimento das entidades de EAD no século XIX,
há um anúncio publicado no Jornal do Brasil, em 1891, com
oferecimento de curso de datilografia por correspondência e este seria
o marco do início dessa modalidade dentro da educação nacional.
Maria Esmeralda Zamlutti (2006, p. 52), por sua vez,
apresenta a informação de que em “[...] 1904 escolas norteamericanas instalaram uma filial no Rio de Janeiro e oferecia cursos
de idiomas por correspondência, porém, não há registros oficiais sobre
isso”.
Maia e Mattar (2007) indicam que o primeiro registro histórico
de ocorrência de atividades em EAD remonta ao ano de 1923, quando
Henrique Morize e Edgar Roquete-Pinto criaram a Rádio Sociedade
do Rio de Janeiro, que oferecia cursos de português, francês,
silvicultura, literatura francesa, esperanto, radiotelegrafia e telefonia.
Essa é, inclusive, a data considerada pela maioria dos autores como
sendo a oficial para o marco inicial da EAD no Brasil.
No decorrer da história da educação brasileira, a utilização
da EAD foi sendo ampliada e passou por picos de crescimento,
principalmente nas décadas de 1960, 1970 e 1990, quando no país
fez-se necessária a formação maciça de mão de obra qualificada para
atender aos anseios do mercado.
Nesses períodos a EAD, no entanto, mesmo tendo uma
participação direta do Estado2, não possuía ainda determinações que
2
Projeto SACI, LOGOS, Projeto Minerva, MOBRAL, dentre outros, tinham como
agentes organizadores esferas públicas.
88
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
a regulamentassem em termos legais. Isso ocorreu em 1996, com a
promulgação da Lei Federal nº 9394/1996, quando passa a existir
um suporte legal para essa modalidade de educação.
Dentro da referida Lei, o artigo 80 incumbe-se de tratar da
oficialização da EAD e de pormenorizar detalhes sobre o seu uso no
meio educacional. No corpo do texto observa-se que não se trata
mais de uma medida emergencial ou supletiva, mas apresenta-se como
mais uma possibilidade. Nesse documento, as iniciativas de fomento
à formação por meio da modalidade supracitada também passam a
ser incentivadas pelo próprio poder público, que, na época, já
vislumbrava esse caminho como alternativa para atingir as metas
propostas para expansão, especialmente no ensino superior.
Esse citado artigo 80 não é o único a fazer menção à
Educação a Distância na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Também é possível verificar nor matizações ou
recomendações sobre essa modalidade nos seguintes tópicos: artigo
32, parágrafo 4º, trata do ensino fundamental, que, via de regra, será
ofertado na modalidade presencial, mas poderá ser realizado à
distância em situações emergenciais; artigo 47, parágrafo 3º, que trata
sobre a frequência no ensino superior; artigo 87, parágrafo 3º, inciso
II e III, nos quais trata da possibilidade de prover cursos para jovens
e adultos e formação de professores por meio de cursos à distância,
observando que, nesse mesmo artigo, há a determinação de que os
professores deverão ser habilitados em nível superior ou formados
por treinamento em serviço.
Entretanto, mesmo com todas essas referências, ainda
perduraram lacunas deixadas no documento que legitima a EAD e,
na intenção de preenchê-las, são lançados a partir daí diversas portarias
e decretos.
89
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
O primeiro deles foi o Decreto nº 2.494/1998, que define,
em seu artigo 1º, a Educação a Distância como:
[...] forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos
didáticos sistematicamente organizados,
apresentados em diferentes suportes de
infor mação, utilizados isoladamente ou
combinados, e veiculados pelos diversos meios
de comunicação. (BRASIL, 1998, p. 1).
Esse Decreto, além de definir a concepção de EAD, ainda
vincula seu desenvolvimento ao uso das tecnologias de informação
e comunicação para o desenvolvimento das atividades pedagógicas.
Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é que ele afirma
que a EAD oportuniza a “auto-aprendizagem”, o que pode suscitar
a questão: - Será que, nesse contexto, está minimizado o papel do
professor?
Francisco Lobo Neto (1998) expõe que mesmo o Decreto nº
2.494/1998 não foi suficiente para definir todas as questões de
organização da EAD, principalmente a situação das instituições que
desenvolvem programas nessa modalidade. Há temas essenciais, cuja
definição é remetida para regulamentações mais específicas, de alçada
do Ministro de Estado da Educação e do Desporto. Por exemplo:
Art. 2º O credenciamento institucional obedecerá
a “exigências a serem estabelecidas em ato
próprio” do Ministro de Estado;
Art. 2º § 2º dependem de “regulamentações a
serem fixadas pelo Ministro de Estado”, tanto o
credenciamento de instituições do sistema federal de ensino, quanto a autorização e
90
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
reconhecimentos de programas a distância de
educação profissional e de graduação de qualquer
sistema;
Art. 2º § 5º a avaliação para recredenciamento e
renovação de autorização de cursos, terão seus
procedimentos, critérios e indicadores de
qualidade definidos em ato próprio, a ser
expedido pelo Ministro de Estado. (BRASIL,
1998, p. 1)
Tratando de pormenorizar ainda mais esses procedimentos
de credenciamento, o Ministério da Educação publica, em 7 de abril
de 1998, a Portaria nº 301, determinando os procedimentos para o
credenciamento de instituições para oferta de cursos na modalidade
de Educação a Distância.
Essa portaria é imediatamente retificada pelo Decreto nº
2.561/1998, de 27 de abril de 1998, que modifica alguns artigos do
Decreto nº 2494/1998. Nesse novo dispositivo legal, segundo Pomar
(2011, p. 2), observa-se que há alterações no que diz respeito às
competências estaduais e federais para o credenciamento de cursos
a distância, normatizando que a União credencie as Instituições
Federais e estados e municípios possam credenciar instituições
localizadas no âmbito de suas respectivas atribuições (educação de
jovens e adultos, ensino médio e educação profissional de nível
técnico).
A Educação a Distância nesse período passava por um
acelerado crescimento, principalmente porque a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional trouxe consigo a exigência de que os
professores deveriam, no prazo estabelecido de dez anos (1996/2006),
serem formados em curso superior. Aproveitando-se desse dispositivo,
91
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
há um grande número de universidades privadas que ampliaram seus
atendimentos tanto na modalidade presencial quanto na de a distância.
Com esse intenso movimento nas ações em EAD houve
também uma preocupação ainda maior em cobrir os aspectos legais
e, no ano de 2005, o Decreto nº 2.494/1998 foi revogado pelo
Decreto nº 5.622, que vem com o objetivo específico de regulamentar
o artigo 80 da Lei Federal nº 9394/1996. Esse decreto reconstrói a
definição de EAD, caracterizando-a como modalidade educacional
na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e
aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de
infor mação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.
Nessa perspectiva, observa-se que há um destaque ao fomento ao
uso das tecnologias de informação e comunicação dentro da
Educação a Distância e que é retirado o termo “auto-aprendizagem”,
sendo novamente mencionada a participação do professor no processo
educativo.
Outro ponto a ser destacado é sobre a obrigatoriedade dos
momentos presenciais, agora citados tanto nos incisos do artigo 1º
quanto no artigo 13. Maria Luiza Furlan Costa (2010, p. 46) observa
que, na realização de uma leitura geral da nova deliberação, “[...] a
obrigatoriedade dos momentos presenciais é entendida como
sinônimo de garantia da qualidade dos cursos superiores ofertados
na modalidade à distância”.
Além desse decreto, outros foram sendo lançados visando
esclarecimentos sobre os caminhos da EAD no país, dentre eles: o
Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispunha sobre o
exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de
instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e
sequenciais no sistema federal de ensino.
92
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Na publicação do Decreto nº 6.303, em 12 de dezembro de
2007, há a alteração de cinco artigos do Decreto nº 5.622, reforçandose os seguintes aspectos: a ideia do momento presencial como
obrigatório; direcionamentos de como deve ocorrer o credenciamento
das instituições para atuarem em EAD e no Sistema UAB; e a
importância dos polos presenciais.
Esses dois últimos Decretos (nº 5.773 e nº 6.303), lançados
após a criação da Universidade Aberta do Brasil, auxiliam no processo
de regulamentação das atividades desenvolvidas dentro dela. Parte
daí a necessidade de clara referência ao papel do polo presencial na
EAD (Decreto nº 6.303/2007), um dos pontos de destaque na área
de trabalho da UAB.
Em 29 de janeiro de 2009, no governo Lula, publica-se o
Decreto nº 6.755, que não regulamenta nada com relação à Educação
a Distância, mas Institui a Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada.
A correlação da publicação desse Decreto com a EAD está no fato
de que, no artigo 7º dispõe que a formação inicial dos professores
deverá ser feita “preferencialmente” na modalidade presencial e os
cursos de formação continuada poderão ser oferecidos nas duas
modalidades (presencial e a distância). Com a presença do termo
“preferencialmente” observa-se que, na verdade, toda a formação
de professores pode ser realizada na modalidade à distância.
Importante é destacar que, dentre as políticas instauradas no
governo Lula para a expansão do ensino superior por meio da
Educação a Distância, sempre no intuito da democratização e
interiorização do ensino público, aparece, como uma das primeiras
ações, a criação dos Fóruns das Estatais pela Educação, em 2004,
93
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
com o objetivo de propiciar espaço de diálogo e interlocução entre o
MEC, Governo Federal e Estatais brasileiras para análise e debate
das questões estratégicas ligadas ao desenvolvimento sustentável do
país, com especial destaque para a busca de soluções para os
problemas ligados à educação (BRASIL, 2004).
Esses fóruns fazem parte de um conjunto de políticas para a
área educacional, apresentando como meta angariar investimentos
para a educação, especialmente para os programas voltados para a
expansão do ensino superior. Desses fóruns participavam: Banco da
Amazônia (BASA), Banco do Brasil (BB), Banco do Nordeste do
Brasil (BNB), Banco de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica
(CGTEE), Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF),
Cobra Tecnologia S/A (COBRA), Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, Centrais Elétricas Brasileiras S/A (ELETROBRÁS),
Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (ELETRONORTE),
Centrais Elétricas S/A (ELETROSUL), Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), Furnas Centrais Elétricas S/A (FURNAS),
Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO),
Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), Usina Hidrelétrica de Itaipu, Nuclebrás
Equipamentos Pesados S/A (NUCLEP), Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS), Serviço Federal de Processamento de Dados
(SERPRO). (BRASIL, 2004a).
Segundo o documento oficial:
O Fórum irá desenvolver ações que busquem
potencializar as políticas públicas na educação
promovidas pelo Governo Federal e pelo
Ministério da Educação, das empresas estatais
94
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
brasileiras, através da interação entre a sociedade
civil brasileira, empresários, trabalhadores e
organismos internacionais, em um processo de
debates em busca da solução dos problemas da
educação no País, do estabelecimento de metas
e ações, configurando uma política de educação
inclusiva e cidadã, visando a construção de um
novo modelo de desenvolvimento para o País.
(BRASIL, 2004, p. 1).
Roseli Zen Cerny (2009, p. 46) afirma que a constituição
desse Fórum representa “[...] o ponto de partida dentro das políticas
deste período para a criação da Universidade Aberta do Brasil”.
Analisando a regulamentação para EAD, observa-se que essa
foi, quase que em sua totalidade, instituída no governo Lula, contudo
a expansão da educação via essa modalidade, vale destacar, não é
algo criado e pensado somente por esse governo. As políticas
educacionais estão interligadas aos governos anteriores e a diversos
mecanismos políticos e econômicos, ou seja, o planejamento e a
regulamentação da EAD não estão previstos somente nas leis e
decretos nacionais, mas também são parte de acordos internacionais
firmados com outras nações, como, por exemplo, na Conferência
Mundial de Educação para Todos (1990).
No documento proposto nessa conferência há o estímulo
claro ao uso de tecnologias e da modalidade a distância para a
melhoria dos índices de acesso ao ensino, principalmente o superior.
Internamente, o Plano Decenal de Educação (1993) e o Plano
Nacional da Educação (1990) refletem as metas a serem perseguidas
e os caminhos dispostos perpassam justamente pelo avanço da EAD.
Num contexto como esse era notória a necessidade de que se
desenvolvesse um processo de regulamentação legal um pouco mais
claro para a Educação a Distância.
95
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
A Universidade Aberta do Brasil
A Universidade Aberta do Brasil, criada em 2005, ao contrário
do que se possa pensar, não é uma política sistematizada somente
nesse período. Desde 1971, segundo informa Pimentel (2006), há
intenção de se criar no Brasil Universidades Abertas. Niskier (1996)
comenta que, inclusive, em 1972 foi criado um grupo de estudo,
liderado por Newton Sucupira, para que se viabilizasse a implantação
de uma Universidade Aberta e a Distância, nos mesmos padrões da
Open University3 britânica. Essas iniciativas não obtiveram êxito,
na época, talvez porque as condições materiais para que a proposta
fosse instituída não estivessem concretizadas.
A partir da década de 1990, quando houve outro grande
desenvolvimento da Educação a Distância, motivada tanto pelo
desenvolvimento tecnológico, quanto pela necessidade do mercado
na formação de mão de obra em serviço e em curto espaço de tempo,
o fomento a uma política pública que propusesse uma Universidade
Aberta foi viabilizada pelo Estado.
Quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva propôs a criação
dos Fóruns das Estatais, em 2004, estava preparado o cenário para a
constituição efetiva da Universidade Aberta do Brasil. Esse fórum
representava, segundo o documento oficial “Fórum das Estatais pela
Educação: Diálogo para a Cidadania e Inclusão” (2004), a
convergência de esforços das estatais participantes para a discussão
das questões ligadas ao desenvolvimento sustentável do país,
principalmente no que se refere à educação.
Inicialmente, no âmbito do Fór um das Estatais, a
Universidade Aberta do Brasil era um projeto voltado somente para
3
É uma universidade de ensino a distância e de entrada livre. Outros exemplos: Open
University of Australia e Universidade Aberta de Portugal.
96
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
as instituições públicas federais, ou seja, a ideia inicial era a de que
as instituições federais fariam parte da UAB. Mais tarde é que foi
aberta a participação para as instituições estaduais e municipais.
Outro aspecto importante é a visão sobre o sistema de ensino
superior e suas possibilidades, como descrito no documento oficial
desse Fórum:
Não obstante, a rede de universidades brasileiras
apresenta férteis potencialidades rumo à
democratização do acesso, comprovada pela
existência de um parque universitário robusto e
malha consolidada de pesquisa. Por outro lado, a
possibilidade de utilização da modalidade de
educação a distância (EaD) aponta para impactos
positivos quanto ao acesso à educação superior,
especialmente nas Instituições Federais de Ensino
Superior - IFES e demais Universidades Públicas
Estaduais. Dessa for ma, também há a
possibilidade de atender a outra demanda
educacional urgente: a necessidade de formação
e capacitação de mais de um milhão de docentes
para a educação básica, bem como a formação,
em serviço, de um grande contingente de
servidores públicos. Para isso, há que se fomentar
o campo de pesquisas em tecnologias de
informação e comunicação (TIC), tendo em vista
sua relevância para a consolidação do conjunto
diversificado de experiências exitosas em EaD,
em variados níveis de ensino, que vem
gradativamente tomando for ma no país.
(BRASIL, 2004, p. 1).
97
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
Nessa perspectiva, realizando uma leitura de que o “parque
universitário” sendo “robusto”, como descrito, é possível a
compreensão de que o mesmo seria amplo e acessível a todos, no
entanto, nas frases subsequentes já se remonta ao fato de que a EAD
pode ampliar o acesso à educação superior e, mais ainda, que pode
atender à demanda urgente de formação docente. Ou seja, logo em
seguida o documento já apresenta incoerências, porque, se houvesse
de fato um parque universitário “robusto”, não seriam necessárias
medidas emergenciais como a utilização da EAD para o atendimento
de milhões de pessoas que não conseguem ter acesso à educação
superior.
Por meio desse documento do Fórum das Estatais também
foi criada a Fundação de Fomento à Universidade Aberta do Brasil
e, sobre ela, Cerny (2009) explica que teve como primeira ação, ainda
no âmbito da orientação do Fórum das Estatais, a implantação de
um projeto-piloto para o oferecimento do curso de graduação em
Administração a distância, em parceria com o Banco do Brasil. Deste
projeto-piloto participaram dezoito universidades, ofertando 10.000
vagas somente para funcionários do Banco do Brasil e funcionários
públicos. Esse dado é interessante porque o projeto inicial vislumbrava
a democratização do acesso e a formação docente, mas teve como
primeiro encaminhamento a organização de um curso em bacharelado
para funcionários de um dos bancos que fomentava o programa.
A Universidade Aberta do Brasil foi, portanto, criada no
âmbito do Fórum das Estatais, em 2005, e oficializada pelo Decreto
nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Em seu sítio eletrônico 4 oficial
consta que a Universidade Aberta do Brasil foi instituída pelo
Ministério da Educação e Cultura, em conjunto com o Fórum das
Estatais pela Educação e com acompanhamento da Associação
4
Disponível em: <http://www.uab.capes.gov.br>.
98
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES). Quanto aos parceiros envolvidos no processo de
implantação da UAB, podem ser destacados:
[…] I - a Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES/MEC), gestora do Sistema UAB, com
o apoio da Secretaria de Educação a Distância
(SEED) e em colaboração com a Secretaria de
Educação Básica (SEB), a Secretaria de Educação
Superior (SESu), a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), a Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD) e a Secretaria de Educação
Especial (SEESP) do Ministério da Educação,
articuladoras do Sistema;
II - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), órgão responsável pelo
pagamento de bolsas no âmbito do Sistema;
III - as instituições públicas de ensino superior
(IPES) vinculadas ao Sistema UAB, responsáveis
pela oferta de cursos e programas de educação
superior a distância; e
IV - Estados e Municípios, responsáveis pela
implantação de pólos de apoio presencial do
Sistema UAB. (BRASIL, 2009, p. 2)
Cada parceiro tem, como visto no parágrafo em destaque,
funções específicas no contexto do Sistema UAB.
Um dos argumentos oficiais recorrentes para a implantação
de um projeto dessa envergadura, com o envolvimento de diferentes
agentes, é a emergência de democratizar o acesso ao ensino superior.
A Universidade Aberta do Brasil surge com a intenção da
99
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
democratização do ensino ou, ainda, para atender à demanda
emergencial para essa esfera de ensino. No Decreto nº 5.800/2006 e
reiterado na Resolução nº 26, de 5 de junho de 2009, constam os
apontamentos ou diretrizes para a Universidade Aberta do Brasil:
Art. 2º O Sistema UAB, instituído pelo Decreto
nº 5.800/2006, tem por finalidade expandir e
interiorizar a oferta de cursos e programas de
educação superior no País, por meio do
desenvolvimento de programas e de cursos na
modalidade de educação a distância, nos termos
do parágrafo 2º do Art. 1º da Lei nº 11.502/
2007.
Art. 3º O Sistema UAB cumprirá suas finalidades
e objetivos sócio- educacionais em regime de
colaboração da União com entes federativos,
obedecendo às seguintes diretrizes:
I - oferecer, prioritariamente, cursos de nível superior de formação inicial e continuada para
professores da educação básica;
II - oferecer cursos de nível superior para
capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores
em educação básica dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;
III - oferecer cursos de nível superior nas
diferentes áreas do conhecimento;
IV - ampliar o acesso à educação superior pública;
V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino
superior entre as diferentes regiões do País;
VI - estabelecer amplo sistema nacional de
educação superior a distância; e
VII - fomentar o desenvolvimento institucional
para a modalidade de educação a distância, bem
como a pesquisa em metodologias inovadoras
100
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
de ensino superior apoiadas em tecnologias de
informação e comunicação. (BRASIL, 2009, p.
1).
Dentre esses objetivos, a democratização que está sendo
proposta talvez seja a que evoque mais aspectos para reflexão. Atílio
Borón (2000, p. 68) afirma, ao abordar esse tema, que a democracia
no capitalismo é operacionalizada como método e não como fim.
Para ele, “[...] não tem demasiado sentido falar da democracia em
sua abstração, quando na realidade se trata é de examinar a forma, as
condições e os limites da democratização em sociedades como a
capitalista, que se fundam em princípios constitutivos que lhes são
irreconciliavelmente antagônicos”.
Ver a democracia com um método parece tarefa ainda mais
complexa, pois entendê-la dessa forma sugere que um método se
destine para algo ou para a consecução de algum fim específico. No
caso desta reflexão, o que se pretende é a democratização da
educação, do acesso ao ensino superior que, conforme consta dos
documentos oficiais que tratam da expansão da EAD, traria maior
oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e
democrática. Nessa vertente, o acesso à educação contribuiria ao
pleno exercício da cidadania e da igualdade de direitos.
Esse discurso, implícito nas políticas educacionais vigentes,
reafirma a premissa da educação redentora, ou seja, a crença de que
por meio dela solucionar-se-ão os problemas sociais e econômicos.
Democratizar, nesse sentido, está sendo aplicado dentro da lógica
do capital, que abrange somente a igualdade política e jurídica, sem
a intenção de garantir a igualdade que muito interessa à classe
trabalhadora: a igualdade na distribuição de renda (WOOD, 2003).
Julia Malanchen (2007) afir ma que o discurso da
democratização da educação trata de uma democracia esvaziada de
101
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
seu conteúdo social, pois é uma democracia despolitizada e formal,
que garante somente os direitos individuais do voto e uma cidadania
passiva, que não ameaça os interesses da classe hegemônica.
Compactua-se aqui com a visão de Mészáros (2008), quando
já afirmava que a educação não é a única responsável pela solução
dos problemas sociais e tampouco econômicos; portanto, como uma
atividade isolada não é o suficiente para mudar a sociedade. Borón
(2000) reforça a análise desse processo de democratização, tratandoa como método, revelando que são duas as principais intenções a
respeito do processo de reestruturação produtiva: a primeira é
enfatizar a ideia de acesso democratizado à educação, pela EAD,
como via possível para todos alcancerem condições sociais de vida
melhores; a segunda é formar um grande contingente de mão de obra
especializada requerida pelo sistema produtivo atual.
Outra questão a ser abordada está pautada na afirmação de
Shiroma (2003) de que as políticas de EAD, justificadas como uma
forma de democratizar o acesso à educação, colocadas em prática de
forma mais incisiva na formação docente, têm como intenção a
desintelectualização docente. As ações governamentais (TV Escola,
Pro Licenciatura, Pró Letramento, etc.) na área de EAD estão
fortemente ligadas à formação docente a distância, o que representa,
na visão desta autora, mais uma das estratégias que, desde os anos
de 1990, são postas em prática para despolitizar e controlar o professor.
Essa desintelectualização docente dita por Shiroma (2003,
p. 67) é “[...] a retirada da formação docente da universidade em seus
moldes tradicionais e tem por intenção um processo gradativo de
distanciamento do professor da reflexão e de uma formação de
qualidade, além da redução de custos”. Esse processo é perfeitamente
possível na modalidade a distância, principalmente porque a
102
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
organização desse processo educativo apresenta, se desenvolvido de
modo arbitrário, condições para o resultado mencionado,
principalmente quando se observa que há falta de interação e
discussão. Além disso, a setorização do trabalho na EAD (professor
prepara o conteúdo, técnico transfere para a virtualidade, tutor aplica
e acompanha o encaminhamento desse conteúdo, não raro outro
profissional avalia) oportuniza a quebra do que foi proposto e a falta
de reflexão.
Assim, questiona-se: - Essa democratização de acesso referese àquilo que a sociedade anseia, no que diz respeito à igualdade?
Essa democratização (burguesa) tende à manutenção da lógica do
capital e de sustentação das necessidades do mercado e não as da
classe trabalhadora. É interessante a esquematização de políticas
públicas, como a Universidade Aberta do Brasil, que visem a oferta
de oportunidades de educação, mas não se pode deixar de desvelar
em que bases esa democratização e acesso estão pautados.
O Sistema UAB foi implantado por meio do Edital nº 1-UAB,
publicado em 16 de dezembro de 2005, no Diário Oficial da União
nº 243. Em cumprimento a esse edital, municípios, estados e Distrito
Federal, individualmente ou organizados em associações/consórcios,
candidataram-se a proponentes de projetos de polos municipais de
apoio presencial, para receberem cursos superiores de instituições
públicas federais. No referido documento, o objetivo apresentado
era:
[...] fomentar o “Sistema Universidade Aberta do
Brasil - UAB”, que será resultante da articulação
e integração experimental de instituições de ensino
superior, Municípios e Estados, nos termos do
artigo 81 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, visando à democratização, expansão
103
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
e interiorização da oferta de ensino superior
público e gratuito no País, bem como ao
desenvolvimento de projetos de pesquisa e de
metodologias inovadoras de ensino,
preferencialmente para a área de formação inicial
e continuada de professores da educação básica.
(BRASIL, 2005, p. 1).
Gustavo Pires Guimarães (2007, p. 34) trata desse assunto,
argumentando que a construção do sistema UAB é, na realidade, um
reforço para que seja possível o alcance da meta descrita no Plano
Nacional de Educação (2001) de que 30% da população na faixa
etária de 18 a 24 anos de idade frequente a educação superior.
No quadro geral, o Sistema UAB conta com 92 instituições
de Ensino Superior credenciadas. Dentre elas, 49 universidades
federais, 27 estaduais e 16 Institutos Federais Tecnológicos 5, que
oferecem cursos diferenciados, conforme explicitado na Tabela 1, a
seguir.
5
Dados disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br/>. Acesso em: 21 fev. 2011
104
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Tabela 1 – Cursos diferentes ofertados pela UAB.
TIPOS DE CURSOS
NÚMERO DE CURSOS
LICENCIATURAS
45
BACHARELADO
8
ESPECIALIZAÇÃO
87
APERFEIÇOAMENTO
28
SEQUENCIAL
2
EXTENSÃO
17
MESTRADO
1
FORMAÇÃO
PEDAGÓGICA
4
TECNÓLOGO
12
TOTAL
204
FONTE: Quadro produzido por Neuza Antunes com base nos dados
disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2011.
São 204 cursos diferentes, sendo predominantemente
ofertados cursos voltados para a formação docente (cerca de 86%
dos cursos de graduação são de licenciatura). Destaca-se essa
informação porque se considera que a UAB cumpre hoje os objetivos
a que se propôs dentro da graduação, que eram, fundamentalmente,
de redesenhar o perfil do nível de formação para o magistério e dos
gestores públicos, ao menos em tese.
No ano de 2010 estudaram no Sistema Universidade Aberta
do Brasil cerca de 184.644 estudantes, distribuídos conforme
apresentado no Gráfico 01.
105
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
Gráfico 1 - Estudantes no sistema UAB, por modalidade, 2010.
FONTE: BIELSCHOWSKY, 2010, p. 22.
O Gráfico 1 reforça que os estudantes de cursos de
licenciatura são os de maior número (44%), ou seja, o foco do sistema
tem sido realmente a formação docente. Inclusive as ofertas de pósgraduação se centram nesse segmento, muito embora sejam ofertados
também cursos na área de gestão, informática e saúde.
O Sistema Universidade Aberta do Brasil oferta esses cursos
por meio das Instituições de Ensino Superior credenciadas, que
estendem sua atuação por meio da modalidade de Educação a
Distância e contam para isso com os polos de apoio presencial. São
atualmente 768 polos de apoio presencial credenciados, mas em
funcionamento são 5876, sendo distribuídos nas cinco regiões do país.
Conforme informado pela Coordenação de Infraestrutura da UAB,
os demais polos estão em processo de organização, dos quais alguns
foram avaliados pelo grupo de avaliadores do Sistema UAB e estão
nos trâmites finais para funcionamento e outros foram reprovados e
ainda estão se reestruturando.
6
Dados disponíveis em: <http://www.uab.capes.gov.br/>. Acesso em: 21 fev. 2011.
106
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Diante dessa observação de todo o Sistema Universidade
Aberta do Brasil (UAB), é inevitável a curiosidade sobre a origem
dos recursos e os valores aplicados para o desenvolvimento de um
projeto dessa abrangência em todo o território nacional.
Conforme exposto no Decreto nº 5.800,
Art. 6º As despesas do Sistema UAB correrão à
conta das dotações orçamentárias anualmente
consignadas ao Ministério da Educação e ao
Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação - FNDE, devendo o Poder Executivo
compatibilizar a seleção de cursos e programas
de educação superior com as dotações
orçamentárias existentes, observados os limites
de movimentação e empenho e de pagamento
da programação orçamentária e financeira.
(BRASIL, 2006, p. 2).
Assim, portanto, os recursos que dão sustentabilidade a todo
o sistema têm origem no Fundo de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), que é, na verdade, o grande gestor financeiro do Ministério
da Educação.
O FNDE é o responsável, dentre outras coisas, pelo
pagamento das bolsas dos integrantes do sistema, por meio do Sistema
Geral de Bolsas (SGB) e da distribuição dos recursos às universidades
credenciadas.
Os investimentos no Sistema Universidade Aberta do Brasil,
hoje projeto gestor do MEC no que diz respeito à expansão da
educação a distância, inclusive agregando outros projetos, como o
Pró Licenciatura, podem ser vistos na Tabela 02, a seguir.
107
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
Tabela 02 – Investimentos na UAB 2009-2010
ANO
2009
2010
DESCRIÇÃO
VALOR INVESTIMENTO
CUSTEIO
215 MILHÕES
BOLSAS
170 MILHÕES
CUSTEIO
399 MILHÕES
BOLSAS
TOTAL BIÊNIO
420 MILHÕES
R$ 1.204.000.000,00
FONTE: BIELSCHOWSKY, 2010, p. 18.
Esses são os valores investidos pelo governo federal, mas
não se pode deixar de observar que ainda há os gastos do poder
público responsável (municipal ou estadual) pelos polos presenciais,
ou seja, os custos para manutenção do Sistema Universidade Aberta
do Brasil ultrapassam as cifras mencionadas.
Antunes (2011), num levantamento de dados sobre os
recursos financeiros envolvidos na execução das ações do Sistema
Universidade Aberta do Brasil, concluiu que os gastos médios com
um estudante/ano de curso de especialização e graduação, tendo em
vista os gastos referentes ao governo federal somados aos
investimentos municipais e/ou estaduais, ultrapassaram R$ 7.200,00
no ano de 2010.
Diante deste valor, observa-se que os custos são inferiores
aos dos estudantes presenciais no ensino superior divulgados pela
Andifes (2011), valores que giram em torno de R$ 12.000,00. Fiuza
(2011) especifica ainda mais os custos por esfera administrativa:
R$16.616,00, na esfera federal; R$ 9.712,00 na esfera estadual; e R$
6.290,00 na esfera particular.
Nesses termos, percebe-se que os custos por estudante na
educação superior na Educação a Distância, mesmo considerandose os custos gerais de todos os agentes envolvidos, são ainda inferiores
108
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
aos custos da educação presencial. Muito embora os custos com
relação ao aluno da esfera estadual seja aproximado.
Pela lógica dos resultados, observa-se que o aluno à distância
no setor público tem um custo inferior ao aluno na rede particular, o
que mostra que a questão dos baixos custos da Educação a Distância
são questionáveis, porque na esfera privada os alunos apresentam
um custo de aproximadamente R$ 6.000,00 e nesse valor já está
embutido o lucro esperado por quem explora tal atividade.
Essa questão ainda deixa margem para uma série de estudos,
porque, se o baixo custo é o que se procura, os ganhos talvez não
estejam sendo compensatórios para o sistema público, principalmente
porque a média de investimento para este ano (2011) é de um bilhão
de reais (BIELSCHOWSKY, 2010), ou seja, aumentará ainda mais o
custo.
Não se pode, porém, deixar de tratar do aspecto de que, na
organização das atividades da Universidade Aberta do Brasil, há o
reaproveitamento da mão de obra já existente, e este fator gera aos
cofres públicos uma boa dose de economia, tendo em vista que um
professor que atende certo número de estudantes, por exemplo, na
modalidade presencial, nos cursos a distância (sendo pago pelo
sistema de bolsas), atenderá a um número bem maior de estudantes,
por um valor irrisório, sem ônus com encargos trabalhistas e nem
mesmo previdenciários.
Considerações Finais
A realidade atual ainda mostra uma grande necessidade de
oferecer acesso aos sistemas formais de ensino, pois motivos (como
situação socioeconômica, condições familiares, falta de oferta de
determinados níveis de formação ou de cursos na localização em
109
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
que vivem - localização geográfica, entre outros), dificultam ou
inviabilizam, de forma proibitiva, esse acesso. Considera-se que
muitas dessas razões que condenam o indivíduo a uma não
escolarização estão intimamente ligadas às relações sociais de
dominação e exploração dentro do liberalismo, tendo em vista que
as políticas educacionais postas em prática são constituídas dentro
desse contexto.
O discurso recorrente no sistema liberal é o de que se preza a
liberdade do indivíduo e que as oportunidades estão postas para todos.
Veja-se, no entanto, que somente cerca de 12% das pessoas, na faixa
etária entre 18 e 24 anos, frequentam a educação superior hoje no
Brasil. A questão é: - Será que, por liberdade de escolha? Ou por
fazer parte de um Estado burguês, discriminatório, onde se prega a
igualdade de oportunidades, enquanto desigualdades abissais ainda
assolam a sociedade?
O Estado, responsável legal pela oferta e gestão do processo
de educação formal do sujeito, não tem apresentado condições para
que todos realmente adentrem e tenham acesso à formação escolar.
Assim, sucessivos governos têm adotado medidas com a intenção de
corrigir os índices de acesso à escolarização e, ao que se percebe,
têm priorizado justamente o acesso educacional por meio da
Educação a Distância, conforme sugerido, inclusive, nos documentos
de acordos internacionais.
É importante destacar que não se questiona aqui se essa
modalidade é pedagogicamente eficiente ou não, mas de que maneira
as políticas educacionais a têm estabelecido e como têm feito uso
dela.
No histórico da educação brasileira inúmeras foram as
tentativas de criar novos caminhos ou de redimensionar o sistema de
ensino em busca do atendimento com qualidade e a todos os cidadãos.
110
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
Essas ações, fomentadas pelo Estado, foram orientadas por reformas,
reestruturações curriculares, metodológicas e por meio da inclusão
de novas tecnologias. Sobre essa questão, Mészáros (2008) destaca
que a educação tem sofrido com as visões reformistas, sem ter,
fundamentalmente, um resultado positivo que demonstre, em algum
aspecto, uma possível transformação da realidade social. Isso assim
é porque se entende que qualquer mudança na realidade educacional
também depende de uma transformação do quadro social no qual
ocorrem as práticas educativas, e o estado capitalista tem se esmerado
na promoção de mudanças para que tudo continue como está.
Assim, no Brasil, as reformulações educacionais não têm
atendido à necessidade de for mação dos indivíduos e/ou
transformação das relações sociais existentes, mas, sim, como
ferramentas das quais o próprio sistema eventualmente faz uso para
perpetuar a reprodução da ordem vigente, tendo-se claros os limites
da educação dentro de uma sociedade capitalista.
Muito se fala que a EAD é uma alternativa para a
democratização do acesso à educação em nível superior, mas discutese aqui se democratizar tão somente o acesso é o suficiente. Além do
acesso, há que se pensar em: democratizar o conhecimento; superar
o desequilíbrio entre o público e o privado; expansão e modernização
das universidades presenciais; incentivo à pesquisa e extensão;
aumentar o investimento público para o ensino superior; dentre tantas
outras coisas.
Não se trata, conforme já especificado, de afirmar que essa
modalidade é inferior ou superior, se atinge ou não os objetivos
educacionais necessários para a formação do cidadão, mas apresentar
os fatos de que as políticas vinculadas a seu processo de expansão
estão intimamente ligadas às questões econômicas.
111
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
A universidade é hoje desafiada por novas oportunidades
tecnológicas, novos recursos e ferramentas que podem, sim, enriquecer
sua atuação, mas entende-se que isso seja necessário em todas as
suas modalidades de educação e que a democratização verdadeira
ocorrerá quando todos tiverem acesso à escolha da modalidade que
melhor convier a cada um e não a “opção” única que o Estado tem a
oferecer.
A condução do processo de expansão da EAD no nível das
políticas educacionais, assim como tantas outras gerenciadas no poder
público, foi realizada de modo a atender necessidades de mercado,
vinculando novamente a atuação da universidade como formadora
de mão de obra, visão tão difundida no documento da Conferência
Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI, em consonância
com o discurso inerente ao sistema capitalista, no qual a escola está
a serviço do mercado. Em maior ou menor escala, essa visão tem
direcionado as políticas de EAD no Brasil.
Entende-se aqui que a mera adoção de uma “nova”
modalidade ou do uso de tecnologias não contribui, necessariamente,
para resolver os problemas educacionais, em especial do ensino superior. Apresenta, sim, uma melhoria nos números e índices, como
se obser vou nos dados relacionados ao funcionamento da
Universidade Aberta do Brasil em seu curto período de existência,
que fortalece a certeza de participação do país em financiamentos
externos e o cumprimento dos ditames internacionais, mas as
condições reais da oferta do ensino nas universidades não têm
recebido a mesma atenção, em termos de condições e recursos.
112
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
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113
Políticas públicas para a educação a distância no brasil: O sistema...
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114
NEUZA M. B. DE OLIVEIRA ANTUNES - ROBERTO A. DEITOS
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115
116
A POLÍTICA DE PESSOAL DA EDUCAÇÃO E OS
DESAFIOS DA PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO DOS PROFESSORES NA REDE
ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO
PARANÁ (1995-2002)
LUCIANE FRANCIELLI ZORZETTI MARONEZE
ÂNGELA MARA DE BARROS LARA
Introdução
Este capítulo 1 discute as configurações do trabalho dos
professores na rede estadual de educação básica do Paraná nas duas
gestões do governo Jaime Lerner, 1995-1998, pelo PDT/PR, e 19992002, pelo PFL/PR, tendo por base os elementos fundamentais que
incidiram em sua precarização. Para tanto, examina-se a política
educacional, delimitando sua articulação com as políticas de cunho
neoliberal e com os parâmetros de reestruturação produtiva que
emergiram nessa nova fase de reorganização capitalista.
Particularmente durante a última gestão de Lerner, o Paraná,
em consonância com os pressupostos neoliberais de reconfiguração
do Estado, aprovou um conjunto de reformas no quadro das políticas
sociais. No campo educacional, tais refor mas reduziram os
1
As reflexões trazidas neste artigo são resultantes de pesquisa desenvolvida na
dissertação de mestrado em Educação, realizada no período de 2009 a 2011, no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá,
sob orientação da Profª Drª Ângela Mara de Barros Lara.
117
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
investimentos e potencializaram um novo modelo gerencial, pautado
nos parâmetros de eficiência e racionalidade, típicos da nova ordem
produtiva. Como parte dessa lógica, a política de recursos humanos
sofreu alterações, os professores foram submetidos a uma série de
imposições que visaram desregulamentar os direitos, interferindo em
suas condições de vida e de trabalho.
Tratou-se, portanto, de estratégias que repercutiram nas
relações de trabalho, seja por meio do modelo de gestão educacional
adotado, que passou a exigir bons resultados, com a otimização dos
recursos e serviços existentes, seja pela política de recursos humanos,
proposta como parte dessa mesma lógica, sustentada na redução dos
investimentos e na imposição de novas formas de gestão da força de
trabalho.
A partir da compreensão de que os elementos que conformam
a precarização do trabalho do professor não se explicam apenas pela
interpretação da política educacional, o objeto de pesquisa foi
abordado no contexto histórico de sua produção, relacionado com as
questões econômicas, sociais, políticas e ideológicas que são
constitutivas dessa política. Assim, procurou-se apreender o fenômeno
da precarização no contexto da reestruturação capitalista – que assume particularidades no Brasil e no Estado do Paraná – e das
mudanças ocorridas nas políticas educacionais brasileiras após 1990.
Nos pressupostos das análises aqui mediadas, considera-se
que o trabalho docente, em suas dimensões contraditórias, vem sendo
perpassado por formas inerentes ao modo de produção capitalista.
Sua configuração expressa as tendências atuais desse estágio de
mundialização do capital, que revela as orientações neoliberais e traz
como desdobramentos a centralização do mercado, a retração do
Estado no gasto público e a inserção precária no universo do trabalho,
118
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
marcada fundamentalmente pela deterioração das condições de vida
dos trabalhadores.
O Trabalho no Capitalismo Internacional – apontamentos sobre
as novas conformações da precarização
As últimas décadas do século XX foram marcadas por várias
transformações nas relações sociais de produção, em face de uma
nova conjuntura histórica de crise do capitalismo. As novas estratégias
de regulação social, determinadas nesse contexto, ultrapassaram o
terreno econômico, dando um conteúdo novo às formas precárias de
organização do trabalho, que emergiram em bases mais complexas e
fragmentadas, destituindo os direitos sociais dos trabalhadores e suas
condições básicas de sobrevivência, frequentemente subordinadas
às situações de instabilidade e insegurança nas relações de trabalho.
Inserido nessa lógica, encontra-se o trabalho docente, que
não ficou imune a essas transformações. Pode-se afirmar que as novas relações sociais assumidas no contexto da mundialização
financeira do capital estabeleceram mudanças no campo da educação,
conformando um visível quadro de desvalorização e precarização
do trabalho, que se manifesta em consonância com o atual processo
de reestruturação do setor produtivo e de redefinição das formas de
intervenção do Estado.
A análise desse novo cenário de reorganização capitalista
sugere a necessidade de relacioná-la aos fatores mais gerais da crise
financeira, que se tornou mais evidente a partir da década de 1970,
inaugurando uma nova etapa da produção e acumulação do capital
em nível internacional.
Decorridos os trinta anos gloriosos de prosperidade econômica
nos países centrais, a fase próspera e expansiva que se estabeleceu
119
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
após a Segunda Guerra Mundial começou a apresentar sinais de
esgotamento, resultando em uma crise do sistema capitalista que,
segundo Alves (2009), adquiriu uma dimensão estrutural por produzir
mudanças qualitativamente novas em sua dinâmica.
Outros aspectos importantes da crise atual são discutidos por
Mészáros (2009, p. 65) ao salientar que a crise não se reduz a uma
questão política, pois ela envolve a totalidade das instituições
capitalistas de controle social. De acordo com o autor, o “[...]
crescimento e expansão são necessidades imanentes ao sistema de
produção capitalista, e quando os limites locais são atingidos não
resta outra saída a não ser reajustar violentamente a relação dominante
de forças”. Foi isso que o capital fez no final dos anos 1970, ou seja,
estabeleceu uma nova fase de desenvolvimento, capaz de recuperar
a competitividade do mercado mundial, sob o comando do capital
financeiro.
Paulani (2006, p. 72) argumenta que essa nova fase foi
marcada pelos seguintes aspectos:
[...] exacerbação da valorização financeira, pela
retomada da força do dólar americano como
meio internacional de pagamento, pela
intensificação, em escala ainda não vista, do
processo de centralização de capitais e pela
eclosão da terceira revolução industrial, com o
surgimento da chamada ‘nova economia’.
Segundo a autora, um dos elementos necessários para que o
capital pudesse funcionar adequadamente nessa fase foi sua liberdade
de ir e vir. Os obstáculos à sua valorização e mobilidade deveriam
ser enfrentados para não colocar em risco seu poder hegemônico.
Isso explica a importância das políticas de liberalização e
120
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
desregulamentação dos mercados, expressa por meio da difusão do
ideário neoliberal que possibilitou ao Estado atuar no sentido de
restringir os direitos sociais e viabilizar as condições para que o capital organizasse um novo sistema de regulação da força de trabalho e
da produção.
Nas palavras de Chesnais (2005, p. 35): “Esse capital busca
‘fazer dinheiro’ sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de
empréstimos, de dividendos e [...] de lucros nascidos de especulação
bem-sucedida”. O capital se valoriza sem ter a mediação da produção
de mercadorias, em outras palavras, trata-se de uma lógica econômica,
em que ‘[...] o dinheiro entesourado adquire, em virtude de
mecanismos do mercado secundário de títulos e da liquidez, a
propriedade ‘miraculosa’ de ‘gerar filhotes’” (CHESNAIS, 2005, p.
50).
Não obstante as novas formas de reprodução do capital e
com predomínio dos investimentos financeiros, a mundialização,
como uma nova dinâmica da acumulação capitalista, veio
acompanhada também da reestruturação produtiva e da ideologia
neoliberal, que, segundo Netto e Braz (2007), representa o tripé sobre
o qual se apoiam as estratégias de restauração do capital.
Para recuperar seus patamares de produção existentes no
período anterior, em especial no período pós-guerra, o capital não
poderia fazê-lo somente por meio da organização de um sistema
financeiro. Como movimento intrínseco a este, era preciso adquirir
legitimação política e, concomitantemente, reestruturar suas bases
produtivas para atender aos imperativos de uma nova ordem social,
que aspirava pela modernização do mercado e por formas mais
flexíveis de organização da produção, do mercado e do trabalho.
Se, nos anos gloriosos, o capital impulsionou sua expansão
pela via produtiva do fordismo e pela política de bem-estar social,
121
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
promovendo alguns saltos em relação às políticas sociais e aos direitos
dos trabalhadores, sob a vigência de novas determinações sóciohistóricas, mediadas pela reestruturação produtiva e pelo toyotismo2,
o capital encontrou um novo padrão produtivo e tecnológico,
estabelecendo uma nova dinâmica no interior do processo de trabalho.
Entretanto, para que tivesse êxito nessa nova investida, foi preciso,
além das condições objetivas, reforçar, num movimento paralelo, as
condições subjetivas, obtendo maior consenso dos trabalhadores
frente às condições desfavoráveis impostas à venda de sua força de
trabalho.
O neoliberalismo ressurgiu como a ideologia própria para
atender aos imperativos dessa fase do capital, possibilitando o
deslocamento de um padrão de acumulação rígido, centrado na base
taylorista-fordista, para um sistema fundamentado na flexibilidade
dos padrões de consumo e de trabalho. Como salienta Antunes (2003,
p. 119), “[...] a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam
cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas
formas do trabalho parcial”. Nesse contexto, assiste-se à redução
dos empregos formais ou permanentes e ao predomínio dos regimes
e contratos de trabalho parcial e temporário em regime de
terceirização, revelando-se em formas cada vez mais precarizadas de
trabalho.
2
O toyotismo fundamenta-se basicamente na otimização do tempo de produção, de
modo a atender às demandas individualizadas do mercado consumidor. As empresas
adotam um sistema mais horizontalizado, que permite maior envolvimento do
trabalhador no processo produtivo e, ao mesmo tempo, emprega métodos mais
flexíveis, favoráveis à desregulamentação das relações de trabalho, que permitem absorver
e descartar facilmente a mão de obra e, concomitantemente, exercer uma ação coercitiva
que se manifesta por meio de políticas de avaliações e interiorização das regras
empresariais.
122
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
É importante destacar que, no estudo sobre a precarização
do trabalho, outros termos similares (como trabalho precário,
precariedade e precarização) são utilizados, frequentemente, como
expressões de um mesmo fenômeno. Entretanto, para melhor
apreensão dos termos empregados na delimitação deste estudo, tornase pertinente esclarecer os elementos que lhe conferem especificidade,
justamente para evitar a ocorrência de análises e interpretações
equivocadas sobre o assunto.
Alves (2007, p. 115) esclarece que a precarização refere-se
ao modo como a precariedade se repõe sócio-historicamente, ou seja,
traduz a dimensão histórica estabelecida pela luta de classe e pela
correlação de forças políticas entre capital e trabalho. Nas palavras
do autor, “[...] a precarização é um processo social de conteúdo
histórico-político concreto, de natureza complexa, desigual e
combinada, que atinge o mundo do trabalho, principalmente setores
mais organizados da classe do proletariado”.
Como elemento vinculado à categoria trabalho, em sua forma
abstrata, a precariedade e a precarização expressam as condições
sócio-históricas de reprodução do capital, que, nas últimas décadas
do século XX, com o novo modelo de reorganização do capital,
assumem uma forma mais ofensiva, principalmente com a retomada
do pensamento neoliberal que prega o desmantelamento da legislação
social e de políticas voltadas à defesa e proteção dos direitos sociais.
Essas mudanças que demarcaram o capitalismo
contemporâneo têm apontado para uma perversa lógica de exclusão,
num processo que ressignifica os espaços laborativos e de
qualificação, desafiando, constantemente, o mundo do trabalho.
Kuenzer (2004) salienta que as últimas décadas do século passado e
início deste foram marcados por um processo de intensificação e
exploração que se acentuou no chamado setor de serviços, onde se
123
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
incluem a educação, a saúde e os profissionais liberais. De acordo
com a autora, esses serviços, seja para uso público ou para o capitalista,
foram “[...] forçados a se reorganizar para serem competitivos e
assegurarem acumulação, [...] combinaram complexificação
tecnológica com redução de força de trabalho, [...] além de
mecanismos de descentralização, em particular, a terceirização”
(KUENZER, 2004, p. 243).
Compreende-se que esses serviços foram submetidos ao
processo de reestruturação produtiva. No que tange especificamente
à educação e ao trabalho docente, as mudanças estabelecidas pelo
novo modelo de acumulação expressaram complexas e contraditórias
relações dentro de uma lógica marcada pela “sociabilidade
produtiva”3, cujo objetivo era, e ainda é, a manutenção das margens
de lucro e acumulação do capital.
Como expressão das novas configurações gestadas pelo capital financeiro, a sociabilidade estabelecida na esfera do mercado
anunciou novos parâmetros de organização do trabalho docente que,
a exemplo de outras categorias profissionais, foram submetidos às
determinações que conformam à exploração capitalista do trabalho.
Em outros termos, os profissionais docentes ganharam visibilidade
dentro da nova ordem social, sendo ajustados ao novo modelo
produtivo para o capital consensuar suas estratégias de valorização,
3
No livro Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico, Siguissardi
e Silva Júnior (2009, p. 47) destacam que a nova lógica empreendida na universidade
estatal, que se mercantiliza com base na institucionalização dos serviços não exclusivos
do Estado, acaba por produzir o professor dotado de uma “sociabilidade produtiva”.
Os autores referem-se a esse termo para expressar a nova forma de ser do professorpesquisador e do cidadão, que, a partir das novas formas de exploração da mais-valia
relativa e absoluta, leva o professor-pesquisador a formas mais intensificadas de
exaustão, com a exigência crescente de pesquisas e produções que correspondam a
“padrões de qualidade”.
124
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
estabelecendo a formação do trabalhador adequado ao novo
paradigma produtivo.
Ao analisar as atuais configurações do trabalho e da produção,
é importante destacar que as mudanças desencadeadas nesse campo
não são feitas igualmente em todo o globo. Da mesma forma, os
trabalhadores não foram afetados por mudanças homogêneas. A
reestruturação produtiva conduzida em combinação com a política
neoliberal não ocorreu igualmente em todos os países. Essa
compreensão coloca a importância de examinar as especificidades
que assumiram no Brasil nos anos de 1990, visto que, embora se
reconheça que os efeitos sociais dessa política adquiriram uma
dimensão mundial, afetando inclusive os países centrais, foram os
países pobres que mais sofreram com a implementação de tais ajustes.
As Perspectivas do Trabalho Face à Reorganização do Estado
Brasileiro
No cenário de mundialização do capital, os programas de
ajustes neoliberais acentuaram a dependência externa dos países
periféricos, reduzindo sua autonomia política, com retrocesso nas
conquistas sociais e sindicais e aprofundamento das dimensões da
precarização do trabalho. Nesse contexto, o Brasil respondeu
adequadamente às exigências de inserção nos novos modelos
requeridos pelos países centrais, com a reconfiguração do Estado e a
ofensiva das políticas por eles implementada.
Com a forte recessão que se instalou mundialmente em
meados da década de 1970, pode-se afirmar, em linhas gerais, que o
Brasil, para renegociar sua dívida externa, recorreu a empréstimos
das agências financeiras multilaterais – Banco Mundial (BM) e Fundo
Monetário Internacional (FMI) – e, como contrapartida, teve que
125
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
aderir às reformas estruturais de cunho neoliberal, apoiadas na defesa
de um Estado atuante em benefício do setor econômico.
Foi com esse objetivo que o país, sobretudo no governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC), se dispôs a empreender uma
luta ideológica contra os direitos sociais, apresentando-os como
privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico. Sendo assim,
aprovou várias medidas com o intuito de desregulamentar a
economia, flexibilizar a legislação do trabalho, privatizar empresas
estatais, reduzir os gastos públicos e promover a abertura do mercado
para a entrada de investimentos transnacionais (SILVA, 2003).
Como parte intrínseca do processo de reformulação do
Estado, o mercado de trabalho assumiu novas dimensões. O governo
promoveu reformas trabalhistas, objetivando adequar as condições
de trabalho às necessidades do atual estágio de acumulação de capital. Sendo assim, incentivou a desestruturação do mercado de
trabalho, que se acentuou nos anos de 1990 e avançou ao longo do
século XXI, atingindo o conjunto de trabalhadores, incluindo aqueles
do setor público/estatal, cujos empregos representam uma parcela
expressiva do mercado de trabalho.
Nesse período, diversas mudanças foram introduzidas na
legislação trabalhista brasileira, a exemplo da Lei do Trabalho
Temporário, que foi aprovada em 1998, constituindo, na perspectiva
de Alves (2005), em um novo arcabouço jurídico-institucional de
regulação do trabalho precário, capaz de promover a flexibilidade
dos contratos e o processo de terceirização, como forma de possibilitar
maior “liberdade” nas negociações entre patrão e empregado.
Evidenciando essas tendências, que conferem ao mercado
maior liberdade de dispor do controle da força de trabalho, Mony e
Druck (2007) advertem que, no Brasil, o debate acerca da
precarização do trabalho está relacionado ao processo de terceirização,
126
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
que se tornou mais evidente nos anos de 1990 com a retomada do
projeto neoliberal. Segundo as autoras, esse fenômeno deve ser
compreendido:
[...] como processo social constituído pela
ampliação e institucionalização da instabilidade e
da insegurança, expressa nas for mas de
organização do trabalho – onde a terceirização/
subcontratação ocupa um lugar central – e no
recuo do papel do Estado como regulador do
mercado de trabalho e da proteção social através
das inovações da legislação do trabalho e
previdenciária (MONY; DRUCK, 2007, p. 30).
Com base nas proposições dos autores, percebe-se que a
terceirização, aliada a outras formas de precarização do trabalho,
constituiu-se no traço característico das mudanças operadas na
organização da força de trabalho. Nesse processo, o Estado atuou
fortemente, não intervindo na regulamentação das leis de proteção
ao trabalho, propondo a retomada de antigas modalidades de
terceirização e inserindo outras novas, como forma de intensificar a
precarização, reduzindo os encargos sociais.
Esse quadro é também apontado por Pochmann (2006), que
destaca que, desde 1990, o Brasil vem se mostrando atuante no
projeto de inserção competitiva na economia global. O novo modelo
econômico, marcado pela abertura comercial, com maior
endividamento externo, juros elevados e reformulação do setor
público, vem impondo um movimento de desestruturação do mercado
de trabalho, com o aumento do desemprego e a diminuta geração de
postos de trabalho.
127
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
Para exemplificar essa situação, o autor divulga dados
relevantes ao destacar que, em 2000, a taxa de precarização dos postos
de trabalho ultrapassou os 40% do total de ocupação nacional. Até a
década de 1970, o número de empregos com registro formal crescia
relativamente, entretanto, a partir dos anos de 1980, houve um
aumento da presença do emprego sem carteira assinada, significando
a ausência dos tradicionais direitos sociais e trabalhistas.
De forma sintetizada, pode-se afirmar que, no contexto da
economia brasileira, articulada aos ajustes neoliberais implementados
nos anos de 1990, o mercado de trabalho foi palco de grandes
transformações. O Estado brasileiro recuou nas suas intervenções,
desmantelando os direitos sociais por meio de reformas que
acentuaram a desvalorização e a fragmentação da força de trabalho e
que, ao mesmo tempo, agregaram, no domínio da produção, novas
estratégias ideológicas, que reforçaram o compromisso com os
objetivos da empresa, enfraquecendo as iniciativas políticas
organizadas em torno da defesa dos direitos e proteção social dos
trabalhadores.
Iniciativas Aplicadas à Educação e ao Trabalho Docente
Analisando as recentes mobilizações ocorridas no campo das
políticas sociais, percebe-se que, num movimento articulado com a
reestruturação do mercado de trabalho, o Estado desempenhou um
papel de protagonista, visto que, atrelado à reconfiguração de suas
funções, impulsionou mudanças nas relações de trabalho e atuou
fortemente no desmantelamento das políticas sociais, suprimindo os
direitos e aprofundando as precárias condições de vida da maioria da
população.
128
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
No campo educacional, as principais orientações aos países
periféricos foram conduzidas no sentido de adequar o sistema de
ensino às orientações de reforma do Estado, fazendo da educação
um campo auxiliar frente aos desafios colocados ao desenvolvimento
da economia mundial (HADDAD, 2003).
Apoiado no diagnóstico da crise do sistema educacional,
expressa na falta de qualidade e ineficiência dos serviços oferecidos,
os governos brasileiros, sobretudo os de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), apresentaram as reformas como caminho para resolver
os problemas de insuficiência no atendimento, da necessidade de se
universalizar a educação básica e atender às novas demandas
econômicas impostas pela reestruturação capitalista (OLIVEIRA,
2001).
O governo afirmava que o problema não estava na falta de
recursos, mas, na ineficiência de sua aplicação. Diante disso, conferiu
importância à introdução de novas for mas de controle e
gerenciamento do ensino, requisitando novas funções aos
trabalhadores docentes, adequadas às relações sociais produtivas
expressas no âmbito da reforma neoliberal do Estado e da educação.
As propostas convergiram na redução de investimentos, na
ampliação das parcerias com a iniciativa privada e na incorporação
da lógica mercantil na gestão escolar e, nesse ponto, o receituário
formulado pelas organizações internacionais como Banco Mundial,
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e Comissão Econômica para América Latina e
Caribe (CEPAL) foram fundamentais.
Tais organizações exerceram influência expressiva nos rumos
da política educacional brasileira desencadeada nos anos de 1990,
estabelecendo novos consensos diante dos ajustes neoliberais e
ajustando-a aos novos padrões de reorganização capitalista. Nos
129
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
documentos analisados, percebe-se que, apesar de as organizações
possuírem funções específicas, os discursos sobre a educação e o
papel atribuído aos docentes são muito próximos e evidenciam as
metas de orientação política recomendadas aos países, associada à
redução dos gastos com educação e com as estratégias de articulálas aos interesses do mercado.
Tendo em mente que os países em desenvolvimento recebem
influências externas, mas também não deixam de incluir seus
interesses políticos na definição de projetos demandados na área,
muitas ações implementadas no campo educacional foram marcadas
pelo caráter verticalizado, sem contar com a participação das
instâncias de representação dos educadores.
Silva Júnior (2002) comenta essa questão ao afirmar que,
antes mesmo de FHC assumir o governo, no mandato de Itamar
Franco, foi elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos, em
1994, e apresentado aos professores e dirigentes escolares com total
ausência de uma discussão coletiva que envolvesse outras instâncias
que vinham refletindo sobre os rumos da educação brasileira.
De acordo com Oliveira (2000), o Plano Decenal estabeleceu
as diretrizes que nortearam a política educacional na década de 1990,
com o objetivo de ampliar e racionalizar os recursos destinados à
educação. Sua preocupação incluiu uma série de mudanças que
abrangiam as várias dimensões do sistema de ensino, como legislação,
financiamento, avaliação, planejamento, gestão educacional,
currículos, entre outras.
A intenção no encaminhamento dessas mudanças foi priorizar
a racionalização dos gastos, com uma política focalizada na atenção
mínima. Se o modelo produtivo se impõe mediante bases mais
flexíveis para atender às necessidades de eficiência e racionalidade
130
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
do mercado, os programas de ajustes neoliberais, dentre eles o da
educação, explicitam novas tendências que traduzem essa lógica, ou
seja, propagam novas regulações, submetendo as várias dimensões
do sistema de ensino ao modelo gerencial destinado a elevar o padrão
competitivo, eficiente e produtivo da educação.
Na combinação de formas mais flexíveis entre a gestão do
ensino e a regulação do trabalho, os docentes foram afetados por
relações cada vez mais precárias e fragmentadas, que interferiram
em suas manifestações críticas, contribuindo para um posicionamento
de apenas adaptar-se às modificações.
Entende-se que a reforma educacional expressou-se, ainda,
pela reformulação da política educacional, que passou a assumir um
direcionamento alinhado às tendências modernizantes, típicas da
política de cunho neoliberal. Como destaca Melo (2008), a partir da
legislação aprovada no âmbito das reformas educacionais dos países
em desenvolvimento, os sistemas de ensino sofreram transformações,
e uma característica marcante que emergiu desse processo foi uma
ampliação do trabalho docente para além da sala de aula e das
atividades a ela correlatas.
A legislação produzida nesse período estabeleceu diretrizes e
metas que orientaram a implementação da política educacional em
todo o território brasileiro e direcionou a execução de planos e
programas educacionais adequados à realidade de cada Estado. O
Paraná, a exemplo de outros Estados – como Minas Gerais e São
Paulo –, realizou, de forma expressiva, a difusão de políticas
comprometidas com os processos de reformas em todos os setores
sociais. No âmbito da educação, como exposto no item abaixo,
131
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
estabeleceu-se um novo desenho com a intenção de consolidar as
mudanças institucionais e administrativas contempladas nos
programas de reforma em curso.
A Política de Recursos Humanos da Educação e os
Mecanismos de Precarização do Trabalho dos Professores na
Gestão do Governo Jaime Lerner
Numa incursão histórica sobre o período governado por Jaime
Lerner, pode-se afirmar que, embora tenha passado quase uma década
de sua última gestão, concluída em 2002, as marcas de seu governo
foram expressivas, difíceis de não serem lembradas pelo seu aspecto
político neoliberal e inexorável perante as políticas sociais e os
interesses dos trabalhadores em geral. Apesar de governos anteriores
já demonstrarem algumas iniciativas em consonância com as
estratégias internacionais de reorganização do capital, foi no período
governado por Jaime Lerner que o Paraná realizou, de forma mais
expressiva, a difusão de políticas comprometidas com os processos
de reformas em todos os setores sociais.
No campo educacional, as propostas e as metas anunciadas
visavam instrumentalizar o ensino com base na lógica e nos princípios
empresariais. Nesses termos, o trabalho dos professores foi afetado
por uma série de exigências e imposições, que incidiram na
desregulamentação dos direitos sociais, sobretudo com a política de
redução dos gastos públicos, que, além de comprometerem a qualidade
do ensino, tornaram aviltantes suas condições de vida e de trabalho.
4
Entre as medidas governamentais, destacam-se aquelas anunciadas em planos,
programas, projetos desenvolvidos ao longo das duas gestões, como o Plano de Ação,
da Secretaria de Estado da Educação de 1995, Programa de Qualidade no Ensino
Público no Paraná – PQE e Programa de Expansão, Melhoria e Inovação do Ensino
Médio – PROEM.
132
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
O governo, por meio da Secretaria de Estado da Educação –
SEED, divulgou, nesse período, uma série de medidas governamentais
que enfatizava a modernização como fator indispensável para superar
as deficiências e defasagens do ensino. Tais medidas4 tiveram, como
base, os pressupostos das agências internacionais e da reforma política
e econômica do Estado brasileiro, adequando a educação aos
parâmetros competitivos delimitados pelo mercado. Sob essas
orientações, potencializou-se a fragmentação e a deficiência do
sistema de ensino, tornando expressivas as mudanças que acentuaram
sua precarização.
Estudos elaborados sobre o período, como Hidalgo e Silva
(2001), Nogueira (2001), Silva (1998), revelam evidências de
elementos comuns na política educacional, destacando, entre outros
aspectos, uma nova perspectiva gerencial, capaz de interferir na
organização administrativa e pedagógica das escolas, viabilizando as
condições necessárias para obter bons resultados mesmo com a
escassez de recursos.
Esse novo modelo gerencial foi proposto a partir de um elenco
de documentos formulados e gerenciados pela SEED. Logo no
primeiro ano de governo, a equipe técnica da SEED-PR publicou
um documento intitulado Plano de Ação da Secretaria de Estado da
Educação (PARANÁ, 1995), apresentando propostas inovadoras,
com a perspectiva de alçar a educação a um patamar de excelência
na qualidade.
As particularidades da política educacional assumida pela
SEED e as estratégias por ela implementadas, além de fortalecer, no
plano ideológico, o receituário dos programas de qualidade total,
mobilizou a subjetividade dos professores para que aderissem ao novo
formato de organização escolar, caracterizado pelos aspectos
administrativos e gerenciais.
133
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
Inserido nesse processo, o trabalho docente foi reconhecido
como mais um componente a ser ajustado às novas e precárias
perspectivas educacionais. Se a otimização de recursos era uma das
metas perseguidas, isso implicava otimizar, inclusive, os recursos
humanos. Como preconiza Silva, I. L. F. (2001, p. 154), a busca da
excelência nas escolas implicou uma política de recursos humanos
que flexibilizou os direitos conquistados nas décadas anteriores.
A contratação de professores e funcionários pelas
escolas, a partir de 1995, já indicou o sentido que
esse governo pretendia dar à administração dos
recursos humanos, ou seja, redimensionar as
relações trabalhistas e educacionais dos
professores e funcionários e o Estado, além de
redimensionar o papel do Estado quanto à gestão
dos recursos humanos.
Para legitimar e dar suporte a essa nova forma de regulação
do trabalho, explicitada no modelo de gestão preconizado pela SEED
e materializado nos programas por ela implementados, o governo
criou uma agência social autônoma, denominada de Paranaeducação,
como uma nova institucionalidade configurada no campo do setor
público não estatal. Propôs a tentativa de um Plano de
Desenvolvimento de Pessoal e, já no final de sua gestão, emitiu o
Decreto nº 5.546/2002 (PARANÁ, 2002), concedendo gratificação
especial por assiduidade.
Sem pretender dar conta de todas as questões que incidiram
na política de recursos humanos da educação, a análise de alguns
aspectos é fundamental para compreender sua configuração. Esses
mecanismos, definidos no bojo da política de recursos humanos,
134
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
estabeleceram novos parâmetros de regulação do trabalho docente,
exigindo um profissional totalmente disposto a se comprometer com
os valores institucionais calcados nas práticas individuais,
competitivas e no trabalho intensivo.
O Paranaeducação, como instituição de natureza privada, foi
estabelecido por convênio de cooperação entre a Secretaria de Estado
da Educação (SEED), tendo, em seu estatuto, aprovado pelo Decreto
nº 4.002/1998, a autonomia administrativa e financeira para gerir os
recursos públicos na área da educação, gerenciar os recursos humanos
e subsidiar nas questões institucionais, administrativas e pedagógicas
das unidades escolares (PARANÁ, 1998a, p. 1). No artigo 1º do
referido decreto, a instituição explicita sua finalidade:
[...] auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de
Educação, através da assistência institucional,
técnico-científica, administrativa e pedagógica, da
aplicação de recursos orçamentários destinados
pelo Governo do Estado, bem como da
captação e gerenciamento de recursos de entes
públicos e particulares nacionais e internacionais.
(PARANÁ, 1998a, p. 1).
Com a implantação desse serviço, o governo objetivava
‘melhorar a gestão educacional’, abrindo canais menos burocratizados,
mais eficientes e flexíveis para administrar os recursos públicos. Com
tal justificativa, os problemas educacionais foram explicados com
base na ineficiência de um modelo institucional arcaico e burocrático,
o qual servia tanto para difundir o consenso em torno da privatização
do ensino público quanto para encobrir que as causas de tais
problemas estavam nas contradições produzidas pelo próprio
135
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
desenvolvimento capitalista. Dessa lógica, derivou-se o entendimento
das questões concernentes à precarização do sistema educacional e
das condições de trabalho docente, restrito ao aspecto gerencial e ao
âmbito das iniciativas individuais.
No Primeiro Congresso Estadual dos Trabalhadores em
Educação do Paraná, a APP-Sindicato questionou o verdadeiro
propósito desse serviço, evidenciando que, em muitas das ações da
SEED, foi possível observar a tendência do governo à privatização,
entretanto nenhum deles foi tão expressivo quanto o Paranaeducação,
que praticamente privatizou a SEED. Os professores passaram a ser
contratados não mais por concursos públicos, mas por trabalho
temporário, sem vínculos diretos com o Estado, embora os gastos
sociais fossem mantidos com recursos oriundos dos cofres públicos.
É importante destacar que a implantação do Paranaeducação
não foi o ponto de partida para o estabelecimento dos regimes
temporários de contratação. Desde 1995, o governo Lerner já vinha
praticando essa política com a abertura de testes seletivos por tempo
determinado, sob a coordenação da própria SEED. Em 1997, com a
criação do referido serviço, os professores continuaram sendo
contratados pelo regime CLT, entretanto com o diferencial de as
contratações serem efetivadas por tempo indeterminado. Nesse
processo, o Paranaeducação descentralizou a seleção de professores
para as escolas, competindo a elas nomear o conselho escolar como
órgão encarregado de avaliar os educadores, com poder, inclusive,
para demiti-los.
Ainda que resultasse em maior ônus aos docentes e demais
trabalhadores da educação, a SEED enfatizava, em seus argumentos,
a confiabilidade de ter uma empresa como o Paranaeducação para
gerenciar os serviços educacionais. Com esse discurso ideológico e
mistificador da realidade, encobria as reais intenções, não revelando
136
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
que o objetivo principal de toda e qualquer empresa está na obtenção
de lucros e na exploração da força de trabalho.
As evidências de precarização do trabalho docente se fez
perceber também por outros condicionantes que, a exemplo das
formas de contratação, fizeram parte das propostas do governo para
redimensionar a política de recursos humanos. Mediados nesse
contexto, a pretensão de estabelecer o PLADEPE5 representou mais
uma tentativa do governo em viabilizar a política de
desregulamentação do trabalho. Os professores que ainda contavam
com uma estrutura de cargos e salários estabelecida desde 1976,
alterada em anos posteriores, teriam, segundo o governo, a
possibilidade de ter o Estatuto do Magistério atualizado em
consonância com os novos princípios da LDB.
No documento que apresenta o esboço da versão preliminar,
divulgado em setembro de 1998, a equipe da SEED, responsável
por sua formulação, anunciava as mudanças no plano de carreira,
com posicionamento favorável à descentralização dos concursos e à
centralidade no regime jurídico celetista. Em suas quatro páginas, o
documento apresenta, de maneira sintetizada, os principais aspectos
concernentes à carreira docente: pré-ingresso, ingresso, carreira,
avaliação de desempenho, remuneração, incentivos, aprimoramento,
ambiente e condições de trabalho (PARANÁ, 1998b). Tendo como
princípio básico a “preservação dos direitos adquiridos pela
5
O Plano de Desenvolvimento do Pessoal da Educação- PLADEPE foi uma tentativa
do governo em estabelecer uma estrutura de cargos e salários para os
professoresvinculados a rede estadual de educação básica do Paraná. No levantamento
bibliográfico, o acesso à versão preliminar do documento foi obtido em contato com
a APP-Sindicato. Nele, os aspectos concernentes à carreira docente são tratados de
forma geral, não explicitando as questões que incidem diretamente na melhoria das
condições de trabalho.
137
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
categoria”, explicita, de um lado, seus valores políticos e ideológicos
para encobrir, de outro, a política favorável à implantação da reforma
administrativa, condizente com os valores mercadológicos,
justificando a redução dos custos do trabalho como uma exigência
natural ao processo de modernização do Estado e de reorganização
do capital.
Quanto ao ambiente e condições de trabalho, definidas no
documento, não há propostas concretas sobre o assunto. Limita-se à
explicitação do tempo mínimo exigido para a experiência docente, a
qualificação mínima para o exercício da atividade de magistério e o
período de férias. Não abrange outras questões que são essenciais
para a satisfação das condições de trabalho, como: serviços de apoio
aos professores e à escola, materiais didáticos, infraestrutura das
escolas, etc.
Apesar dos argumentos e das estratégias do governo para obter
a concordância da categoria ante as prioridades elencadas na
implementação da carreira docente, o PLADEPE teve uma rejeição
muito forte por parte dos trabalhadores, que, organizados
sindicalmente, recusaram sua aprovação. A construção do novo plano
de carreira manteve-se engavetado pelo governo e os professores, ao
longo das duas gestões, continuaram tendo sua estrutura de carreira
regulada pelo Estatuto do Magistério, instituído em 1976.
Obviamente, essa estrutura foi alterada nos anos de 1980 e 1990,
entretanto não avançou no sentido de propiciar melhorias nas
condições de trabalho e na valorização da carreira e, no momento
em que um novo plano poderia ter sido implementado, sobretudo
com a criação do FUNDEF (Lei Federal nº 9.424/1996), um novo
modelo institucional ganhou impulso nos órgãos públicos, adequando
as relações de trabalho às exigências de modernização estatal, como
discutido anteriormente.
138
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
Nesse quadro, percebe-se que, consoante as medidas que
visavam maximizar os recursos dirigidos à educação, prezando a
relação custo-benefício, estavam aquelas que tornavam as condições
de trabalho docente cada vez mais per meáveis às relações
produtivistas, tanto no plano objetivo, com as práticas de incentivo
aos contratos temporários, a falta de uma política de plano de carreira,
o baixo investimento no setor e a sobrecarga de trabalho, quanto no
plano subjetivo, com novas formas de consentimento social, que
reforçavam os valores individuais e competitivos, contrapondo-se
ao posicionamento crítico, numa tentativa de submeter cada vez mais
o trabalho docente às variações do mercado.
As propostas executadas pela SEED, longe de garantir os
direitos sociais dos professores, limitavam-se a políticas
compensatórias que cumpriam o importante papel de encobrir o
caráter ofensivo das ações. Desse modo, a exemplo das propostas de
desregulamentação do trabalho, o governo criou o Decreto nº 5.546/
2002, que concedia gratificação especial por assiduidade a todo
funcionário publico efetivo. No caso específico dos professores, assim
como de outros trabalhadores do setor público, a lei não incluía os
celetistas, não era incorporada ao salário e não contava para fins de
contribuição previdenciária. Tratava-se de ‘compensar’ possíveis
prejuízos, evitando o absenteísmo de muitos professores que se
ausentavam em decorrência dos problemas de saúde, agravado, muitas
vezes, em razão das péssimas condições de trabalho.
Junto com esse entendimento é possível inferir que as
mudanças nas relações de trabalho propostas pelo governo Lerner
tinham os objetivos claros de acompanhar as tendências atuais de
organização do capital, aplicando, na prática, as medidas liberais no
sentido de fazer com que os professores, assim como os demais
trabalhadores do setor público, trabalhassem mais, mesmo sob as
139
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
condições adversas e precarizadas.
Numa perspectiva complementar a essa tendência destrutiva
dos direitos sociais, estendida também sobre o movimento sindical,
o governo Lerner, ao longo das duas gestões, propalou a valorização
dos professores como fator preponderante na consecução das metas
de reforma educacional. Tal valorização, engendrada nas propostas
de inspiração liberal, apresentou um caráter essencialmente
contraditório, limitada a adequar as condições de trabalho e vida dos
trabalhadores docentes aos valores econômicos e à sociabilidade
produtiva, postas no atual estágio do capitalismo.
Considerações Finais
Analisando algumas das características gerais da sociedade
capitalista e com um olhar mais atento à sua fase contemporânea, é
possível compreender que é na forma do trabalho precário que o
capital, em sua composição orgânica, mantém os interesses
hegemônicos de sua acumulação.
Nessa nova ordem social, com o deslocamento de um padrão
rígido para um sistema de acumulação flexível, que preconiza a
modernização do mercado e a emergência das inovações tecnológicas,
impôs-se as novas formas de regulação do trabalho e da produção,
que se manifesta por meio da instabilidade, do incentivo aos contratos
parciais e da ofensiva contra o movimento dos trabalhadores,
entendido aqui, na expressão de Antunes (2003), como classe-quevive-do-trabalho.
Dentro desses novos padrões de organização do trabalho,
verificou-se que a vida dos trabalhadores tem sido fortemente
impactada pela destituição dos direitos sociais e das próprias
140
LUCIANE F. ZORZETTI M. - ÂNGELA M. DE BARROS LARA
condições básicas de sobrevivência. Desse contingente fazem parte
os trabalhadores docentes que, assim como qualquer outro tipo de
trabalho, vêm enfrentando situações adversas, particularmente com
a política neoliberal de Estado, que, na defesa dos interesses da
reprodução do capital, propaga a mínima inter venção nos
investimentos educacionais.
Mediado nesse contexto, o Paraná, nos anos de 1990,
despontou no cenário nacional realizando mudanças em sua economia
de modo a tornar o estado mais competitivo e em condições de
absorver as demandas da reestruturação produtiva. No governo
Lerner, observou-se que essas medidas se acentuaram, sobretudo
com as reformas institucionais e administrativas, que ganharam
contornos particulares, convergindo com o modelo de gestão pública
reformulada pelo Estado.
No campo educacional, o governo impôs uma série de ações
que incidiram na reconfiguração do ensino e do trabalho docente,
acentuando o processo de precarização. Nesses termos, enfatizou a
flexibilização e a lógica privatista, além de submeter escolas e
professores à difícil tarefa de obter a máxima eficiência dos resultados
com uma política voltada à redução dos gastos sociais.
A implantação do Paranaeducação e a tentativa de instituir o
PLADEPE evidenciam essas intenções, visto auxiliarem na
legitimação dos contratos temporários, subordinando os professores
a uma política marcada por insegurança, baixo salário e intensificação
do trabalho, como proposto nas relações sociais configuradas no
movimento de contra-reforma do Estado.
Cabe destacar que a política de recursos humanos, tal como
se estruturou, dissociada das reais necessidades dos trabalhadores,
não poderia apresentar outra conformação à identidade profissional
141
A política de pessoal da educação e os desafios da precarização...
senão aquela adequada a preservar os valores econômicos, capaz de
dificultar e mesmo obstaculizar os movimentos de oposição aos
valores preconizados na reformulação da política educacional e do
trabalho docente.
Considerando as correlações de forças e os principais atores
que atuaram na contramão desse movimento, não se pode perder de
vista que os projetos formulados pelo governo não foram assimilados
de forma tranquila e passiva pela categoria docente. Nesse caso,
observou-se a atuação expressiva da APP-Sindicato como força
política de resistência à ofensiva política do governo por consolidar
um sistema de não proteção aos direitos sociais dos trabalhadores.
A partir da análise desses elementos contraditórios que
demarcaram o período em questão, o que se constata é que, mesmo
transcorrida mais de uma década, a compreensão dessa conjuntura é
fundamental para que os professores da rede pública estadual do
Paraná, tanto os que vivenciaram esse contexto quanto os que dele
tiveram conhecimento em gestões posteriores, possam fortalecer as
formas de organização coletiva na construção de um projeto que
interfira nas relações precarizadas de trabalho, propondo uma nova
sociabilidade, que leve em conta a satisfação humana e a luta contra
a barbárie capitalista.
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145
146
AS VOZES DE UMA POLÍTICA DE ENSINO DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DO PARANÁ
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
Introdução
Muitas pesquisas têm sido produzidas no Brasil sobre os
processos de ensino e aprendizagem de línguas, contudo são poucos
os pesquisadores que têm tratado das políticas de ensino de língua
estrangeira (LE), como Bohn (2000, 1997), Almeida Filho (2001,
2006), Celani (1995, 1997, 2000a, 2000b), Chaguri; Tonelli (2010,
2011) e Gimenez (2005a, 2005b).
Embora, no Brasil, haja ainda poucos pesquisadores engajados
em discutir as questões a respeito de políticas de ensino de LE, nos
últimos anos têm crescido o interesse em se produzir trabalhos a
respeito dessa temática. Isso se confirma nas teses de doutoramento
produzidas por Souza (2006) e Santos (2002), e por Oliveira (2003)
em sua dissertação de mestrado.
Partindo dessa perspectiva é que nos encorajamos em
construir um trabalho1em torno das questões políticas do ensino de
1
Este cap[itulo é originário de parte de dissertação de mestrado apresentada em 2010
ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá,
orientado pelo Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo, a quem aproveito para aqui
tornar público meu sincero respeito e admiração, como também para externar meus
agradecimentos pelas orientações ao meu trabalho. Quero ainda ressaltar que uma
versão deste texto foi publicado na Revista Acta Scientiarium. Education, vol, 32, nº 2, p.
219-223, 2010.
147
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
LE, procurando perceber que o momento de decisão pelo ensino de
determinada LE é resultante de processo intenso de acordos e/ou
imposições políticas, ideológicas e culturais no que concerne à escolha
pelo ensino de uma ou de outra LE.
Em contrapartida, para que haja a oferta de uma LE nas
escolas de determinado país, deve ser por meio de deliberações,
portarias, leis e documentos oficiais regidos pelo governo federal e
estadual em que se pautam as deliberações e objetivos que constituem
o ensino dela em toda a rede de ensino pública e privada de um país.
Diante disso, o governo do Estado do Paraná, por meio da
Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, propôs um
novo documento educacional para reger as práticas de ensino do
ensino fundamental em todas as áreas do saber, em nosso caso, as
Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira
Moderna (DCE-LEM).
Tomando como exemplo as Diretrizes Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998), os quais foram elaborados, apresentados, discutidos
e postos em prática por vários educadores do ensino fundamental, e,
ao mesmo tempo, questionados por tantos outros educadores do
cenário acadêmico, as DCE-LEM é um documento que também
necessita de olhares curiosos, críticos e reflexivos na busca de
entendimento de suas intenções político-pedagógicas.
Partindo dessa perspectiva, objetivamos elaborar um estudo
que examine o modo como se configuram as políticas de ensino de
LE no Estado do Paraná, e o fazemos a partir das vozes de dois
Professores da Rede Estadual (PRP) e três Professoras Assessoras
(PA), sujeitos entrevistados por meio de questionários abertos e/ou
fechados, com o propósito de estudarmos se a versão final do
Documento expressa participação coletiva e deliberativa do processo
de construção de uma proposta educacional que se orienta para uma
148
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
ação coletiva na área da educação de Língua Estrangeira.
Quanto aos aspectos teóricos deste trabalho, apoiamo-nos
nas teorias de Mikhail Bakhtin (2003, 2005, 2006) para fundamentar
nossas reflexões a respeito dos conceitos de enunciado, dialogismo e
polifonia. Quanto à metodologia utilizada no trabalho, recorremos
ao estudo de caso, por essa opção se tratar de um trabalho que enfoca
determinado evento pedagógico com aspectos descritivos e
interpretativos que procuram examinar os dados extraindo temas ou
questões variadas, com nuances de uma análise qualitativa. Assim, é
possível buscarmos indícios de padrões para poder explicá-los,
assumindo a característica dos pressupostos bakhtinianos que
fundamenta o edifício teórico.
A Luz Bakhtiniana para as Vozes de uma Política de Ensino de
Línguas Estrangeiras
Os professores entrevistados que compõem a análise dos
dados neste trabalho são sujeitos cujo discurso se encontra com o
discurso de outras pessoas, ou seja, seus discursos vão se mover por
meio das posições sociais que esses indivíduos caracterizam ao remeter
suas respostas ao questionário. Por sua vez, nesse ato de resposta às
perguntas, os entrevistados dialogam com muitos outros enunciados
inerentes à sua formação, à sua vida escolar e acadêmica, à sua prática
professoral e até a própria DCE-LEM. É a partir desses enunciados
que precederemos outros. Ao ser instaurada essa cadeia infinita de
enunciados entre um “eu” e um “tu”, tendo então o dialogismo que
se caracteriza como a interação entre o “eu” e o(s) “outro(s)”, há a
presença da manifestação de diversas vozes que podem ser
apresentadas em uma unidade temática: o texto ou o discurso.
149
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
Conforme alguns recursos linguísticos que são empregados para a
sua construção do texto e/ou do discurso, é apresentado o efeito de
polifonia ou monofônico. Dessa forma, um texto ou discurso é
considerado polifônico quando pode ser percebida, em sua estrutura,
a presença de algumas vozes, cada uma expressando o seu ponto de
vista acerca do mundo; e monofônico, quando essas vozes são ocultas
e aparecem apenas sob a forma de uma única voz.
O caminho que Mikhail Mikhailovich Bakhtin perpassará
neste trabalho são como pontos de sustentação da nossa
fundamentação teórica, necessária à compreensão das questões acerca
da “ideologia” e do “signo.” É por isso que chamamos ao centro da
discussão teórica as vozes (sujeitos entrevistados) das DCE-LEM.
Compreendemos, como Bakhtin, que essas vozes são tecidas por
palavras a partir de suas posições sociais que se condicionam para
um “outro”; logo, é o outro que for mula novos enunciados
propiciando a interação verbal enquanto fenômeno social. É nesse
sentido que surge a necessidade da linguagem, para buscar a interação
verbal de nossos sujeitos entrevistados em suas relações sociais,
permitindo-nos então, pelas suas posições sociais, a análise dos dados.
Conforme Bakhtin (2003) são as palavras tecidas a partir de
uma multidão de fios ideológicos, que servirão de trama para todas
as relações sociais em todos os domínios. As bases de todos os estudos
na perspectiva bakhtiniana referem-se ao caráter interativo da
linguagem. Assim sendo, somente será possível a compreensão da
linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica.
Na concepção do referido autor, a língua é heterogênea2,
suscetível a mudanças históricas, sociais e culturais. Isso ocorre porque
2
É quando o enunciado não é único, ou seja, formado por uma única voz, mas
atravessado por posições discursivas diferentes que o constituem um mosaico de
vozes que ecoam no dizer do sujeito.
150
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
o que se é valorizado é a fala, a enunciação3que afirma a natureza
social e não individual da língua. Conforme nos permite salientar
Bakhtin (2006) nos leva a compreender que a língua e a ideologia
não podem ser concebidas separadamente, ou seja, estão sempre
imbricadas. O significado da palavra ideologia ou ideológico adquire,
nos textos produzidos pelo Círculo de Bakhtin acerca dos estudos da
linguagem, uma significação diferente da que estamos acostumados
a conceituar.
A ideologia, na nomenclatura desse autor, comporta várias
esferas ideológicas, esferas que identificam áreas da produção
intelectual humana: a arte, a ciência, a moral, a ética, a filosofia, a
religião, etc. Cada campo da criatividade ideológica ou esfera
ideológica tem signos específicos com que Bakhtin (2006) se refere
à exterioridade e, portanto, um modo peculiar de representá-la, ou
seja, vemos que a ideologia é conceituada enquanto produto
ideológico que “reflete e refrata” outra realidade que lhe é exterior.
A questão da ideologia faz-se necessária a este trabalho, tendo em
vista o encaminhamento para compreendermos o modo como se
configurou o processo de elaboração das DCE-LEM a partir das vozes
dos sujeitos entrevistados e do arcabouço teórico utilizado neste
trabalho.
A ideologia, em Bakhtin, não deve ser compreendida como
valores e intenções negativas, mas como uma área da expansão da
criatividade intelectual/cultural humana. As bases para os estudos
do conhecimento científico, da literatura, da religião, da moral e
outros, não podem ser estudadas separadamente da realidade concreta
3
É o processo que dá origem ao enunciado. Envolve a língua, os sujeitos e as condições
sócio-históricas e ideológicas que os envolvem no momento em que um enunciado
emerge, no ato em que a intenção enunciativa do falante se concretiza, assume a sua
materialidade linguística.
151
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
que as abriga. Por isso os signos são intrinsecamente ideológicos, ou
seja, jamais os signos poderão ser estudados separadamente de suas
realidades. A citação a seguir apresenta uma possibilidade de
compreensão em torno da questão do signo:
A significação só pode pertencer ao signo – sem
o que, ela se torna uma ficção. A significação
constitui a expressão da relação do signo, com
uma outra realidade, por ela substituível,
representável, simbolizável. A significação é a
função do signo, [...] o signo é uma unidade material discreta, mas a significação não é uma coisa
e não pode ser isolada do signo como se fosse
uma realidade independente, tendo uma existência
à parte do signo. (BAKHTIN, 2006, p. 52).
Os signos são parte concreta e totalmente objetiva da realidade
prática dos seres humanos e são criados e interpretados no interior
dos complexos e variados processos que caracterizam o intercâmbio
social. Os signos emergem e significam no interior de relações sociais,
estão “entre” seres socialmente organizados. O signo é ideológico
em função das estruturas sociais; a palavra existe e articula-se nas
relações sociais travadas pelos indivíduos, ou seja, neste estudo, as
palavras que caracterizam as respostas dos professores entrevistados
só ganharão sentido porque a palavra é ativa e está sempre mudando.
Ela não está limitada a uma única só consciência, a uma só voz.
Logo, compreendemos, como Bakhtin, que a palavra é dialógica e
deve estar inserida num contexto social e no universo da tensão
humana em que ela atua. Se a ideologia se modifica, acontece uma
alteração na língua que pode sugerir mudança nas ideias, nas
representações, na consciência. Os signos são dialéticos, dinâmicos,
152
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
vivos; não se apresentam como algo estático.
Nessa perspectiva, todo e qualquer signo e todo e qualquer
enunciado se encontram localizados profundamente em uma
dimensão ideológica (literatura, política, arte, etc.) e, ao serem
interpretados pelo ser humano, tomam sentido de caráter valorativo
com que o sujeito concebe a significação.
De acordo com as asserções de Bakhtin (2006), a ideologia se
expande para a busca de uma compreensão da noção de valor, de
forma intrínseca, no próprio ser humano. Por essa razão, a noção de
“dialogismo” está relacionada à dinâmica do processo de interação
das vozes sociais e, nesse caso, essas vozes se caracterizam por serem
as vozes dos professores entrevistados que se entrecruzam e que,
nesse processo de se relacionarem entre si, se subsistem em torno do
“todo social” a partir das diversas multiplicidades dialógicas. Os signos
emergem e significam no interior de relações sociais, estão entre seres
socialmente organizados; não podem, assim, ser concebidos como
resultantes de processos apenas fisiológicos e psicológicos de um
indivíduo isolado, ou determinados apenas por um sistema formal
abstrato. Para estudá-los, é indispensável situá-los nos processos
sociais globais que lhes dão significação:
Esta chave é a filosofia do signo, a filosofia da
palavra, enquanto signo ideológico por excelência.
O signo ideológico é o território comum, tanto
do psiquismo quanto da ideologia; é um território
concreto, sociológico e significante. É sobre este
território que se deve operar a delimitação das
fronteiras entre a psicologia e a ideologia. O
psiquismo não deve ser uma réplica do universo,
e este não deve servir como simples indicação
cênica acompanhando o monólogo psíquico.
153
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
(BAKHTIN, 2006, p. 58).
Os estudos com base no autor trazem contribuição maior
acerca da linguagem, contemplando a dinamicidade da língua, pois,
conforme os estudos de Bakhtin, é a palavra que vai sendo remetida
a um novo dizer, em um processo de ir e vir de um enunciado
remetendo a outro, sem haver, desse modo, limites para o contexto
dialógico, que faz com que cada palavra venha com um novo aspecto
de resposta e uma tomada de posição em relação ao já dito, movendo
o universo de sentidos.
Ressaltamos, neste momento, que as concepções bakhtinianas
foram escolhidas como aporte teórico neste trabalho pelo fato de
esse intelectual poder nos auxiliar na compreensão das vozes e dos
discursos que geram os enunciados a respeito do processo de
elaboração de um documento oficial do Estado do Paraná. Por isso,
passamos agora a conceituar os princípios da enunciação, do
dialogismo e da polifonia.
A Enunciação enquanto Fator Social
O eixo que constitui a centralidade de todo o pensamento de
Bakhtin caracteriza-se pela interaeção verbal, e, de certo modo,
também pelo caráter dialógico e polifônico. Essa caracterização da
interação verbal resulta na abordagem histórica e vida da língua e o
tratamento sociológico das enunciações. A língua pode ser vista, em
Bakhtin, como um fenômeno social, histórico e ideológico,
consequentemente, “[...] a comunicação verbal não poderá jamais
ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação
concreta” (BAKHTIN, 2006, p. 181). Por conseguinte, percebemos
que a língua está vinculada a um conteúdo ideológico, a um uso
154
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
prático e que, de certa forma, seus signos são variáveis e flexíveis e
possuem caráter mutável, histórico e polissêmico:
Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e
perdura sob a forma de um processo evolutivo
contínuo. Os indivíduos não recebem a língua
pronta para ser usada; eles penetram na corrente
da comunicação verbal, ou melhor, somente
quando mergulham nessa corrente é que sua
consciência desperta e começa a operar. É apenas
no processo de aquisição de uma língua
estrangeira que a consciência já constituída –
graças à língua materna – se confronta com uma
língua toda pronta, que só lhe resta assimilar. Os
sujeitos não “adquirem” sua língua materna, é nela
e por meio dela que ocorre o primeiro despertar
da consciência. (BAKHTIN, 2006, p. 108).
É preciso que a palavra resulte não só de processos físicos,
mas também fisiológicos e psicológicos e, sobretudo, deve ser inserida
na interação social. Por essa razão, entendemos que os professores
entrevistados constituem seus discursos em uma situação histórica,
e, por ser histórica, ela é concreta, caracterizando o sentido de seus
discursos por meio da interação verbal, produzindo, então, sentido
as suas respostas no modo como se deu o processo de elaboração
das DCE-LEM.
Assim, junto ao dispositivo teórico de Bakhtin (2006, p. 116),
somos capazes de dizer que “[...] a enunciação é o produto da interação
de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja
um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante
médio do grupo social ao qual pertence o interlocutor”. Dessa forma,
a enunciação resulta da interação dos indivíduos que estão inseridos
155
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
na sociedade. Por sua vez, neste estudo, vemos que os indivíduos
podem ser caracterizados como o pesquisador e os professores
entrevistados. Quando o pesquisador articula as perguntas aos
professores entrevistados para uma busca de enunciado concreto, na
relação entre o “locutor” e o “outro”, ele assume o caráter de
“locutor” e os professores entrevistados, o caráter de
“interlocutor(es)”, sempre mediados em uma posição intercambiável.
Desse modo, já que as posições que os indivíduos integram em uma
interação verbal são posições intercambiáveis, os professores
entrevistados passam a ser “locutores” quando respondem ao
questionário do pesquisador, e o pesquisador torna-se o seu “interlocutor”, já que suas posições não são fixamente determinadas na
formação do enunciado. A respeito dessa temática, apresentamos os
dispositivos que sustentam nossa discussão:
Os próprios limites do enunciado são
determinados pela alternância dos sujeitos do
discurso. Os enunciados não são indiferentes entre si e nem se bastam cada um a si mesmos; uns
conhecem os outros e se refletem mutuamente
uns aos outros. Esses reflexos mútuos lhe
determinam o caráter. Cada enunciado é pleno
de ecos e ressonâncias de outros enunciados com
os quais está ligado pela identidade da esfera da
comunicação discursiva (BAKHTIN, 2003, p.
296-297).
É nessa relação entre dois indivíduos no contato entre a língua
e a realidade concreta, pelo enunciado, que a palavra pode expressar
um juízo de valor, uma significação, uma expressividade. A palavra
tem duas faces: é determinada por quem fala e para quem se fala.
156
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
Assim, a palavra é o território comum do locutor e do interlocutor,
pois está sempre carregada de um conteúdo e/ou de um sentido
ideológico ou vivencial, e, dessa forma, ao convergirmos com Bakhtin
(2006, p. 99) e compreendemos “[...] as palavras e somente reagimos
àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida”.
A enunciação é, portanto, dependente de dois indivíduos, que
são, em nosso caso particular, o pesquisador e os professores
entrevistados, que também dependem da sua própria situação, pois
Bakhtin (2006, p. 116) prova que “[...] não é a atividade mental que
organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a
atividade mental, que a modela e determina sua orientação.” O
enunciado é sempre uma resposta a um enunciado anterior.
A Constituição Dialógica do Sujeito Bakhtiniano
Sem dúvida, o tema dominante em Bakhtin é o dialogismo.
Todo discurso se constitui de uma fronteira do que é seu e daquilo
que é do outro. Esse princípio é denominado dialogismo. A partir da
concepção da linguagem enquanto interação é que nasce o dialogismo
e as implicações bakhtinianas mostram que o diálogo é o princípio
constitutivo da linguagem, isto é, a linguagem está impregnada de
relações dialógicas.
O conceito de diálogo e a noção de que a língua, tanto na
modalidade oral quanto na escrita, é sempre um diálogo, passa a ser,
portanto, uma relação dialógica que pressupõe uma linguagem, mas
que não existe no sistema da língua, como afirma Bakhtin (2003). O
dialogismo é a característica do funcionamento discursivo em que se
encontram presentes várias instâncias enunciadoras. Assim, três
elementos compõem o diálogo: o falante, o interlocutor e a relação
157
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
entre os dois. Neste caso, em uma relação de respostas aos
questionamentos apresentados aos sujeitos entrevistados, o “falante”
são os professores entrevistados, o “interlocutor”, o pesquisador, e,
entendida a relação entre esses dois indivíduos, ocorre o diálogo.
A noção de diálogo, conforme postula Bakhtin (2003), é
contrastada com a ideia de monólogo, pela qual os enunciados podem
ser proferidos por uma única pessoa ou entidade. O filósofo russo
distingue o monólogo do diálogo a partir do conceito de vozes
(polifonia). O diálogo é constituído por duas ou mais vozes, enquanto
que o monólogo é constituído por somente uma voz e não reconhece
a palavra do outro, considerando a si mesmo e ao seu objeto como
discurso. Por outro lado, o diálogo leva em conta a palavra do interlocutor, como também as condições concretas da comunicação verbal. É sob esse prisma que os dados foram analisados e que
mostraremos seus resultados mais adiante. É a partir das vozes dos
professores entrevistados que vamos examinar, explorar e interpretar
as condições pelas quais as vozes das DCE-LEM foram colocadas
no processo de elaboração de tal documento.
Os professores pesquisadores, ao responderem às perguntas
do pesquisador, ao mesmo tempo em que se constituem de uma
postura de enunciador, eles também se constituem de uma postura
de coenunciador, pois não seria possível aos entrevistados enunciarem
respostas sem se colocarem no lugar do outro (pesquisador),
antecipando suas posições para poder refutá-las, negociando ou não
com o outro na direção de transformar suas opiniões, seus valores.
O sujeito emerge do outro, ou seja, a voz dos professores
entrevistados se compõe a partir da interação com o outro (o
pesquisador), sendo mediada pelo questionário e, por essa razão, é
dialógica a voz porque o seu conhecimento é fundamentado no
158
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
discurso que eles produzem.
Um aspecto importante a mencionar são as duas noções
básicas de dialogismo presentes nos pressupostos de Bakhtin. A
primeira denomina-se de diálogo entre interlocutores e a segunda, de
diálogo entre discursos. A interação ou diálogo entre interlocutores é
o princípio fundador da linguagem: é na relação entre sujeitos que se
constroem a significação das palavras, o sentido do texto e os próprios
sujeitos. Como o diálogo se constrói socialmente, pressupondo pelo
menos dois interlocutores cujos discursos são impregnados de
influências do contexto em que vivem e se relacionam, o diálogo
entre esses discursos acaba sendo inevitável.
A partir dessa perspectiva, o dialogismo é um princípio
constitutivo da linguagem e uma condição de sentido do discurso,
pois, conforme as contribuições teóricas de Bakhtin (2006, p. 123),
“[...] o discurso não é individual tanto pelo fato de que ele se constrói
entre, pelo menos, dois interlocutores que, por sua vez, são seres
sociais; como pelo fato de que ele se constrói como um diálogo entre
discursos, isto é, mantém relações com outros discursos”.
É por essa razão que os professores entrevistados, ao
responderem ao questionário elaborado pelo pesquisador, eles
demonstram que suas posições sociais se movem no interior de seus
discursos, mostrando que suas respostas não se materializam como
professores entrevistados, mas, a partir de posições sociais, tais como:
professor universitário, professor estadual, professor pesquisador,
dentre outros.
O dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, reconhece a
necessidade de darmos conta da presença do outro com que uma
pessoa está falando, pois, corrobora Barros (2003, p. 02-03), “[...] só
se pode entender o dialogismo interacional pelo deslocamento do
conceito de sujeito. O sujeito perde o papel de centro e é substituído
159
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
por diferentes (ainda que duas) vozes sociais, que fazem dele um
sujeito histórico e ideológico”.
Por essa razão que voltamos aqui destacar que é a partir do
papel do indivíduo na interação verbal que se constitui a sua posição
como “locutor” ou “interlocutor”, já que são posições sempre
intercambiáveis. Por conseguinte, a compreensão do sentido e da
significação do enunciado perpassa pela questão do dialogismo.
A Polifonia entre as Vozes do “Eu”
Outra importante noção bakhtiniana estreitamente ligada ao
dialogismo denomina-se de polifonia. Na obra Problemas da Poética de
Dostoievski, de 1929, foi que Bakhtin usou a palavra polifonia – uma
metáfora musical para poder se referir à pluralidade de vozes que
podem manifestar-se em uma mesma obra. O autor entende que na
obra do escritor russo Dostoievski há a presença de várias vozes e,
com isso, parece haver uma impressão de se tratar não de um autor e
artista que escrevia novelas e romances, mas, sim, de uma série de
discursos filosóficos de vários autores e pensadores. Explica Bakhtin
(2005, p. 4):
A multiplicidade de vozes e consciências
independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia
de vozes plenivalentes constituem, de fato, a
peculiaridade fundamental dos romances de
Dostoievski. Não é a multiplicidade de caracteres
e destinos que, em um mundo objetivo uno, à
luz da consciência uma do autor, se desenvolve
nos seus romances; é precisamente a multiplicidade
de consciências eqüipolentes e seus mundos que
aqui se combinam numa unidade de
acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade.
O diálogo é extremamente importante na construção
160
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
estrutural do romance de Dostoievski, onde não só encontramos
sujeitos falantes, mas, acima de tudo, sujeitos que têm uma ideologia
própria e independência do autor, podendo, assim, manifestar
livremente suas diferentes visões de mundo (BRAIT, 2009).
Pelas características de pluralidade (multiplicidade de vozes)
e de alteridade (aceitação e percepção dos valores do outro) que
circundam as trocas discursivas, Bakhtin insiste na intertextualidade
dos discursos, pela qual todos os enunciados estão marcados por
diferentes vozes provenientes de diversos falantes e contextos. O
termo “voz” foi escolhido por Bakhtin para se dirigir à consciência
falante presente nos enunciados. Uma importante característica da
consciência falante configura-se na carga de um juízo de valor, de
uma visão de mundo carregada por ela, ou seja, “[...] a emoção, o
juízo de valor, a expressão são coisas alheias à palavra dentro da
língua, e só nascem graças ao processo de sua utilização ativa no
enunciado concreto” (BAKHTIN, 2003, p. 321).
O termo voz, nas concepções bakhtinianas, é definido como
a personalidade do falante, isto é, a consciência do falante. Assim, portanto,
a construção de um enunciado é constituída a partir de determinado
ponto de vista por meio de diversas consciências falantes ou vozes.
No entanto, ao se referir ao discurso heteroglóssico e/ou polifônico,
constituído por diversas vozes, o filósofo r usso nos leva a
compreender que essas vozes coexistem nesse discurso advindo de
outros tipos de discursos, de outros contextos comunicativos.
Para Bakhtin (2006), todo enunciado de um sujeito falante é
o local onde as forças se encontram. Os discursos são moldados a
fim de que se tornem, em parte, a palavra do sujeito, em parte, a
palavra do outro. É pelos discursos utilizados pelos sujeitos falantes
que temos o discurso monofônico e o discurso heteroglóssico ou
161
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
polifônico.
Na denominação de ambos os discursos, percebemos que o
primeiro (monofônico) abafa as outras vozes, já o segundo
(polifônico) propicia um entrelaçar de diferentes vozes que o
constituem. Há uma pluralidade de vozes no discurso polifônico e
elas coexistem pelo caráter dialógico das práticas discursivas, isto é,
as relações dialógicas entre discursos são visivelmente perceptíveis.
Por outro lado, no discurso monofônico, percebe-se que são ocultadas
as relações dialógicas por de trás de um único discurso, ou seja, de
uma única voz.
A diferença entre o discurso monofônico e polifônico é
visivelmente caracterizada em algumas obras literárias de escritores
clássicos, como Cervantes, Shakespeare e outros (BRAIT, 2009).
Em consonância com os escritos bakhtinianos, podemos identificar
alguns indícios do discurso polifônico desses autores clássicos,
contudo, é somente em Dostoievski que há afirmação plena da
polifonia, já que, nas obras de tais escritores, não há uma polifonia
totalmente constituída (BRAIT, 2009). A respeito dessa temática
em questão, o filósofo russo diz que
[...] é possível observar alguns elementos ou
embriões de polifonia nos dramas
shakespeareanos. Ao lado de Rabelais, Cervantes,
Grimmelshausen e outros, Shakespeare pertence
àquela linha de desenvolvimento da literatura
européia na qual amadurecem os embriões da
polifonia e que, neste sentido, foi coroada por
Dostoievski. (BAKHTIN, 2005, p. 34).
Junto a Bakhtin, quando se discute a “polifonia”, que é um
162
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
termo que caracteriza determinado tipo de discurso em que se percebe
a multiplicidade de vozes e posições ideológicas que estão presentes
no termo (BRIAT, 2009), encontramos, em sua obra Problemas da
Poética de Dostoievski (2005), o verdadeiro criador do romance
polifônico, ou seja, o criador de um gênero novo, pois a sua obra
compõe-se por vozes que mantêm um diálogo com outras de caráter
igual. Em outras palavras, os personagens têm a liberdade de se
expressarem acerca do mundo a partir do ponto de vista de cada um,
podendo ou não harmonizar-se com o autor da obra.
Vale ressaltarmos um ponto que julgamos importante quando
discutimos polifonia. Indubitavelmente, esse grande filósofo russo
jamais pretendeu expressar, em seus estudos, que o conceito de
polifonia não ocorreria em outros gêneros discursivos. Ao contrário
do que muitas pessoas possam imaginar, quando se discute
“polifonia” a partir do romance de Dostoievski, percebemos que
Bakhtin tinha a plena consciência da importância desse conceito a
fim de não ficar restrito somente a um único gênero. Assim,
compreendemos que a polifonia vai além do gênero romanesco e
pode ser encontrada em outros gêneros discursivos. A partir das
palavras de Bakhtin (2005, p. 173) é que respaldamos nossos
apontamentos:
A criação do romance polifônico é um imenso
avanço não só na evolução da prosa ficcional do
romance, ou seja, de todos os gêneros que se
desenvolvem na órbita do romance, mas
generalizando, também na evolução do
pensamento artístico polifônico de tipo especial,
que ultrapassa os limites do gênero romanesco.
É por esse motivo que há a polifonia em outros gêneros
163
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
discursivos (não sendo o gênero “romance”) apresenta uma relação
polifônica e dialógica, visto que todo diálogo é uma construção de
enunciados. O pensamento bakhtiniano decorre do pressuposto de
que nos constituímos à medida que nos relacionamos com o outro. A
questão central de todo o trabalho de Bakhtin reside no fato de que
a linguagem é fruto da interação entre sujeitos falantes. O locutor é
um sujeito histórico e ideológico, cuja formação não ocorre sem a
presença do outro.
Por isso é que entendemos que os professores entrevistados,
ao respondem às perguntas solicitadas a eles, projetam seu discurso
em detrimento de outro, no caso particular deste estudo, o
“pesquisador”. É em decorrência da interação dos locutores com o
outro que o mundo simbólico vai sendo construído, e, a partir dessa
construção, novos enunciados irão se remeter aos enunciados já
precedidos anteriormente.
Face ao exposto, é que se utilizou a teoria bakhtiniana para
compor o quadro teórico do trabalho, como também, o alicerce de
análise para os dados, que se corresponde aos sujeitos entrevistados
que apresentamos a seguir.
Contexto da Pesquisa
Para a elaboração deste trabalho, realizaram-se duas
entrevistas como coleta de dados. A primeira entrevista foi direcionada
para 02 (dois) professores da rede pública estadual de ensino,
professores esses que participaram de todo o processo de elaboração
das DCE-LEM. A segunda entrevista direcionou-se a 03 (três)
professoras assessoras que participaram de algumas etapas do
assessoramento teórico e metodológico das DCE-LEM. Os dados
foram coletados entre o período de Fevereiro a Junho de 2009. Depois
164
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
de recebidos os dados, procedemos à análise qualitativa dos dados,
com nuances de um estudo de caso.
Antes da entrega do instrumento da coleta de dados foi
explicado que o objetivo era levantar dados para um estudo que estava
sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação Strico Sensu em
Educação em nível de Mestrado da Universidade Estadual de
Maringá, sob a orientação do Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo.
O trabalho tem como objetivo analisar as vozes dos sujeitos
entrevistados, a fim de configurar a forma como se correlacionaram
as políticas de ensino de língua estrangeira moderna na educação
básica da rede pública de ensino do Estado do Paraná. Assim, foi
pedida a colaboração dos 05 (cinco) entrevistados.
Com relação aos sujeitos desta pesquisa, cumpre-nos retratálos como indivíduos de faixa etária diferenciada, situando-se entre
27 a 52 anos de idade. O nível é socioeconômico médio. Os
pseudônimos escolhidos para a identificação dos professores foram:
Professor da Rede Pública 1 (PRP1) e Professor da Rede Pública 2
(PRP2), para professores da rede estadual de ensino, lotados em duas
escolas estaduais, pertencentes ao Núcleo Regional de Educação de
Loanda. Esses professores nos foram indicados pela coordenadora
de ensino da área de Língua Estrangeira Moderna do NRE/Loanda,
devido ao fato de eles terem participado de todas as fases do processo
de elaboração das DCE-LEM.
Em relação às Professoras Assessoras das Diretrizes
Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira Moderna, os
pseudônimos escolhidos foram: Professora Assessora 1 (PA1),
Professora Assessora 2 (PA2) e Professora Assessora 3 (PA3). Tais
professoras configuram papeis importantes na elaboração das DCELE, pois as entrevistadas participaram em diferentes etapas no
processo de construção do documento. É por isso que as escolhemos
165
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
para compor o quadro de entrevistados do trabalho. Sendo assim, foi
realizada uma entrevista com dois professores da rede estadual de
ensino (PRP) e três professoras assessoras (PA) do Estado do Paraná.
Para coletarmos os dados para nossa pesquisa, realizamos uma
entrevista aberta e outra fechada, pelas quais foram direcionadas 13
questões para os professores estaduais e 11 questões para as
professoras assessoras.
Um aspecto importante a mencionar, é acerca da interação
entre o pesquisador e os entrevistados. Vale ressaltar que o
pesquisador não participou deste estudo como sujeito de pesquisa,
por tratar-se de um estudo inicial com foco exclusivo nas respostas
dos PRP e das PA que, ao serem analisadas, constituem um indicador
inicial das vozes que articularam o processo de elaboração das DCELEM. Ainda esclarecemos que não houve menções traçando paralelos
envolvendo pesquisador e sujeitos de pesquisa (PRP e PA).
Por conseguinte, em nossa primeira entrevista aberta e fechada
com os PRP as perguntas ficaram centradas nas seguintes questões:
(1) Qual é a sua idade? (2) Qual é o seu nível de formação? (3) Em
que séries está atuando com o ensino de LEM em sua escola? (4) Em
qual(is) série(s) da educação básica gosta de atuar com o ensino de
LEM? (5) Qual é a importância da LEM no currículo da educação
básica? (6) Descreva os procedimentos que você utiliza ao trabalhar
com LEM. (7) Em sua opinião, hoje, qual deve ser a finalidade do
ensino de LEM na rede pública? (8) Que estratégias você usa para
levar o seu aluno a compreender a LEM em suas aulas? (9) Como
você qualifica seus alunos quanto à compreensão da LEM que você
ensina? (10) Como foi o processo de criação das Diretrizes
Curriculares da Educação Básica? (11) O encaminhamento
metodológico das DCE-LE está claro para você? Justifique. (12) As
políticas públicas para a formação continuada dos professores da
166
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
rede pública, como simpósios, grupo de estudo, DEB Itinerante, NRE
Itinerante e capacitação dentro dos NRE, têm lhe auxiliado a utilizar
os princípios adotados pelas Diretrizes Curriculares da Educação
Básica – Línguas Estrangeiras Modernas em sala de aula? (13) Em
sua opinião, o que seria o ideal para o ensino de LEM na rede pública
do estado do Paraná?
Para a segunda entrevista com as PA, as perguntas
configuram-se no mesmo plano dos PRP, porém, com algumas
questões diferenciais. Assim, as perguntas centram-se nos seguintes
questionamentos: (1) Em que ano nasceu? (2) Qual é o seu nível de
formação? ( ) Graduado, ( ) Especialista, ( ) Mestre, ( ) Doutor. (3)
Por qual instituição de ensino superior você obteve o título supracitado
na questão 2? (4) Qual é a importância da LEM no currículo da
educação básica? (5) Em sua opinião, hoje, qual deve ser a finalidade
do ensino de LEM na rede pública? (6) Como foi o processo de criação
das Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira
Moderna? (7) Você participou de todo o processo de assessoria nas
DCE-LE? Justifique. (8) O encaminhamento metodológico das DCELE é claro para os professores da rede estadual de ensino? Justifique.
(9) As políticas públicas para a formação continuada dos professores
da rede pública, como simpósios, grupo de estudo, DEB Itinerante,
NRE Itinerante e capacitação dentro dos NRE, auxiliam os professores
da rede pública com os princípios adotados pelas Diretrizes
Curriculares da Educação Básica – Línguas Estrangeiras Modernas
em sala de aula? (10) O governo do estado do Paraná, ao propor um
novo documento que rege a prática do professor em sala de aula e
apropriação do conhecimento ao aluno, ofereceu caminhos que
possibilitem a aquisição/aprendizagem em sala de aula ao professor
de LE? (11) Em sua opinião, o que seria o ideal para o ensino de
167
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
LEM na rede pública do estado do Paraná?
O que se esperou com essa pesquisa?
A partir da delimitação teórico-metodológica é possível
constatar o modo como se configuraram as políticas para o ensino de
LE no Estado do Paraná. As vozes que permeiam o discurso das
DCE-LEM se constituem a partir de outras vozes (polifonia), e essas
outras vozes se correlacionam em parte como vozes de pesquisador,
de professor-pesquisador, de professor universitário, de professor da
rede estadual, de professor PDE, de professor de espanhol, de professor de inglês, de professor de prática e metodologia de ensino e de
entrevistado. Isso tudo fica evidente quando recorremos às respostas
do PRP1 e PRP2 em diversas questões, e das PA na questão seis,
onde foi perguntado a todos como se deu o processo de criação das
DCE-LEM:4
PRP1: [...] Foi uma construção coletiva onde [sic]
os professores da Rede Estadual participaram
efetivamente, colocando suas angústias e
necessidades como professores de escola pública
que lecionam para turmas heterogêneas com
necessidades, desejos e intenções diferenciadas
(Resposta da questão seis, citado em CHAGURI,
2010, p. 173, grifo nosso).
PRP1: O inglês não é visto mais como sendo a
língua somente dos países que a têm como língua
4
Por questões editoriais, achamos por bem não divulgarmos toda a análise do
questionário aplicado aos sujeitos entrevistados. O que pretendemos de fato é apresentar
o conteúdo completo da análise, aqui sintetizado. Uma consulta pode ser feito em
Chaguri (2010) acerca dos dados que compõe originalmente a pesquisa.
168
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
oficial, dos quais conhecemos mais a Inglaterra e
principalmente os Estados Unidos, mas esses
países já perderam o controle desse idioma
porque ele se tornou o idioma internacional,
importante para o mundo inteiro (Resposta da
questão cinco, citado em CHAGURI, 2010, p.
169, grifo nosso).
PRP2: Bastante confuso... para os professores.
Foi iniciado o processo com os professores em
2004. A SEED, na ocasião, já tinha traçado o
perfil teórico-metodológico sobre o qual seria
elaborada a nova Diretriz. [...] Na ocasião,
lembro que alguns professores apresentaram
críticas, dizendo que a SEED estava pedindo a
opinião dos professores, mas já tinha sua linha
teórico-metodológica definida, e apenas queria
que os professores a assimilassem e acabassem
reproduzindo suas falas de forma a concordar
com o que já estava previamente definido, ou
seja, os professores estariam apenas ratificando
o desejo da SEED. [...] Após todo este processo
de discussões, onde [sic] os professores
defendiam a necessidade da colocação de
conteúdos básicos para cada série e/ou nível e
sobre a necessidade de um livro didático de
apoio, surge a 1ª versão da DCE escrito [sic]
pela SEED, no [sic] qual já não mais
reconhecíamos nossas palavras, estavam
totalmente diferentes, já havia [sic] adquirido
moldes de documento oficial (Excerto da
resposta da questão seis, citado em CHAGURI,
2010, p. 173, grifo nosso).
PRP2: Atualmente, para mim está bem mais
claro. No entanto, ainda tinha inúmeras dúvidas
169
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
antes da realização do PDE, momento em que
tive a oportunidade de ler mais, refletir e discutir
com colegas de área sobre as DCE. Quanto aos
demais professores da rede, acredito que a grande
maioria dos professores de LEM se encontram
perdidos, sem conseguir compreender realmente
as DCE e isto [sic] pode se verificar pela sua
prática. Pelo que tenho conversado com
professores de LEM de diferentes NRE (por
meio do GTR e de cursos), percebo que muitos
sentem dificuldade de implementar a teoria na
sua prática (Resposta da questão onze, citado em
CHAGURI, 2010, p. 174, grifo nosso).
PA1: [...] O documento passou a ser redigido
por especialistas e técnicos da SEED.
PA2: Não saberia avaliar, pois tive contato apenas
com o texto já na sua fase de finalização e com
alguns professores do Departamento de Ensino
Médio, para os quais dei uma consultoria ao início
do processo.
PA3: Primeira fase, quando ainda havia o DEB
e o DEM, foi bastante colaborativa, envolvendo
reuniões e seminários com os professores e
consultores. Tivemos bastante liberdade para
escolher a linha teórica de nossa preferência, mas
nenhum contato com as equipes das outras
disciplinas, portanto não fazíamos idéia do que
estava sendo feito nas outras disciplinas. Apenas
ao final do processo pudemos ler os textos
produzidos pelas outras disciplinas, que para nossa
surpresa não pareciam destoar muito da nossa
perspectiva no inglês. É verdade que a SEED
mandava orientações novas a cada etapa do
processo, exigindo que refizéssemos a estrutura
170
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
final do texto muitas vezes, inserindo informações
ou excluindo, “vetando” o uso de certos termos
ou referências diretas a textos específicos que não
pareciam ser do agrado do pessoal que conduzia
o processo. (Resposta da questão seis, citado em
CHAGURI, 2010, p. 177, grifo nosso).
Quando essas vozes são condicionadas, pela Secretaria de
Estado de Educação – SEED, a participar do processo de elaboração
das DCE-LEM, para a construção de uma política educacional que
se oriente para um plano coletivo ao ensino de LE, elas em parte
carregam em si seus desejos, seus valores e, posteriormente, o
Documento inicialmente é configurado por diversos “eus” que fazem
do discurso das DCE-LEM um texto tecido por múltiplas outras
vozes. No trecho a seguir das DCE-LEM é clara a temática em
questão:
Durante os anos de 2004, 2005 e 2006, a
Secretaria de Estado da Educação promoveu
vários encontros, simpósios e semanas de estudos
pedagógicos para a elaboração dos textos das
Diretrizes Curriculares, tanto dos níveis e
modalidades de ensino quanto das disciplinas da
Educação Básica. “Sua participação nesses eventos
e suas contribuições por escrito foram
fundamentais para essa construção coletiva”
(PARANÁ, 2008, In: Carta do Departamento de
Educação Básica, s/p).
As vozes dos professores que participaram da elaboração das
DCE-LEM são constituídas por outras diversas vozes, sendo estas,
talvez, condicionantes do mesmo enunciado que precede as vozes
171
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
que tecem o “eu” dos sujeitos entrevistados, que também constituem
o seu “eu” com sentidos próprios discursivos, fazendo-nos perceber
que o texto final das DCE-LEM compõe uma visão sancionada pela
Instituição (SEED) em relação a uma política de ensino de LEM.
Essa característica se traduz nas respostas dos questionários aplicados
aos entrevistados da pesquisa sendo perceptível na voz da PA1 ao se
referir ao processo de elaboração das DCE-LEM:
Primeiramente é preciso marcar as diferentes
etapas que caracterizaram as DCE. Por um lado
havia o desejo de incluir o professor no processo,
mas posteriormente o documento passou a ser
redigido por especialistas e técnicos da SEED.
(CHAGURI, 2010, p. 177, grifo nosso).
A resposta da PA3 nos mostra que, após ter sancionadas as
vozes dos professores da rede pública estadual na elaboração do
Documento, o texto das diretrizes curriculares passou a ser redigido
por especialistas e técnicos da SEED, tendo então a Secretaria o
total controle dos encaminhamentos metodológicos do Documento
sem haver a participação coletiva dos professores de LEM da rede
estadual de ensino. Mesmo assim, contudo, conforme alega o
Documento, o cenário configurado pelo seu texto final é de uma
elaboração participativa pelos diversos professores de LEM que
integram a rede estadual de ensino do Paraná:
Você está recebendo, neste caderno, um texto
sobre concepção de currículo para a Educação
Básica e as Diretrizes Curriculares Estaduais
(DCE) de sua disciplina. “Esses textos são frutos
de um longo processo de discussão coletiva,
ocorrido entre 2004 e 2008, que envolveu os
172
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
professores da Rede Estadual de Ensino” e,
agora, se apresentam como fundamento para o
trabalho pedagógico na escola. (PARANÁ, 2008,
In: Carta do Departamento de Educação Básica,
s/p).
Pelos encontros organizados e ofertados pela SEED (tais
como seminários, simpósios, grupo de estudo, DBE-Intinerante,
NRE-Intinerante e grupo de estudos), a Secretaria silencia as vozes
dos sujeitos participantes do processo de elaboração das DCE-LEM,
ao invés de utilizá-las para promover uma proposta educacional que
se oriente para uma ação coletiva voltada para a educação do ensino
de LEM. Essa constatação se fez perceptível a nós quando realizamos
a análise da voz da PA3 da questão nove, questão sobre se as políticas
públicas adotadas pelo governo do Estado do Paraná auxiliam os
professores da rede pública com os princípios adotados pelas DCELEM em sala de aula:
Acredito que não. Ao invés de promover estudos
e discussões sobre as diretrizes, esses grupos
parecem ter o objetivo de convencer os
professores sobre os preceitos ditados nas
diretrizes e, assim, não questiona [sic] a proposta
educacional e metodológica apresentada, mas sim
tenta [sic] impor aos professores novas práticas.
(CHAGURI, 2010, p. 179, grifo nosso).
É importante ressaltar que, antes de adentrarmos à análise
dos dados, junto às asserções teóricas de alguns autores, tais como:
Basso (2005), Bohn (1997, 2000), Celani (1997, 2000b) e Gimenez
(2005b), já tínhamos alguns indicativos iniciais que nos davam uma
orientação de que o processo de elaboração das DCE-LEM não
viabilizava um educar que se pautasse em um caráter emancipador
173
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
político pelo idioma que seria a LEM, já que as ações educacionais,
no cerne do Documento, encontravam-se já sublinhadas de forma
autoritária no processo de elaboração dele, dando-nos indícios claros
por meio de duas, das vozes entrevistadas.
PA1: Em relação à última versão:
encaminhamento metodológico padrão não fazia
parte do escopo do texto.
PA3: De maneira alguma. O texto inicial, que
acompanha todas as disciplinas, é inconsistente
com a abordagem proposta para LE – o referido
texto advoga um retrocesso no trabalho
significativo com a LE, colocando-se abertamente
contra o cruzamento das fronteiras disciplinares
(o texto afirma que cada disciplina tem um objeto
de estudo, e que este objeto de estudo deve ser
tratado DENTRO desta disciplina), em prol de
um ensino conteudista e uma educação
transmissiva. (CHAGURI, 2010, p. 178).
Para que as DCE-LEM assumam caráter de um documento
que se preocupe com as questões políticas no ensino de uma LEM, o
documento supracitado teria que ser constituído por discursos, isto
é, composto por outras vozes participantes de um contexto
enunciativo concreto que não abafassem os sentidos dos “eus”
discursivos dos entrevistados durante a elaboração do Documento.
Ao contrário disso, as vozes, ao se instaurarem em uma relação
dialógica e polifônica, fossem além das vozes remanescentes de outros
discursos atravessados por valores, que, conforme as asserções
bakhtinianas, se materializam na infinita cadeia de enunciado.
174
JONATHAS DE PAULA CHAGURI
Considerações Finais
Em face de tudo que foi aqui discutido, à guisa de fechamento
deste estudo, procuramos examinar o processo de elaboração das
Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Estrangeira
Moderna, a partir das vozes que articularam todo o processo de
confecção de tal Documento, sempre guiados por uma literatura
homogênea e um dispositivo teórico que nos possibilitaram reconhecer
que a visão oficial das diretrizes curriculares, na verdade, é
multifacetada, ou seja, a criação do Documento não expressa uma
construção coletiva e deliberada pelos professores da rede estadual
de ensino e pelas professoras assessoras que tiveram suas vozes
sancionadas pela Instituição, neste caso, o governo do Estado do
Paraná por meio da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Assim, concluímos que, durante todo o momento de
construção das DCE-LEM, a SEED manteve sua voz no cerne da
elaboração do Documento, e essa voz também se fez presente nos
cursos de capacitação continuada para os professores da rede
estadual, na medida em que houve a autorização dessa Instituição
para o oferecimento dos cursos.
Nessa perspectiva, não só no Documento, mas nos cursos de
atualização para professores, a voz do sujeito que mantém os efeitos
de sentido do discurso só se fez perceptível ao se conceber o
dialogismo como o espaço interacional entre o eu e o tu a partir dos
questionários aplicados aos sujeitos entrevistados, e da configuração
polifônica desses “eus” que passam a constituir as outras vozes na
relação dialógica oriundas das experiências sócio-históricas desses
sujeitos (PRP e PA).
Infelizmente, ainda não se estabeleceu uma articulação política
do ensino de LE entre população em geral, legisladores e comunidade
175
As vozes de uma política de ensino de língua estrangeira moderna...
acadêmica com o propósito de se produzirem discursos e práticas
significativas, para criação e/ou efetivação de uma política
educacional consistente que centre seus objetivos e compactue de
uma mesma linguagem entre os sujeitos que compõem esse cenário.
Só será possível estabelecer uma for mação e capacitação de
professores tornando viável um programa de política de ensino de
LE que seja capaz de construir uma orientação nacional coletiva na
área da educação de língua estrangeira moderna.
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179
180
ESTUDOS SOBRE POLÍTICAS EDUCACIONAIS
NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS
ADOTADAS NOS PROGRAMAS DE
EXCELÊNCIA (CAPES, TRIÊNIO 2010)
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS
ANAJARA GUERTLER
Introdução
Na área da Educação, inúmeros pesquisadores têm realizado
estudos com o propósito de analisar o movimento, de largo espectro,
de reformas e políticas no campo educacional, inaugurado na década
de 1990 e consolidado neste início de século, no Brasil. Esse
movimento tem gerado impactos no horizonte educacional brasileiro
e preocupações por parte da comunidade científica e acadêmica, dados
os processos de: aligeiramento da formação; indução de uma política
nacional de avaliação em todos os níveis de ensino e expansão e
diversificação desordenada da oferta, notadamente no ensino superior e na modalidade da Educação a Distância.
A pós-graduação não se mantém alheia a esse cenário e dele
participa instaurando debates e pesquisas que possibilitem
compreender a complexidade das políticas instituídas e sua
repercussão no âmbito educacional. Afinal, o debate sobre políticas
públicas em Educação e a conseqüente produção do conhecimento
sobre o tema alcança as esferas sociopolíticas, culturais e
181
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
educacionais, sobre elas repercutindo e demandando o
aprofundamento dos estudos nessa área, visando a uma apreensão
mais ampla e profunda desse fenômeno.
Nessa perspectiva, o presente trabalho1 insere-se no universo
da pós-graduação stricto-sensu – mestrado e doutorado – para analisar
os estudos sobre as políticas públicas em Educação nesse nível de
ensino. Buscou-se evidenciar as concepções e os autores privilegiados
na formação dos pesquisadores em educação, no que se refere ao
tema em análise.
A partir desse locus particular, foram selecionados como objeto
do estudo os Programas de Pós-Graduação em Educação – PPGE
considerados de excelência e com nível de inserção internacional na
avaliação continuada da CAPES, no período de 2004-2006.
Examinaram-se as estruturas curriculares dos programas selecionados
– disciplinas, ementas e bibliografias – evidenciando os conceitos
privilegiados, as ideias e as posições dos autores sobre as políticas
educacionais.
Quando se trata da formação do pesquisador, em Programas
cuja produção científica apresenta alto nível de inserção e
representatividade na comunidade científica da área, é relevante a
análise dos conhecimentos e interlocutores teóricos que subsidiam
essa formação e contribuem para elevar os Programas ao nível de
importantes centros internacionais de ensino e pesquisa.
1
Este trabalho refere-se a um capítulo do relatório da pesquisa intitulada FORMAÇÃO
DE PESQUISADORES NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: principais
conceitos, autores e obras estudados nos programas de excelência (CAPES 2004 –
2006) subsidiada financeiramente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq, edital Universal, Processo n. 2008 476756/2008-1 e
pelo Programa de Bolsas de Iniciação Científica – ProBIC da Universidade do Vale do
Itajaí.
182
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
Em face da problemática apresentada nesse campo, pareceu
relevante indagar: - Quais são os conceitos, autores e obras que
norteiam a formação do pesquisador nos Programas de Pós-Graduação
selecionados, notadamente no que se refere ao estudo das políticas
educacionais? - Quais são as possíveis aproximações e os
distanciamentos existentes entre teorias e teóricos estudados?
Essas e outras indagações têm sido objeto de estudo do grupo
de pesquisa “Políticas Públicas de Currículo e Avaliação”. da
Universidade do Vale do Itajaí, grupo que reúne pesquisadores e
alunos envolvidos em investigações que guardam forte interface com
as questões das políticas públicas em educação.
O universo das pesquisas desenvolvidas pelo grupo é o da
produção do conhecimento no ensino superior, particularmente na
pós-graduação; o das políticas públicas para a educação, com ênfase
na formação de professores e pesquisadores; e o da compreensão
das múltiplas facetas e redefinições do conceito de conhecimento
que elas expressam e veiculam.
Nesse trabalho evidenciam-se: o processo teóricometodológico empreendido na investigação; o perfil curricular dos
Programas avaliados; e os principais conceitos, autores e obras que
norteiam a formação do pesquisador nos Programas de PósGraduação, notadamente no que se refere ao estudo das políticas
educacionais nas disciplinas com essa denominação.
Procedimentos metodológicos
O desdobramento do estudo foi conduzido simultaneamente
em três frentes:
1) Reuniões de nivelamento e Seminários no grupo de Pesquisa:
discussão das atividades do grupo de pesquisa, definição das
183
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
estratégias de trabalho, estudo sobre a política de Avaliação da PósGraduação e discussão do referencial teórico e metodológico. Nesse
âmbito realizaram-se estudos sobre as principais questões em debate
na análise de Políticas, a política de Pós-Graduação no Brasil, o papel
da avaliação nesse processo, notadamente a partir de 1996 quando
se implantou a avaliação continuada e o seu direcionamento no
período 2005 a 2010.
2) Pesquisa Documental: tabulação e análise de conteúdos dos
documentos disponíveis no site da CAPES – Avaliação/Cadernos de
Indicadores. Foram coligidos dois tipos de cadernos preenchidos pelos
Programas: Caderno das disciplinas e Cadernos com a Proposta do
Programa em cada um dos anos analisados (2004; 2005; 2006).
3) Pesquisa bibliográfica: visando o embasamento das análises
necessárias ao desenvolvimento da pesquisa. Entre os autores
estudados situam-se: Sousa; Bianchetti (2007); Kuenzer; Moraes
(2005; 2002), Moraes (2001), Horta; Moraes (2005); Mainardes
(2006), Ludke (2005), Cury (2010).
População e Delimitação do estudo
Os Programas de Pós-Graduação em Educação avaliados
pela CAPES com nota seis (6) na avaliação trienal 2007 foram:
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-RIO), Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS).
184
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
Coleta e análise de dados
Os procedimentos de aproximação e análise da empiria foram assim sistematizados:
a) Análise e discussão das propostas dos programas
selecionados (história, objetivos, linhas de pesquisa, base curricular
e pontos fortes).
b) Leitura prévia das disciplinas cadastradas no DataCAPES
e divulgadas nos Cadernos de Indicadores para uma primeira
classificação ou descrição das evidências mais significativas.
c) Tabulação dos dados em planilha eletrônica Excel
destacando as disciplinas e ementas que tratavam de políticas públicas
em educação.
d) Análise da planilha no sentido de “rastrear a conexão
íntima” dos dados. Nessa etapa destacaram-se as palavras-chave das
ementas e as categorias de menor e maior complexidade, assim como
os autores e obras listados nas referências das disciplinas, por meio
de tabela dinâmica e análise de conteúdo.
e) Sistematização e aprofundamento das análises
estabelecendo correlações com o referencial teórico estudado e outros
autores e obras evidenciados na análise da empiria.
Estrutura curricular dos Programas de Pós-Graduação
de Excelência em Educação na Avaliação da CAPEs – triênio
2004-2006.
A análise dos documentos “Proposta dos Programas – PO”
permitiu construir um breve perfil da estrutura curricular dos
programas selecionados (UFMG, UERJ, PUC-RIO, UFRGS,
185
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
UNISINOS) de modo a compreender como se tornaram importantes
centros internacionais de ensino e pesquisa.
Considerou-se que a discussão desse perfil permitiria
identificar, com mais clareza, a composição do corpus disciplinar que
dá sustentação à formação do pesquisador, especialmente no que se
refere aos estudos sobre políticas públicas.
Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da
UFMG
Criado em 1971, o Programa de Pós-Graduação em Educação:
Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de Educação da
UFMG (Mestrado e Doutorado) tem por objetivo “[...] promover a
formação de mestres e doutores em educação consoantes com
princípios de inclusão social e de construção de uma escola pública
democrática” (BRASIL, 2006a, p. 1).
No período avaliado, a estrutura curricular do Programa esteve
organizada em dois campos: Educação e processos de produção e de
socialização do conhecimento educacional; Organização do trabalho
pedagógico e desenvolvimento de práticas educativas.
O primeiro vincula-se à aquisição de conhecimentos
específicos nas diferentes áreas que configuram os saberes e práticas
escolares, em múltiplos espaços educativos. O segundo, por sua vez,
busca fundamentar investigações na área das políticas educacionais,
da história da educação, das práticas e culturas escolares, das relações
entre trabalho, tecnologia e educação, das ações coletivas e educativas
que ocorrem em espaços escolares e não escolares.
Entre as disciplinas obrigatórias para mestrandos e
doutorandos destacam-se: Tendências do Pensamento Educacional;
Metodologia de Pesquisa; e Tópicos Avançados de Pesquisa. A
186
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
primeira discute as principais tendências do pensamento educacional
no nível local, nacional ou internacional; as demais discutem um
amplo espectro de questões epistemológicas e paradigmáticas que
orientam as pesquisas na área de Ciências Humanas.
O Programa estruturou-se em três linhas de pesquisa:
Espaços Educativos: produção e apropriação de conhecimento;
Políticas Públicas e Educação; Sociedade, Cultura e Educação.
Como se observa, o Programa da UFMG definiu como um
dos eixos estruturais de suas linhas de pesquisa as políticas públicas
e educação. Na sua estrutura curricular, o estudo das políticas se
desenvolve principalmente na disciplina obrigatória: Tendências do
Pensamento Educacional.
Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da PUCRio
O curso de Mestrado em Educação da PUC-Rio foi pioneiro
no país (1966) e o doutorado, por sua vez, iniciou em 1976: “Até o
final de 2004, o Programa formou 65 doutores e 566 mestres, muitos
dos quais ocupam posições estratégicas em universidades públicas e
privadas, inclusive à frente de Programas de Pós-Graduação, e no
âmbito da gestão estatal” (BRASIL, 2006b, p.1).
São quatro as linhas de pesquisa do Programa: Formação de
Professores: tendências e dilemas; Educação, Relações Sociais e
Construção Democrática; Processos Culturais, Instâncias de
Socialização e Educação; História das Ideias e Instituições
Educacionais.
A estrutura curricular do programa no Mestrado está
organizada em disciplinas obrigatórias: Pesquisa Educacional I,
Pesquisa Educacional II, Educação Brasileira. No Doutorado são
187
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
obrigatórias: Trabalho Supervisionado em Pesquisa; e Questões
Atuais de Educação. Para ambos são também obrigatórias as matérias
de fundamentação, como: História de Educação Brasileira, Filosofia
da Educação I, Filosofia da Educação II, Sociologia da Educação I,
Sociologia da Educação II, Antropologia e Educação, Psicologia da
Educação I, Psicologia da Educação II, Política e Educação.
No que se refere ao estudo das Políticas Públicas nesse
programa observou-se a presença da temática como disciplina
obrigatória para o mestrado e o doutorado. Também na disciplina de
Educação Brasileira essa temática é estudada.
Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da
UFRGS
O PPGE da UFRGS existe desde 1972 e suas linhas de
pesquisa organizam-se em três eixos temáticos: 1: Conhecimento,
subjetividade e práticas educacionais; 2: Políticas de formação,
políticas e gestão da educação; 3: Cultura, currículo e sociedade.
O Programa apresenta uma estrutura curricular flexível, sem
disciplinas obrigatórias, com base em espaços indiferenciados entre
os Cursos de Mestrado e Doutorado. O currículo desenvolve-se por
meio de Disciplinas, Seminários, Práticas de Pesquisa, Leituras
Dirigidas e Ciclos de Palestras. As atividades curriculares são amplas
e distribuídas nos dois semestres letivos: em 2004, 170; 2005, 162 e
em 2006, 155. Essa oferta curricular geralmente resulta da livre
proposição das Linhas de Pesquisa, a partir de consensos dos
docentes e dos objetivos e necessidades destas.
De acordo com o Programa (BRASIL, 2006c, p. 2), “[...] a
diversidade altamente polifônica, gerada em termos de conteúdos,
188
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
resultados de pesquisa e de reflexão, permite contemplar a construção
de percursos singulares por parte de cada aluno do Programa”.
A distinção da oferta curricular entre os níveis de Mestrado e
Doutorado ocorre pela avaliação do desempenho, que prevê níveis
diferenciados de exigência. As discussões e os aprofundamentos sobre
as políticas públicas, no entanto, foram contempladas com ofertas
de inúmeras disciplinas na área e com a definição de um dos eixos
temáticos na linha de pesquisa: Políticas de Formação, Políticas e
Gestão da Educação.
Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da
UNISINOS
O PPGE da UNISINOS existe desde 1994. Em 2006, o
Programa realizou mudanças nas linhas de pesquisa, a saber: 1.
Educação, História e Políticas; 2. Práticas Pedagógicas e Formação
do Educador; 3. Currículo, Cultura e Sociedade; 4 Educação e
Processos de Exclusão Social.
A base curricular apresenta a seguinte configuração:
- Núcleo Básico com seminários obrigatórios para o mestrado:
Questões Epistemológicas e Educação; Educação Básica no Brasil;
Pesquisa e Problemas em Educação;
- Núcleo Específico, com atividades curriculares relacionadas
às Linhas de Pesquisa;
- Atividades curriculares em Seminários Temáticos, Leituras
Dirigidas e Práticas de Pesquisa;
- Núcleo Complementar, conforme o interesse de estudo do
corpo discente e as possibilidades de oferta do Programa.
No doutorado, a configuração curricular busca a interação
entre as dimensões teórica e empírica, nos Seminários de Tese I, II e
189
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
III, Seminários de Prática Educativa e Mediação Empírica I e II e
Seminários Avançados I e II.
Nesse Programa, o estudo sobre políticas públicas evidenciase na linha de pesquisa: Educação, História e Políticas, bem como
em algumas disciplinas que compõem o Núcleo Básico e Específico
de atividades curriculares.
Estrutura Curricular do Programa de Pós-Graduação da UERJ
O PPGE da UERJ iniciou o Mestrado em 1979 e em 2002, o
doutorado. Apresenta ele as seguintes linhas de pesquisa:
Conhecimento, Autonomia e Participação; Cotidiano e Cultura Escolar; Educação Inclusiva e Processos Educacionais; Infância,
Juventude e Educação; Instituições, Práticas Educativas e História.
Sua organização curricular encontra-se assim articulada:
1. Construção temática comum: no mestrado: Fórum de Pesquisa I;
Estatuto Filosófico da Educação; Educação, Cidadania e Exclusão.
No doutorado: Fórum de Pesquisa II.
2. Integração às problemáticas específicas: no mestrado Seminário
de Consolidação Temática e no doutorado Seminário de Tematização.
3. Integração às pesquisas: consiste no desenvolvimento conjunto
de pesquisa institucional diretamente vinculada aos projetos de
dissertação e tese dos alunos.
4. Integralização curricular: atividades eletivas variadas com
temáticas específicas do campo da educação ou afins.
No PPGE da UERJ o estudo das políticas públicas se efetiva no
interior das disciplinas que compõem o núcleo de Construção
Temática Comum e no núcleo de Integração às problemáticas
específicas.
190
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
Políticas Públicas em Educação: principais conceitos discutidos
nos programas de excelência
A descrição da estrutura curricular dos Programas analisados
evidenciou que os estudos sobre políticas públicas em educação
ocupam lugar de destaque, tanto nos eixos centrais das linhas de
pesquisa, como nas disciplinas consideradas obrigatórias.
Uma leitura prévia das disciplinas catalogadas permitiu
mapear as disciplinas que evidenciavam a palavra-chave política, isso
já na sua denominação. Foram identificadas 38 disciplinas com essas
características, sendo que 19 eram do PPGE da UFRGS; quatro da
PUC-Rio; cinco da UERJ, quatro da UFMG; e seis da UNISINOS.
No PPGE da UFRGS observou-se maior número de
disciplinas ofertadas (19) e com significativa carga-horária. Verificouse também que as denominações, assim como os enfoques das
disciplinas, apresentam expressivas mudanças de um ano para o outro,
denotando um movimento do Programa no sentido de atualizar a
temática e diversificar sua abordagem. Todas, porém, situam-se no
âmbito das discussões das macropolíticas e sua relação com o papel
do Estado.
A leitura atenta das ementas das 19 disciplinas evidenciou
que, no Programa da UFRGS, as várias abordagens adotadas para o
estudo dessa temática inserem-se em três grandes eixos:
1. Pesquisas em políticas públicas: destacaram-se as
disciplinas que enfatizam: a pesquisa em políticas públicas de educação,
com ênfase na reflexão sobre Política Pública, Política Social, Descentralização
e Direito à Educação; a Pesquisa em temas de Política educacional estabelecendo
relações entre as redefinições do papel do Estado e a política educacional; as
abordagens que visem à construção de metodologia de avaliação de políticas;
191
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
as pesquisas com temáticas do financiamento, avaliação e controle social das
políticas públicas de educação no Brasil e na América Latina².
2. Contextos políticos e econômicos: nesse eixo privilegia-se a
discussão da política em nível macrossocial e relacionada às
transformações no capitalismo e nas formas de intervenção do Estado; às
influências do estamento burocrático na definição, implantação e
implementação de políticas públicas de educação no Brasil; estudos sobre
federalismo brasileiro, descentralização e centralização das políticas sociais
e educacionais e suas relações com as políticas públicas de financiamento da
Educação.
3.
Modalidades de políticas: discussão de políticas específicas
dos diferentes âmbitos e modalidades de Educação: políticas de
educação profissional no Brasil, governamentais e não governamentais [...];
políticas públicas que envolvem trabalho-educação-saúde.
Evidencia-se, nesses eixos, uma concepção de política
direcionada para a noção de Estado e Política nos campos econômico,
social e educativo e, de modo concomitante, a discussão da produção
do conhecimento sobre o tema na perspectiva crítica.
Significa assumir que os estudos sobre políticas, notadamente
no âmbito da pós-graduação, não podem ignorar o amplo debate
acerca do que Ball (2004, p. 1106) chama de “acordo político do
Pós-Estado da Providência”, e as relações no interior desse acordo.
Ou seja, não pode ignorar as mudanças nos papéis do Estado – de
provedor a regulador – do capital, das instituições do setor público e
² A partir de então, as palavras apresentadas em itálico serão empregadas para destacar
o texto ou os fragmentos de texto retirados da empiria
192
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
dos cidadãos. Trata-se de compreender essa mudança como uma
passagem gradativa da maximização geral do bem-estar para a
maximização da performatividade e da lucratividade, no setor privado
e público.
Por outro lado, é a atividade de pesquisa e de análise das
pesquisas realizadas que possibilita ao pesquisador em formação ter
consciência de que “[...] a mudança, mais do que algo que ocorre ‘de
uma vez e por todas’, é um processo de contínua fricção, de uma
mistura do desenvolvimento/incremento de grandes e pequenas
mudanças que são numerosas e díspares” (BALL, 2004, p. 1108).
No PPGE da UFMG observou-se que em 2004 não houve
registros de oferta de disciplina cujo titulo indicasse o termo política.
Em 2005 e 2006, por sua vez, a oferta da disciplina vinculou-se aos
eixos de Tendências do Pensamento Educacional e Processos e
Discursos Educacionais, acompanhando as mudanças ocorridas no
programa nesse período.
No eixo dos Processos e Discursos Educacionais discutiu-se
a educação superior no contexto das políticas educacionais. Trabalho, teoria e
método. Tópicos, teorias metodológicas, política, trabalho e educação. Seminário
de políticas públicas. Cada um desses itens foi apresentado como
subtítulos da disciplina Processos e Discursos Educacionais e cada
qual com professor e carga horária específicos de 45 horas/aula. Os
subtítulos não apresentavam detalhamento da ementa.
No eixo das Tendências do Pensamento Educacional – em
2005 e 2006 – ocorreu o mesmo procedimento. Na definição há
subtítulos, cada qual com professor e carga-horária (60h/a)
específicos. Entre eles encontra-se o subtítulo de Políticas Públicas,
sem detalhamento de ementa.
No programa da PUC-Rio a oferta manteve-se estável, porém
houve um desdobramento dos estudos em duas disciplinas. A
193
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
primeira, Política e Educação, com enfoque mais amplo, direcionado
para o estudo dos paradigmas analíticos sobre políticas, e a segunda,
Política e Educação Brasileira (2006), para o estudo de experiências
e propostas de políticas educacionais no âmbito brasileiro. Na
disciplina de Política e Educação observaram-se três eixos de análises:
1. Paradigmas de análise em políticas sócio-educacionais:
funcionalistas; conflitualistas e neomarxistas [...] em especial face às crises
da social-democracia e do neo-liberalismo;
2. Quadros de referência em políticas sócio-educacionais:
aplicáveis ao contexto de federalismo e pluralismo político-ideológico das
sociedades política e civil brasileiras, e com base em recursos disponibilizados
por múltiplas fontes de dados;
3. Revisões críticas de projetos político-educacionais:
implementados nas décadas de 1990 – 2010 pelos Governos Federal,
Estaduais e Municipais, agências e instâncias nacionais e internacionais, a
partir de suas matrizes político-ideológicas.
Na disciplina Política e Educação Brasileira, oferecida em
2006, tomam-se os conceitos e temas da ciência política para a análise
da educação e das instituições educacionais. São priorizadas cinco
ideias-chave do pensamento político – Estado, Sociedade Civil,
Instituições, Políticas e identidade – para o estudo de experiências e
propostas educacionais: (1) Estado como instância de poder mobilizado
por interesses de indivíduos e grupos; (2) Sociedade Civil como processo e estrutura
fundamental das instituições formais da vida política; (3) Instituições como
expressão de interesses políticos na sociedade; (4) Políticas como conjunto de
decisões e ações que expressam interesses coletivos e como processo de agregação
e conformação de interesses de indivíduos e grupos; (5) Identidade como
força que conforma o comportamento político de indivíduos e grupos.
194
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
A análise desses eixos evidencia a busca do Programa (PUCRio) por maior aprofundamento e desenvolvimento teórico do objeto,
aliado ao domínio e à compreensão dos embates existentes nas
discussões teóricas sobre políticas e sua complexa relação com a
realidade social.
No Programa de UERJ, o tema Política, Filosofia e Educação
manteve-se com a proposta de discutir as relações entre filosofia,
política e educação, indagando o sentido da educação como uma prática
política e a política pensada filosoficamente.
Em 2005 e 2006, a disciplina Políticas de Currículo passou a
compor o conjunto de disciplinas direcionadas para a área. Buscou
analisar as políticas de currículo na perspectiva da recontextualização
por hibridismos; a ação de agências de fomento; as relações não verticalizadas
entre escola, mercado e Estado; a micropolítica nas escolas; as políticas de
currículo em contextos disciplinares.
Diferentemente do Programa da UFRGS, que ampliou o
campo de abordagem das políticas a cada ano do triênio, o Programa
da UERJ manteve um núcleo sistemático de estudos com foco na
abordagem filosófica e econômico-social do tema. Trabalhou no
sentido de compreender as relações entre os contextos macro e
micropolítico, as disputas e embates em arenas, lugares e grupos de
interesse que envolvem cada um deles.
A UNISINOS evidenciou um decréscimo na oferta de
disciplinas de políticas no período avaliado. O programa iniciou em
2004 com três disciplinas, duas em 2005 e uma em 2006. Duas das
oferecidas em 2004 continham, no entanto, a mesma ementa, apesar
de apresentarem nomes diferenciados - LPI Políticas Públicas; Cidade
Infância e LPI Políticas Públicas e Cidadania Experiências de
Participação Social – e serem oferecidas no primeiro e segundo
semestre, respectivamente.
195
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
Essas disciplinas dedicaram-se ao estudo do conceito de
política na perspectiva da democracia e cidadania. Sua ementa
propunha o estudo das experiências inovadoras de participação ativa na
sociedade na busca de construir alternativas via a educação para reinventar a
cidadania. Análise de experiências de participação cidadã a partir do Orçamento
Participativo de Porto Alegre e de Belo Horizonte. Os desafios da participação
na construção de uma cidade educadora.
A disciplina Escola Básica, História e Política Educacional
(2004) discutiu: Políticas Públicas e Estado; Relações Estado & Sociedade;
Relações entre Movimentos Sociais, Identidades e Culturas, História e Educação.
Nos anos de 2005 e 2006, o Programa da UNISINOS ampliou seu
enfoque de discussão, direcionando as disciplinas para duas vertentes
intimamente articuladas:
1. Referenciais analíticos de políticas educacionais: pautados na
abordagem do “ciclo de políticas” que visa a análise das políticas
no sentido de compreender as diferentes fases de formulação e do
movimento de articulação e rearticulação de grupos frente a políticas de
educação no Brasil. Nessa abordagem são considerados o contexto
amplo de influência em que os discursos são construídos, o contexto de produção
dos textos em que o poder central se faz interveniente e o contexto da prática.
2. Estado, Globalização e Políticas Educacionais: nessa vertente
discutem-se: as implicações da redefinição do papel do Estado
para a análise das políticas educacionais; o Estado e as Teorias do
Estado: do Estado-Providência ao Estado Neoliberal.
Nessas duas vertentes observa-se uma articulação no sentido
de discutir as políticas desde uma concepção abrangente, analítica e
metodológica. Evidencia-se, nessa postura, uma opção pela
abordagem do “ciclo de políticas” formulada pelo sociólogo inglês
196
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
Stephen Ball e por colaboradores (Bowe; Ball; Gold, 1992; Ball, 1994)
e utilizada, na última década, no Brasil como um referencial para
analisar a trajetória de políticas sociais e educacionais.
Mainardes (2006, p. 49) afirma que “[...] essa abordagem
destaca a natureza complexa e controversa da política educacional,
enfatiza os processos micropolíticos [...] e indica a necessidade de se
articularem os processos macro e micro na análise de políticas
educacionais”. Considera o autor que, no contexto brasileiro, poucos
autores têm discutido ou buscado delinear referenciais analíticos mais
específicos para a pesquisa de políticas públicas; proposta que tem
se mostrado profícua para esse propósito.
As possibilidades de análise vislumbradas em relação às
disciplinas de Políticas no interior dos Programas demonstraram as
concepções e os eixos teóricos e metodológicos que orientam o debate sobre o tema nos principais centros de investigação e formação
do pesquisador no Brasil. Essas concepções, todavia, conduziram à
segunda etapa da investigação no sentido de identificar os principais
autores e obras que mediaram esses estudos.
Os principais autores que mediaram os estudos sobre Políticas
Públicas em Educação
Os eixos de estudo das políticas identificados na análise das
disciplinas oferecidas pelos Programas no período 2004-2006
orientaram o mapeamento dos autores mais estudados sobre o tema.
Vale enfatizar que o número e a diversidade de autores é significativo
e, por essa razão, enfatizam-se os mais citados nas referências. Tomouse como ponto de corte aqueles que apresentaram duas ou mais
197
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
AUTORES
OBRAS
UFRGS
AFONSO, José R. et alii (3)
Brasil, um caso à parte; Descentralização Fiscal e Participação em
Experiências Democráticas Retardatárias.
ALMEIDA, Maria H. T. de (2)
Recentralizando a federação? (em2 disc.);
ARRETCHE, Marta (2)
Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação
e autonomia; Relações federativas nas políticas sociais.
AZEVEDO, Janete M. L. de
(2)
A educação como política pública (em2 disc.);
BOBBIO, Norberto (3)
A era dos direitos; Dicionário de Política; Descentralização e
Centralização
CHESNAIS, François (2)
A finança mundializada (em2 disc.).
CORTESÃO, Luiza;
MAGALHÃES, Antonio M.;
STOER, Stephen R. (2)
Mapeando decisões no campo da educação no âmbito do processo
da realização das políticas educativas (em2 disc.)
CURY, Carlos A. J. et alii (4);
Ideologia e educação brasileira, católicos e liberais; Legislação
educacional brasileira. Medo à liberdade e compromisso
democrático: LDB e Plano Nacional de Educação. Estatuto da
Criança e do Adolescente comentado – comentários jurídicos e
sociais.
CUNHA, Luís A. et alii (3)
Educação e desenvolvimento social no Brasil; Educação, Estado e
democracia no Brasil. Ogolpe na educação.
GENTILI, Pablo e
FRIGOTTO, Gaudêncio (2)
A Cidadania Negada - Políticas de exclusão na educação e no
trabalho (em2 disc.).
198
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
LAVAL, Christian (2)
A escola não é uma empresa. O neoliberalismo em ataque ao ensino
público (em 2 disc.)
LOBO, Theresa (3)
Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental (em 3
disc.).
LUCE, Maria B. M. et alii (6)
La evaluación y acreditación de la Educación Superior en Brasil.
Administração da educação: polêmicas e ensaios da democratização.
O novo ordenamento constitucional legal e institucional e a
educação. A organização da educação - qual educação? direito de
quem? dever de quem. Definição e gestão da política nacional
Educação e Constituinte; Diversidade e Diferenciação do Público e
do Privado na Educação Superior no Brasil.
MAINARDES, Jefferson (2).
Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de
políticas educacionais (em 2 disc.).
MONTAÑO, Carlos (2) .
Terceiro Setor e questão social crítica ao padrão emergente de
intervenção social. (em 2 disc.).
PERONI, Vera et alii (2)
O público e o privado na educação: interfaces entre Estado e
Sociedade; Política educacional e papel do Estado no Brasil dos anos
90.
REZENDE, Fernando et alii
(2)
Descentralização e Federalismo Fiscal no Brasil: desafios da
Reforma Tributária; Brasil: o estado de uma nação.
SANTOS, Boaventura de S. (4)
Globalização: fatalidade ou utopia? Para um novo senso comum: a
ciência, o direito e a política na transição paradigmática. A crítica da
razão indolente: contra o desperdício da experiência.Pela mão de
Alice, o social e o político na pós-modernidade
SALLUM Jr. Brasilio (2)
Federação, autoritarismo e democratização (em 2 disc.)
WOOD, Ellen M. (2)
Democracia contra o capitalismo - a renovação do materialismo
histórico (em 2 disc.)
PUC-Rio
BALL, Stephen (2)
“Performatividade, Privatização e o Pós-Estado do Bem-Estar” (em
2 disc.)
BOBBIO, Norberto (2)
Estado, Governo e Sociedade. Para uma teoria geral da política;
Liberalismo e Democracia
FRANCO, Creso e
BONAMINO, Alicia (2).
Pesquisa sobre característica de escolas eficazes no Brasil; Os efeitos
das diferentes formas de capital no desempenho escolar: um estudo
à luz de Bourdieu e de Coleman.
199
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
HABERMAS, J. (2)
Três M odelos Normativos de Democracia. In: A Inclusão do Outro:
Estudos de Teoria Política; Sobre a coesão interna entre Estado de
direito e democracia (2)
UERJ
BADIOU, Alain (4)
Conferências de Alain Badiou no Brasil. Se puede pensar la política?
Qué es la política? La ética y la cuestión de los derechos humanos(4).
BERNSTEIN, Basil (2)
A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle;
Pedagogía, control simbólico e identidad
LOPES, Alice C. MACEDO,
Elizabeth et alii (7)
Currículo de ciências em debate; Competências na formação de
professores: o que (não) há de novo; Disciplinas e integração
curricular: história e políticas;. Competências na organização
curricular da reforma do ensino médio; Currículo, práticas
pedagógicas e identidades; Parâmetros curriculares nacionais: a
falácia de seus temas transversais; Disciplinas e integração curricular:
história e políticas
MOREIRA, Antonio F. B. (2)
Os parâmetros curriculares nacionais em questão; A psicologia... e o
resto: o currículo segundo César Coll.
UNISINOS
AZEVEDO, Janete M. L. de
(2)
A educação como política pública; Implicações da nova lógica de
ação do Estado para a educação municipal.
AFONSO, Almerindo (3)
Estado, mercado, comunidade e avaliação: esboço para uma
rearticulação crítica; Avaliação educacional: regulação e emancipação;
Reforma do Estado e políticas educacionais: entre a crise do estadonação e a emergência da regulação supranacional.
BALL, Stephen (2)
Cidadania global, consumo e política educacional (em duas disc.)
CURY, Carlos J. (2)
Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano
Nacional da Educação; Gestão democrática da educação: exigências
e desafios.
DAVIES, Nicholas (3)
O FUNDEF e o orçamento da educação; O Fundef e as verbas da
educação; Conselhos do FUNDEF – a participação impotente.
SAVIANI, Dermeval et alii (3)
O Legado Educacional do Século XX no Brasil; Da Nova LDB ao
Plano Nacional de Educação: por uma outra política educacional.
Sistemas de Ensino e Planos Estaduais de Educação: o âmbito dos
municípios.
TEODORO, António (2)
Globalização e Educação – Políticas Educacionais e Novos Modos
de Governação; Políticas Educacionais: A Transdisciplinaridade de
um Campo de Estudo
200
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
incidências em cada um dos programas analisados. O Quadro 1
apresenta os autores e obras destacados nas disciplinas de Política:
A análise das ementas das disciplinas de Políticas do PPGE
da UFRGS revelou três eixos norteadores dos estudos sobre os temas:
Pesquisas em políticas públicas; Contextos políticos e econômicos;
Modalidades de políticas.
Para mediar seus estudos, o Programa adotou uma gama
diversificada de bibliografias e fontes documentais. Destacaram-se
autores como: Boaventura de S. Santos (4), que realiza uma discussão
do contexto da globalização na perspectiva da pós-modernidade,
enfatizando a transição paradigmática que tem influenciado a ciência,
o direito e a política; Norberto Bobbio (3), estudioso da filosofia
política, filosofia do direito, ética, e história das ideias, discutindo as
ligações entre razões de Estado e democracia; Cury (4), Luís Antônio
Cunha (3), Pablo Gentili, Gaudêncio Frigotto (2) e outros autores
cuja produção intelectual tem contribuído significativamente para
pensar as políticas públicas, a historia e a legislação educacional.
No que se refere ao estudo do conceito de descentralização e
ao novo ordenamento constitucional legal e institucional da
educação, o Programa recorreu, entre outros, aos estudos de Maria
Beatriz Luce (6), Theresa Lobo (3) e José R Afonso (3). Para discutir
as pesquisas e produção do conhecimento sobre políticas lançou mão,
principalmente de leituras de artigos e obras de Jeferson Mainardes
(2), que enfatiza as abordagens analíticas das pesquisas educacionais
e Vera Peroni, que investiga o público e o privado na educação e as
interfaces entre Estado e Sociedade, no Brasil dos anos 90.
O Programa da UFMG centralizou os estudos sobre políticas
nos eixos: Tendências do Pensamento Educacional e Processos e
201
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
Discursos Educacionais, no entanto não detalha ementas e
bibliografia utilizadas
A PUC-Rio direcionou seus estudos para os eixos: Paradigmas
de análise em políticas socioeducacionais; Quadros de referência em
políticas socioeducacionais; Revisões críticas de projetos políticoeducacionais. Como o PPGE da UFRGS discute os paradigmas de
mudança ocorridos na relação Estado, Mercado e Sociedade, realiza
revisões críticas de projetos de pesquisas na área e procura identificar
os quadros de referência sobre políticas educacionais. Auxiliam-no
nas discussões: Stephen Ball (2), sociólogo inglês que, em conjunto
com Richard Bowe, propôs uma metodologia de análise de políticas
denominada ciclo de políticas; Jürgen Habermas (2), filósofo alemão
do século XX que, com sua a teoria crítica social e Teoria Política,
contribui para a análise da coesão interna entre Estado de direito e
democracia. Do mesmo modo, Norberto Bobbio contribui para
discutir Estado, Governo e Sociedade, Liberalismo e Democracia.
A UERJ, nas disciplinas Política, Filosofia e Educação recorreu
a Alain Badiou (4), filosofo francês contemporâneo que discute
concepção de sujeito e verdade, política, ética e direitos humanos; e
a Basil Bernstein (2), outro sociólogo inglês que busca entender a
forma e o caráter da política educativa no século XX. Nas disciplinas
das Políticas de Currículo, são referências principais as obras de Alice
Casimiro Lopes e de Elizabeth Macedo (7), professoras e
pesquisadoras do Programa, e Antonio Flávio Moreira (2). Esses
autores apresentam produção expressiva no âmbito das políticas de
currículo, notadamente a partir dos anos de 1990.
Finalmente no PPGE da UNISINOS, para mediar os estudos
sobre Referenciais analíticos de políticas educacionais e Estado,
Globalização e Políticas Educacionais, dois eixos centrais que
orientam as disciplinas de políticas, recorreu-se, no período, às obras
202
REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
de Dermeval Saviani (3), um clássico nos estudos da Educação
brasileira, especialmente no que se refere ao Legado Educacional do
Século XX no Brasil; Nicholas Davies (3), com as obras nas quais
analisa o Fundef e o orçamento da educação; Almerindo Afonso,
que discute Estado, mercado, comunidade e avaliação; reforma do
Estado e políticas educacionais; e António Teodoro (2), que discute
também globalização e os novos modos de regulação. Carlos Jamil
Cury e Stefen Ball, como nos PPGEs anteriormente analisados,
também são importantes referências nos estudos desse programa.
Considerações finais
Considerando os limites e propósito deste trabalho, realizouse um recorte das disciplinas e autores que trataram sobre o tema
nos Programas avaliados. Evidenciaram-se aproximações entre os
programas analisados, notadamente no que se refere aos eixos de
discussão sobre políticas públicas e educacionais. Esses eixos
agruparam programas e disciplinas cujo foco de debate priorizou:
1. A abordagem econômico-social no sentido de compreender
o contexto no qual as políticas foram gestadas, disseminadas
e recriadas em face das transformações no capitalismo e nas
formas de intervenção do Estado ocorridas, em especial, a
partir das décadas de 1970/80;
2. A abordagem teórico-metodológica visando analisar o que
se produz de conhecimento sobre o tema partir de referenciais
analíticos pertinentes ou comuns às diferentes temáticas de
investigação e, por último,
203
Estudos sobre políticas educacionais na pós-graduação em educação: perspectivas...
3. A abordagem direcionada para as políticas socioeducacionais
específicas, em determinadas modalidades de Educação.
Para o aprofundamento dos estudos e com base nas
abordagens evidenciadas, mereceram destaque autores internacionais
que apresentam contribuições nos âmbitos da filosofia, da sociologia
e da teoria política, como Bobbio, Habermas, Boaventura Santos,
Ball, Bernstein, Badiou. No âmbito da intelectualidade brasileira e
no campo da Educação mereceram destaque Luce, Cury, Saviani,
Cunha, Gentili, Frigotto, Mainardes, Peroni, Lopes e Macedo, cujas
obras são referenciais para pensar a política educacional brasileira,
no que se refere à compreensão dos processos macrossociais e à
produção teórico-metodológica que orienta a produção do
conhecimento na área.
Referências
BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2004 – 2006.
________. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade do Rio
do Sinos. 2004 – 2006.
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Superior. Cadernos de Avaliação: disciplinas. Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. 2004 – 2006.
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REGINA CÉLIA LINHARES HOSTINS - ANAJARA GUERTLER
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Gerais. Brasília: CAPES, 2006.
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do Rio de Janeiro. Brasília: CAPES, 2006.
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do Rio de Janeiro. Brasília: CAPES, 2006b.
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WWW.capes.gov.br. Acesso em: 24 jun. 2010.
206
AS REFORMAS NEOLIBERAIS E SUAS
INFLUÊNCIAS NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL DO BRASIL E DA VENEZUELA:
EXPLICITANDO RESULTADOS E MUDANÇAS
A PARTIR DOS GOVERNOS DE LULA E
CHÁVEZ
VANDIANA BORBA WILHELM
FRANCIS MARY GUIMARÃES NOGUEIRA
A partir de análises documentais, no presente capítulo 1
objetivamos comparar determinados contrastes e semelhanças da
política de educação especial entre Brasil e República Bolivariana da
Venezuela, em relação aos aspectos concernentes à trajetória histórica,
conceitual e os resultados concretos da implementação dessa política,
os quais estão expressos nos indicadores numéricos de matrículas.
Antes, porém, de iniciarmos essa discussão, cabe explicitar
que se entende que a política de educação especial é parte integrante
das políticas educacionais como um todo, e que esta, por sua vez,
não possui um caráter autônomo e muito menos hegemônico, desse
modo, de acordo com orientação teórico-metodológica, essa política
de estado não poderia ser analisada a não ser nas relações sociais que
Capítulo vinculado a uma parte da Dissertação de Mestrado intitulada Estudo
comparado da Política de Educação Especial no Brasil e na Venezuela: uma
análise a partir de emergência do neoliberalismo, defendida no Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, sob a orientação
da professora Dra. Francis Mary Guimarães Nogueira, em 2010.
1
207
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
dão origem a ela. Esse entendimento cabe, sobretudo, porque as
alterações na base material, de forma mediatizada, incidem no campo
educacional, onde emergem novas contradições. Nesse contexto, vale
explicar que não são somente aquelas contradições da base material,
pois este capítulo expõe inicialmente, de forma sumária, alguns dados
teóricos e históricos das reformas neoliberais, para estabelecer os
nexos dessa reforma, com a temática central deste trabalho.
Nessa direção, assinalamos que as raízes teóricas, ideológicas
e políticas do programa de dominação econômica do capital elaborado
no decorrer da Segunda Guerra Mundial, denominado por
neoliberalismo, podem ser localizadas nos postulados do economista
austríaco Friedrich August von Hayek (1899-1992, e de outros
expoentes que se opunham às denominadas políticas keynesianas
concretizadas no pós-Segunda Guerra. Princípios neoliberais
defendidos desde as décadas de 1930/1940 rejuvenescem e se
atualizam a partir da crise econômica da década de 1970, a qual foi
decisiva para o definhamento do regime de acumulação fordista e
para a reorganização do capitalismo sob novas bases produtivas, ou
seja, o regime de acumulação flexível, com isso produzindo alterações
na base material e, ao mesmo tempo, acarretando implicações nas
demais esferas do campo político e cultural.
Face ao disposto, convém assinalar que o neoliberalismo tem
seu berço em décadas passadas, todavia é nos anos de 1980 e 1990
que esse pensamento político e econômico se encontrou em uma
fase de consolidação, propagação e intensas reformas, principalmente
nos países periféricos. Desse modo, cabe salientar que o neoliberalismo
nesse momento histórico apresentou-se como outra fase do capital
e, portanto, em diferentes bases materiais, políticas e culturais.
Entretanto, continuou seguindo os mesmos princípios do velho
liberalismo do século XVIII, onde, desde esse período, a igualdade, a
208
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
liberdade, a individualidade, a propriedade e a democracia são
diuturnamente reafirmadas e fortalecidas.
O receituário neoliberal nos países centrais e nos países
periféricos latino-americanos, onde destacamos o Brasil e a Venezuela, não penetrou de forma idêntica, pois se, nos países em questão,
as políticas neoliberais se enraizaram no final da década de 1980, no
Chile, durante a ditadura de Pinochet, encontrou um terreno fértil
para emergir. (NOGUEIRA, 2001)
De modo geral, a abertura para as reformas neoliberais
concentra no ano de 1982, data conhecida como o ponto de eclosão
do endividamento externo, crise que já vinha como processo desde o
final da década de 1970, podendo ser caracterizada como a
transferência da crise dos países centrais para os periféricos, o que
corroborou para o aceleramento do processo de anuência às reformas
neoliberais, sendo elas aprofundadas no final dessa mesma década e
no decorrer dos anos de 1990, com a adesão irrestrita, mas com
intensidade diferente dos países periféricos, às diretrizes contidas no
Consenso de Washington. (NOGUEIRA, 2001)
No rastro da crise econômica e política, os empréstimos para
ajuste estrutural negociados com os organismos financiadores
multilaterais colocaram-se como condicionalidades para a
renegociação da dívida externa e forma de cobrar dos países
endividados maior rigor fiscal, a exemplo da redefinição do papel do
Estado, feito que atingiu as instâncias e instituições que o constituem,
como a escola, que historicamente foi chamada a atender às novas
demandas do capitalismo. (NOGUEIRA, 2001)
Foi por esse caminho que o neoliberalismo se desenvolveu
no continente latino-americano, aprofundando a pobreza e agravando
os problemas sociais. Por essas latitudes, as particularidades do
neoliberalismo se direcionaram para a adaptação às exigências do
209
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
grande capital internacional, na manutenção do papel de exportadores
de matéria-prima, na conservação da condição de subordinação às
economias e política aos países centrais, assim como a abertura dos
mercados nacionais. Todavia, para Boito (1999, p. 49), “O
imperialismo não é apenas uma força externa às nações periféricas.
Ele sempre entrelaçou seus interesses com classes e frações de classe
dos próprios países dominados”. Ou seja, a situação de dependência
não se deu tão somente por imposições, mas, também, por convenções
firmadas com as elites nacionais dirigentes, que amealham uma parte
menor da mais-valia.
Expostos alguns elementos concernentes às reformas
neoliberais que trouxeram alterações na base material e em todas as
instâncias sociais e culturais, queremos destacar a “sentença”
ideológica sustentada pelos velhos liberais e pelos neoliberais de que
a educação é o motor para o desenvolvimento econômico, devendo
cumprir seu atributo, isto é, o de dar formação ao novo homem, uma
formação compatível com as alterações e as exigências do mundo
produtivo, agora em sua versão flexível, para continuar a essência
imutável, da acumulação, reprodução e concentração de capital.
Com a certeza de que o acesso ao mundo letrado gera novas
necessidades que estão condicionadas ao consumo de mercadorias,
ao aumento da produtividade, dentre outros fatores, a educação
ergueu-se como alavanca para a solução dos problemas sociais, além
de colocar-se como requisito para o ingresso ao mundo globalizado e
meio de incorporação dos novos códigos da modernidade 2. Nessa
perspectiva, em consonância com Nagel, é
2
Conhecimentos para o manejo das operações aritméticas básicas, a leitura e
compreensão de um texto escrito, a comunicação escrita, a observação, descrição e
análise crítica do entorno, a recepção e interpretação das mensagens dos meios de
comunicação modernos e participação no desenho e execução de trabalhos em grupo.
(BRASIL, 2000).
210
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
[...] impossível pensar a educação sem pensar nas
alterações da base produtiva, nas exigências de
reorganização do capital, sempre explicitadas pela
constante modernização do sistema. Nesse
sentido, impossível pensar a educação fora do
espectro da contradição que põe lado a lado a
mudança e a permanência, que impõe novas
formas de trabalho no interior da mesma relação
de produção, que aciona velhas atitudes, apenas
maquiadas pelo velho dogma do mercado. (2001,
p. 101).
A referência acima explica por que a exposição deste artigo
inicia partindo de dados sumários das reformas neoliberais.
Apresentamos, a partir deste momento, as particularidades da
emergência e forma de difusão do neoliberalismo do Brasil e da Venezuela e a inflexão dessas políticas econômicas para a política de
educação especial.
No Brasil, em termos de marco decisório e de implementação
decisiva das receitas do Consenso de Washington, destacamos a gestão
do ex-presidente da República Fernando Collor de Melo (1990 -1992),
o qual, segundo Batista (2001), principiou a liberalização comercial
e financeira com a abertura unilateral do mercado brasileiro em nome
da inserção ao mundo globalizado; a ofensiva às privatizações dos
bens públicos, e, dentre outras medidas, impactou negativamente as
condições de vida e de organização dos trabalhadores.
Essas ações políticas foram aprofundadas no decorrer das
duas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC
1995-1998 e 1999-2002), dando ênfase à reforma do Plano Diretor
da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado, à intensificação
das privatizações do patrimônio público, à precarização da força de
trabalho, à redução dos gastos sociais e à supressão dos direitos sociais,
211
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
medidas essas que explicitam a adesão aos princípios neoliberais que
já estavam aparentemente consolidados nos países centrais, a exemplo
da desregulamentação, da disciplina fiscal, da priorização dos gastos
públicos e da liberalização financeira e comercial. Cabe destacar ainda
que, com a crise do capitalismo internacional que explodiu no final
de 2008 nos Estados Unidos da América, espalhando-se para toda a
Europa, demonstra que a crise fiscal da Grécia, da Irlanda, da
Espanha e de Portugal evidenciam que parte do receituário neoliberal
não foi cumprido, e agora os trabalhadores estão sofrendo o revés do
neoliberalismo e a “mão de ferro” do estado burguês.
Na sociedade venezuelana, trazemos como marco de
emergência do neoliberalismo a gestão do ex-presidente Carlos Andrés
Pérez (1989-1993), que foi o responsável por firmar com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), nos primeiros dias de seu governo,
em 1989, o que ficou conhecido como “o pacote”, ou seja, um
conjunto de medidas que faziam parte dos ajustes estruturais pelos
quais diferentes países da América Latina estavam sendo
condicionados.
Essas reformas agravaram a pobreza no país, sendo ainda
mais intensificadas na gestão do ex-presidente Rafael Caldera, que,
em 1996, desencadeou novas reformas, denominadas “Agenda Venezuela”, colocando em prática ações que visavam à redução dos gastos
sociais, à abertura do setor petroleiro ao capital internacional, à
privatização de empresas estatais, dentre outras medidas que
aprofundaram e ampliaram o contingente de pobres no país.
Especificamente sobre as reformas educacionais, ressaltamos
a elaboração e a difusão de diversos documentos internacionais que
foram norteadores dessas reformas nos países periféricos, a exemplo
do documento oriundo da Conferência Mundial de Educação para
Todos - “Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem”,
212
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
realizada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, cujo teor se centrou
na defesa da universalização da Educação Básica3e na erradicação
do analfabetismo.
Além deste, destacamos também o documento econômico
da CEPAL, “Transformação Produtiva com Equidade” (1990) e o
de 1992, intitulado “Educação e Conhecimento: eixo da
transformação produtiva com equidade”. Nesse ângulo, mencionamos
também o relatório organizado por Jacques Delors entre 1993 e 1996,
encomendado pela UNESCO e intitulado “Educação, um tesouro a
descobrir”, dentre outros.
Em âmbito brasileiro, das metas a serem atingidas por meio
da refor ma educacional, nossa referência ficará restrita à
universalização do ensino fundamental, meta esta que sustentou
política e ideologicamente o discurso de que a inserção na escola
regular de grupos marginalizados, dentre os quais localizamos as
pessoas com deficiência, público da política de educação especial,
era um imperativo do chamado mundo globalizado, fomentando, dessa
forma, a ideia da inclusão educacional de todos. Esse discurso
corroborou para firmar o processo de universalização desse nível de
ensino, resultado que foi divulgado no ano de 2001 com base no
Censo de 2000, ao ser atingido o índice de ingresso de 96,3% das
crianças em idade escolar.
Sobre a meta da universalização do ensino fundamental,
Nogueira (2001), alerta para o fato de que os documentos
internacionais, em consonância com o Banco Mundial, que têm na
educação o motor para o desenvolvimento econômico e a contenção
da pobreza, financiando projetos e elaborando diretrizes, a exemplo
3
Para os organismos internacionais corresponde às séries iniciais, porém, no Brasil, foi
traduzida como ensino fundamental, conforme os artigos 206, 211 e 214, pela
obrigatoriedade apresentada na Constituição Federal de 1988.
213
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
da busca por novas fontes de financiamento, sem dúvida, balizaram
as reformas educacionais desencadeadas na década de 1990.
Entretanto, essas reformas não se constituíram tão somente de
recomendações internacionais, mas, também, de ações de âmbito
nacional que vieram ao encontro delas, produzindo um consenso em
torno da centralidade da educação básica.
A referida autora apresenta um panorama geral da origem e
concomitância dessas políticas internacionais, partindo de medidas
governamentais que antecederam a Conferência de Jomtien e de
outras que, posteriormente, se entrelaçaram a ela e culminaram com
a efetivação da universalização do ensino fundamental no ano de
2001. Segundo Nogueira (2001),
O consenso em torno da Centralidade da
Educação Básica não foi um projeto interventor,
“maquiavélico” e unívoco do Banco Mundial
para a sociedade e para a educação brasileira. Nos
anos 80, ao mesmo tempo que se definia, se
propunha e se financiava políticas econômicas,
culturais e educacionais de forma insistente pelo
Banco Mundial e outros Organismos
Internacionais Multilaterais, se elaborava em nível
nacional através de Governos Estaduais e
Municipais, políticas educacionais que combatiam
a evasão e a repetência. Num outro plano,
emergiam também reivindicações com essa
mesma temática de associações acadêmicas, de
movimentos sindicais de todos os níveis de
ensino, de estudantes e de movimentos populares
que entendiam que a luta pela escola pública era
a luta por melhores condições de vida para seus
filhos. (2001, p. 21).
214
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
Dito isso, reafir mamos que é no bojo das refor mas
educacionais da década de 1990 que o tema da inclusão educacional
de pessoas com deficiência em escolas da rede regular de ensino
adquire ênfase, apesar de que o conceito de inclusão e a escolarização
desse segmento social em escolas ditas comuns não tenha sido uma
originalidade dessa década4. É, todavia, nesse momento histórico
que se propaga e ganha novos contornos. Cabe assinalar também
que, antes da difusão do conceito inclusão, na trajetória histórica da
constituição da educação especial brasileira enquanto uma política
de Estado, dois outros conceitos já estavam presentes, sendo eles o
da institucionalização e o da integração, mudanças conceituais essas
que não transcorreram de forma linear e que, apesar dos anos que os
separam em termos de marco histórico, não houve rupturas
paradigmáticas, pois, na atualidade, a existência de concepções e de
práticas ainda os mantém no cenário da política educacional.
Na sequência, buscaremos apresentar esses três modelos
educacionais, trazendo algumas informações e os resultados concretos
da política de educação especial, mais especificamente, da
escolarização de pessoas com deficiência no Brasil, para,
posteriormente, expor alguns contrastes e algumas semelhanças dessa
política educacional em âmbito venezuelano.
Em relação à institucionalização, esclarecemos que este é um
modelo de atendimento iniciado ainda na Idade Média, por meio do
confinamento daqueles desviantes da norma, ou que não davam conta
de prover sua subsistência, em asilos e em outras instituições
segregadoras, como os hospitais psiquiátricos. No capitalismo, essa
4
Aprofundar estudos em GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. “Políticas públicas de
inclusão: uma análise no campo da educação especial brasileira”. 2004. Tese (Programa
de Pós-Graduação em Educação), Universidade Federal de Santa Catarina, FlorianópolisSC.
215
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
prática tem continuidade por intermédio da criação dos institutos
para a educação de cegos e surdos na Europa, Na segunda metade
do século XVIII, sendo que no Brasil, o primeiro instituto é datado
do ano de 1854, constituindo-se no marco inicial da educação especial brasileira.
É pertinente trazer uma observação relevante elaborada por
Bueno (1993), a de que, embora os institutos portassem o timbre de
locus para o processo ensino-aprendizagem, por décadas a instrução
formal foi secundarizada, e as escolas/institutos tornaram-se uma
espécie de asilo-oficina, lembrando que, para essas instituições, eram
enviadas pessoas com deficiência pertencentes à classe pobre.
No Brasil, somente por volta de 1960 é que esse modelo
filantrópico-assistencial, pautado na institucionalização, passou a ser
contestado e visto como uma afronta aos direitos humanos, assim
como a ser objeto de estudos e de publicações acadêmicas. Desse
modo, em meio ao debate que se instaurava, dois novos conceitos
emergiram, sendo eles o da normalização e o da desinstitucionalização.
A normalização partia do princípio de que, para introduzir a pessoa
com deficiência na sociedade, a pessoa necessitava adquirir as
condições e os padrões da vida cotidiana, no nível mais próximo
possível do normal. Assim, os serviços destinados a esse fim foram
ofertados em escolas especiais, nas entidades assistenciais e nos
centros de reabilitação. Dessa forma, “Ao se afastar do Paradigma da
Institucionalização e adotar as idéias de Normalização, criou-se o
conceito de integração, que se referia à necessidade de modificar a
pessoa com necessidades educacionais especiais, de forma que esta
pudesse vir a se assemelhar, o mais possível, aos demais cidadãos,
para então poder ser inserida, integrada, ao convívio em sociedade”
(BRASIL, 2000, p. 16).
216
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
Com base na citação acima, identificamos que o modelo da
integração que passou a nortear a educação especial brasileira,
contrapondo-se à institucionalização, embora mais evoluído, em
última instância, também desaguava na segregação ao atribuir a
responsabilidade pela adaptação e pela inserção social ao indivíduo,
sem que questões mais amplas, tais como as barreiras de ordem
arquitetônica e barreiras atitudinais e outras formas de adaptações
fossem pensadas no conjunto do processo de integração social. Desse
modo, se, mesmo passando pelos serviços voltados à normalização,
o indivíduo fosse julgado inapto, aqui em particular à educação, a
plena integração escolar não se consolidaria e a formação educacional
prosseguiria nos institutos, os quais resistiram à mudança conceitual,
como nas escolas de educação especial Pestalozzi e APAEs, que se
expandiram, assim como nas classes especiais.
Nesse percurso, é relevante destacar também que é em meio
ao movimento da integração que, no ano de 1973, é criado o Centro
Nacional de Educação Especial (CENESP, hoje Secretaria de
Educação Especial-SEESP), órgão vinculado ao Ministério da
Educação para pensar a política nacional de educação especial, sendo
somente nesse momento que a educação de pessoas com deficiência
passa a ser uma política de Estado.
O modelo educacional pautado na integração trazia a
orientação para a inserção na escola regular, entretanto era uma
inserção parcial e condicionada ao nível de adaptação do aluno. Essa
foi a razão pela qual, já no final dos anos de 1980, que o modelo da
integração também enfrentou críticas, tendo em vista a insuficiência
de seus resultados frente à avaliação de organismos internacionais,
como a UNESCO, e também das próprias pessoas com deficiência,
que, já organizadas em associações ou em outras instâncias de
representatividade, reivindicavam a plena participação social e o
217
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
acesso a todos os espaços da sociedade, dentre eles, a escola, espaços
esses que deveriam estar adaptados para atender a suas necessidades,
ao invés de essas pessoas, individualmente, terem que se adaptar a
um meio que não lhes oferecia condições favoráveis.
Essas reivindicações vieram ao encontro do conceito de
inclusão que começava a ser difundido na esfera governamental,
respaldadas por recomendações de documentos internacionais,
gerando intensos debates principalmente no campo educacional.
Nesse percurso, o direito ao acesso à escola regular por parte de
pessoas com deficiência foi se fazendo presente no arsenal legislativo,
o qual, embora limitado, e muitas vezes restrito ao plano formal,
pode ser tomado como um instrumento válido para o enfrentamento
político, para a denúncia do não cumprimento pleno e para o
acirramento das contradições.
Legalmente, é no ano de 2001, com a aprovação da Resolução
CNE/CEB n° 2, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, que o conceito de inclusão, ainda de
forma pouco elaborado, constou na legislação, embora desde o ano
de 1994, com a publicação do documento internacional intitulado
Declaração de Salamanca5- “Sobre Princípios, Política e Prática em
Educação Especial”, esse conceito tenha sido divulgado, trazendo a
equivocada ideia de que a inclusão educacional era uma originalidade
dos anos de 1990.
Já na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (20032006 e 2007-2010), a política de educação especial vai adquirindo
novos contornos, podendo-se destacar a institucionalização do
“Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade”, que teve início
5
Sobre a tradução desse documento no Brasil, ler: BUENO, José Geraldo Silveira. As
políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação especial?. In: Deficiência e
escolarização: novas perspectivas de análise. São Paulo: Junqueira & Marin, 2008.
218
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
no ano de 2003 tendo por objetivo contribuir na política de
construção de escolas inclusivas em todo o país.
Podemos dizer que o ano de 2008 é o ano em que o conceito
inclusão educacional se faz presente na legislação de forma mais
definida, e, para essa afirmação, fazemos menção à aprovação da
“Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva”, publicada em janeiro de 2008. Essa política está em
consonância com o Parecer CNE/CEB n° 13, homologado pelo
Ministro da Educação, Fernando Haddad, em 23 de setembro de
2009, que trata das diretrizes operacionais para o atendimento
educacional especializado para os alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
orientando a matrícula desses alunos em classes regulares e no
atendimento educacional especializado.
Resumidamente, a orientação da Secretaria da Educação Especial é a inclusão educacional de todas as pessoas com deficiência
em classes comuns do ensino regular e a transformação das escolas
de educação especial em centros de atendimento educacional
especializado, bem como a implantação das salas de recursos
multifuncionais em âmbito nacional, o que já vinha ocorrendo
gradativamente desde o ano de 2005, sendo que esse atendimento
não pode ser substitutivo à escolarização regular, diferença central
em relação à Resolução 2/2001.
Ainda recente, o teor dessa política da educação especial tem
provocado intensos debates e reações acadêmicas e políticas das mais
diversas, sendo que, estando em fase de desdobramentos e de
tentativas de implantação, é um objeto difícil para sobre ele se fazer
afirmações categóricas ou confirmações analíticas. Desse modo, sem
a pretensão de aprofundarmos a discussão, o objetivo de fazermos
este resgate histórico das ações legais e políticas, bem como das
219
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
concepções e das práticas em educação especial, é o de explicitarmos
que a meta da universalização do ensino fundamental trouxe consigo
a necessidade de incorporar, à escola, grupos até então marginalizados
de seu acesso, desse modo implicando diretamente no debate e na
inserção escolar de pessoas com deficiência.
Outro elemento é o de que, embora não tenha ocorrido uma
superação do modelo da institucionalização para o da integração, e
deste para o da inclusão, a difusão deste último conceito produziu
resultados concretos, os quais estão expressos nos dados do censo
escolar, podendo-se indicar alguns índices estatísticos para
demonstrar a significativa ampliação do ensino a essa demanda
reprimida do acesso à educação, seja em escolas do ensino regular,
seja em escolas especiais.
Conforme dados do Censo escolar dispostos no site <http:/
/www.inep.gov.br>, a partir do ano de 1998 os indicadores numéricos
referentes à matrícula de pessoas com deficiência são apresentados
de forma sistematizada, sendo exposto nesta análise somente o total
geral de matrículas de alguns anos, os quais revelam a afirmação
acima.
As de matriculas foram: em 1998, 43.923; em 2001, 81.344;
em 2004, 195.370; em 2006, 325.136; e em 2009, 386.334. Esses
dados nos permitem dizer que, entre os anos de 1998 e 2009 houve
um aumento de 779% nas matrículas, sendo que o debate em torno
da qualidade do ensino, do número de concluintes da educação básica
e da oferta dos serviços de apoio especializado não é objetivo deste
artigo.
Antes de passarmos ao contexto da educação especial
venezuelana, abordaremos como o governo do presidente Lula,
enfrentou as políticas neoliberais, uma vez que a preposição deste
artigo vincula projeto neoliberal e educação especial. Nesse sentido,
220
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
ressaltamos que Lula não promoveu uma guinada radical na gestão
da política macroeconômica conduzida pelo ex-presidente FHC,
sendo que algumas diretrizes do receituário neoliberal, como a reforma
da previdência, foram revistas e tiveram continuidade em seu governo.
Apesar disso e de outras ações que não beneficiaram o
conjunto dos trabalhadores, como os lucros exorbitantes dos bancos
e a ascensão de uma burguesia interna, Lula efetivou políticas que,
dado os princípios dos partidos que representam os interesses da
elite dominante, nem de longe cogitariam executar, podendo se citar
o aumento real do salário mínimo, mesmo sendo um baixo percentual;
a retomada de maior controle do Estado em áreas estratégicas,
estancando as privatizações e uma política externa de ampliação de
mercados das regiões Sul-Sul, particularmente com a América Latina.
Cabe destacar que a ida de muitos líderes dos movimentos
sociais filiados ao PT para o governo possibilitou a implementação
de algumas políticas sociais relevantes para eles, bem como a
efetivação de políticas monetárias, como o pagamento da dívida com
o FMI, o que possibilitou uma maior autonomia na condução da
política econômica brasileira, além da visibilidade política a nível
internacional, destacando-se ainda a proximidade e o diálogo, no plano
político e comercial, com o presidente Chávez, com o presidente
Evo Morales e com outros governos da região, ações que demonstram
que o presidente Lula não foi uma continuidade e nem se pautou
pelo estrito receituário neoliberal de FHC.
Apresentada essa sumária conjuntura política, econômica e
social do Brasil, na sequência do artigo exporemos alguns aspectos
da reforma educacional venezuelana, para, em seguida, abordar a
especificidade da política de educação especial nesse país, buscando
explicitar alguns contrastes e algumas semelhanças em relação a essa
modalidade educacional em âmbito brasileiro, assim como explicitar
221
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
a atual conjuntura do neoliberalismo na Venezuela.
No que tange à reforma educacional venezuelana de 1990,
assinalamos que, diferentemente do Brasil, onde uma das metas da
reforma educacional neoliberal centrou-se na universalização do
ensino fundamental, na Venezuela o foco da reforma esteve na
descentralização e na privatização do ensino público, com isto,
excluindo milhares de venezuelanos do acesso à educação.
Em relação à descentralização, Shiroma (2009) assim
expressa:
[...] a apologia em prol da descentralização
difundida pelas agências multilaterais que
orientaram as reformas da década de 1990,
ressaltam os aspectos da eficiência administrativa
e da qualidade, mas ocultam os aspectos políticos
de controle e de racionalização. Como
argumentamos, a descentralização tem-se
constituído em alternativa para diminuir os gastos
públicos, compartilhando o financiamento da
educação com as escolas e a sociedade civil, em
especial via ações de responsabilidade social.
(SHIROMA, 2009, p. 188).
Esse pilar do receituário neoliberal não esteve à parte da
conjuntura econômica e política vivenciada pelo país. Dessa forma,
em linhas gerais, localizamos a origem e o papel da descentralização
educacional e seus vínculos com a crise econômica expressa pela
dívida externa venezuelana do início da década de 1980, a qual
possibilitou o avanço das reformas neoliberais, que, dentre outros
resultados, reduziu o tamanho e as funções desse Estado, sob o
argumento de torná-lo mais eficiente, transferindo, ou
descentralizando, atribuições do governo central para outras
222
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
instâncias, e restringindo gastos sociais, implicando diretamente a
precarização da manutenção da escola pública.
A reforma de cunho economicista-mercadológica pôs em
primeiro plano o controle dos gastos públicos e a sua minimização,
deixando a cargo da sociedade a captação de outras fontes financeiras,
o que levou à deterioração das escolas públicas e, por outro lado,
corroborou para fortalecer o novo mercado, ou seja, a rede privada
de ensino, dando destaque para aquelas de caráter confessional, que,
segundo Ratjes (2009, p. 33 -34), “[...] intenta jugar un rol de sustituto
del Estado en materia educativa. [...] la iglesia se convirtió en una
entusiasta defensora de la descentralización como un mecanismo para
capturar aparato escolar venezolano y defender los intereses de la
elite venezolana”.
Esse cenário de desmantelamento do ensino público começou
a ser alterado em 1999, quando Hugo Rafael Chávez Frías é eleito
democraticamente presidente da República, desencadeando medidas
significativas em direção à recuperação do caráter público da educação,
medidas essas que ultrapassam o campo educacional e ampliam-se
para outros setores sociais. As transformações políticas, econômicas
e sociais, as quais se têm defrontado diuturnamente com as críticas
virulentas e as ações políticas da burguesia rentista local, com o apoio
de grande parte da burguesia e secretaria de Estado estadunidense,
que, ao sentir-se ameaçada em seus interesses de classe dominante,
repudia e tenta anular o governo chavista e as tentativas de colocar
em prática os compromissos de campanha, a exemplo da necessária
“Revolución Bolivariana”, que terminaría con la corrupción y la
traición en serie del bipartidismo venezolano. Se necesitaban reformas
políticas y sociales radicales redistribución de la tierra y una nueva
Constitución para una transformación estructural del sistema político
y de la vida cotidiana del pueblo” (ALI, 2006, p. 74).
223
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
Com a refundação da República, definida na nova Carta
Constitucional de 1999, que traz o caráter democrático, participativo
e protagônico da população, necessitava-se de um novo homem
republicano e o estabelecimento de uma nova Escola, não excludente,
que contribuísse para o fortalecimento da identidade nacional e para
o desenvolvimento endógeno do país. É nesse contexto que em 1999
são instituídas, em caráter experimental, as “Escolas Bolivarianas”6,
as quais se constituíram em um sistema experimental de ensino que
vigorou paralelamente à educação convencional.
Outra ação do Estado voltada para o campo educacional são
as missões educativas inclusivas, as quais são parte das missões
sociais7 criadas a partir do ano de 2003. As missões do campo da
educação são destinadas a jovens e a adultos que se encontravam
fora da idade escolar regular por terem interrompido os estudos em
decorrência das condições materiais de existência ou, então, que
sequer iniciaram o processo de escolarização. Essas missões
educativas são denominadas de Missão “Robinson I, alfabetización;
Misión Robinson II, prosecución al sexto grado; Misión Ribas, para
culminar el bachillerato y Misión Sucre, con miras a municipalizar la
educación superior” (VENEZUELA, 2004, p. 23)8.
Esse processo de reconstrução gradativa da educação pública
tem seu ponto de culminância em agosto de 2009 com a aprovação
da nova Lei Orgânica de Educação, que é a expressão da recuperação
6
A referência ao Libertador Simón Bolívar tem um profundo valor para os venezuelanos.
Ressaltar o bolivariano remete à melhor das tradições e aos fundadores da nação.
7
Essas missões tiveram início no ano de 2003, sendo políticas sociais financiadas com
recursos advindos diretamente da renda petroleira.
8
Sobre as missões educativas, ler: BORGES, Liliam Faria Porto e MAZZUCO, Neiva
Galina (Org.). Democracia e políticas sociais na América Latina. São Paulo: Xamã, 2009, p.
105-121.
224
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
do caráter público da escola e da concretização do sistema educacional
iniciado ainda em 1999, que deixou de ser paralelo para tornar-se
oficial.
Essas ações políticas visaram a inclusão educacional de toda
a população excluída do acesso a esse bem social, sendo que tais
medidas tiveram repercussão na escolarização de pessoas com
deficiência, afirmação que pode ser constatada nos índices de
matrícula desse segmento social em institutos de educação especial,
pois no ano de 1992/1993 havia o registro de 57.911 matrículas; em
1999/2000, já sob a gestão de Chávez, um total de 67.883; em 2003/
2004 um total de 140.797; e no ano de 2006/2007 um quantitativo
de 190.03668, representando uma clara ampliação do ensino, pois,
comparando 1999/2000 a 2006/2007, houve um aumento de
179,94% nas matrículas, e, se compararmos 2006/2007 com 1992/
1993, a porcentagem aumenta para 228,15%9.
Da conjuntura atual para os marcos da trajetória histórica da
educação especial venezuelana, assinalamos que, da mesma forma
que no Brasil, a educação das pessoas com deficiência esteve marcada
pelas práticas da segregação e do cunho filantrópico, podendo-se
destacar a criação da primeira instituição, de cunho privado, voltada
ao atendimento desses sujeitos no ano de 1935, conforme se lê: “[...]
en respuesta a motivaciones personales de un grupo de padres y
amigos de personas con problemas de audición y visión, surge así la
Asociación Venezolana de Ciegos (1935) y el Instituto Venezolano
de Ciegos y Sordomudos (1936)” (VENEZUELA, 1997, p. 6).
Semelhantemente ao Brasil, somente em 1975, com a criação
da Direção Nacional de Educação Especial é que o Estado
9
Consultar: <http://www.ine.gov.ve/condiciones/cuadro_educacion.asp?Tt=227VI2&cuadro=Educacion _227_VI2&xls=227VI2>.
225
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
venezuelano assume a escolarização de pessoas com deficiência como
um direito social, incorporando-a no rol das políticas do Estado.
Um contraste que diferencia o histórico de ambos os países
diz respeito à prática da institucionalização. Primeiramente, porque,
nos documentos do Ministério da Educação venezuelano e em outras
fontes bibliográficas analisadas, essa terminologia não consta e nem
é considerada um modelo educacional. Em segundo, e que decorre
do primeiro entendimento, é o de que, na Venezuela, nos anos de
1960/1970, não houve (ou ao menos não se encontraram registros
nos documentos oficiais) manifestações no que concerne à
desinstitucionalização das pessoas com deficiência. Pelo contrário,
[...] el Estado Venezolano a través del Ministerio
de Educación, crea en 1974 el primer Instituto
de Educación Especial para la atención de los
ninos y jóvenes con Impedimentos Motores [...]
no obstante, las acciones de dicho instituto se
enmarcaban dentro de um modelo de atención
más asistencial que educativo.(VENEZUELA,
1998, p. 22).
A citação revela um movimento oposto, não de contestação,
mas de abertura de novas instituições desse gênero, o que demonstra
que os processos históricos não se desenvolvem de modo uniforme
nos diferentes contextos sociais, pois as particularidades, os embates
políticos e a conjuntura de cada país produzem resultados distintos,
mostrando também que o acesso à escola regular por parte de
venezuelanos com deficiência, semelhante ao que ocorria no Brasil,
ainda era restrito.
Inferimos que o não movimento pela desinstitucionalização
pode ter sido um dos fatores que influenciou para que a educação de
226
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
pessoas com deficiência na Venezuela ainda seja marcadamente
ministrada em institutos de educação especial, conforme os
indicadores numéricos apresentados anteriormente demonstraram.
Devemos destacar também que no país existe a orientação
para a inserção em escolas do ensino regular, todavia tem sido sob a
égide do conceito de integração, pois para essas escolas são
encaminhados aqueles alunos que possuem condições para a ela se
integrar, conforme se pode constatar no fragmento do documento
do Ministério da Educação do Poder Popular: “[...] los educandos
sordos y deficientes visuales son atendidos en Institutos de Educación
Especial, con los programas disenados por el nivel de preescolar y de
Educación Básica, hasta el 6° grado. Al término de la programación,
los alumnos son egresados al sistema educativo regular para que
prosigan en los niveles correspondientes” (VENEZUELA, 1997, p.
8). Com exceção dos alunos com deficiência intelectual que
permanecem nos institutos, os demais alunos com deficiência, desde
que apresentem condições de acompanhar o ensino ministrado nas
escolas regulares, após o 6º grau podem ser integrados a essas
instituições de ensino, ou antes mesmo, desde que seja do interesse
da família, pois o currículo escolar é o mesmo.
A prática acima, do governo venezuelano, expressa bem a
concepção de integração, conforme já abordado no histórico da
educação especial no Brasil, pois, segundo documento oficial, “[...]
la integración como derecho, implica, gozar en pie de igualdad, de la
educación, el trabajo, la recreación, la cultura y de los servicios
sociales y al disfrute a los derechos económicos y sociales, así como
también al cumplimiento de los deberes que el estado tiene asignado”
(VENEZUELA, 1997, p. 16). Essa definição, em um primeiro
momento, parece vir ao encontro dos princípios de inclusão que
emergem no Brasil na década de 1990, uma vez que esse princípio
227
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
apregoa o acesso a todos os espaços sociais em contraposição à
integração, que, segundo a acepção corrente no Brasil, pressupunha
a adaptação individual da pessoa com deficiência, para, só então, ser
integrada socialmente. Refletindo, no entanto, com mais acuidade,
no mesmo documento lemos:
Por otra parte el modelo para la integración social tiene un enfoque educativo, por cuanto se
propicia un proceso de ajuste de las personas con
necesidades especiales a los valores, exigencias y
pautas de comportamientos de los grupos que
conforman el medio ambiente social en el cual
se desenvuelve [...]. Como proceso la integración
social, se concibe como la adaptación de las
respuestas del individuo a los requerimientos del
medio y de la interacción de ambos. Es la
secuencia por la que se van adquiriendo patrones
conductuales que permiten la integración en la
sociedad con la potencialidad de participar,
interactuar y cooperar como miembro de un
colectivo. (VENEZUELA, 1997, p. 16).
Com base nesta e outras referências, depreendemos que o
conceito de integração, à primeira vista, pareceu possuir uma acepção
diferente em relação à interpretação brasileira, contudo, ao incorporar
a concepção de ajustamento e de adaptação, permanece emaranhado
na normalização, princípio esse que, no Brasil, é criticado pelas
pessoas com deficiência e por outros segmentos sociais, não por mera
questão semântica, mas porque as palavras são carregadas de
significados e expressam concepções das quais derivam práticas e
atitudes pedagógicas e políticas. Dessa forma, assinalamos que os
228
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
princípios da normalização e da integração não são contrastantes em
relação ao conceito incorporado no Brasil, mas, sim, similares.
Face ao exposto, destacamos que, na Venezuela na década
de 1990, o conceito da integração permaneceu norteando a educação
de pessoas com deficiência, sendo que no Brasil essa concepção
muda em meados da primeira década do século XXI para inclusão
educacional, com a difusão sistemática dos debates.
Sobre a inserção de pessoas com deficiência em escolas
regulares, esclarecemos ainda que a Venezuela, até meados de 2009,
só havia sistematizado os índices de matrículas de pessoas com
deficiência referente ao período letivo 2008/2009, demonstrando o
quantitativo de 2.484 matrículas10 em salas de aula regulares, o que
revela a baixa demanda em comparação às matrículas nos institutos
de educação especial.
Nesse país, o conceito de inclusão articulado à educação especial, legalmente, aparece somente no ano de 2007, quando é
aprovada a Lei para as Pessoas com Discapacidade. Sempre que esse
conceito é referenciado, ao seu lado é citado também o conceito de
integração. Desse modo, ao serem empregados simultaneamente,
expressam o entendimento de serem conceitos complementares e
não conflitantes, como ocorre na interpretação brasileira, em que o
conceito de inclusão possui uma acepção oposta em relação ao
conceito de integração, ou seja, a integração é a inserção parcial, em
que o indivíduo tem que se ajustar ou se adequar ao meio social. Já a
inclusão pressupõe a adaptação dos espaços sociais, em que a
sociedade deve ser modificada em vez de o indivíduo ter que se
adaptar a um meio social não acessível.
10
Dos 24 Estados da Federação, em 8 deles não foi possível obter a quantidade de
matrículas de pessoas com deficiência em classes comuns do ensino regular.
229
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
Os estudos demonstraram que o conceito de inclusão em
âmbito venezuelano passou a ser difundido a partir da gestão do
presidente Hugo Chávez, conforme referenciamos na denominação
das missões sociais inclusivas, e, nessa perspectiva, ressaltamos que
o conceito de inclusão tem sido utilizado para se referir à população
venezuelana alheia a todos os bens sociais e materiais. Já no Brasil, o
conceito de inclusão dirigiu-se às minorias sociais, cimentando mais
ainda a ideia de que a marginalidade social não está relacionada à
condição de classe social, mas a questões particulares dos grupos
minoritários, como raça, gênero, deficiência, etc.
Apresentado esse panorama geral, que passou pela emergência
do neoliberalismo nos países centrais e algumas particularidades desse
pensamento político e econômico na América Latina, salientamos
que, no Brasil, o neoliberalismo não foi superado, entretanto não
existe uma sequência generalizada das heranças deixadas por FHC.
As reformas políticas e econômicas tiveram implicações de
forma mediatizada no campo educacional. Quando o MEC
centralizou a reforma educacional dos anos de 1990 com foco na
meta da universalização do ensino fundamental, essa orientação não
partiu unilateralmente dos organismos internacionais, mas se somou
às ações legais, políticas e reivindicativas, desde os anos de 1980,
combatendo a evasão e a repetência escolar, numa “cruzada” em
prol da democratização da escola pública, desse modo antecedendo
o evento de maior repercussão internacional que foi a Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em JOMTIEN, 1990.
É nesse contexto histórico, das reformas neoliberais, que o
tema do acesso à escola regular, por parte de pessoas com deficiência,
ganha novas dimensões. Nesse sentido, cabe ainda destacar que a
inegável ampliação dessas matrículas não foi apenas resultado das
ações do Estado, mas foi também resultado de lutas históricas desse
230
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
segmento social por acesso à educação. O que ocorreu no Brasil,
pode-se afirmar, não foi somente uma mudança conceitual, tampouco
uma política de inclusão restrita ao plano legal.
Já na Venezuela, os mecanismos do neoliberalismo estão sendo
combatidos como política de estado, a exemplo da nacionalização
de empresas e da expropriação de terras, bem como o custeio dos
investimentos sociais está sendo garantido, em grande parte, pela
renda advinda da extração petroleira. Em relação à educação, essa
situação começa a mudar substancialmente quando Chávez, a partir
de 1999, implementou ações como o impedimento de cobrança de
taxa de matrícula em todos os níveis da rede pública, criando um
sistema paralelo de educação, permitindo o acesso a toda população
em todos os níveis. Essas políticas repercutiram na educação de
pessoas com deficiência, conforme os indicadores numéricos
apresentados anteriormente demonstraram.
Por questões de delimitação do artigo, não tivemos condições
de referenciar a legislação que garante o acesso á educação por parte
de pessoas com deficiência, bem como os documentos internacionais
que, da mesma forma que o Brasil, a Venezuela também se orienta, a
exemplo da Declaração de Salamanca e da Convenção da ONU sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). O contraste mais
significativo de acordo com a análise, é da adoção da concepção de
integração que ainda é predominante na Venezuela; educação que é
marcadamente ministrada em institutos de educação especial, e
somente da emergência do conceito de inclusão no âmago da política
da educação especial a partir do ano de 2007.
Sem filiar-nos à visão daqueles que defendem a inclusão
condicional, ou seja, desde que a escola esteja preparada, entendemos
que as providências, tanto no Brasil, como na Venezuela, só vêm
sendo tomadas em razão de que, com a presença do aluno concreto,
231
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
os problemas explodiram e a pressão organizada das associações e
entidades tem tensionado o Estado.
Por outro lado, entendemos também que algumas pessoas com
deficiência possuem um grau de comprometimento tão severo que
carecem do atendimento mais individualizado, e partindo do
pressuposto de que a escola deve ser o espaço do conhecimento
sistematizado e não somente um local para a convivência social, há
que se refletir quanto à proposta de inclusão radical de todo o alunado
da educação especial. Não só refletir sobre o contexto da escola regular, mas, também, refletir sobre a própria organização das escolas
especiais, as quais mantêm, entre seu alunado, pessoas que possuem
condições para acompanhar o ensino ministrado na escola comum,
mas que dela foram excluídos por não se enquadrarem no perfil do
aluno ideal.
Face ao exposto, sublinhamos os avanços adquiridos ao longo
das décadas, entretanto chamamos a atenção para o quanto ainda é
preciso conquistar, agindo por meio da luta cotidiana dos movimentos
em defesa do acesso à escola aos trabalhadores, sejam com deficiência
ou não.
Referências
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neoliberal dos problemas latino-americanos. 3. ed. São Paulo: Paz e
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232
VANDIANA B. WILHELM - FRANCIS MARY G. NOGUEIRA
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Deficientes Visuales. Caracas, 1997.
VENEZUELA. Ministério de Educacíon. Conceptualización y
Política de la Integración Social de las Personas con
Necesidades Especiales: Programa de Integración Social. Caracas,
233
As reformas neoliberais e suas influências na política de educação especial do Brasil e...
1997.
VENEZUELA. Ministerio de Educación y Deportes. La educación
bolivariana: políticas, programas y acciones “cumpliendo las metas
del milenio”. Caracas, 2004. Disponível em: <http://www.oei.es/
quipu/venezuela/index.html>. Acesso em: 28 abr. 2010.
234
A LUTA POR POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO
DO CAMPO: CONTESTAÇÃO, RESISTÊNCIA E
POSSIBILIDADES
JEINNI KELLY PEREIRA PUZIOL
IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA
MARIA APARECIDA CECÍLIO
Introdução
[...] o mundo é formado não apenas pelo que já
existe (aqui, ali, em toda parte), mas pelo que
pode efetivamente existir (aqui, ali, em toda parte).
O mundo datado de hoje deve ser enxergado como
o que na verdade ele nos traz, isto é, um conjunto
presente de possibilidades reais, concretas, todas
factíveis sob determinadas condições (Milton
Santos).
Este capítulo1 objetiva discutir a importância da luta pelas
políticas para a Educação do Campo, enquanto instrumento
contraditório de contestação e resistência, pois o MST, movimento
popular que nega o Estado burguês capitalista, recorre a este para
garantir a sobrevivência de sua luta personificada na formação
1
Este capítulo faz parte das discussões da dissertação de Mestrado que se encontra em
andamento pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE), da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) e conta com financiamento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
235
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
educacional de seus sujeitos. Ressalta-se a candente necessidade de
se lutar pelas políticas, mas, ainda assim, observá-la sob um viés
crítico, uma vez que em uma sociedade de classes, tal qual a sociedade
capitalista, as instituições políticas têm o papel fundamental de
conservar a classe dominante no poder (MARX; ENGELS, 2007).
Nas últimas três décadas da história mundial, o
aprofundamento da globalização dos espaços, sentido no âmbito
econômico, geopolítico, social e cultural, encontra-se a serviço,
predominantemente, da classe dominante atual, a burguesia. O
progresso dos meios de comunicação, fundamento da globalização,
permite à classe dominante disseminar uma percepção fragmentada
e enganosa de mundo, percepção que visa obscurecer e homogeneizar
o entendimento da totalidade mundial e ampliar o poder hegemônico
burguês, pelos mais distantes rincões do Planeta (SANTOS, 2008).
Ocorre, no entanto, que a globalização, como fenômeno
multifacetado, não possibilita apenas a homogeneização da sociedade,
mas também expõe, de forma contraditória, as particularidades que
constituem a totalidade social. Alguns espaços e territórios valorizam
suas características singulares e buscam recriar novas realidades para
além do despotismo informacional e da “perversidade sistêmica” do
capital (SANTOS, 2008). Se, de um lado, há uma produção acentuada
de riquezas destinadas a uma minoria, de outro há uma produção
acelerada de pobres e oprimidos que podem enxergar possibilidades
de resistência e revanche.
A produção de desigualdades, desequilíbrios e antagonismos
é intrínseca ao capitalismo e, portanto, permitem à população,
expropriada das condições dignas de vivência, contestar, resistir e
buscar alternativas contra-hegemônicas. Os movimentos sociais, por
exemplo, são importantes expressões de resistência e de busca de
possibilidades para a construção de uma sociedade “para além do
236
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
capital” (MÉSZÁROS, 2005). No Brasil, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o principal exemplo de
resistência contra-hegemônica que questiona as engrenagens do modo
de produção capitalista baseado, principalmente, a partir das rupturas
da década de 1970, no tripé: reestruturação produtiva do capital,
financeirização da economia e ideologia neoliberal (NETTO; BRAZ,
2007).
O campo é o principal espaço de resistência do MST, e nele
são travados os embates pela Reforma Agrária e por condições
econômicas, políticas e sociais viáveis para a vida no campo e,
também, são tencionadas as raízes do capital. Lutar contra as forças
hegemônicas não é, no entanto, tarefa simples, uma vez que os
tentáculos do capital são muitos e estão prontos para aniquilar as
manifestações que não são do seu interesse. Nesse sentido, o MST
compreendeu ser necessário qualificar sua luta, ou seja, investir na
for mação dos seus sujeitos - da alfabetização à educação
comprometida com a transformação revolucionária. Tais necessidades
são a origem da Educação do Campo que se fundamenta na própria
existência do camponês.
Para o MST, é fundamental a luta pela educação, mas não
aquela apregoada nas tradicionais escolas rurais, carregada de
preconceito em relação ao homem do campo e de exaltações sobre a
cidade como o local da modernização, e sim uma educação condizente
com a realidade do campo e a formação política, para atuar contra a
exploração burguesa. Dessa forma, uma das preocupações do
Movimento, no âmbito da Educação do Campo, é a ampliação do
conhecimento pelos territórios da reforma agrária e até mesmo a sua
universalização, pois já não bastam as práticas comunitárias e
iniciativas pontuais, já que se faz necessário ir além dessa realidade e
lutar por políticas que regulamentem e financiem a Educação do
Campo (CALDART, 2002).
237
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
O trabalho está divido em duas partes: primeiramente
apresenta, de forma breve, o contexto econômico e político que
fundamenta a luta do MST e os objetivos do movimento na
construção de um novo projeto de campo e de vida, por meio da
contestação e da resistência. Posteriormente, discute-se um dos
aspectos da luta do MST, a Educação do Campo, enquanto formação
para a emancipação humana, e a busca por políticas que a garantam,
regulamentem e financiem.
A Luta Contra-Hegemônica do MST diante da Ofensiva do
Capitalismo Globalizado
O quadro econômico e político correspondente à configuração
atual do capitalismo reflete uma postura ofensiva da sociedade
baseada no tripé, “reestruturação produtiva do capital, financeirização
e ideologia neoliberal”, que foi adotado a partir de meados da década
de 1970 para conter a onda econômica recessiva, característica do
fim da “Era do Ouro”. As medidas concernentes ao tripé foram
tomadas, inicialmente, nos países desenvolvidos e depois se
expandiram para os subdesenvolvidos e emergentes, conformandose de acordo com as realidades nacionais.
Com a crise da “Era de Ouro” – período de expansivo de
crescimento econômico e taxas de lucros compensadoras –, deflagrada
pelos limites da organização produtiva baseada no binômio
taylorismo2/fordismo3, pela superprodução e pelo choque do petróleo
no Oriente Médio, o capital se viu obrigado a recriar novas formas
2
“Conjunto das teorias para o aumento da produtividade do trabalho fabril, elaboradas
pelo engenheiro norte-americano, Frederick Winslow Taylor (1856-1915). Abrange
um sistema de normas voltadas para o controle dos movimentos do homem e da
máquina no processo de produção” (SANDRONI, 2000, p. 306).
238
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
de dominação, exploração e controle (HOBSBAWM, 1995). A ilusão
de um capitalismo sem contradições caiu por terra, no qual “[...] a
onda longa expansiva é substituída por uma longa onda recessiva: a partir
daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista,
agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando-se episódicas as
retomadas” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 214).
Frente ao grave contexto de recessão do capitalismo, em
detrimento da acumulação produtiva rígida, expressa no binômio
taylorismo/fordismo, começaram a ser instauradas alterações nos
circuitos produtivos baseados na acumulação produtiva flexível, pilar da reestruturação produtiva. A acumulação flexível é a nova forma
de gestão da força de trabalho humana, expressa o controle do capital sob formas diversas, como a polivalência na qualificação
profissional e os apelativos psicológicos traduzidos em “vestir a
camisa da empresa”, ser um profissional “colaborador” ou
“associado”, ou seja, sob a égide da flexibilização, o “[...] capital
empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores”
(NETTO; BRAZ, 2007, p. 217).
O toyotismo 4 é o novo momento produtivo do capital
expresso na racionalização laboral, que “[...] se apóia na flexibilidade
3
“Conjunto de métodos de racionalização da produção elaborado pelo industrial
norte-americano Henry Ford, baseado nos princípios de que uma empresa deve dedicarse apenas a um produto. [...] para diminuir os custos, a produção deveria ser em
massa, a mais elevada possível e aparelhada com tecnologia capaz de desenvolver ao
máximo a produtividade por operário. O trabalho deveria ser também altamente
especializado, dado operário realizando determinada tarefa” (SANDRONI, 2000, p.
128-129).
4
“[...] o toyotismo é o modo de organização do trabalho e da produção capitalista
adequado à era das novas máquinas da automação flexível, que constituem uma nova
base técnica para o sistema do capital, e da crise estrutural de superprodução, com seus
mercados restritos.
239
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo” (HARVEY, 2009, p. 140). Por meio de tais
padrões flexíveis, buscou-se criar uma nova lógica produtiva, lógica
capaz de lidar com a instabilidade do crescimento econômico mundial
e com o mercado restrito, de maneira a atender às particularidades
do consumo. Da crise dos mercados de massa, buscou-se uma
produção voltada para os nichos de mercado. Dessa forma, procurouse uma fuga da standardization, até então utilizada, e promoveu-se
uma desconcentração na produção industrial pela busca de mão de
obra barata, o que intensificou a exploração e a desregulamentação
da força de trabalho (NETTO; BRAZ, 2007).
A difusão da reestruturação produtiva pelos países foi
alavancada pelo progresso da ciência e da tecnologia que possibilitou
o encurtamento das distâncias e a onipresença da informação e,
portanto, o desenvolvimento da globalização entendida como “[...] o
ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista”
(SANTOS, 2008, p. 23). Com a sociedade capitalista globalizada, a
classe hegemônica impôs uma “desregulamentação universal” das
relações de trabalho e, para tanto, lançou mais um tentáculo
estratégico a seu favor, a ideologia neoliberal, nova roupagem para o
Estado burguês reestruturado, pautada na desregulamentação dos
mercados, abertura financeira e diminuição do papel do Estado no
que diz respeito às obrigações sociais (FIORI, 1996).
O receituário neoliberal tem seus fundamentos no Consenso
de Washington (1989), uma bula com recomendações políticas e
econômicas para o desenvolvimento dos países ancorado em dez
determinações: Abertura Comercial, Privatização de Estatais,
Entretanto, cabe salientar que o toyotismo é meramente uma inovação organizacional
da produção capitalista sob a grande indústria, não representando, portanto, uma
nova forma produtiva propriamente dita” (ALVES, 2007, p. 246).
240
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
Redução dos Gastos Públicos, Disciplina Fiscal, Reforma Tributária,
Desregulamentação, Estímulo aos Investimentos Estrangeiros
Diretos, Juros de Mercado, Câmbio de Mercado, Direito à Propriedade
Intelectual (FIORI, 1996). O Estado neoliberal, portanto, aprofundou
as privatizações na área social e potencializou o investimento em
capital financeiro. Sobre as mudanças nos encargos estatais, Netto;
Braz (2007, p. 227-228) esclarecem:
[...] o objetivo real do capital monopolista não é
a “diminuição” do Estado, mas a “diminuição
das funções estatais coesivas, precisamente aquelas
que respondem à satisfação de direitos sociais.
[...]. O ataque do grande capital às dimensões
democráticas da inter venção do Estado
começou tendo por alvo a regulamentação das
relações de trabalho [...] e avançou no sentido de
reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de
seguridade social.
O discurso neoliberal declara a importância da quebra das
barreiras para o livre trânsito do capital e das mercadorias, sobretudo
nos países subdesenvolvidos e emergentes, no qual a financeirização
do capital, expressa nos intensos fluxos econômicos mundiais, circula
pelas redes bancárias e nada produz além de uma especulação
parasitária que amplia o capital fictício entendido como “[...] as ações,
as obrigações e outros títulos de valor que não possuem valor em si
mesmos. Representam apenas um título de propriedade, que dá direito
a um rendimento [...] (KOSLOV, 1981, p. 217). Nesse capitalismo
contemporâneo marcado pela reestruturação produtiva, acumulação
flexível, globalização dos espaços e neoliberalismo, “[...] tudo é
efetivamente passível de transação mercantil [...]” (NETTO; BRAZ,
2007, p. 236).
241
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
Nos países periféricos do sistema capitalista, como o Brasil,
a reestruturação produtiva do capital foi implantada, inicialmente,
sob o jugo da Ditadura Militar (1964-1984). Nas décadas de 1970 e
1980, conformou-se no país um modelo de desenvolvimento ainda
mais submisso às ordens mundiais. O Brasil integrou-se ao capital
monopolista e o Estado garantiu todo o suporte para o seu
desenvolvimento. O “Milagre Econômico”, alcançado no governo
do general Médici (1969-1974), já refletia as medidas econômicas,
políticas e sociais internacionais materializadas em solo brasileiro.
De acordo com Habert (1992, p. 69):
O que se convencionou chamar de “milagre” tinha
a sustentá-lo três pilares básicos: o
aprofundamento da exploração da classe
trabalhadora submetida ao arrocho salarial, às
mais duras condições de trabalho e à repressão
política; a ação do Estado garantindo a expansão
capitalista e a consolidação do grande capital
nacional e internacional; e a entrada maciça de
capitais estrangeiros na forma de investimento e
de empréstimos.
Com a economia e a política brasileira alinhada ao capital
internacional, aprofundou-se a entrada das multinacionais,
principalmente aquelas ligadas à produção de bens de consumo
duráveis, mais a requisição de financiamentos para adequação,
sobretudo do campo, às novas técnicas modernas, para atender às
exigências dos programas de exportação (HABERT, 1992). No interior dessa realidade, as desigualdades sociais foram alargadas e
marcadas pelo crescimento desordenado das cidades, devido ao êxodo
rural provocado pela concentração fundiária e à expropriação das
condições de produção e de sobrevivência do homem do campo.
242
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
Sobre a situação do campo brasileiro, espaço de luta do MST, Habert
(1992, p. 17) analisou:
[...] o processo de capitalização do campo, com
a mecanização da produção, o predomínio do
trabalho assalariado e a concentração da
propriedade da terra, foi acompanhado por
violenta expropriação e expulsão de milhões de
pequenos proprietários e trabalhadores rurais das
terras e das fazendas e pelo intenso êxodo para
as cidades.
A tabela a seguir apresenta os dados da população urbana e
da rural de 1960 a 2010. Os dados absolutos mostram que, em 31
anos, entre 1960 e 1991, a população total do Brasil duplicou, no
entanto, esse aumento foi sentido, efetivamente, no âmbito das
cidades, pois a população rural, apesar de apresentar um pequeno
aumento da década de 1960 para 1970, permanece, até os dias atuais,
em declínio, no qual representa aproximados 30 milhões dos 191
milhões de habitantes totais. Em termos percentuais, na década de
1960 a população rural representou mais da metade dos habitantes
brasileiros (54,92%) e, em 2010, não chegou a 16%.
243
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
Tabela 1 – População por situação do domicílio.
Variável
População
(Pessoas)
População
(%)
Brasil
Situação
Ano
do
1960
1970
1980
1991
2000
2010
domicílio
Total
70.992.343 94.508.583 121.150.573 146.917.459 169.590.693 190.755.799
Urbana 32.004.817 52.904.744 82.013.375 110.875.826 137.755.550 160.925.792
Rural
38.987.526 41.603.839 39.137.198 36.041.633 31.835.143 29.830.007
Total
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Urbana
45,08
55,98
67,70
75,47
81,23
84,36
Rural
54,92
44,02
32,30
24,53
18,77
15,64
Fonte: IBGE – Censo Demográfico (1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2011).
É evidente o esvaziamento populacional do campo, sobretudo
a partir de 1970, porém é essencial destacar dois fatores relevantes
que se apresentam no campo: primeiro, mesmo com a intensa
migração campo-cidade, são inequívocos os quase 30 milhões de
pessoas que vivem no campo na atualidade e possuem os mesmos
direitos sociais que as populações das cidades; segundo, a quase
totalidade da produção agrícola e pecuária ainda é realizada nas
dependências do campo e indubitavelmente é base da sobrevivência
humana e um dos pilares do crescimento econômico do país. A
importância do campo é inegável, no entanto, o desenvolvimento
econômico agropecuário do Brasil, baseado no agribusiness, representa
um dos braços do capital e tem a finalidade de perpetuar a exploração
dos trabalhadores rurais e ampliar o faturamento das grandes
multinacionais e não objetiva o crescimento econômico e social da
população que trabalha e vive no campo.
A reforma neoliberal, acentuada principalmente a partir da
década de 1990, com os objetivos de cortar as “gorduras” do Estado,
confirmar a supremacia do mercado, acentuar a exploração da mão
de obra, a produção voltada para os interesses internacionais e a
descaracterização da luta de classes, refletiu intensamente no campo
brasileiro por meio de um novo modelo de desenvolvimento
244
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
agropecuário, o agronegócio (agribusiness). Esse modelo de
desenvolvimento implantou definitivamente a modernização
(mecânica e orgânica) das áreas rurais e destinou a maior porcentagem
produtiva à supressão das demandas externas. Suas bases estão
ancoradas na exploração da mão de obra que ainda resta no campo e
na concentração exacerbada de terras. Para Welch; Fernandes (2005,
p. 2):
A imagem do agronegócio foi construída para
renovar a imagem da agricultura capitalista, para
“modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o
caráter concentrador, predador, expropriatório
e excludente para dar relevância somente ao
caráter produtivista, destacando o aumento da
produção, da riqueza e das novas tecnologias. [...].
O desenvolvimento do conhecimento que
provocou as mudanças tecnológicas foi
construído a partir da estrutura do modo de
produção capitalista. De modo que houve o
aperfeiçoamento do processo, mas não a solução
dos problemas socioeconômicos e políticos: o
latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade,
o agronegócio promove a exclusão pela intensa
produtividade.
A agricultura camponesa é cooptada pelo agronegócio à
medida que ambos são tratados de igual para igual no âmbito do
mercado. As políticas são direcionadas ao produtivismo característico
do agronegócio e acirram ainda mais a competição desigual entre
ambos. As relações estabelecidas no campo diante do capitalismo
globalizado perpetuam a dominação dos territórios por aqueles que
detêm a maior parte do poder. A agricultura camponesa tenta se
245
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
organizar na produção para subsistência e para abastecimento interno
do país, tentando subsistir à realidade das redes do agronegócio que
tendem a engolir as pequenas propriedades que se mostram como
empecilhos em seu caminho. Bruno (2008, p. 83), ao analisar o
agronegócio e os novos modos de conflituosidades nas últimas
décadas, afirma a existência de “[...] um novo ciclo de conflituosidade
no campo que agrega, de um lado, grandes proprietários de terra,
empresários do agronegócio e seus porta-vozes e, de outro,
trabalhadores rurais sem terra, agricultores familiares e seus
mediadores”.
É necessário considerar que, ao mesmo tempo em que os
novos componentes da engrenagem capitalista propõem uma
reorganização espacial dos territórios e viabilizam novas formas de
acumulação e exploração, também acirram as desigualdades e,
consequentemente, possibilitam a ascensão das camadas sociais
subalternas na negação da dominação imposta, expressa nas lutas
sociais. As lutas pela terra e pela reforma agrária realizadas pelo MST
demonstram a contestação popular diante da acumulação e exploração
econômica capitalista. A instabilidade do capital é o caminho para
os movimentos sociais que não consentem as relações de opressão
do capital. Para Harvey (2005, p. 87), “[...] a paisagem da atividade
capitalista está eivada de contradições e tensões [...], é perpetuamente
instável diante de todos os tipos de pressões técnicas e econômicas
que sobre ela incidem”.
Na luta contra a opressão e a exploração do capital no campo
brasileiro, o MST é o principal protagonista. Esse Movimento foi
gestado na década de 1980, sendo formalmente criado entre os dias
20 e 22 de janeiro de 1984 durante o I Encontro Nacional dos SemTerra, realizado em Cascavel – Paraná. Seu contexto de criação coincide com um período de grande efervescência política, econômica
246
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
e social no Brasil durante a transição da ditadura para a democracia
representativa. Participaram desse Encontro trabalhadores rurais de
12 Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso
do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Pará, Goiás, Rondônia,
Acre e Roraima. Para Morissawa (2001, p. 138):
As atividades iniciais do Encontro foram voltadas
a apresentar as principais lutas desenvolvidas
pelos sem-terra e as políticas dos governos
estaduais e federal quanto à questão. Isso
possibilitou a análise das diferentes realidades dos
camponeses. As lições aprendidas até então no
processo foram fundamentais para o
encaminhamento de novas lutas.
Na comemoração dos 25 anos de lutas e conquistas do MST,
em 2009, as estatísticas evidenciaram a presença do Movimento em
24 Estados, no qual existem 370 mil famílias assentadas nos 7,5
milhões de hectares conquistados e 150 mil famílias em mais de 900
acampamentos que persistem na luta pela terra (MST, 2009). Seus
objetivos principais continuam sendo a distribuição da terra, de forma
igualitária, criação de empregos, acesso aos bens sociais, tais como
saúde, educação, e, mais do que isso, lutam por um novo projeto
popular para o Brasil, com início no campo, mas com vias de expansão
por todo o país. Para Caldart (2001, p. 1):
O MST vem ajudando a recolocar na agenda
política brasileira a questão da Reforma Agrária:
fazendo a luta pela terra e afirmando, em suas
iniciativas, a possibilidade de novas relações sociais
e de um novo projeto de desenvolvimento para
o campo e para o país. O MST tem chamado a
247
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
atenção dos diversos segmentos da sociedade por
apresentar determinadas características que o
distinguem em sua trajetória de movimento social de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Uma trajetória breve, diga-se, se o considerarmos
dentro de um processo histórico mais amplo, mas
longa se o compararmos com a maioria dos
movimentos camponeses do Brasil, geralmente
destruídos com muito menos tempo de vida.
O MST, desde o início de sua atuação oficial, investiu na
organização de eventos nacionais, como congressos e encontros, para
estabelecer os objetivos a serem conquistados, de forma coletiva, e
mostrar para a sociedade que a sua batalha está em movimento. As
palavras de ordem, elaboradas nos Congressos Nacionais, refletem
suas preocupações fundamentais e também a extensão da sua luta:
“Sem Reforma Agrária, não Há Democracia” (1985), “Ocupar,
resistir, produzir” (1990), “Reforma Agrária: uma luta de todos”
(1995), “Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndios” (2000),
“Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular” (2007).
A Reforma Agrária é uma das bandeiras de maior visibilidade
social do MST. Em seu programa estão definidas as necessidades de
modificar a estrutura da propriedade da terra; subordinar a
propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos
objetivos da sociedade; garantir que a produção da agropecuária esteja
5
Lê-se na Constituição Federal de 1988: “Art. 186. A função social é cumprida quando
a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigências
estabelecidas em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; VI –
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores” (BRASIL,
1988).
248
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
voltada para a segurança alimentar, a eliminação da fome e o
desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores rurais; apoiar
a agricultura familiar; desenvolver técnicas modernas sustentáveis;
entre outras. As ocupações são os primeiros passos para tencionar a
concentração de riquezas no campo e fazer valer a função social5 da
terra. Como evidenciou Morissawa (2001, p. 132), “a ocupação é
para o MST uma ação voltada a abrir um espaço de luta e resistência.
Com ela se cria uma outra condição para o enfrentamento. Ao realizála, os sem-terra conquistam a possibilidade de negociação”.
Os assentamentos representam o próximo estágio de luta,
espaço de vida, trabalho e produção. É a possibilidade concreta de
construir novas relações de trabalho sob a ótica humana, um processo
de afirmação de novos sujeitos do campo que objetivam suas práticas
de forma não agressiva ao meio ambiente, como, por exemplo, por
meio das organizações cooperativas ancoradas nos princípios da
Agroecologia. Para a Secretaria Nacional do MST,
Os assentamentos caminham no sentido da
resolução das necessidades das famílias, criando
condições para o trabalho, para a produção e
moradia, ou seja, organizam a economia e as
dimensões da vida social, educacional e cultural
das famílias assentadas. Dessa for ma, os
assentamentos são a grande contribuição do MST
para a sociedade brasileira. Buscamos em cada
assentamento desenvolver uma mentalidade e
uma atitude de Soberania Alimentar,
compreendendo que a nossa primeira tarefa é
produzir alimentos e eliminar a fome. [...]. Além
disso, temos um compromisso com a
agroecologia, por meio da qual buscamos criar
uma base material e técnico-científica para uma
249
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
nova relação de produção, sustentável, que preserve a natureza. (MST, 2010, p. 21).
Para além da Reforma Agrária e do projeto de campo livre
das amarras do capital, o MST transcende as fronteiras do campo e
tenta expandir sua luta para a totalidade brasileira. Entre seus objetivos
está a construção de uma sociedade sem exploradores, em que o
trabalho tenha supremacia sobre o capital e a difusão de valores
humanistas e socialistas embase as relações sociais. É necessário
notabilizar que a defesa do território camponês, enquanto espaço de
vida, não significa considerá-lo superior à cidade, mas compreender
sua completude, para além da dicotomia campo-cidade, e desvelar o
seu sentido e papel no interior da sociedade global enquanto espaço
de contestação e de resistência aos ditames da classe hegemônica.
Caldart (2001), ao destacar algumas características basilares
do MST que o distinguem de outros movimentos populares, ressalta
“a capacidade [do Movimento] que vem construindo de universalizar,
ou de tornar a sociedade como um todo, uma bandeira de luta” e a
“multiplicidade de dimensões em que atua”. A universalização da
luta é crucial para a ampliação desse Movimento em nível de Brasil,
América Latina e Mundo, e a multiplicidade de dimensões para
qualificar a ação do Movimento na medida em que visa garantir não
somente questões relacionadas à produção, mas também, à saúde, à
cultura, aos direitos humanos e à educação, principal foco de discussão
neste trabalho.
Nesse complexo jogo de forças, o MST compreendeu que a
democratização do conhecimento é fundamental para a continuidade
e o sucesso da luta social a favor dos explorados. Para o MST (2010,
p. 23): “Escolarizar é incentivar a pensar com a própria cabeça, é
desafiar a interpretar a realidade, elevando o nível cultural. É criar
250
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
condições para que cada cidadão e cidadã construam, a partir dos
seus pontos de vista, seus destinos”.
A constância da luta exige dos sujeitos conhecimentos tanto
para dedicar-se aos assuntos práticos banais do cotidiano do campo
como também para desvelar o funcionamento econômico, político e
social do capitalismo, pois, diante da tirania da informação vigente
na sociedade globalizada, que, ao invés de esclarecer, obscurece o
entendimento do mundo, faz-se cada vez mais necessário “[...] passar
de uma situação crítica a uma visão crítica – e, em seguida, alcançar
uma tomada de consciência” (SANTOS, 2008, p. 116).
A Luta por Políticas para a Educação do Campo
Na atualidade, de acordo com dados da Secretaria Nacional
do MST (2010), a Educação do Campo está materializada nos 24
estados brasileiros por meio das 2.250 escolas públicas localizadas
em assentamentos e acampamentos (Escolas Itinerantes75), das quais
1.800 são escolas de 1ª à 4ª série; 400, escolas de Ensino Fundamental Completo; e 50, escolas de Ensino Médio. Em torno de 350 mil
integrantes do MST já concluíram cursos de alfabetização, ensino
fundamental e médio, curso técnico e superior. Em relação ao ensino
técnico e superior, existem mais de 5.000 educandos estudando em
universidades públicas que possuem parceria com o MST. São
aproximadamente 100 cursos formais, divididos em técnicos
(Administração de Cooperativas, Saúde Comunitária, Magistério e
Agroecologia) e superiores (Pedagogia, Licenciatura em Educação
do Campo, Letras, História, Geografia, Ciências Agrárias, Agronomia
e Veterinária) (MST, 2010).
Todavia, tais conquistas atravessaram um árduo caminho de
luta para se efetivarem e ainda necessitam, com urgência, de garantias
251
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
políticas para que não sejam extintas por governos contrários à causa
do MST. A luta pela Educação do Campo, denominada inicialmente
de Ocupação das Escolas, está presente no ideário do MST desde o
início de sua formação, porém suas concepções sofreram modificações
e adquirem importância cada vez maior no interior do MST e no
cenário nacional.
Caldart (2004), ao discutir a história da educação unida à
reivindicação pelo direito à terra, evidencia como a preocupação com
a escolarização dos sem-terra surgiu durante as lutas, as dificuldades
encontradas e o seu progresso ao longo dos anos. Com a formalização
do MST em 1984 e a intensificação das ocupações de fazendas
improdutivas, a maioria dos sem-terra levou sua família, mulher e
crianças, para fazer parte da luta. Com o passar de meses e até mesmo
anos em acampamentos, a presença de inúmeras crianças chamou a
atenção de alguns sujeitos do Movimento, mães e até mesmo
professoras que acompanharam seus maridos. A preocupação se
referia à ausência da escolarização destinada às crianças que
acompanhavam seus pais nos acampamentos. Mostrou-se necessário
levar essa discussão adiante e verificar as possibilidades de se
desenvolverem atividades de formação educativa nas áreas de luta
do MST.
Tal iniciativa não foi recebida sob um único ponto de vista,
pois muitas famílias sem-terra colocaram em pauta a possível perda
da centralidade da luta, que é pelo direito a terra e não por escolas.
De outro lado, porém, devido à amplitude que tomava o MST pelo
território brasileiro e à organização de coletivos nos acampamentos
para se discutir a importância da educação, as famílias compreenderam
a urgência da formação de seus sujeitos e, para além dessa análise,
também entenderam que a mesma condição econômica, política e
252
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
social que gerou o MST também impulsionou a luta pelas escolas,
pois, como esclarece Caldart (2004, p. 227):
O mesmo modelo de desenvolvimento que gera
os sem-terra também os exclui de outros direitos
sociais, entre eles o de ter acesso à escola. A grande
maioria dos sem-terra tem um baixo nível de
escolaridade e de uma experiência profissional
de escola que não deseja para os seus filhos:
discriminação, professores despreparados,
reprovação e exclusão.
Iniciou-se uma mobilização entre os acampamentos e os
assentamentos já existentes, em torno da luta pelas escolas, e também
começaram a serem aplicadas práticas pedagógicas elaboradas pelos
sujeitos do campo que, mesmo sem a formação adequada, tinham
uma sensibilidade maior com a educação. Outro fator de extrema
importância que foi levantado se referiu ao tipo de escola que o MST
deseja para seus filhos, pois a educação da cidade e aquela apregoada
pelas escolas rurais tradicionais não condiziam com a realidade do
campo, pois muitas vezes exaltam a cidade como local da
modernidade e o campo como local de atraso, além de exporem o
preconceito para com os próprios sem-terra. De acordo com Arroyo
(2004, p. 79):
A cultura hegemônica trata os valores, as crenças,
os saberes do campo de maneira romântica ou
de maneira depreciativa, como valores
ultrapassados, como saberes tradicionais, précientíficos, pré-modernos. Daí que o modelo de
educação básica queria impor para o campo
currículos da escola urbana, saberes e valores
253
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
urbanos, como se o campo e sua cultura
pertencessem a um passado a ser esquecido e
superado. Como se os valores, a cultura, o modo
de vida, o homem e mulher do campo fossem
uma espécie em extinção.
A escola a ser construída pelo MST não poderia estar
embasada na educação que nega o valores do campo, mas, sim, na
que exalta a complementaridade existente entre o campo e a cidade,
valoriza o cotidiano camponês, suas lutas, suas particularidades e
singularidades e, assim, com as ações dos sem-terra e a vivência de
cada um, faz-se pedagogicamente junto ao Movimento. É por isso
que a escola do MST é mais do que escola, pois valoriza o conjunto
de conhecimento necessário a qualquer formação, como nas escolas
das cidades, mas transcende as cercas da escola e articula a educação
com a realidade do campo, ou seja, com a própria história em
movimento. Caldart (2004, p. 249) ressalta que a proposta pedagógica
do Movimento não busca “[...] apenas ter acesso à escola mas também
ter o direito de constituí-la como parte da sua identidade: fazer de
cada escola conquistada uma escola do MST”.
Com o objetivo de discutir os trabalhos educativos que
estavam em movimento nos assentamentos e elaborar diretrizes e
rumos para sua continuidade, foi realizado em 1987 o I Encontro
Nacional de Professores de Assentamento no município de São
Mateus – Espírito Santo. Esse Encontro culminou com a criação do
Setor Nacional de Educação do MST também em 1987, com os
objetivos de ampliar a articulação entre os coletivos de educação
distribuídos pelo território brasileiro e organizar eventos para que as
práticas fossem construídas de forma coletiva. A partir de 1988, foram criados os Setores de Educação Estaduais do MST para não
254
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
permitir que as conquistas fossem perdidas e fortalecer a luta no
âmbito local (CALDART, 2004).
Acontecimentos importantes para a educação pela qual luta
o MST foram a realização do I Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (ENERA), este ocorrido em Brasília
entre os dias 28-31 de julho de 1997, e a execução da I Conferência
Nacional por uma Educação Básica do Campo, ocorrida em Goiás
entre os dias 27-31 de julho de 1998. Esses eventos quebraram,
definitivamente, o silenciamento sobre as precárias condições
educacionais do campo e evidenciaram a atenção do Movimento para
com a educação de seus sujeitos.
Em 1998 foi criado, pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), com o objetivo geral de promover a
democratização do conhecimento para as populações do campo. Sua
proposta visou, inicialmente, promover a justiça social no campo
por meio da Alfabetização de Jovens e Adultos (EJA), mas,
posteriormente, em 2001, ampliou sua área de atuação para todas as
modalidades de ensino. O PRONERA tem sido importante
ferramenta para ampliação da abrangência da Educação do Campo
pelas áreas de assentamentos e acampamentos do Brasil, no entanto,
como analisaram Andrade e Di Pierro (2004, p. 80), “[...] a expansão
do atendimento [...] tem sido limitada pela escassez e descontinuidade
dos recursos financeiros atribuídos pelo Governo Federal ao Programa,
que não conquistou ainda o status de política prioritária, permanente
e continuada”.
A aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica do Campo (BRASIL, 2001) expressou a materialização das
discussões sobre educação para os povos do campo e mais um passo
255
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
em direção à constituição de políticas para a educação do campo. De
acordo com Fernandes (2002, p. 91):
A aprovação das Diretrizes representa um
importante avanço na construção do Brasil rural,
de um campo de vida, onde a escola é espaço
essencial para o desenvolvimento humano. É um
novo passo dessa caminhada de quem acredita
que o campo e a cidade se complementam e,
por isso mesmo, precisam ser compreendidos
como espaços geográficos singulares e plurais,
autônomos e interativos, com suas identidades
culturais e modos de organização diferenciados,
que não podem ser pensados como relação de
dependência eterna [...].
Ocorre, no entanto, que Diretrizes não são Políticas e, como
ressalta Caldart (2002, p. 26-27), “A nossa luta é no campo das políticas
públicas, porque esta é a única maneira de universalizarmos o acesso
de todo o povo à educação”. O reconhecimento político da educação
do campo é essencial para enraizá-la na agenda nacional das esferas
municipais, estaduais e federais. O Movimento tem a consciência de
que a Educação do Campo é um direito das populações e um dever
do Estado, o que expressa uma interessante contradição no âmbito
da luta educacional do MST, ou seja, ao mesmo tempo em que o
Movimento contesta e tenciona as estruturas do Estado burguês,
necessita do mesmo estado para garantir o acesso à educação para os
povos do campo, uma educação que continuará a fomentar a luta
contra as práticas exploratórias do modo de produção capitalista.
Munarim (2006, p. 17) esclarece tal contradição, pois, para ele, os
sem-terra
256
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
[...] vivem uma espécie de dilema. Isto é, buscar
o patamar da política pública, que quer dizer
universal, é definido como estratégia básica,
maior e mais nobre de suas ações. De outro lado,
porém, isso implica para cada um desses sujeitos
sociais renunciar, pelo menos em parte, às
condições de formação de sua identidade na
medida que transfere ao Estado a tarefa de
formação. É compreensível, pois, que nas lutas
de hegemonia entre os próprios sujeitos sociais e
nas relações com o Estado, eles reivindiquem a
ação do Estado educador, mas procurem, ao
mesmo tempo e a partir de suas próprias
experiências pedagógicas, informar e mesmo
influir diretamente nessas ações que se dão dentro
do sistema público.
É basilar não perder de vista a atuação do Movimento mesmo
na esfera da política pública, pois não basta apenas lutar pelo direito
à educação neste Estado burguês, pois é também necessário lutar
pela continuidade e manutenção da proposta original de educação
elaborada pelos próprios povos do campo, ou seja, uma educação
que vai além dos muros da escola e além da formação de militantes
do MST, uma educação para a emancipação humana e para a busca
de outra sociedade que não tenha a exploração como seu sustento.
Considerações finais
Diante dos aspectos apresentados, o texto é finalizado de
forma paradoxal, ou seja, é concluído na ausência de conclusões,
pois o MST e sua luta pela Educação do Campo estão em constante
movimento e, portanto, não há resultados finais, mas apenas
257
A luta por políticas para a educação do campo: Contestação, resistências e possibilidades
considerações em relação às possibilidades que emergem das
intrínsecas contradições do modo de produção capitalista e são
aproveitadas pelo MST junto à sua preocupação com a formação
dos sujeitos, traduzida na Educação do Campo.
O MST, enquanto movimento social mais expressivo do
Brasil, é complexo quando verificadas todas as suas dimensões de
atuação, da luta pela terra à luta pela educação. É uma manifestação
contra-hegemônica que busca compreender as condições atuais da
economia, política e sociedade nacional e internacional e tem como
campo de luta específico o campo. Por meio de suas práticas
cooperativas e da agroecologia busca tencionar as práticas
exploratórias e degradantes do agronegócio e luta por um novo projeto
de campo com vias de expansão para todo o Brasil.
A educação é um de seus pilares fundamentais e desde o início
das atividades do MST esteve presente em suas ações. Com o
crescimento da luta e expansão pelo território brasileiro, tornou-se
cada vez mais necessária a educação destinada às crianças, aos jovens
e aos adultos. A formação dos sujeitos sem-terra mostrou-se fundamental para a qualificação e a continuidade da luta, pois os tentáculos
do capital são muitos e lançam mão de complexas estratégias para
obstruir as mudanças que não são de seu interesse. É nesse sentido
que a luta por políticas para garantir e financiar a educação do campo
é fundamental para a manutenção da luta social do MST na medida
em que o conhecimento é pressuposto, embora não suficiente, para a
prática revolucionária de transformação na realidade.
Em suma, verificou-se que as tendências da globalização
hegemônica, que buscam tudo mercantilizar e homogeneizar, também
possibilitam as contestações de quem está excluso do processo de
distribuição e divisão de riquezas, e que as próprias condições
concretas da sociedade atual viabilizam a construção de um mundo
258
JEINNI PUZIOL - IRIZELDA SILVA - MARIA CECÍLIO
diferente do atual, para além da desigualdade, ou seja, para além das
classes sociais, como evidencia a epígrafe escolhida para se iniciar
este texto. A educação do campo transcende as fronteiras do campo
e mostra a urgência do conhecimento para todos os seres sociais,
como forma de contestação, resistência e possibilidade, diante de
uma sociedade que busca obscurecer o entendimento da totalidade e
aprofundar as condições de exploração e expropriação das classes
subalternas.
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261
262
IMPLICAÇÕES DA GESTÃO EDUCACIONAL
DEMOCRÁTICA NO TRABALHO DOS
PROFESSORES
CLÁUDIA LETÍCIA DE CASTRO DO AMARAL
GABRIEL DOS SANTOS KEHLER
LILIANA SOARES FERREIRA
Introdução
As políticas educacionais, normalmente, referem-se a
questões que não são estabelecidas a partir do contexto imediato,
mas resultantes de um processo histórico que abrange aspectos
políticos, sociais, econômicos, conforme se argumenta na primeira
parte deste estudo. Na segunda parte, considerando-se que, no Brasil,
não raramente, as políticas educacionais são políticas de governo e
estão associadas ao momento social, apresenta-se um panorama do
capitalismo, em seu atual estágio, para que se perceba de que maneira
esse modo produção influencia na organização do trabalho dos
professores. Dentre os aspectos políticos para a educação, destacase o princípio da gestão democrática, presente na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996, abordada na última parte do texto.
Este capítulo1 resulta de estudos desenvolvidos sobre políticas
públicas em diálogo com referencial teórico sobre outro tema de
estudos e pesquisa: o trabalho dos professores. Pode-se considerar
1
Este capítulo é resultante dos estudos e das pesquisas desenvolvidos no Programa
de Pós-Graduação em Educação/UFSM, no Curso de Mestrado em Educação.
263
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
que tais estudos estão organizados a partir de três pilares temáticos:
escola, educação e políticas públicas. O espaço e o tempo da escola
foi o elemento que permitiu estabelecer uma relação indissociável
entre teoria e prática, possibilitando conhecer as implicações dos
temas entre si e com o contexto político mais amplo da educação.
Tal argumento se justifica com argumentos de Pérez Gómez, segundo
o qual “[...] para refletir sobre a legislação escolar brasileira é
imprescindível compreendê-la por meio do espaço escolar como
espaço público de direito da cidadania” (2001, p. 195).
A fim de elaborar sentidos sobre a educação brasileira, é
importante, também, compreender as relações entre as políticas
públicas educacionais brasileiras e as políticas do macrossistema
econômico mundial. Em decorrência, pode-se afirmar que as políticas
públicas normalmente se referem a questões não estabelecidas a partir
do contexto imediato, mas resultantes de um processo histórico que
abrange aspectos políticos, sociais e econômicos. Nesse estudo, são
apresentadas as fases do capitalismo que correspondem aos modelos
taylorista/fordista e, posteriormente, ao modelo toyotista 2 de
produção e organização do trabalho. Nessa perspectiva, pretende-se
argumentar sobre de que maneira o capitalismo influencia e/ou
influenciou na configuração atual da gestão educacional e do trabalho
dos professores, principalmente através da gestão democrática,
presente como princípio na Constituição Federal de 1988 e na LDB
de 1996, apresentados na última parte do texto.
2
O fordismo caracterizou-se por iniciar uma aceleração no processo de produção,
utilizando mecanismos hierárquicos, rigidamente estruturados, os princípios tayloristas
de administração científica, e intensificando os modos de controle do trabalho dos
operários. O toyotismo, genericamente, é o processo de flexibilização da produção, o
que exige trabalhadores multifuncionais.
264
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
Concepções de política
No senso comum, decorrente de uma história peculiar no
Brasil, predomina certo consenso de que política seja algo ruim,
negativo. Na maioria das vezes, no entanto, esses discursos se referem
a um tipo específico de política, a partidária. Descontente com
problemas de diferentes naturezas em âmbitos diversos (municipal,
estadual ou federal), grande parte da população, não raramente de
maneira equivocada, atribui esse quadro desfavorável às decisões de
seus representantes no governo, no caso, os políticos, cujas atitudes
coletivas passam a ser entendidas como a política em si, substituindose a criação pelos seres, personalizando-se (e personificando-se) a
política. Os inúmeros casos de corrupção acabam por justificar a
desilusão da população nas diferentes esferas políticas. Por isso que,
em conversas corriqueiras, ao se comentar sobre acontecimentos
cotidianos referentes a decisões no âmbito governamental, é comum
ouvir-se frases como “Eu não gosto de política”, “Não quero saber
de política”.
Diferentemente dessa versão, própria do senso comum, na
Antiguidade grega, a política era entendida como característica
ontológica dos seres humanos, portanto, intrínseca e indissociável
do humano. Para Aristóteles (1998), a política seria a ciência da
felicidade humana, a qual era subdividida em: ética (referente ao
estudo do que é felicidade) e política propriamente dita (concernente
ao estudo de como obter a felicidade). Nesse sentido, estava
relacionada diretamente à vida prática, uma vez que também a
felicidade era relativa às ações cotidianas. O objetivo da política,
então, seria descobrir a maneira de viver que levasse à felicidade, à
forma de governo e às instituições sociais capazes de garanti-la. Como
a vida dos seres humanos se revela pela busca incessante em ser
feliz, de acordo com Aristóteles (1998), a política tornar-se-ia inerente
265
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
à sua constituição, ideia expressa em seu conhecido aforismo: “todo
homem é político por natureza”.
Relacionada à política, a concepção de democracia também
é uma produção grega e está relacionada à evolução da política. Tão
discutida nos dias atuais, a democracia é resultante, segundo Bobbio
(2000), de três fases da tradição política: a teoria clássica, de base
aristotélica, ou a democracia como governo do povo, dos cidadãos; a
teoria medieval, herdeira da perspectiva romana, o poder delegado,
conforme a posição social; a teoria moderna, com base em Maquiavel
(1469 – 1527), relacionada ao Estado Moderno, distribuída em dois
modelos: a monarquia e a República (BOBBIO, 2000, p. 219).
Desse modo, é possível perceber que, em outros diferentes
contextos sociais e históricos, o termo política estabelece relações de
sentidos diversos, podendo inclusive ser entendido como um conjunto
de políticas. Vieira (2007, p. 55) declara que “[...] não há políticas,
sem política”. A partir do que pode afirmar que aquelas se constituem
em uma dimensão desta. Portanto, a concepção de política vai ao
encontro deste entendimento e precisa ser contextualizada.
Importante é considerar que a política está diretamente relacionada
à ideologia, entendida como o modo como se descreve o real, sob o
ponto de vista das classes dominantes (LÖWY, 1988, p. 12).
Em continuidade à tentativa de descrever uma concepção
de política, e, nesse conjunto, delimitar o foco de nosso trabalho,
que são as políticas públicas educacionais, considera-se a significativa
contribuição de Freitag (1986) ao afirmar: “[...] a política educacional
não é senão um caso particular das políticas sociais”. Nesse sentido,
a educação é entendida como uma política pública, manifestada
através de políticas educacionais. Nesse viés, sobre a diferença entre
política e políticas de educação, a explicação seguinte é bastante
esclarecedora:
266
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
A Política Educacional (assim em letras
maiúsculas) é uma, é a Ciência Política em sua
aplicação ao caso concreto da educação, porém,
as políticas educacionais (agora em minúsculas)
são múltiplas, diversas e alternativas. A Política
Educacional é, portanto, a reflexão teórica sobre
as políticas educacionais [...] se há de considerar a
Política Educacional como uma aplicação da
Ciência Política ao estudo do setor educacional
e, por sua parte, as políticas educacionais como
políticas que se dirigem a resolver questões
educacionais. (PEDRÓ & PUIG, 1998).
Azevedo (2004) mostra que a abordagem das políticas
educacionais implica o enfrentamento de tensões que objetiva, ao
encontro do que propôs Aristóteles (1998), a felicidade e a
emancipação humanas. Tais tensões podem ser vislumbradas através
de sua explicação para política a partir da língua inglesa, que desdobra
o termo em policy e politics. Nas palavras da autora:
A política educacional definida como policy –
programa de ação – é um fenômeno que se
produz no contexto das relações de poder
expressas nas politics – política no sentido de
dominação – e, portanto, no contexto de relações
sociais que plasmam assimetrias, a exclusão e as
desigualdades que se configuram na sociedade e
no nosso objeto. (AZEVEDO, 2004).
No sentido de ampliar a concepção de política e, em
decorrência, de políticas educacionais, é importante considerar que
estão, na atualidade, diretamente afetadas pelo contexto neoliberal
vigente. Nesse caso, o Estado não se encontra relacionado a governos
267
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
nacionais, mas está inserido em um processo de governo mais
abrangente. Além disso, não somente a economia passa a ser
determinada globalmente, mas as propostas para os diferentes âmbitos
da sociedade, dentre elas, a educação, uma vez que, para o
neoliberalismo, a educação ainda realiza a função estratégica no
desenvolvimento da economia, já que forma recursos humanos
“competentes” para a estrutura produtiva. Nessa perspectiva, a seguir,
será apresentado um panorama do neoliberalismo a fim de argumentar
sobre suas consequências para as políticas públicas, a gestão
democrática na escola e o trabalho dos professores.
Os contextos em que se produzem políticas sociais
Sobretudo nos últimos trinta anos no Brasil, os processos de
urbanização, as consequentes mudanças sociais e, ao mesmo tempo,
a redução dos investimentos nas políticas sociais, acirraram as
dificuldades, gerando efeitos na educação, entre os quais, os mais
conhecidos são o aumento não planejado do atendimento a estudantes
nos sistemas públicos de educação, a pauperização acentuada na
infraestrutura desses sistemas, perda de vários ganhos políticos e
salariais dos professores, além dos conhecidos processos de
intensificação, precarização, fragmentação e performatividade3 do
trabalho dos professores. Todos esses fatores convergem para que se
perceba, paralelamente, uma acentuada queda nos índices de
aprovação dos estudantes, sendo necessário ver esses dados em
3
A intensificação refere-se ao amplo processo de exploração cada vez maior do tempo
de trabalho dos professores, inclusive para além do tempo contratual. A precarização
diz respeito à falta de condições para um trabalho efetivo do ponto de vista material e
humano. A fragmentação revela-se na contínua dependência de outros profissionais
para que a produção da aula aconteça. A performatividade está relacionada às políticas
educacionais e aos modos de regulação do trabalho dos professores.
268
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
conjunto, evitando-se a tendência de culpabilizar somente os
professores e seu trabalho por esses resultados.
A partir de 1980, sob influência dos acordos e ditames
neoliberais, há o incentivo à dinamização e à flexibilização do trabalho
pedagógico na escola. Dinamiza-se o tempo de aula, o acesso ao
conhecimento e flexibiliza-se o currículo, as relações entre os sujeitos.
Desse modo, pensa-se estar produzindo uma escola mais em acordo
com o modelo toyotista de produção, abordado anteriormente. Nesse
contexto, o Estado deixa de ser o provedor e passa, paulatinamente,
a ser o avaliador, criando mecanismos de toda a sorte para verificar
se os investimentos parcos da União, das comunidades e até mesmo
o voluntariado estão repercutindo em melhoria dos índices de
aprovação dos estudantes. Então, contraditoriamente, políticas
públicas, tão valorizadas nos discursos governamentais, se referem a
ações que determinam o padrão de proteção social implementado
pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos
benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais.
Magalhães e Stoer apresentam abordagens sobre a política e os
processos de decisão expondo um “[...] dispositivo hermenêutico que
nos permita simultaneamente escapar ao anything goes (vale tudo) pósmodernista e localizar as acções políticas na nova geografia dos
processos de decisão” (2005, p. 19). Nessa perspectiva, descrevem
seu entendimento de política social, afirmando que o que faz uma
política ser social não são os princípios que traz em si, que as organiza,
mas “[...] a sua activação no contexto que visa enquanto projecto de
mudança social” (MAGALHÃES; STOER, 2005, p. 25). Essa
mudança social é desejada desde a ascensão da burguesia, mas que,
sob a forma de políticas sociais, tem suas raízes somente nos
movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos
269
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
entre capital e trabalho, no desenvolvimento das indústrias. Nesse
sentido, Offe adverte:
[...] parece ser mais fecundo interpretar a política
educacional estatal sob o ponto de vista
estratégico de estabelecer um máximo de opções
de troca para o capital e para a força de trabalho,
de modo a maximizar a probabilidade de que
membros de ambas as classes possam ingressar
nas relações de produção capitalistas. (1984, 128).
Assim, as políticas educacionais, nesse viés, revelam um
processo de reestruturação do Estado que se adapta às exigências
neoliberais e da globalização.
O neoliberalismo surgiu para a retomada das taxas de
desenvolvimento econômico do pós-guerra. Era uma época de crise
do capitalismo devido ao poder crescente dos sindicatos a interferir
no gerenciamento dos ganhos e de gastos com a manutenção dos
direitos sociais. Seus resultados mais imediatos são a desenfreada
inflação, controle das ações sindicais que representavam a classe
trabalhadora, a mudança do Estado que se tornou não interventor,
controle dos gastos com políticas sociais, desempregos e controle do
aumento do salário. Tais mecanismos de ajuste se manifestam até
hoje, toda vez que o capitalismo tem acirradas suas inúmeras crises.
Paralelamente, mudam os valores sociais: preza-se a igualdade,
mas destaca-se a diversidade e pluralidade; surgem novas e renovadas
concepções de propriedade, democracia e defendem-se concepções
de cidadania. Tais revisões conceituais vão se manifestando na esfera
social através das políticas públicas, publicizadas pela mídia.
No plano educativo, acirram-se as exigências de a escola
reforçar e solidificar a preparação de trabalhadores aptos. Tais
270
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
exigências, quando não respondidas, são interpretadas como falta de
eficiência e falta de qualidade da educação e dos profissionais da
educação, isentando o Estado por suas responsabilidades.
Paralelamente, outras estratégias vão sendo utilizadas para
compatibilizar os objetivos da escola e os objetivos do capital:
privatização das instituições educacionais, utilização das noções de
competência e de qualificação como discurso educacional, avaliação
externa da educação e da escola.
Uma concepção de neoliberalismo é apresentada por De La
Garza, quando afirma:
O neoliberalismo como for mação sócioeconômico é uma configuração de configurações
(não é sistêmico; também o caracterizam a
contradição, a descontinuidade e a obscuridade).
É por um lado uma concepção do mundo, cujo
centro se encontra nas teorias da linha genética
neoclássica e hoje da escolha racional; é um tipo
de política de ajuste macroeconômico, que
enfatiza o combate à inflação através da depressão
da demanda agregada e uma forma de mudanças
estrutural das economias dirigida de forma a
permitir a “ação” do livre mercado; é também
uma forma de Estado que rompe com os
acordos keynesianos e com os pactos
corporativos que buscaram conciliar acumulação
de capital com legitimidade política do Estado;
e é, também, uma forma de reestruturação
produtiva, conseqüente com a abertura e a
globalização das economias, assim como com a
ruptura daqueles pactos corporativos. (1997, p.
129).
271
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
Desse modo, o neoliberalismo é a versão atualizada do
liberalismo. Este foi a base sobre a qual se erigiu a sociedade
capitalista, porém adequado a estes últimos tempos, nos quais se
fala em reestruturação produtiva, acumulação flexível e suas
consequências sobretudo sobre o emprego e o trabalho.
A globalização, concepção associada ao neoliberalismo, por
sua vez, interfere na educação de modo bastante claro e evidente.
Globalização é um termo recorrentemente usado nas análises sobre
educação, sobretudo nas políticas em educação, ao ponto de se
estabelecer um aparente “[...] ambiente intelectual propício para
conferir ares de novidade a acontecimentos e tendências que
constituem a repetição, sob nova roupagem, de fenômenos às vezes
bastante antigos” (BATISTA JÚNIOR, 1997, p. 6). E o autor ainda
reafirma essa recorrente divulgação da ideia de globalização: “De
um ponto de vista histórico ‘globalização’ é a palavra da moda para
um processo que remonta, em última análise, à expansão da
civilização européia a partir do final do século XV” (BATISTA
JÚNIOR, 1997, p. 6). Cabe, ainda, recuperar a concepção de
globalização apresentada por Singer: “[...] processo de reorganização
da divisão internacional do trabalho, acionado, em parte, pelas
diferenças de produtividade e de custos de produção entre países”
(SINGER, 1996). Ou seja, não apenas globalização cultural,
viabilizada pelo avanço dos meios de comunicação e informação,
mas a expansão da abertura de fronteiras ao capital internacional.
Segundo o autor, vive-se uma segunda etapa dessa globalização, na
qual “[...] os países semi-industrializados apresentavam ao capital
global vantagens comparativas, que consistiam de grande
disponibilidade de mão-de-obra já treinada e condicionada ao trabalho
industrial a custos muito menores que nos países desenvolvidos”
(SINGER, 1996). Comparadas, a primeira e a segunda etapas, do
272
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
amplo processo de globalização, Singer conclui: “Ao contrário da
primeira etapa, desta vez a globalização assumia o papel de causador
de desindustrialização e empobrecimento de cidades e regiões
inteiras” (SINGER, 1996).
Essa segunda fase, em sua exigência de “mão de obra mais
qualificada”, gerou a ação planejada e intencional de organismos
internacionais no sentido de gerenciar a educação no país em acordo
com as demandas do capital através de “[...] projeto hegemônico,
caracterizado como uma alternativa dominante à crise do capitalismo
contemporâneo, através da qual se pretende levar a cabo um profundo
processo de reestr uturação material e simbólica das nossas
sociedades” (GENTILI, 1998, p. 102). É nesses contextos que
surgem as políticas públicas. Destas, surgem as leis, entre elas, a LDB
de 1996. Leis, como essa, já na década de 1970, Cury considerava
que são textos cuja importância “[...] não é identificada e reconhecida
como um instrumento linear ou mecânico de realização de direitos
sociais” (1978, p. 258). São textos que acompanham e orientam o
modo como se desenvolve a cidadania, portanto, pressupõem luta:
“Luta por inscrições mais democráticas, por efetivações mais realistas,
contra descaracterizações mutiladoras, por sonhos de justiça” (CURY,
1978, p. 258).
O contexto neoliberal e a (re)organização do trabalho
Como já referido, o modelo de organização do trabalho que
sustentou o sistema capitalista durante quase todo o século XX foi o
taylorista/fordista. De forma sucinta, sob tal perspectiva, o processo
de trabalho é pautado na produção em massa de mercadorias e
estruturado como uma produção homogênea e vertical. Na década
de 1970, no entanto, o capitalismo começa a dar sinais de colapso,
sinais revelados principalmente pelo esgotamento de tais formas de
organização. Antunes (2005) esclarece que tal crise justifica-se por
273
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
uma diminuição crescente do consumo, diminuição causada pelas
grandes taxas de desemprego da época. Além disso, aponta que o
aumento do preço da força de trabalho, conquistado através de lutas
sociais, nos anos 1960, resultou em diminuição do lucro dos
capitalistas.
Ao aparente fracasso do sistema vigente, o pró prio
capitalismo responde através do chamado neoliberalismo, já abordado
anteriormente, que preconiza a total liberdade de mercado, um Estado
mínimo, uma sociedade aberta, concorrencial e competitiva.
Ampliando, Castells caracteriza essas transformações como um
amplo processo de reestruturação marcado por:
[...] maior flexibilidade de gerenciamento;
descentralização das empresas e sua organização
em redes tanto internamente quanto em suas
relações com outras empresas; considerável
fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o
trabalho, com o declínio concomitante da
influência dos movimentos de trabalhadores;
individuação e diversificação cada vez maior das
relações de trabalho; incorporação maciça das
mulheres na força de trabalho remunerada,
geralmente em condições discriminatórias;
intervenção estatal para desregular os mercados
de forma seletiva e desfazer o estado do bemestar social com diferentes intensidades e
ostentações, dependendo da natureza das forças
e instituições políticas de cada sociedade; aumento
da concorrência econômica global em um
contexto de progressiva diferenciação dos
cenários geográficos e culturais para a acumulação
e a gestão do capital. (1999, p. 21-22).
274
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
Essas características estão de acordo com o contexto social
capitalista. Um capitalismo “[...] global, e está estruturado, em grande
medida, em uma rede de fluxos financeiros” (CASTELLS, 1999, p.
499). Essa configuração do capitalismo, sobretudo após o período
auge do fordismo, passando pelo Estado de Bem Estar Social, nos
países desenvolvidos, chegando ao recrudescimento, com o avanço
do neoliberalismo ou o que Chesnais (1999, p. 78) denomina de
“mundialização do capital”, em vez de globalização, aliado a todas
as decorrências desses processos em relação à vida humana. Tais
processos acabam por gerar novas configurações também do trabalho
e dos trabalhadores.
Então, inserido nesse quadro, ocorre um intenso processo de
reestruturação da produção e do trabalho, com o objetivo de
possibilitar que o capital volte às condições de expansão verificadas
antes da crise. Em consequência, a hierarquia de produção é
substituída pelo trabalho coletivo, pela participação, pela autonomia
e pela descentralização. O modelo taylorista/fordista dá lugar ao
toyotismo, que representa a flexbilização nas relações de trabalho,
resultando na horizontalidade do poder de decisão e uma atribuição
de cargos mais fluida.
O modelo toyotista de organização do trabalho exige que os
trabalhadores passem a se responsabilizar e serem responsabilizados
pelo que produzem, ratificando a compreensão de que o excedente
depende exclusivamente do caráter inteligente da ação dos seres
humanos. Em decorrência, a fim de garantirem seus postos, os
trabalhadores potencializam o dispêndio de energia e de tempo para
serem o mais produtivos possível.
275
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
As políticas educacionais e o neoliberalismo
Considerando-se que a educação, como ação social, é
permeada pelas características de seu tempo e de seu espaço,
compreender os desdobramentos das mudanças nas esferas políticoeconômicas é condição imprescindível para conhecer as razões e
interesses geradores das transformações no campo educacional, desde
1970, quando começa a se revelar um metabolismo do capital que
acirra as relações neoliberais e globalizadoras. Saviani (2005) explica
que, em síntese, a subordinação da educação ao desenvolvimento
econômico significou torná-la útil ao sistema capitalista, isto é,
colocá-la a serviço de interesses da classe dominante, ao qualificar a
força de trabalho, o processo educativo, possibilitando o aumento da
produção de mais valia. Antunes esclarece que:
O século XX, sob a égide do taylorismo e do
fordismo, viu nascer uma educação parcelada,
fragmentária, restritiva, que especializava o
trabalhador – até porque as ciências eram
especializadas. De 1970 para cá, com a empresa
flexível e a desespecialização multifuncional,
nasceu, sob a impulsão do capital, a escola flexível.
(ANTUNES, 2005).
Nessa perspectiva, também, Azevedo (2004) explica que as
reformas educacionais em âmbito mundial têm em comum a busca
pela melhora das economias nacionais pelo fortalecimento dos laços
entre escolarização, trabalho, produtividade, serviços e mercado.
Desse modo, objetivam que se evidenciem competências e habilidades
para o trabalho e vislumbram alcançar esse objetivo na escola, por
meio de um currículo associado ao campo da administração. Pode-se
276
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
considerar que a concepção de competências é polêmica e surge em
um momento localizado em relação às mudanças econômicas. Por
isso, Hirata afirma que a noção de competência é “[...] bastante
imprecisa e decorreu da necessidade de avaliar e classificar novos
conhecimentos e novas habilidades geradas a partir das novas
exigências de situações concretas de trabalho” (HIRATA, 1994, p.
132). Tais demandas surgiram em função dos “[...] novos modelos de
produção e gerenciamento, e substitutiva da noção de qualificação
ancorada nos postos de trabalho e das classificações profissionais
que lhes eram correspondentes” (HIRATA, 1994, p. 132). Então, “o
desenvolvimento de competências” é atrelado ao modelo flexível de
produção e à qualificação ao seu antecessor, o modelo tayloristafordista, de produção em série. E Ramos reitera que a noção de
competência, no contexto de desenvolvimento assentado na
reestruturação produtiva, atende, pelo menos, a três propósitos:
[...] a) reordenar conceitualmente a compreensão
da relação trabalho-educação, desviando o foco
dos empregos, das ocupações e das tarefas para
o trabalhador em suas implicações subjetivas com
o trabalho; b) institucionalizar novas formas de
educar/formar os trabalhadores e de gerir o
trabalho internamente às organizações e no
mercado de trabalho em geral, sob novos
códigos profissionais em que figuram as relações
contratuais, de carreira e de salário; c) formular
padrões de identificação da capacidade real do
trabalhador para determinada ocupação, de tal
modo que possa haver mobilidade entre as
diversas estruturas de emprego em nível nacional
e, também, em nível regional (como entre os
277
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
países da União Européia e do Mercosul).
(RAMOS, 2001, p. 39).
De maneira atrelada aos movimentos do capital, as políticas
educacionais vão se estabelecendo no Brasil. Oliveira (2005) destaca
que programas em âmbito nacional que se referem diretamente às
escolas, sem a mediação dos órgãos intermediários do sistema, têm
sido frequentes nas reformas implementadas nos últimos vinte anos,
tanto no sentido de financiamento de ações quanto no sentido de
avaliação de resultados. Tais iniciativas vêm associadas ao incentivo
à administração por objetivos, ao estímulo à pedagogia de projetos,
à cultura da eficiência e à demonstração de resultados, conformando
o que Ball (2002), criticamente, denomina de performatividade escolar4.
Conforme já mencionado, o processo de trabalho, de acordo
com a perspectiva neoliberal, sofreu grandes modificações,
caracterizadas como pós-fordistas, visto o próprio toyotismo. Uma
dessas formas de gerência do trabalho, que tem influenciado o
ambiente escolar e o trabalho dos professores, é o que se denomina
de modelo gerencialista, como uma das bases importantes do projeto
neoliberal para a educação. Hypólito & Pizzi & Vieira (2008) explicam
que, como parte desse projeto, novos requisitos educacionais
4
Como exemplo de performatividade aplicada ao contexto escolar, ao tratar sobre o
ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), Lopes (2008) destaca que a
supervalorização dos exames faz parte do que vem sendo chamado de cultura da
performatividade. Segundo essa perspectiva, o conhecimento tem mais importância
pelo seu valor de troca (por capital econômico ou cultural) do que pelo de uso. É como
se ir à escola servisse apenas para conseguir um bom emprego. De acordo com essa
lógica, as escolas que melhor se posicionam nos rankings são as que têm mais chances
de proporcionar sucesso aos seus alunos.
278
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
passaram a ser exigidos e começaram a ser articulados novos processos
de reestruturação educativa. Conforme os autores:
As políticas neoliberais para a educação têm
incluído o princípio da competência do sistema
escolar, por inter médio da promoção de
mecanismos de controle de qualidade externos e
internos à escola, que visam a uma subordinação
do sistema educativo ao mercado, ao mesmo
tempo em que propõem modelos gerencialistas
de avaliação do sistema. (HYPÓLITO; PIZZI;
VIEIRA, 2008).
Ratificando essa abordagem, Oliveira (2005) ressalta que,
de forma geral, os sistemas de ensino ainda adotam uma atitude
administrativa vertical sobre as escolas, impondo-lhes ações e
operações. Processos participativos de decisão são impostos
autoritariamente, sem promoverem essa participação em seu próprio
contexto e na definição de políticas educacionais. A autora observa,
também, que a literatura nacional e internacional sobre o tema da
política e administração escolar evidencia certa generalização nos
programas de reforma educacional na última década que tomam a
escola como unidade do sistema, transformando-a em núcleo de
gestão e do planejamento. Conforme Oliveira (2005), as reformas
acontecidas no espaço social latino-americano na década de 1990
contribuíram para que se estabelecessem modos de regulação das
políticas públicas. Regulação é outro termo caro para a compreensão
dessas políticas. De acordo com Barroso (2005), o conceito de
regulação é bastante polissêmico. Aqui, no entanto, pode ser
entendido como o “[...] controlo de elementos autônomos, mas
interdependentes e, neste sentido, é usado, por exemplo, em economia,
279
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
para identificar as intervenções de instâncias com autoridade legítima
(normalmente estatais) para orientarem e coordenarem a acção dos
agentes econômicos” (BARROSO, 2005). Em decorrência dessa
regulação evidente nas políticas públicas, há consequências no modo
de organizar e realizar a gestão das escolas, acabando também por
gerar:
[...] uma reestruturação do trabalho docente,
podendo alterar, inclusive, sua natureza e
definição. O trabalho dos professores não pode
mais ser definido apenas como atividade em sala
de aula, ele agora compreende a gestão da escola,
no que se refere à dedicação dos professores ao
planejamento, à elaboração dos projetos, à
discussão coletiva do currículo e sua avaliação.
(OLIVEIRA, 2005).
A autora reitera que as políticas educacionais contemporâneas
são, em sua maioria, políticas de gestão. Hypólito & Pizzi & Vieira
(2008) explicam o fenômeno como consequência de políticas
neoliberais:
Entre idas e vindas, avanços e recuos, as políticas
neoliberais, com um papel hegemônico, têm um
efeito devastador na educação, reduzindo as
políticas educacionais a políticas de gestão. A
história recente da educação brasileira é um
cardápio de novos programas de gestão que
prometem resolver todos os problemas do
ensino público, por intermédio de ações gerenciais
visando à melhoria da qualidade de ensino. Para
construir esse discurso hegemônico, a educação
pública sofreu e sofre ataques sistemáticos de
280
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
ineficiência. A precária formação do professorado
é atribuída como uma das causas e como grande
responsável pelo declínio da qualidade.
(HYPÓLITO; PIZZI; VIEIRA, 2008).
Devido às características de abordagem temática deste estudo,
não se está apresentando um aprofundamento dos diversos aspectos
históricos, políticos, sociais e culturais que perpassam a discussão
relativa aos termos gestão e administração. Optou-se por, neste artigo,
aplicar o termo gestão em suas diferentes adjetivações: escolar,
educacional e democrática, entretanto, a gestão democrática, foco
desta abordagem, melhor esclarecida adiante, se configura em um
princípio presente nas políticas educacionais, um eixo transversal
que pode estar ou não presente na gestão escolar ou na gestão
educacional, mas que, de todo modo, acaba por colaborar para a
configuração do trabalho dos professores, revelando-se, geralmente,
atinente aos moldes neoliberais.
Cabe reafirmar, com Vieira (2005), que o termo gestão é
resultante das políticas que, na realidade, acabam por revelar as
intenções do Poder Público. Mesmo assim, porém, um aspecto que
precisa ser destacado é a compreensão equivocada de que as políticas
se concretizam exclusivamente como iniciativa do Estado. É comum
se entender o Poder Público como única instância de formulação
política, sabendo-se que, conforme explica a autora, “[...] é na
correlação de forças entre os atores sociais das esferas do Estado – a
sociedade política e civil – que se definem as formas de atuação
prática, as ações governamentais e, por conseguinte, se trava o jogo
das políticas sociais” (VIEIRA, 2005, p. 58). Em suma, tornam-se
objeto de análise da política educacional as iniciativas do Poder
Público em diferentes instâncias e espaços, abrangendo desde a sala
de aula, as escolas, incluindo até os planos de educação.
281
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
Em continuidade, faz-se importante apresentar a diferença
entre gestão escolar e gestão educacional, gestões que correspondem,
respectivamente, às esferas micro e macro das políticas de educação.
As definições encontradas na Constituição Federal de 1988 e na LDB
de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) permitem situar o
terreno da gestão educacional como espaço das ações dos governos,
seja federal, estadual ou municipal. Já a gestão escolar refere-se à
abrangência dos estabelecimentos de ensino.
A LDB de 1996, de acordo com Vieira (2005), “[...] foi a
primeira das leis da educação a dispensar atenção particular à gestão
escolar atribuindo um significativo número de incumbências5 aos
estabelecimentos de ensino”. Essa perspectiva marca um momento
em que a escola passa a se configurar como um novo foco da política
educacional.
Ora, considerando-se que a escola é, em primeira instância,
o lugar privilegiado do trabalho dos professores, parece decorrente
que os processos de reestruturação educacional propostos pelas
políticas de gestão neoliberais têm forte impacto sobre o trabalho
dos professores. Por isso, a seguir, discutir-se-á o impacto dessas
políticas de reestruturação da educação sobre o trabalho dos
professores, analisando as condições de execução e os processos de
intensificação a partir da publicação do princípio da gestão
democrática na LDB de 1996.
1
São as seguintes as incumbências atribuídas aos estabelecimentos de ensino em lei:
“elaborar e executar sua proposta pedagógica; administrar seu pessoal e seus recursos
materiais e financeiros; assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula
estabelecidas; velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; prover
meios para a recuperação de alunos de menor rendimento; articular-se com as famílias
e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; informar
os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre
a execução de sua proposta pedagógica” (LDB de 1996, Art. 12, Incisos I a VII).
282
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
Gestão democrática e a intensificação do trabalho dos
professores
As transformações no trabalho dos professores, como
resultado do processo de reestruturação produtiva do trabalho em
geral, acontecem mais precisamente e de maneira sistemática a partir
da consagração do princípio de gestão democrática na Constituição
Federal, de 1988, e de sua posterior regulamentação pela Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira (LDB) de 1996. A
Constituição Federal de 1988 aponta para modificações necessárias
na gestão educacional, com vistas a imprimir-lhe qualidade. Do
conjunto dos dispositivos constitucionais sobre educação, é possível
inferir que essa qualidade diz respeito ao caráter democrático,
cooperativo, planejado e responsável da gestão educacional, orientado
pelos princípios arrolados no artigo 206 do documento. Entre esses
princípios se coloca a garantia de um padrão de qualidade do ensino
e a gestão democrática desse ensino (BRASIL, 1989), posteriormente
regulamentada na LDB de 1996. Esse modelo de gestão educacional
inclui a viabilização de formas diversas de mobilização dos sujeitos,
com vistas ao compartilhamento da tarefa educativa, num movimento
que relativiza a atuação direta e a responsabilidade estatal nessa área.
Com esses propósitos desencadeiam-se medidas de reforma e
inovação político-institucionais e administrativas. Nessa perspectiva
de Gestão Democrática há a descentralização das decisões e as
mudanças efetivas acontecem fundamentalmente pela participação
coletiva, pautada no princípio de autonomia. Nessa situação, há que
se destacar o caráter paradoxal da Gestão Democrática. Hypólito &
Pizzi & Vieira (2008) explicam que:
283
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
De um lado, preconiza um estado fraco por onde
justifica toda a ineficiência do que é público,
apontando culpados para a crise da escola, tais
como a ineficiência administrativa, a centralização
financeira, a desprofissionalização docente, os
sindicatos, etc. Como solução apresenta a
submissão da escola pública às regulações do
mercado incentivando for mas gerenciais
baseadas nos modelos pós-fordistas, e
descentralizando aspectos administrativofinanceiros em nome da autonomia escolar. De
outro, preconiza um estado forte que exerce
controle centralizado sobre aspectos
fundamentais do cotidiano escolar, tais como a
definição do currículo nacional; programas de
formação docente articulados à Mídia [...].
(HYPÓLITO; PIZZI; VIEIRA, 2008, p. 10).
Isso significa que, pautada numa concepção de gerencialismo
econômico que visa ao fortalecimento do capitalismo neoliberal,
apesar de representar uma conquista, traz novas exigências para os
envolvidos. Seria a mudança do caráter taylorista/fordista para o
toyotista no campo educacional. Nesse caso, fica evidente que as
conseqüências de tal modelo no contexto escolar têm como foco o
trabalho dos professores, já que este se amplia, englobando, além da
aula, outras atividades relativas à gestão da própria escola, descritas
através da necessidade de participação, de comprometimento, de
envolvimento e de autonomia necessárias a todo o processo escolar.
Desse modo, os professores intensificam seu trabalho: para além da
aula, devem participar e se envolver com as atividades de
gerenciamento de pessoal, financiamento, atenção à comunidade,
284
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
entre outras atividades que compõem o processo de gestão escolar
democrático.
A partir do princípio de Gestão Democrática, os trabalhadores
docentes veem-se forçados a dominarem práticas e saberes que antes não eram exigidos deles para suas funções. Oliveira (2005) aponta
que, muitas vezes, os professores recebem tais exigências como
avanço em termos de autonomia e democratização da escola e de
seu trabalho. Ocorre, no entanto, que a sobrecarga de atividades e a
maior responsabilização por parte dos professores sobre os destinos
da escola e dos estudantes não são acompanhadas de melhor
remuneração, parecendo que ele “paga o preço” por sua autonomia,
que acaba sendo relativa.
Neste contexto educativo, os professores têm vários tipos de
trabalhos individuais e pouco tempo para estar com os colegas em
seu ambiente de socialização. E, contraditoriamente, conforme
destaca Ferreira (2007), a educação implica necessariamente interação
entre sujeitos. A autora destaca que se tornar profissional significa
mais que apenas competências, pois requer também a integração entre
um grupo de trabalhadores, cuja característica comum é o objeto de
trabalho, no caso, o conhecimento. É necessário que haja reflexão e
ação coletiva sobre e a partir do trabalho pedagógico, para que se
evidencie um projeto pedagógico escolar efetivo (FERREIRA, 2007).
O isolamento e o excesso de trabalho, aliados a uma condição
financeira desfavorável, acabam por determinar um quadro que foi
denominado originalmente, por Michael Apple (1995), como
intensificação do trabalho. Em estudos posteriores ao de Apple
(1995), Hargreaves (1998) caracteriza tal fenômeno da seguinte
maneira:
285
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
[...] um processo em que os docentes têm que
responder a pressões cada vez mais fortes e
consentir com inovações crescentes sob condições
de trabalho que, na melhor das hipóteses, se
mantêm as mesmas e que, na pior situação – mais
comum entre nós, vão se precarizando
cruelmente. (HARGREAVES, 1998 apud
HYPOLITO, PIZZI, VIEIRA 2008).
No livro I, de O Capital, Marx (2008, p. 467) refere-se à
intensificação do trabalho, como uma das “conseqüências imediatas
da produção mecanizada sobre o trabalhador”, ao lado da apropriação
das forças de trabalho pelo capital e do prolongamento da jornada de
trabalho 6. O autor explica ainda que, sempre que acontece
desmedidamente, há uma reação da sociedade que reivindica para
que a jornada se torne limitada legalmente, porém, como um ciclo
vicioso, é justamente por esse fato que o trabalho do operário se
intensifica. Isso porque, em um espaço de tempo menor, precisa
produzir, pelo menos, o mesmo que fazia em uma jornada estendida.
Segundo Marx (2008, p. 470), “[...] a redução da jornada cria de início
a condição subjetiva para intensificar o trabalho, capacitando o
trabalhador a empregar mais força num tempo dado”. Em síntese,
como o próprio Marx explica, há uma conversão da grandeza extensiva
para a intensiva.
Vale destacar, no entanto, que tal conversão não acontece no
trabalho dos professores no contexto neoliberal atual, em que parece
que ambas as grandezas são sobrepostas. Hypolito, Pizzi e Vieira
6
“[...] alguns países do continente fixam um ‘tempo máximo’ durante o qual uma
pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem
limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura” (ANTUNES,
2004, p. 86).
286
CLÁUDIA AMARAL - GABRIEL KEHLER - LILIANA FERREIRA
(2008) apresentam uma série de fatores que caracterizariam o
processo de intensificação, dos quais se destaca a falta de tempo
para descanso na jornada de trabalho e a sensação crônica e persistente
de sobrecarga de trabalho que sempre parece estar aumentando.
Nessa situação, o trabalho dos professores, se, por um lado,
é, na contemporaneidade, o modo de pertencer a uma classe
profissional, de se incluir socialmente; por outro, é um modo de entrar
em contato com tudo o que ofende e macula a condição humana, na
medida em que exige esforço demasiado, controla a utilização do
tempo e exaure.
Considerações finais
O propósito deste texto foi propor discussões que possam
auxiliar os trabalhadores da educação a entenderem melhor as
pressuposições constantes nas políticas públicas, as quais acabam
por determinar a forma de trabalho a que estão submetidos. Essa
forma como se apresenta o trabalho está, indelevelmente, organizada
a partir das características do capitalismo em seu estágio atual. Assim,
portanto, exige lutas dos trabalhadores com o intuito de garantir
condições e possibilidades para seu trabalho.
No caso específico dos professores, tais pressupostos
interferem imensamente em seu trabalho, gerando, não raramente,
seu desconhecimento em seu próprio trabalho. A gestão com
características democráticas, que supere o fato de ser uma política
com características neoliberais, exige o enfrentamento dos conflitos,
das resistências, o desvelamento das relações de poderes e, sobretudo,
a circulação da palavra. Para tanto, uma das mais exigentes atividades
dos gestores é promover o diálogo, não se omitir diante da diferença.
Essas são condições para a gestão democrática, condições sem as
287
Implicações da gestão educacional democrática no trabalho dos professores
quais fica impossibilitada a convivência e a coletividade, a elaboração
de um projeto educacional comprometido e visando à transformação
social, estas características básicas para que se configurem projetos
em educação marcados pela qualidade real, não aquela superficial e
inclusa nas perspectivas neoliberais. Acredita-se que o entendimento
do princípio de Gestão Democrática colabore para tal percepção, na
medida em que se perceba de que modo contribui para a intensificação
do trabalho e para uma democratização. É também desse modo que
se podem superar as características de muitas gestões em educação
assentadas no corporativismo, na competitividade, no impedimento
da circulação da palavra. Pensa-se nessas perspectivas como
encaminhamento de uma real função social da escola - real porque
fruto de uma análise daquela cultura, daquele grupo social; real porque
efetivamente produzida por aquela comunidade educacional.
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290
INCIDÊNCIA DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS
EM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA
EDUARDO A. TERRAZZAN
LIDIANE LIMANA PUIATI
ANDRÉIA AURÉLIO DA SILVA
LUCIANA BAGOLIN ZAMBON
JANAÍNA XAVIER DE ALMEIDA
Introdução
Este capítulo apresenta uma síntese dos principais resultados
de investigações realizadas pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e
Inter venções “Inovação Educacional, Práticas Educativas e
Formação de Professores” (Gepi INOVAEDUC), a respeito da
temática geral de pesquisa “Políticas Públicas em Educação”, aqui
denominadas “Políticas educacionais”. De modo mais específico, estes
resultados referem-se às ações investigativas realizadas pelo Núcleo
de Pesquisa do projeto IEPAM (Inovações Educacionais e as
Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil )1,
sediado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
1
Projeto de Pesquisa “Inovações Educacionais e as Políticas Públicas de Avaliação e
Melhoria da Educação no Brasil”, aprovado no Edital CAPES/INEP/SECAD n.001/
2008 do Programa Observatório da Educação, sob o número 3284. Este projeto é
desenvolvido em rede, articulando ações de Núcleos de Pesquisa vinculados a três
Instituições de Ensino Superior (IES): Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
de Santa Maria/RS; Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Curitiba/PR; e
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande/MS.
291
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
O objetivo geral deste projeto (IEPAM) é compreender as
incidências de algumas Políticas Educacionais em Escolas de
Educação Básica, a saber: políticas de avaliação da educação
básica, políticas de materiais didáticos e políticas de formação
de professores. Assim, neste trabalho, apresentamos, de modo mais
específico, resultados de ações investigativas de subgrupos do Gepi
INOVAEDUC, as quais objetivam a compreensão da incidência, nas
Escolas de Educação Básica da região de Santa Maria/RS, das
seguintes políticas: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID) da CAPES/MEC2, Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) da SEB/MEC3, Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB) do INEP/MEC 4e o Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS) da SEDUC/
RS5.
Partimos do pressuposto de que as orientações e as exigências
presentes nas políticas educacionais prescrevem, em algum nível, o
desenvolvimento das atividades cotidianas das unidades escolares.
Nesse sentido, compreender as formas pelas quais essas políticas
incidem nas instituições escolares permite estabelecer considerações
fundamentadas sobre a organização e o desenvolvimento do trabalho
nelas realizado (trabalho escolar). E, assim, torna-se possível um
repensar a educação escolar, tendo em vista a melhoria da sua
qualidade.
2
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Coordenadoria
de Aperfeiçaomento de Pessoal do Nível Superior do Ministério da Educação.
3
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) da Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação.
4
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) do Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais - INEP do Ministério da Educação.
5
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS) da
SEDUC/RS.
292
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
Para um melhor entendimento de nossos resultados,
primeiramente, caracterizamos, de modo breve, o contexto social no
qual essas instituições estão inseridas e especificamos a noção de
política educacional com a qual nosso grupo vem trabalhando. Ao final,
apresentamos, mediante uma breve caracterização de cada uma das
políticas educacionais acima referidas, os resultados alcançados pelas
ações investigativas de nosso grupo de pesquisa acerca dessas políticas
educacionais.
A sociedade na alta modernidade
Na contemporaneidade, os contextos sociais nos quais as
instituições escolares estão inseridas caracterizam-se, entre outros
aspectos, por sua forte vinculação ao contexto mundial, sendo este
ser marcado por diversas transformações políticas, econômicas,
sociais e culturais, ocorridas, principalmente, nas últimas décadas.
Como conseqüência dessas transformações, vive-se hoje em uma
sociedade caracterizada por mudanças aceleradas e, de certa forma
imprevisíveis, baseadas no conhecimento, no sentimento de incerteza
e de provisoriedade.
Esta ‘nova’ sociedade, isto é, este sistema específico de
relações sociais recebe diversas qualificações, tais como, sociedade
do conhecimento, do consumo, da informação ou pós-moderna.
Anthony Giddens alerta que embora a atual sociedade apresente
“contornos de uma ordem nova e diferente”, que seria ‘pós-moderna’,
estamos ainda num período que podemos chamar de modernidade.
De acordo com ele, as consequências da modernidade estão se
tornando “mais radicalizadas e universalizadas do que antes”, isto é,
as características da modernidade ainda permanecem; porém, estão
mais acentuadas e sua abrangência é (quase) mundial. Assim, o que
293
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
marca este contexto social não são as transformações em si, mas o
ritmo em que acontecem (caracterizado pela rapidez extrema), o escopo
das mesmas (porque atingem a tudo e a todos em algum grau) e a
natureza intrínseca das instituições modernas (que não existiam em outros
períodos históricos ou sofreram grandes transformações). A este
conjunto de características que definem este período histórico
Giddens denomina alta modernidade. (GIDDENS, 1991a, p.13)
Além dessas características, existem fatores e processos
ligados, principalmente, ao grande desenvolvimento dos meios de
comunicação e transporte de massa, que intensificam as características
já mencionadas.
Diante deste quadro, na área educacional se percebe a
existência de um discurso de crise e de fracasso da escola pública,
devido à inadequação da educação escolar ofertada frente às
exigências do mundo atual. Há outros fatores que agravam a
inadequação da educação praticada nas instituições escolares, como
por exemplo, a exigência de execução de ações referentes a planos de
governos.
Essas exigências, em geral, estão associadas à proposição de
políticas educacionais por parte desses governos, entre elas políticas
referentes à gestão, à avaliação dos processos educativos, ao
financiamento da educação, etc. Cada uma delas representa para as
instituições escolares novas prescrições a serem consideradas na
organização e no desenvolvimento de seu trabalho. Para um melhor
entendimento da ideia de políticas educacionais, apresentamos
algumas características que ajudam a conceituar essa expressão.
294
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
Uma possível definição para as Políticas Educacionais
O termo política é derivado do adjetivo politikós, proveniente
da palavra grega polis, que significa tudo o que se refere à cidade e,
em consequência, ao que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável
e social. Esse termo se popularizou e passou a abranger outros
significados, a partir da obra Política, de Aristóteles, que é considerada
o primeiro tratado publicado com discussões a respeito da “natureza”,
das “funções” e da “divisão do Estado”, bem como das “várias formas
de Governo” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998, p.954).
Nessa obra, ocorre um deslocamento no significado do termo
política, até então entendida como o conjunto das ‘coisas’
qualificadas, de certo modo, pelo adjetivo “político”, para ser
entendido como um conjunto de saberes, mais ou menos organizado,
sobre esse mesmo conjunto de coisas; ou seja, essa obra apresenta os
contornos do que, hoje, podemos chamar de Ciência Política.
Com novas teorizações sobre o Estado, sobretudo, dos
jusnaturalistas (Hobbes, Locke, Rousseau e Hegel) e dos materialistas
(Marx e Gramsci), teorizações essas que dão origem à ideia moderna
de Estado (que considera este um sistema de poder organizado que
se relaciona com a sociedade, indicando e determinando as regras de
convívio, de utilização de seu território e suas fronteiras), o termo
política passa a ser acompanhado do adjetivo pública, quando ligado a
ações do Estado. Mais especificamente, essa expressão está atrelada
à relação de mediação entre Estado e sociedade.
É importante ressaltar que o Estado não se confunde com
governo; o Estado refere-se ao conjunto de instituições permanentes,
tais como: órgãos legislativos, tribunais, exército e outras instituições
que possibilitam a ação do governo; ele “atua como órgão assegurador
de certa unidade de coesão e de formação que se estende a todos
295
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
que vivem sob seu domínio”. Já o governo diz respeito a um corpo
de diretrizes, programas e projetos propostos para a sociedade como
um todo, configurando-se a orientação de uma determinada
representação, que assume e desempenha as funções do Estado, por
um determinado período (GARCIA, 1977, p.92-93).
Além disso, o termo governo também se refere às atividades
nas quais atuam determinados indivíduos, encarregados das funções
legislativas do Estado. Um terceiro significado remete ao conjunto
de ideias que orientam determinadas condutas, posicionamentos,
regras e/ou comportamentos de um indivíduo, grupo e/ou instituição.
Nessa perspectiva, as políticas públicas referentes à educação,
aqui denominadas políticas educacionais, corresponderiam às formas
específicas de interação entre o Estado e uma parcela da sociedade,
qual seja, as instituições escolares ou instituições relacionadas à
educação formal, para operacionalização dos desígnios e das
plataformas de governos, mediante a proposição, a implantação e a
implementação de programas, ações e normativas que produzam
resultados ou mudanças nas atividades desenvolvidas nesse âmbito
(GIOVANI, 2009).
Resultados das investigações sobre Políticas Educacionais
Brasileiras, desenvolvidas pelo Gepi INOVAEDUC
A seguir, apresentamos uma síntese dos resultados alcançados,
até o momento, pelo desenvolvimento das ações investigativas do
Gepi INOVAEDUC, separadamente por temática de pesquisa, ou
seja, relativos ao estudo de cada uma das políticas educacionais já
referidas. Introduzindo cada uma dessas apresentações,
caracterizamos, de modo breve, a política educacional foco de
investigação.
296
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
Políticas Educacionais Brasileiras de Formação de Professores
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB
9.394/96) provocou discussões sobre a organização e o
funcionamento dos Cursos de Ensino Superior no Brasil.
Em consequência, são homologadas, em fevereiro de 2002,
as Resoluções CNE/CP 1 e 2/2002. A primeira institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação de Professores da
Educação Básica, em Nível Superior, de Graduação em Licenciatura
Plena e a segunda estabelece os mínimos de duração total de carga
horária das principais componentes desses cursos. Com a aprovação
destas Resoluções, todos os Cursos de Licenciatura do país foram
instados a reformularem suas configurações curriculares, adequandoas às novas orientações contidas nessas resoluções.
Nesse sentido, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para
Formação de Professores (DCNFP) e as demais políticas educacionais,
relacionadas à Formação de Professores, assinalam a necessidade de
que haja uma maior interação entre Instituições de Ensino Superior
(IES) e Escolas de Educação Básica (EEB). No caso da Formação
Inicial de Professores, as Escolas de Educação Básica foram instadas
a atuar como co-formadoras de futuros professores, alunos dos Cursos
de Licenciatura, principalmente mediante ações de acompanhamento
e avaliação dos Estágios Curriculares Pré-Profissionais obrigatórios
como componente curricular desses cursos.
Mais recentemente, com o lançamento de programas nacionais
voltados à melhoria da for mação docente, tais como o
PRODOCÊNCIA e o PIBID, e com a instituição da Política Nacional
de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica,
torna-se necessária, cada vez mais, a realização de ações para que a
escola se reconheça como co-participante da Formação Inicial de
297
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
Professores. É preciso, também, a realização de ações para a
operacionalização dessa parceria entre IES e EEB.
Esses programas têm como intenção principal o
estabelecimento e a consolidação de mecanismos institucionalizados
de interação entre IES e EEB, ou seja, esses mecanismos devem ser
estabelecidos no sentido de reconhecer (1) que as unidades escolares
(EEB) também são locais necessários e privilegiados para o
desenvolvimento de ações de formação docente e, portanto, sua
atuação como instituição co-formadora que contribui para a melhoria
dos Cursos de Licenciatura deve ser promovida e consolidada; (2) e,
ao mesmo tempo, que as IES podem contribuir na Formação
continuada dos professores em serviço envolvidos, promovendo
momentos de reflexões sobre a docência.
Nesse sentido, o Programa PIBID foi criado com o objetivo
de promover a integração entre IES e EEB, objetivando tanto a
melhoria da formação de professores quanto à melhoria da educação
básica brasileira.
Para a operacionalização do programa, são previstos apoio
financeiro para as participações de: (1) alunos de Cursos de
Licenciatura, na condição de bolsistas de iniciação à docência; (2)
professores de Educação Básica em serviço, na condição de bolsistas
supervisores; (3) professores de IES, na condição de bolsistas
coordenadores de áreas disciplinares relativas aos Cursos de
Licenciatura ofertados; (4) professores de IES, na condição de
bolsistas coordenadores de área de gestão de processos educacionais
(5) professores de IES, na condição de bolsistas coordenadores
institucionais.
Assim, investigamos o Programa PIBID em dois âmbitos: (1)
Documentação dos Projetos Institucionais e dos Subprojetos por Área
PIBID/CAPES/UFSM, Editais 2007 e 2009; (2) Gestão escolar de
298
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
EEB envolvidas com Subprojetos de Área dos Projetos Institucionais
da UFSM, Editais 2007 e 2009.
Em relação ao primeiro âmbito, tínhamos como objetivo
identificar e analisar as ações previstas por cada um dos subprojetos
para operacionalizar os objetivos do programa. Os projetos analisados
referenciam-se às dez áreas disciplinares atendidas nos dois projetos
institucionais em vigor na UFSM até o início de 2011, a saber: Física,
Química, Matemática, Ciências Biológicas, Ciências Naturais,
Filosofia, Artes Visuais, Educação Física, História e Pedagogia.
A partir desta análise percebemos que há, na grande maioria
dos subprojetos, ações que expressam preocupação com a Formação
Inicial e Continuada de Professores. De modo geral, as propostas
caracterizam-se pela descrição de atividades de intervenção em sala
de aula, a serem realizadas pelos bolsistas de iniciação à docência,
com a supervisão de um professor de Educação Básica (Bolsista
Supervisor). Outro aspecto que chama atenção é a prevalência de
ações que se utilizam de metodologias e recursos de ensino diversos.
Esses variam desde oficinas, experimentos, palestras, mini-cursos,
jogos didáticos, filmes, teatros, textos, até o uso das tecnologias da
informação e da comunicação.
No âmbito das EEB, entrevistamos, até o momento, membros
das equipes gestoras de cinco escolas da cidade de Santa Maria/RS
que tem professores envolvidos em Projetos PIBID/CAPES/UFSM.
Após realização e análise dessas entrevistas, constatamos que não
há, por parte das equipes gestoras das escolas entrevistadas, clareza
suficiente quanto às finalidades dessa política educacional. Também
evidenciamos que as expectativas de uma escola para outra divergem.
Dentre as expectativas estão: motivar os professores, melhorar a
aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, oportunizar maior
299
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
envolvimento dos alunos da escola com atividades escolares, melhorar
o trabalho do professor.
Outra constatação é a inexistência de um acompanhamento
efetivo, por parte das escolas, do trabalho escolar realizado com a
participação de bolsistas do PIBID na própria escola. Deste fato,
podemos inferir que a incidência desta política nas EEB restringe-se
à atuação do professor supervisor e do desenvolvimento da disciplina
correspondente à sua atuação.
Dois aspectos podem ser percebidos nestes dois âmbitos de
estudo: o primeiro diz respeito à inexistência de ações institucionais,
pois as ações elencadas, tanto nos subprojetos, como nos relatos das
entrevistas evidenciam a falta de articulação entre as áreas
disciplinares que constituem o PIBID; o segundo aspecto diz respeito
à indefinição do que podemos entender por iniciação à docência,
tendo em vista, a realização de ações desta natureza, por bolsistas
que são alunos de cursos que pretensamente deveriam iniciar todos
à docência.
Como já citado, existem diversas atividades previstas nos
Subprojetos de Área do Projeto Institucional PIBID/UFSM, embora
haja prevalência de atividades ligadas ao ensino, bem como diversas
expectativas, por parte das equipes gestoras de EEB, para atuação
desses bolsistas em suas escolas. Isto nos permite inferir que: (1) a
ideia de docência presente nos documentos analisados ainda está
restrita às atividades realizadas em sala de aula, embora os
documentos referentes a essa política apontam para a necessidade
de ampliação de participação e do compromisso do professor com
outras tarefas escolares, tais como, participação nas instâncias
deliberativas das escolas, organização e operacionalização do projeto
político-pedagógico, organização e desenvolvimento das reuniões
pedagógicas, participação em Conselhos de classe etc.; (2) parece
300
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
não ter havido esclarecimento suficiente por parte da IES proponente
às EEB envolvidas sobre as finalidades do PIBID.
Programa Nacional do Livro Didático
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pode ser
compreendido, em termos históricos, a partir de três “fases”. Esse
programa foi criado em 19856, a partir do Decreto nº 91.542, de 19
de agosto de 1985. Essa política educacional foi criada e
implementada pelo Estado para cumprir seus deveres com a
Educação definidos na Constituição de 1988, garantindo, dentre
outros aspectos, materiais didáticos para o ensino. Em 1993 o MEC
institui a comissão de especialistas encarregada de avaliar a qualidade
dos Livros Didáticos mais solicitados pelos professores e de
estabelecer critérios gerais de avaliação do Livro Didático. No ano
seguinte é feita a publicação do documento “Definição de critérios
para avaliação dos Livros Didáticos” e, em 1996, inicia-se o processo
de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o ano seguinte, ao
invés de apenas comprá-los e distribuí-los.
Numa segunda fase do PNLD, conviveram três Programas
do Governo Federal, destinados à distribuição de Obras Didáticas
de qualidade para os alunos de toda a Educação Básica: o PNLD Programa Nacional do Livro Didático, atingindo os segmentos de 1ª
à 4ª séries e de 5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental; o PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, criado
em 2003, pela Resolução nº 38 do FNDE, previa a universalização
de livros didáticos para os alunos do ensino médio público de todo o
6
Neste trabalho, estamos considerando o marco do ano de 1985 quando é criado o
Programa Nacional do Livro Didático, do qual algumas características ainda se mantêm
no atual PNLD.
301
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
país; e o PNLA - Programa Nacional do Livro Didático para
Alfabetização de Jovens e Adultos.
Já em 2010 são criados, pelo Decreto n.7.084, de 27 de janeiro
de 2010, os Programas de Material Didático, os quais têm como
objetivo a distribuição de obras didáticas, pedagógicas e literárias,
bem como materiais de apoio à prática educativa, de forma
sistemática, regular e gratuita às Escolas de Educação Básica das
Redes Públicas, composto por dois grandes programas: Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca
na Escola (PNBE).
Nesse sentido, considerando a amplitude dos programas de
material didático na atualidade no Brasil (tornando esse país o maior
comprador de livros didáticos), a consolidação do PNLD,
estabelecendo um mecanismo próprio de escolha dos livros pelos
professores, e a presença de Livros Didáticos, reafirmada a partir do
PNLD, no cotidiano das escolas e das salas de aula, de uma forma
mais intensa e com uma perspectiva de utilização de melhor qualidade,
consideramos de extrema relevância realizar estudos investigativos
que busquem compreender como os livros têm sido escolhidos,
utilizados e, em especial, como os planejamentos didático-pedagógicos
dos professores se relacionam com os livros escolhidos.
Assim, temos desenvolvido, no âmbito do projeto de pesquisa
IEPAM, estudos nos quais buscamos compreender como o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) incide no contexto de Escolas
de Educação Básica e que implicações ele traz para o trabalho docente
desenvolvido nessas escolas
Em pesquisa realizada com membros das equipes gestoras
de 14 Escolas de Educação Básica das redes públicas municipal e
estadual da cidade de Santa Maria/RS (TERRAZZAN, ZAMBON,
2011), percebemos que a maioria das escolas investigadas (08/14)
302
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
tem como expectativa, em relação a sua participação no PNLD,
possibilitar a utilização efetiva do livro didático como recurso
(ferramenta) para professores e/ou alunos. Quatro escolas (04/14)
referem-se genericamente à melhoria na qualidade do ensino/
educação, outras quatro escolas (04/14) têm como expectativa a
ampliação do acervo de livros na escola (maior disponibilidade de
livros para os alunos) e duas escolas afirmam que sua expectativa é a
atualização dos professores, em relação às atividades didáticas e aos
conteúdos
Quanto às ações realizadas, as escolas, de modo geral,
parecem seguir a seguinte sequência de etapas: I) recebimento de
materiais do MEC ou de editoras; II) análise dos materiais; III) escolha
dos livros; IV) preenchimento de formulários com dados da escola e
envio de lista dos livros selecionados ao MEC; V) recebimento e
distribuição dos livros na escola; VI) utilização dos livros em sala de
aula. Percebe-se que o maior número de ações acontece próximo ao
período de escolha dos livros didáticos, o que demonstra a inexistência
de um planejamento nas escolas para realização de escolhas mais
fundamentadas dos livros e que de fato contribuam para o
desenvolvimento da proposta pedagógica das escolas.
Já em pesquisa desenvolvida com professores de Física
(ZAMBON et al, 2011), investigamos, dentre outros aspectos, como
aconteceram os processos de escolha de Livros Didáticos, no âmbito
do PNLEM 2007, realizados por esses professores, e que papéis assume o Livro Didático na organização e no desenvolvimento de aulas
de Física do Ensino Médio.
Essa pesquisa foi desenvolvida com professores de Física de
Escolas Públicas de Educação Básica da cidade de Santa Maria/RS
que possuem o Ensino Médio como etapa de escolaridade e, para
coletar informações com esses professores, utilizamos questionários.
303
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
Obtivemos retorno de 27 de um total de 58 professores de escolas
das redes federal e estadual de ensino.
Em relação à escolha de Livros Didáticos, no âmbito do
PNLEM/2007, obtivemos, basicamente dois tipos de resposta: Seis
(6) professores referem-se ao processo/mecanismo de escolha dos Livros
Didáticos, convergindo para um mecanismo básico de escolha dos
livros que consiste na análise das obras, individual ou coletiva, e na
decisão acordada entre os professores da escola; um professor chega
a afirmar que esse acordo aconteceu utilizando-se de votação. Outro
professor explica que o trabalho dos professores foi, apenas, relacionar
as únicas três obras recebidas na época nas três opções de escolha
(primeira, segunda e terceira).
Outro conjunto de onze (11) professores refere-se aos critérios
utilizados no processo de seleção do Livro Didático, os quais foram agrupados
em quatro categorias. A primeira refere-se à sequência de assuntos
da área disciplinar física, citada por seis professores. A sequência
desses conteúdos foi comparada com aquela sugerida na programação
do Programa de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES/UFSM), uma
forma alternativa de ingresso à UFSM, no qual as provas são
realizadas em três etapas, cada uma ao final de uma das três séries do
Ensino Médio. Recentemente, esse programa foi extinto, dando lugar
ao chamado Processo Seletivo Seriado, que mantém, em geral, as
mesmas características do PEIES. A segunda categoria,
Correspondência com a proposta da escola, envolve duas respostas,
nas quais houve referência genérica à proposta pedagógica da escola
sem nenhuma explicitação de quais aspectos foram considerados. A
terceira categoria remete para a utilização do livro pelo aluno, sendo
feita uma única referência genérica à facilidade de manuseio da obra
escolhida, sem, porém, explicar o que isso significa. A última
categoria, Organização e abordagem adotada, agrupa duas respostas,
304
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
nas quais foram feitas referências genéricas à contextualização do
conteúdo (1 resposta) e ao tratamento de temas atuais (1 resposta).
Podemos dizer, com base nessas constatações, que, no âmbito
do PNLEM 2007, a seleção de Livros Didáticos ocorreu de forma
quase que improvisada, havendo apenas algum tipo de análise dos
livros que chegaram até a escola, seguida da decisão, tomada em
conjunto pelos professores, sobre a obra a ser escolhida. Surpreende
o fato de que nenhum professor fez referência à utilização do Guia
do Livro Didático PNLEM 2007, organizado pelo MEC, como parte
dos procedimentos para a escolha dos livros.
Quanto aos critérios, podemos afirmar que o determinante
na escolha dos livros é a seleção de assuntos realizada pelos autores
e a ordem de sua apresentação. A sequência esperada, em geral, é
aquela sugerida pelo Exame Vestibular PEIES/UFSM, cuja
programação apresenta conteúdos para cada série do Ensino Médio,
o que tem ocasionado, consequentemente, um engessamento do
currículo escolar para o Ensino Médio, o que acaba também
influenciando fortemente a decisão sobre a escolha dos livros. Assim,
pode-se dizer que a utilização da programação do PEIES como a
própria programação curricular das disciplinas escolares em nossa
região está tão naturalizada entre os professores que acaba sufocando
qualquer possibilidade de adoção de livros que possuam uma
sequência alternativa de assuntos.
Em relação à utilização de Livros Didáticos, podemos afirmar,
a partir das informações coletadas, que ele constitui-se como material privilegiado para o uso imediato do dia-a-dia de sala de aula,
mediante um mecanismo em que, primeiro acontece a leitura e o
estudo por parte dos alunos, e/ou a explicação do professor, sobre
aspectos conceituais, seguidos da resolução de exercícios pelos alunos.
305
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
Porém, o Livro Didático não tem sido o único material
utilizado pelos professores na preparação das aulas de física, ainda
que os demais materiais pareçam ser utilizados nas aulas de física
com menor frequência e com uma finalidade complementar. Assim,
a exposição do professor (ou leitura do livro pelos alunos) e a resolução
de um número extremamente grande de exercícios continuam sendo
as formas privilegiadas de ensinar física e os demais recursos,
atividades e materiais são, em geral, considerados ou tratados como
acessórios ou complementares.
Políticas Educacionais Brasileiras de Avaliação
Na década de 1980 e início da década de 1990, uma tendência
mundial de modificação de parâmetros de indicação da qualidade da
educação escolar é identificada. Essas mudanças se caracterizam pela
adoção de procedimentos e instrumentos de mensuração da
quantidade de conhecimentos ‘adquiridos’ pelos alunos em detrimento
da caracterização e quantificação dos ‘insumos’, isto é, dos recursos
materiais, infra-estrutura, materiais didáticos, etc. disponíveis aos
alunos e aos profissionais das escolas. (KELLAGHAN, 2001, p.260)
No Brasil, esta tendência teve como reflexos a formulação e
proposição de políticas de avaliação educacional, a partir do final da
década de 1980. Para a Educação Básica, o MEC, através do INEP,
implantou um sistema de avaliação nacional7, o Sistema de Avaliação
do Ensino Público de 1º Grau – SAEP que, em 1991, passou a ser
chamado de Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Em
7
Uma avaliação nacional é um exercício planejado para descrever o nível de desempenho,
não de estudantes individuais, mas de todo um sistema educacional, ou uma parte
claramente definida dele. (KELLAGHAN, 2001, p. 265)
306
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
1994, o SAEB foi institucionalizado como processo nacional de
avaliação, através da Portaria 1.795 e, em 1997, foram elaboradas as
Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB, as quais foram
atualizadas em 2001.
Em 2005 o SAEB passou por modificações, introduzidas pela
Portaria n.º 931, de 21 de março de 2005 (BRASIL, 2005), o qual
passa a ser composto por dois processos: 1) Avaliação Nacional
da Educação Básica (Aneb) que se caracteriza por ser amostral e,
portanto, oferece resultados de desempenho apenas para o Brasil,
regiões e unidades da Federação. Avalia estudantes de 4ª e 8ª séries
(5º e 9º anos) do ensino fundamental e também estudantes do 3º ano
do ensino médio, da rede pública e da rede privada, de escolas
localizadas nas áreas urbana e rural; 2) Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (Anresc), mais conhecida como Prova Brasil,
é aplicada somente aos alunos de 4ª e 8ª séries (5º e 9º anos) do
ensino fundamental da rede pública de ensino de escolas localizadas
em área urbana. A avaliação é quase universal, expandindo o alcance
dos resultados oferecidos pelo Saeb, fornecendo as médias de
desempenho também para cada um dos municípios e escolas
participantes.
O SAERS foi instituído através do Decreto estadual 45.300,
de 30 de outubro de 2007 (RIO GRANDE DO SUL, 2007) e
encontra-se num status de inatividade, devido à troca de partido
político a frente do governo do RS. Esta política tinha por finalidade
fornecer subsídios para a correção de políticas educacionais. Para
isso, realizava, a cada dois anos, avaliações para diagnosticar as
habilidades cognitivas, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática,
desenvolvidas pelos alunos ao final da 2ª série/3º ano e 5ª série/6º
ano do Ensino Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio.
307
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
No IEPAM realizamos duas ações de pesquisa referentes a
estas políticas de avaliação: 1) entrevistas com membros das equipes
gestoras de 14 EEB, das redes públicas municipal e estadual, da cidade
de Santa Maria/RS, procurando compreender, dentre outros aspectos:
as razões apontadas pela escola para participar nas ações previstas
no SAEB e no SAERS, as expectativas declaradas pela escola com a
participação nas ações previstas no SAEB e no SAERS e as ações
desenvolvidas pelas escolas no âmbito dessas políticas; 2) análise de
14 documentos oficiais, referentes ao SAEB (08) e ao SAERS (06),
elaborados para regulamentar e orientar as EEB, a fim de identificar
as prescrições e/ou recomendações para participação nessas políticas.
Em relação à participação no SAEB, a maioria (7/12) das
escolas tem uma participação por sugestão ou indução da
mantenedora, da própria política ou ainda devido à participação de
outras escolas no SAEB. Notamos, portanto, que não existem espaços
para reflexão sobre a participação das escolas no SAEB, nem
organizados pelas secretarias estadual ou municipal, nem pelas
próprias escolas. Três escolas participam do SAEB de modo a inserirse na “lógica da política” (receber verbas). Nestes três casos, fica
clara a tendência da atual política em educação brasileira de elaborar
e implementar instrumentos gerenciais e práticas de convencimento para adesão
nos programas governamentais (FERREIRA, 2009). Outras três (3/
12) escolas dizem que participam do SAEB por obrigatoriedade, ou
seja, a escola não tem opções para decidir sobre sua participação.
Quanto à participação no SAERS, cinco escolas estaduais
(5/6) declararam participar por obrigatoriedade, devido às imposições
da mantenedora e/ou da própria política e argumentam que a escola
não teve escolhas ou oportunidade de decidir sobre sua participação.
A coordenação da outra escola estadual não respondeu à pergunta.
308
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
Um dos coordenadores entrevistados afirma que as escolas
não têm dado valor para essas avaliações externas, pois a tendência
é rechaçar tudo o que vem de fora. Ao mesmo tempo, ele critica o
fato de que os professores têm sido tachados de incompetentes caso
o resultado não seja satisfatório e que somente a escola e os
professores têm sido responsabilizados por esse resultado. Neste caso,
podemos estender a crítica desse professor ao SAEB, pois o fato de
o IDEB – indicador de Qualidade Educacional que combina
informações de desempenho no SAEB (Prova Brasil ou Saeb) com
informações sobre rendimento escolar (taxa de aprovação, oriundos
do censo escolar) – possuir como meta nacional assumida atingir a
média 6,0 em 2021, desresponsabiliza o Estado e responsabiliza
exclusivamente os professores e a escola por seus resultados.
Em relação às expectativas com a participação no SAEB, as
escolas referem-se genericamente à melhoria do trabalho do professor (03), da qualidade do ensino/educação (04) ou da escola como
um todo (03). Outras três escolas indicam que sua expectativa é a
própria avaliação dos alunos e, como consequência, a dos professores.
Em duas escolas (02/12) as coordenadoras não indicaram suas
expectativas e uma delas comparou os resultados do IDEB da sua
escola (de periferia) com escolas do centro da cidade. Em outros
momentos de contato que tivemos com as escolas municipais da
cidade de Santa Maria/RS essa preocupação apareceu de forma
recorrente. Isso pode ser explicado pelo fato de que no segundo
semestre do ano de 2010, foi promulgada uma lei municipal (N° 5341/
2010) que cria o Prêmio Qualidade da Educação; isso gerou um
descontentamento dos professores, principalmente os de escolas que
atendem alunos mais carentes econômica e culturalmente.
Concordamos com esses professores no sentido de que não podemos
naturalizar esse tipo de ação, pois as escolas como instituições sociais
309
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
reproduzem desigualdades próprias da sociedade e, portanto, os
melhores resultados tenderão a concentrar-se nas escolas que atendem
camadas com melhor nível socioeconômico. FREITAS (2007) ao
criticar ações políticas meritocráticas como essa adotada no município
de Santa Maria/RS, afirma que
[...] deixada à lógica do mercado, o resultado
esperado será a institucionalização de escola para
ricos e escola para pobres [...]. As primeiras
canalizarão os melhores desempenhos, as últimas
ficarão com os piores desempenhos. As primeiras
continuarão sendo as melhores, as últimas
continuarão sendo as piores. (FREITAS, 2007, p.
969)
Em relação ao SAERS, as escolas também referem-se
genericamente à melhoria do trabalho do professor (03), da qualidade
do ensino/educação (02) ou da escola como um todo (01). Podemos
afirmar que a maior parte das escolas espera, genericamente, melhorar
a qualidade do ensino/educação, o trabalho do professor e a escola
como um todo. Isso demanda, porém, ações programadas e
desenvolvidas nas escolas, que vão além daquelas previstas como
básicas pela própria política. De modo geral, podemos perceber, no
discurso dos profissionais entrevistados, que a avaliação da
aprendizagem dos alunos tem sido considerada uma ação externa, ao
invés de ser considerada uma tarefa continuamente realizada pela
escola e pelos professores.
Em relação às ações desenvolvidas pelas escolas, percebemos
que são os membros da coordenação pedagógica das escolas os
responsáveis por grande parte das ações. Quanto à influência dessas
políticas no calendário de discussões da escola, percebemos que não
310
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
existe um planejamento prévio sobre quais serão as ações a serem
desenvolvidas quando da participação da escola em determinada
política; as ações quando acontecem são para atender demandas ou
contingências dos prazos das políticas. Nas duas políticas analisadas
(SAEB e SAERS) existem ações comuns, tais como consulta aos
resultados na internet e discussão, em algum nível, desses resultados
na escola. Essas ações são desenvolvidas por algum membro da
coordenação pedagógica, no caso do SAEB, e por professores, diretor
e coordenação pedagógica, no caso do SAERS. Essa diferença se
deve em parte ao fato de que, no âmbito do SAERS, as escolas
recebiam um caderno com comentários sobre a avaliação realizada
e/ou boletim por correspondência. Em algumas escolas (03/12) há
também uma preparação dos alunos, realizada pelos professores, para
as avaliações no âmbito do SAEB.
O SAERS é a política que possui um maior número de ações
desenvolvidas nas escolas (08). Entre essas ações destacamos a
realização, por parte da mantenedora, de ações que envolvem os
profissionais da escola de forma mais efetiva, a saber: envio de boletins
de resultados diretamente às escolas, bem como, a disponibilização
dos mesmos na internet e realização de reuniões de formação e de
apresentação de resultados. Já a consulta aos resultados é feita,
conforme depoimentos dos gestores, ou somente como curiosidade
sobre o desempenho da escola ou de modo a orientar mudanças na
atuação em sala de aula.
Pode-se dizer que as ações desenvolvidas nas escolas,
decorrentes de sua participação no SAEB e SAERS, restringem-se
àquelas previstas no âmbito da própria política ou então se
concentram em ações de preparação dos alunos para prova para
obtenção de resultados melhores. Uma das razões é o fato de que as
escolas só recebem seus resultados na forma quantitativa. Este tipo
311
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
de resultado atrelado a outras políticas somente permite na escola
discussões referentes ao aumento desta média, o que gera soluções
paliativas como a preparação antecipada dos alunos para atingir
melhores médias e não a melhoria da qualidade da educação escolar.
A análise dos documentos legais (decretos e portarias) relativos
aos Sistemas Oficiais de Avaliação mostra que não existem
prescrições diretas para o trabalho docente, ainda que possam ser
identificadas recomendações sobre a forma pela qual os professores
podem desenvolver atividades de ensino, buscando o
desenvolvimento de habilidades e competências propostas em suas
matrizes de referência.
Um aspecto marcante nesses documentos é a presença de
um discurso que acaba por fortalecer a crença de que apenas mediante
a educação escolar será possível diminuir ou extinguir desigualdades
sociais.
Considerações finais
Nos nossos estudos pudemos perceber que a incidência da
política educacional PIBID nas EEB está restrita a ações relativas a
uma determinada área disciplinar, no caso a do professor supervisor,
e não se expraiam para outros tempos e espaços escolares. Além disso,
devido à prevalência de atividades cuja preocupação básica é a
metodologia de ensino utilizada, tais ações limitam-se ao trabalho
direto em sala de aula em EEB, resultando em uma concepção de
docência que restringe a atuação do professor no espaço escolar.
Além disso, algumas das metodologias de trabalho propostas
nesses projetos nos parecem inadequadas à formação de um
profissional cujo trabalho é caracterizado pela necessidade de
312
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
estabelecer uma linha de continuidade para todas as suas ações. São
exemplos deste tipo de atividades a proposição de oficinas e minicursos para serem ministrados pelos bolsistas de iniciação à docência.
Consideramos que tais atividades são mais adequadas a práticas
educativas realizadas em espaços educativos não-formais, pois seu
caráter de curta duração atende melhor às finalidades de ações mais
pontuais, em que um determinado assunto é foco da atividade e seu
tratamento exige, em um tempo curto, um fechamento explícito para
um determinado propósito.
Também fica evidente a falta de articulação entre IES e EEB,
no que diz respeito à definição das finalidades da iniciação à docência,
fato que pode ocasionar situações constrangedoras, principalmente,
para os alunos bolsistas de iniciação à docência desse programa que
muitas vezes parecem estar nas escolas sem saber o que, de fato,
significa estar na condição de iniciantes à docência, e para as escolas
que, na maioria das vezes, acreditam que o programa acabará com
todos os problemas que ela enfrenta.
O PNLD pode ser considerado como a política que mobiliza
maior número de profissionais na escola, uma vez que envolve todos
os professores na escolha dos livros didáticos. Diferente do que ocorre
com os sistemas de avaliação, não há questionamentos sobre sua
importância e, diferente do que ocorre com o PIBID, as suas
finalidades parecem claras. De modo geral coordenadores e
professores justificam sua relevância baseados, principalmente, no
fato de que o PNLD permite que alunos de escolas públicas tenham
acesso gratuito a Livros Didáticos. Porém, as ações desenvolvidas
no âmbito dessa política se restringem,via de regra, ao cumprimento
do que é previsto no programa.
Assim, as ações desenvolvidas nas escolas, relativas à sua
participação no PNLD, mobilizam, em geral, todos os professores
313
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
envolvidos, mediante a realização de ao menos uma reunião. Porém,
essas ações restringem-se à escolha dos livros em cada área disciplinar,
não havendo discussões mais amplas acerca das finalidades da escola
e do papel do livro didático para atingir tais finalidades. Portanto,
para uma determinada etapa da escolaridade, ou para um determinado
conjunto de professores de uma área disciplinar, só são desenvolvidas
atividades a cada três anos, quando nova edição do programa é
desenvolvida e uma nova listagem de livros recomendados é
apresentada para escolha. Não acontece, portanto, um trabalho
contínuo de estudos, buscando for mas de escolhas mais
fundamentadas dos livros, nem, o mais importante, um
acompanhamento ou uma avaliação da utilização do livro pelos
professores.
Com relação às políticas de avaliação é possível afirmar que,
em geral, o trabalho escolar não sofre alterações significativas em
decorrência da participação da escola, nas atividades propostas pelos
sistemas oficiais de avaliação. Diferentemente das recomendações
apresentadas nos documentos dessas políticas, as ações
desenvolvidas pelas escolas são realizadas de forma pontual e em
decorrência da demanda do calendário de execução das políticas,
sem manter qualquer relação com o projeto da escola.
Também podemos afirmar que existem muitas discrepâncias
entre as expectativas que as escolas têm com relação às políticas de
avaliação e as ações que desenvolvem, a partir dos resultados
decorrentes de sua participação. Além disso, muitas vezes, essas ações
se restringem ao que já estava previsto como ações minimamente
estabelecidas pela própria política, situação que se agrava pelo fato
de não existir um planejamento de ações que serão desenvolvidas.
Por isso, as escolas têm restringido suas ações ao cronograma de cada
política.
314
EDUARDO A. - LIDIANE L. - ANDRÉIA A. - LUCIANA B. - JANAINA X.
Assim, de um modo geral, podemos afirmar que a incidência,
nas escolas, das políticas aqui analisadas, é pequena, pois as escolas
e os profissionais que trabalham nela as vivenciam somente quando
uma ação externa, por parte dos realizadores das políticas, lhes é
proposta ou imposta; isto é, somente quando o calendário das políticas,
no caso do PNLD, SAEB e SAERS, ou o projeto, no caso do PIBID,
exige a realização de atividades nas escolas.
Apesar disso, novas demandas de pesquisa surgem em
decorrência desses primeiros resultados. Nesse sentido, pretendemos
aprofundar os estudos dessas políticas no que se refere à sua incidência
na aprendizagem da docência nos Cursos de Licenciatura, no caso
do PIBID, na seleção de Livros Didáticos no âmbito do PNLD 2012
e nas atividades de gestão escolar, no caso do SAEB.
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315
Incidência de políticas educacionais em escolas de educação básica
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317
318
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO
DE ARTE E MÚSICA:
A LEI 11.769/2008 E A REALIDADE MUSICAL
ESCOLAR
EGON EDUARDO SEBBEN
MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
Introdução
O capítulo1 problematiza as políticas educacionais adotadas
para o ensino de arte e música. Com a aprovação da Lei Federal nº
11.769/2008, a música foi instituída como conteúdo obrigatório, mas
não exclusivo, do ensino de arte nas escolas de educação básica do
país (BRASIL, 2008), sendo que os sistemas de ensino tiveram três
anos para se adaptarem às exigências da lei. Nesse espaço de tempo,
comunidades, associações e instituições musicais brasileiras atuaram
no sentido de encaminhar a efetivação da lei com base nos estudos e
experiências realizadas na área da educação musical.
A música configura-se como um instrumento de grande
alcance social, porém ainda relegado a papéis historicamente
construídos que, em grande parte, não contribuem para seu
1
Trabalho resultante de parte de dissertação de mestrado, intitulada “Concepções e
práticas de música na escola na visão de alunos de 8ª série do Ensino Fundamental: as
contradições entre o legal e o real”, desenvolvida com auxílio financeiro da CAPES e
defendida em 2009, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.
319
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
fortalecimento enquanto a práxis humana mais significativa
(VÁZQUEZ, 1977). Como declara Penna (2008a, p. 155):
A música [...] tem uma intensa presença na vida
cotidiana, em função dos meios técnicos
disponíveis na atualidade, que geram, inclusive,
novas formas de vivência musical. A educação
musical precisa, então, responder de modo
produtivo a essas questões, para que seja capaz
de estender e intensificar a sua presença na prática
escolar, conquistando uma maior valorização
social.
As concepções e práticas musicais na sociedade e na escola,
bem como as disposições legais a respeito do ensino musical, são
aspectos fundamentais quando se trata da música. É nesse sentido
que o presente trabalho tem como objetivo apresentar e discutir o
processo de tramitação da Lei Federal nº 769/2008, que dispõe sobre
a música como conteúdo curricular obrigatório nas escolas de
educação básica, contrapondo o debate com dados empíricos
referentes à música fora da escola e à Arte e música no ambiente
escolar, coletados junto a alunos de 8ª série do Ensino Fundamental.
Desse modo, pretende-se desenvolver reflexões que possam auxiliar
no debate a respeito da implementação da educação musical nas
escolas.
A obrigatoriedade do ensino de música nas escolas: Lei 11.769/
2008
A Lei Federal nº 11769/2008 altera a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/1996) e dispõe sobre a
320
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. As ideias a
respeito de sua criação começaram a ser delineadas a partir da primeira
reunião da Câmara Setorial de Música MINC/Funarte em 17 de maio
de 2005, no Rio de Janeiro. Segundo a Associação Brasileira de
Educação Musical (ABEM, 2005, s/p):
Com cerca de quarenta participantes, o encontro
discutiu a estruturação da Câmara Setorial de
Música, conselho consultivo que reunirá governo,
sociedade civil e representantes da cadeia
produtiva da Música para a discussão de políticas
públicas para o setor.
Com o estabelecimento da Câmara Setorial de Música, a
educação musical foi inserida na pauta de discussão da Comissão de
Educação e Cultura da Câmara e do Senado, trazendo possibilidades
mais concretas de implementação de políticas públicas nessa área.
Em 30 de maio de 2006 aconteceu o seminário “Música
Brasileira em Debate”, na Câmara do Congresso Federal, em Brasília,
sendo que “[...] a volta2 (obrigatória) da aula de música nas escolas
regulares de ensino do Brasil foi defendida pela grande maioria dos
presentes” (ABEM, 2006, grifo nosso). O evento foi organizado pelo
Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música (GAP) e contou com
a participação de músicos, compositores, educadores musicais,
deputados e senadores, além de diversas entidades ligadas à música.
Posteriormente ao Seminário formou-se, em agosto de 2006,
um Grupo de Trabalho (GT) chamado GT Educação Musical
Audiência Senado, o qual tinha “[...] uma pauta única, que focalizava
2
A questão da volta da Educação Musical será mais amplamente discutida em trecho
posterior do trabalho.
321
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
o tema ‘a inclusão da educação musical no currículo escolar no ensino
fundamental’” (ABEM, 2007). Esse GT foi constituído por
representantes da ABEM, Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música (ANPPOM) e International Society for Music Education (ISME), em parceria com o Grupo de Articulação
Parlamentar Pró-Música (GAP) e o Núcleo Independente de Músicos
(NIM). Seu objetivo, segundo a ABEM (2007, s/p), foi desenvolver:
[...] um cronograma de trabalho de preparação
para a audiência pública no Senado, que incluiu a
organização de todo um material de
embasamento (documentos produzidos pela área,
artigos e pesquisas) para a elaboração do Manifesto para a volta da Música nas Escolas de Ensino
Básico do Brasil.
Nesse ponto destacam-se a audiência no Senado e o Manifesto, elementos cruciais no processo que resultou na Lei Federal nº
11.769/2008. A partir de um requerimento feito pelo senador
Roberto Saturnino realizou-se no Senado Federal uma audiência
pública que discutiu a Educação Musical, tendo sido expostos
argumentos que procuravam fundamentar e esclarecer aos
parlamentares as razões da educação musical nas escolas, aspectos
todos explicitados no Manifesto.
De acordo com a ABEM (2007), o Manifesto para a volta da
Música às Escolas de Ensino Básico do Brasil “[...] foi o documento
que deu respaldo político e ético às nossas reivindicações e
argumentações na audiência pública realizada em 22 de novembro
de 2006 no Senado”. O Manifesto foi divulgado em âmbito nacional,
tendo adesão de diversas entidades brasileiras e do exterior que
apoiam a música, depoimentos de artistas e de entidades, e mais de
322
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
11 mil assinaturas de estudantes, profissionais da área e diversos
indivíduos da sociedade brasileira.
A concepção de música e Educação Musical proposta é o
resultado de diversas pesquisas na área, que procuram levar esse
entendimento para além da visão da música difundida no senso
comum. De acordo com o Manifesto, publicado pelo Grupo de
Articulação Parlamentar Pró-Música (GAP, 2008a), “A Música é uma
prática social, produzida e vivida por pessoas, constituindo instância
privilegiada de socialização, onde é possível exercitar as capacidades
de ouvir, compreender e respeitar o outro”.
O ensino de música nas escolas de educação básica, diferente
do proposto por escolas especializadas, “[...] não visa a formação do
músico profissional, mas o acesso à compreensão da diversidade de
práticas e de manifestações musicais da nossa cultura bem como de
culturas mais distantes” (GAP, 2008a), aspecto que corrobora a visão
de Hentschke e Del Ben (2003). Desse modo, o objetivo principal
da Educação Musical na escola é desenvolver e ampliar o acesso e
fruição musical dos alunos, possibilitando práticas musicais que
considerem a diversidade presente nos contextos sociais onde se
apresenta.
A atuação e o comprometimento da comunidade musical
brasileira, que contou com representantes na audiência pública no
Senado Federal, levou à possibilidade de ser redigido o texto de um
Projeto de Lei que foi aprovado como PL 330/2006.
Ao tratar do projeto de lei surgem algumas controvérsias em
relação à tramitação que necessitam ser esclarecidas. O projeto de
lei de autoria do senador Roberto Saturnino e construído em conjunto
com o GAP intitulava-se PL 343/2006, sendo que sua elaboração
conjunta foi um ato de suma importância, em que a sociedade civil
participa de forma efetiva na elaboração de políticas públicas. No
323
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
entanto, como afirma a ABEM (2007, s/p): “No momento de dar
entrada processual ao nosso PL foi detectado um problema – havia
um outro PL, com texto idêntico ao que nosso GT originariamente
redigiu de autoria da senadora Roseana Sarney”. O fato é que o projeto
de lei da senadora (PL 330/2006) havia entrado no processo de
tramitação anteriormente ao PL 343/2006, tendo dessa forma
prioridade. Juntamente com esses dois projetos havia um terceiro,
que versava sobre a obrigatoriedade do ensino não apenas da música,
mas também das Artes Cênicas e Artes Plásticas.
O processo que se sucedeu incluía a tramitação conjunta dos
três projetos. Sendo esse, contudo, um fator negativo para a tramitação,
solicitou-se a tramitação livre do projeto de lei (PL) da senadora
Roseana Sarney, intitulado PL 330/06. Mencionar esses aspectos é
necessário para esclarecer que o projeto de lei que tramitou no Senado
Federal e deu origem à Lei Federal nº 11769/2008 não era, na
verdade, aquele redigido em conjunto com a comunidade, apesar de
trazer texto idêntico.
No momento de desenvolvimento do projeto, a estratégia de
ação do GAP consistia em isolar “[...] o principal impedimento para
a implementação plena da educação musical” (GAP, 2008b). Tal
impedimento diz respeito ao texto da LDB de 1996, o qual prevê a
obrigatoriedade do ensino de arte, termo que leva a inúmeras
controvérsias por não especificar qual área artística deve ser
contemplada. Segundo o GAP (2008b, s/p):
A redação da lei permite variadas interpretações,
o que tem acarretado distorções e a manutenção
de práticas polivalentes de educação artística e
finalmente na ausência do ensino de música nas
escolas. Assim, o grupo de trabalho desenvolveu
324
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
a estratégia de abordagem exclusivamente do
ponto de vista legal, atuando sobre a redação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Desse modo, objetivou-se redigir o projeto de forma a deixar
claro que a proposta era a inclusão da educação musical nas escolas
de educação básica, reduzindo as possibilidades de interpretações
equivocadas em relação à proposta. A respeito da aprovação do PL
330/2006 no Senado Federal, ressalta-se que “[...] o dia 4 de dezembro
de 2007 foi histórico. Após pouco mais de um ano de tramitação no
Senado Federal, era realizada a sessão de votação do Projeto de Lei
330/2006. O projeto de lei (PL) foi aprovado por unanimidade”
(GAP, 2008b, s/p).
Tendo sido aprovado no Senado Federal, o próximo passo foi
a votação junto à Câmara dos Deputados, onde foi apresentado no
dia 18 de janeiro de 2008, passando a ser reconhecido como PL 2732/
2008. Sua aprovação se deu por unanimidade no dia 28 de maio de
2008 e a tramitação seguiu até a sanção pela Presidência da República,
tornando-se Lei Federal nº 11769/2008, cujos ter mos são
apresentados a seguir:
Art. 1 o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do
seguinte § 6o:
“Art. 26. [...].
§ 6o A música deverá ser conteúdo obrigatório,
mas não exclusivo, do componente curricular de
que trata o § 2o deste artigo.” (NR)
Art. 2o (VETADO)
Art. 3o Os sistemas de ensino terão 3 (três) anos
letivos para se adaptarem às exigências
325
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
estabelecidas nos arts. 1o e 2o desta Lei.
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação (BRASIL, 2008a).
Salienta-se que somente o parágrafo 6º está incluído na LDB
de 1996; as disposições adicionais ficam disponíveis no documento
anterior mente citado. Alguns aspectos da lei vêm gerando
controvérsias. Um deles diz respeito ao pensamento de que haverá
uma disciplina de música. A lei propõe a música como conteúdo
obrigatório dentro do componente curricular de que trata o parágrafo
2º do artigo 26 da LDB de 1996, a saber: “O ensino da arte,
especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente
curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL,
1996, grifo nosso). O conteúdo de música será, portanto, obrigatório,
mas não exclusivo, na disciplina de Arte já existente nos currículos
escolares.
Outro ponto que tem levantando discussões relaciona-se ao
artigo 2º, disposto nos projetos de lei apresentados na Câmara e no
Senado com os seguintes termos: “O ensino da música será ministrado
por professores com formação específica na área” (BRASIL, 2006;
BRASIL, 2008b). Esse artigo foi vetado e um dos argumentos que
justificam o veto afirma:
Vale ressaltar que a música é uma prática social e
que no Brasil existem diversos profissionais
atuantes nessa área sem formação acadêmica ou
oficial em música e que são reconhecidos
nacionalmente. Esses profissionais estariam
impossibilitados de ministrar tal conteúdo na
maneira em que este dispositivo está proposto
(BRASIL, 2008b).
326
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
O texto do veto parece considerar a atuação de profissionais
não habilitados na área como suficiente para efetuar o trabalho em
sala de aula, o que reflete a visão do senso comum de que “[...] para
ensinar, basta tocar [...] correntemente tomada como verdade dentro
do modelo tradicional de ensino de música, caracterizado pela ênfase
no domínio da leitura e escrita musicais [...]” (PENNA, 2007, p. 51).
Em certa medida, o veto do artigo que postulava professores
com formação específica para o ensino de música foi comentado por
Penna (2008b) em artigo anterior à aprovação da Lei Federal nº
11769/2008. Ao mostrar que, em meio à falta de profissionais
habilitados na área, os conteúdos curriculares obrigatórios seriam
trabalhados de modo até mesmo contraproducente, a autora afirma:
Nessas circunstâncias, as exigências legais a
respeito da for mação dos professores
simplesmente cairiam no vazio – como no caso
das indicações do Projeto de Lei do Senado nº
330/06, no sentido de que o ensino de música
‘seja ministrado por professores com formação
específica na área’ (PENNA, 2008b, p. 60).
Um aspecto levantado por Sobreira (2008) diz respeito à
utilização da expressão volta da educação musical no site de divulgação
da proposta desenvolvida pelo GAP, do Projeto de Lei e de sua
tramitação. De acordo com a autora: “Volta é retorno a algo já
ocorrido. Nesse caso, pode significar o retorno ao Canto Orfeônico3,
frequentemente criticado em nossos dias, mas que representou a
3
O Canto Orfeônico foi uma proposta idealizada pelo compositor Villa-Lobos na
década de 1930, a qual teve apoio do então presidente Getúlio Vargas. Sua concepção
calcava-se na ideologia do Estado totalitário e seu desejo de controle social, disciplina
e civismo.
327
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
efetiva inclusão da música no currículo” (SOBREIRA, 2008, p. 48).
O uso desse termo torna-se bastante questionável pelo fato de o
modelo de música muitas vezes idealizado nas escolas decorrer da
proposta do Canto Orfeônico. Ainda assim, pela própria articulação
da Lei junto às entidades participantes do processo e as concepções
de Educação Musical que fundamentam as discussões, essa não é a
proposta idealizada.
Em certa medida, o desafio a respeito do trabalho musical a
ser efetivado com a Lei Federal nº 11.769/2008 acaba fazendo parte
de um jogo de forças entre as concepções dos especialistas na área e
as ideias a respeito da música na escola difundidas na sociedade.
Nesse ponto, a discussão estende-se, inclusive, às visões dos políticos
envolvidos nesse processo:
Para Marisa Serrano, relatora da proposta na
Comissão de Educação (CE), a música, como
componente curricular, poderá contribuir para
tornar a escola mais atrativa aos jovens, bem como
favorecer para a redução da violência e do
envolvimento do estudante com drogas
(SENADO, 2007, s/p)4.
Fica evidente que, para os políticos envolvidos no processo
de tramitação da lei, a música possui um caráter que não a reconhece
enquanto conhecimento. Isso intensifica a importância da articulação
entre a sociedade política e a sociedade civil na implementação de
leis, auxiliando no encaminhamento de concepções engajadas com
suas propostas.
4
Notícia do dia 4/12/2007, retirada do site: <http://www.senado.gov.br/agencia/
verNoticia.aspx? codNoticia=69826>. Acesso em: 7 mar. 2010.
328
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
Apesar do exposto, a aprovação da Lei Federal nº 11.769/
2008 é um avanço para a Educação Musical brasileira. Um dos fatores
para isso inclusive citado no XVII Encontro Nacional da ABEM,
durante reunião sobre estratégias de ação referentes à citada lei é de
que agora a palavra música está presente no documento oficial, ao
contrário do texto da LDB de 1996, que anteriormente trazia somente
o conceito genérico de “ensino da arte”.
Deve-se atentar para o fato de que “[...] leis e propostas
oficiais não têm o poder de, por si mesmas, operar transformações
na realidade cotidiana das salas de aula” (PENNA, 2008a, p. 156).
Todavia, a autora prossegue afirmando que:
Tornando-se objeto de reflexão e
questionamento, podem contribuir para as
discussões necessárias ao aprimoramento de
nossas práticas; analisadas e reapropriadas,
podem, ainda, ser utilizadas como base de
kpropostas, reivindicações e construção de
alternativas. (PENNA, 2008a, p. 156).
Importa reforçar que esse resgate histórico auxilia na
compreensão de como os imperativos legais se apresentam na
realidade complexa e contraditória da educação dos adolescentes hoje.
Procedimentos metodológicos
Entende-se que, a partir da obrigatoriedade da música nas
escolas de educação básica, os verdadeiros desafios a serem
transpostos estão na efetivação concreta das disposições legais. Nesse
sentido, pretende-se contrapor o debate com dados empíricos
329
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
referentes ao contato dos adolescentes com música fora da escola e
à Arte e música no ambiente escolar.
As informações a serem apresentadas foram coletadas junto
a 297 alunos de 8ª série de 13 escolas públicas e 6 escolas particulares
e fazem parte de investigação resultante de dissertação defendida
pelo autor. A escolha de turmas de 8ª série justifica-se por situaremse na transição para o Ensino Médio, e os alunos trazerem consigo
todo o aprendizado adquirido desde as séries iniciais5.
O instrumento de coleta de dados foi questionário, composto
de 22 perguntas de caráter aberto e fechado. Salienta-se que, no
presente trabalho, serão apresentados dados referentes a três questões6,
pelo fato de trazerem informações mais relevantes quanto à discussão
proposta. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa (LÜDKE E
ANDRÉ, 1986), empregando também dados de natureza quantitativa.
A categoria de análise empregada é a variável de classe, compreendida
como escola pública e escola particular.
O desenvolvimento fundamenta-se no materialismo histórico
e dialético. É necessário conhecer e interpretar a realidade de forma
concreta, reconhecendo seus condicionamentos históricos, sociais,
econômicos e culturais, a fim de transpor visões apriorísticas que a
concebem como um fato dado, para então haver possibilidades de
mudança. É importante salientar que:
Com isso não queremos dizer que a mera
explicitação do método contribuirá para a
5
Ressalta-se, nesse ponto, a existência da Lei Federal nº 11.274/2006, que dispõe sobre
a duração de nove anos para o ensino fundamental, não estando, no entanto, efetivada
no momento da pesquisa no município investigado.
6
Os enunciados serão apresentados conforme os dados referentes a cada uma forem
sendo discutidos.
330
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
transformação da realidade, porém sem a clareza
dos fundamentos de um método para a
explicitação da realidade torna-se mais difícil a
tarefa de compreensão e transformação do real.
(MASSON, 2007, p. 106).
Desse modo, ao empreender uma pesquisa, é de fundamental
importância que se adote um método que auxilie na compreensão
em profundidade dessa realidade, o que vai ao encontro das
concepções assumidas pelo materialismo histórico e dialético.
A realidade musical escolar: meios de contato com a música
Pretende-se trazer para a discussão três pontos: os meios de
contato com a música na sociedade; a área artística mais trabalhada
na escola; e as atividades artísticas desenvolvidas nas instituições.
Tais aspectos auxiliam na discussão a respeito da música como
componente curricular na escola na medida em que apresentam a
realidade do contato musical fora da escola e do trabalho artístico
musical escolar.
A adolescência, fase na qual estão inseridos os alunos
investigados, é caracterizada como construção social, sendo “[...] um
emaranhado de fatores de ordem individual, por estar associada à
maturidade biológica, e de ordem histórica e social, por estar
relacionada às condições específicas da cultura na qual o adolescente
está inserido” (SALLES, 2005, p. 35). Desse modo, são indivíduos
que trazem concepções musicais culturalmente e socialmente
construídas, podendo, portanto, contribuir quanto à discussão a
respeito da música de modo geral na sociedade e também no interior
7
A questão intitula-se “Onde você tem contato com a música?” e trazia as seguintes
opções de resposta: Na escola; Pela TV; Pelo Rádio; Pela Internet; Pelo Computador.
331
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
da escola.
O local ou meio de contato com a música7 traz um panorama
geral a respeito da vivência musical dos alunos, auxiliando a refletir
em que medida a escola se faz presente nesse processo. Serão
apresentados inicialmente os dados gerais, que compreendem as
respostas de ambas as redes escolares estudadas. Com 294 alunos
respondentes, o meio mais significativo no cômputo geral foi o Rádio,
com 79,9%. A Internet totalizou 61,2% das respostas, sendo o segundo
meio de contato mais apontado e contrariando o que se poderia
esperar da TV, com 52%, que ficou em terceiro lugar na escolha dos
alunos. O Computador teve 21,8% de registros e a Escola foi a opção
menos escolhida, com 16,7%.
Os dados apresentam informações bastante relevantes,
principalmente no que diz respeito ao fato de a Internet ter sido mais
apontada do que a TV, além de a Escola ter totalizado o menor número
de respostas. Pretende-se, no entanto, dar mais ênfase à análise
referente ao cruzamento com as duas redes escolares estudadas,
pública e particular.
O Rádio teve números bastante próximos nas duas realidades,
com 80,9% de respostas na escola pública e 78,3% na particular. A
Internet, segundo meio mais registrado no cômputo geral, acabou
tomando uma direção diferente na análise entre as duas redes. No
caso da escola pública, 50,5% dos alunos a apontam como meio de
contato com a música, o que a coloca como terceiro meio mais
registrado. A TV alcançou um total de 54,3%, estando ligeiramente
à frente da Internet. Vale destacar, de acordo com Subtil (2003, p.
76), que
[...] esse apelo icônico e cinético proposto pelas
emissões televisivas é o responsável por
332
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
expressões que explicam mais do que
aparentemente querem dizer como “eu vi a música
da Carla Peres”, “eu gosto de ver a música do
Daniel”, ou ainda a fixação pelos ídolos, com
suas performances e caracterizações e não tanto
nas letras e melodias criando expressões
metonímicas, tais como, “eu gosto da Vanessa
Camargo” (não “eu gosto da música da Vanessa
Camargo!”).8
A TV inscreve-se como meio que atribui novos significados
ao contato e gosto musical dos alunos, nos quais a música é vista e
não somente ouvida. Mesmo assim, contudo, na escola particular a
Internet totalizou 80,2% de escolhas, sendo o meio de maior contato
com a música nessa rede, mais significativa que no Rádio e na TV
(respectivamente primeiro e segundo meios na escola pública). Somase a esse aspecto o fato de que 12,2% dos alunos das escolas públicas
afirmam ter contato com a música por meio do Computador, enquanto
38,7% dos alunos das escolas particulares registraram esse meio.
As informações evidenciam que o acesso a bens materiais e
tecnológicos e consequentemente culturais é maior na escola particular, onde há poder aquisitivo mais elevado. Mesmo assim, no
entanto, a proximidade da Internet (50,5%) com a TV (54,3%) nas
escolas públicas mostra que essa questão ultrapassa a condição
econômica, além de não justificar que os alunos da escola pública
não tenham acesso à internet. Segundo Subtil (2003, p. 22), “as
condições materiais de existência adversas não são empecilho para o
8
Na época da pesquisa da referida autora, as duas artistas citadas estavam em bastante
evidência na mídia, o que se refletiu nas respostas dos alunos e foi utilizado como
exemplo.
333
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
usufruto de bens culturais postos à disposição para todos pelo
mercado, em razão das demandas sociais e econômicas”.
Por meio da evolução dos aparelhos tecnológicos de acesso
aos bens culturais, como rádio, televisão e internet, também foram
se modificando as formas e, consequentemente, as necessidades de
acesso. De acordo com Belloni (1994, p. 49), “[...] não se pode negar
que a televisão fornece as mensagens que antes eram transmitidas às
novas gerações pela família por meio dos contos, dos relatos
familiares, das canções, etc.”.
Essa característica atribuída à televisão não a torna um
aparelho que chegue a suprir as relações de interação e
intersubjetividade. Entretanto, “[...] a televisão substitui a experiência
vivida, não pelos conteúdos que ela difunde, mas simplesmente pelo
fato de ocupar tempo livre das pessoas com a contemplação mais ou
menos passiva de experiências factícias” (BELLONI, 1994, p. 50).
Pode-se afirmar que há procura maior por meios mais
democráticos de acesso e consumo dos bens culturais, que vão além
da massividade televisiva. A internet, pelo fato de ser construída por
qualquer indivíduo que a ela tenha acesso, apresenta um ponto
positivo ao possibilitar uma liberdade maior de escolhas, fato que a
inscreve em um campo mais ativo no acesso aos bens culturais,
transpondo a relativa passividade da televisão (BELLONI, 1994).
Tais aspectos tornam a internet um fator de extrema validade quando
pensada no viés do gosto musical dos adolescentes.
De acordo com Vilches (1997, p. 99), a internet “[...] permite
acessar informação, educação ou entretenimento com um potencial
9
O website <www.youtube.com> é um exemplo factual das possibilidades de interação
na internet. Seus usuários têm a possibilidade de assistir a vídeos, assim como também
inserir produções próprias para serem assistidas por outros.
334
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
de irresistível atração horizontal, baseado no fato de que qualquer
um pode emitir conteúdos, além de recebê-los”9. Entende-se que os
indivíduos se tornam ao mesmo tempo receptores e emissores de
informação, interagindo socialmente por meio de redes virtuais. Nesse
sentido, o papel da escola torna-se fundamental na compreensão
desses novos meios de interação social. Mesmo fazendo parte do
cotidiano dos alunos, devem ser trabalhados com o objetivo de
relativizar seus usos, considerando a validade por excelência do
contato social presencial.
Considerando-se os dados obtidos nos outros meios e espaços
de contato, a Escola tem um papel pouco expressivo, sendo que assume condições diferentes nas duas realidades. Na escola pública
teve 13,8% de escolhas, tendo mais respostas que Computador, com
12,2%. Já na rede particular, Escola obteve 21,7% de registros e,
apesar de estar à frente do número de respostas na escola pública, foi
a menos registrada em comparação com o Computador, com 38,7%.
Independentemente do número de escolhas nas duas
realidades, fica evidente que a escola não proporciona contato musical significativo para um número considerável de alunos, quando
comparada a outros meios (internet, computador, TV, rádio). Essa
constatação mostra que a obrigatoriedade do ensino da música na
escola, por meio da Lei Federal nº 11.769/2008, cria um desafio
tanto para os gestores das escolas quanto para os professores.
Os aspectos apresentados refletem a ação dos meios de
comunicação e da mídia no contato musical dos alunos, tendo um
alcance consideravelmente maior que a ação da escola. Por outro
lado, as informações mostram a urgência da inclusão desses meios
no trabalho escolar, assumindo-os como componentes constituintes
das características contemporâneas dos adolescentes.
335
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
Arte e música na escola
Aproximando a discussão do espaço escolar, os dados a seguir
elucidam questões referentes às quatro áreas artísticas (Artes Visuais,
Dança, Música e Teatro) previstas no ensino de Arte, e como cada
uma se efetiva no trabalho escolar10. No cômputo geral, Artes Visuais
foi apontada por 78,7% dos alunos, seguida da Música, por 9,2%,
Teatro com 7,9% dos registros e Dança em última posição de escolha,
com um total de 4,2%.
Os dados tomam uma proporção diferenciada quando
cruzados entre as duas realidades. No caso das escolas públicas, Artes
Visuais detém 69,1% de escolhas, seguida da Música, com 13,8 %,
Teatro, com 11,8% e Dança, que totalizou 5,3%. Nas escolas
particulares obteve-se os seguintes números: Artes Visuais, 95,4%;
Dança, 2,3%; Música, 1,1% e Teatro, 1,1%.
Em ambas as realidades, Artes Visuais detém a maioria de
registros dos alunos. O fato de 95,4% dos alunos da rede particular
apontarem essa área não se confirma na realidade pública. Nesse
caso, mesmo havendo um número majoritário de Artes Visuais
(69,1%), as outras áreas detêm um percentual mais significativo
quando comparadas às respostas da rede particular.
Os dados mostram que a aula de Artes continua sendo
sinônimo de Artes Visuais, em detrimento das outras três áreas
artísticas que a compõem. Essa visão tem suas raízes na Lei Federal
nº 5.692/1971, mostrando o quanto ainda está arraigada nas práticas
e concepções referentes à aula de Artes na escola. A esse respeito,
Figueiredo (2004, p. 56) afirma que, ao adotar a polivalência, a
10
A questão trazia o enunciado “Com qual área de Arte sua escola mais trabalha?” e
apresentava as opções de resposta Teatro, Dança, Música e Artes Visuais.
336
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
disciplina de Artes acaba “abordando todas as linguagens artísticas,
o que significa, na maioria das vezes, a manutenção de práticas ligadas
às artes visuais, sendo a música constantemente relegada a planos
secundários”. Subtil (2009, p. 191-192, grifo da autora) complementa
essas afirmações:
A Lei nº 5692/71 de caráter economicista
promulgada no contexto autoritário da ditadura
militar estabeleceu a obrigatoriedade da
Educação Artística nos currículos (art. 7º), mas,
ao propor a polivalência como metodologia,
fragmentou o conhecimento específico de cada
área e, contraditoriamente, promoveu uma
redução de conhecimentos da Arte nas escolas.
Mesmo tendo a música na segunda posição de escolha, o
percentual é bastante reduzido em relação às Artes Visuais. De acordo
com De Paula (2007, p. 77), um aspecto:
[...] que corrobora a supremacia das Artes Visuais
perante a música, a Dança e o Teatro, é o fato de
que, contrariamente aos professores de Música,
de Teatro e de Dança, que em sua grande maioria
trabalham outras áreas que não a de sua
formação, os das Artes Visuais, em sua maioria,
se recusam a trabalhar com outras áreas.
A respeito da formação dos profissionais atuantes na
disciplina de Artes, vale ressaltar que a área de Artes Visuais forma
mais professores que as outras linguagens, aspecto que acaba
refletindo-se também na maior presença dessa área na escola
(HIRSCH, 2007). A aproximação dessa questão com os docentes
337
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
atuantes na área denota considerações a respeito de sua formação
continuada, como aponta Del Ben et alii (2006, p. 116):
O fortalecimento da educação musical nas escolas
passa, necessariamente, pelo investimento na
formação musical continuada dos professores em
serviço. Por outro lado, sabemos que são escassas
as políticas de formação continuada em música
elaboradas ou apoiadas pelos sistemas públicos
de ensino.
A autora desenvolve a discussão considerando o fato de que
muitos dos profissionais atuantes na disciplina possuem formação
em Educação Artística e em uma perspectiva polivalente,
impossibilitando a exigência de atuação como professores especialistas
em uma das quatro áreas. Vale destacar, ainda, as dificuldades em
aproximar a escola dos avanços da produção científica na área de
educação musical (DEL BEN et alii, 2006).
Fernandes (2004) amplia as considerações ao discutir o fato
de que a quase exclusividade das Artes Visuais na escola não apenas
dificulta o acesso à música, mas também às outras áreas da Arte.
Entende-se que tal concepção deve ser considerada no interior da
escola, visto que o aluno necessita entrar em contato com todas as
manifestações artísticas.
Atividades artísticas desenvolvidas na escola
As quatro áreas e sua presença na escola podem ser discutidas
frente às respostas a respeito das atividades artísticas desenvolvidas
11
A questão era de caráter aberto e trazia o seguinte enunciado: “Dê exemplos de
atividades artísticas que sua escola desenvolve”.
338
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
no espaço escolar11. Vale salientar que, pelo fato de a música não ser
a única manifestação artística contemplada na disciplina de Artes, as
outras áreas também serão discutidas. Com um total de 94
atividades12, foram apontadas tanto aquelas consideradas como
específicas a cada área, como Compositores, Pop arte, ou Dança de rua,
bem como respostas gerais, como Desenho, Teatro, Dança e Música.
A quantidade de atividades registradas é bastante positiva,
mostrando um amplo universo dentro das realidades investigadas.
Por outro lado, especificamente a respeito das atividades musicais, o
registro foi de apenas 11. Dessas, poucas possuem um caráter de
conteúdo: instrumentos, estilos musicais, compositores e conteúdo de música.
As atividades musicais mais apontadas são relacionadas a
apresentações, feiras e concursos, tendo um caráter de entretenimento
extraclasse ou mais seletivo, como bandas marciais e corais.
Focalizando somente nas áreas de modo geral e em atividades
correlatas, o cr uzamento dos dados apresenta as seguintes
informações nas escolas públicas: Teatro - 28,8%; Desenho - 23,5%;
Dança - 19,4%; Música - 13,7%; Pinturas – 12,4%; Artes Visuais –
9,2%. No caso das escolas particulares, deu-se da seguinte forma:
Desenho - 46,2%; Pinturas - 33,7%; Teatro - 6,7%; Música - 4,8%; Dança
- 4,8%; Artes Visuais - 1%.
A rede pública apresenta uma proximidade maior entre as
quatro áreas artísticas. Em certa medida, esse aspecto relaciona-se
com a proposta de ensino de arte do Estado do Paraná, em que foi
desenvolvida a pesquisa, na qual há uma proposição de articulação
das outras áreas artísticas em que o professor tenha algum
conhecimento com sua área de formação. A proposta é pensada no
sentido da possibilidade de diálogo com outras áreas e não enquanto
12
Devido à natureza do trabalho, serão apresentadas apenas as atividades mais relevantes
à discussão.
339
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
abordagem polivalente do professor. .
Chama atenção na escola pública o Teatro como trabalho mais
apontado, inclusive mais expressivo que Desenho ou afins. Música
possui um percentual razoavelmente próximo em relação às outras
atividades. A rede particular apresenta uma expressão mais forte nas
Artes Visuais, traduzidas por meio de Desenho e Pinturas, em
detrimento das atividades nas outras áreas da arte. Música tem o
mesmo percentual de Dança, encontrando-se bastante distantes em
relação a Desenho ou Pinturas. A partir dos dados, os aspectos discutidos
no registro de ambas as realidades a respeito da área artística mais
trabalhada na escola confirmam-se por meio das atividades oferecidas.
A arte como forma de entretenimento e “manifestação cultural”, expressa por meio das respostas Festival Cultural e Feira Cultural, mostra-se presente somente na rede particular, assim como o
Balé. As datas comemorativas são apontadas em ambas as redes
escolares: Danças em datas comemorativas, Teatros em datas comemorativas
ou Somente em datas comemorativas. Como afirma Subtil (2003, p. 116):
Os festejos escolares relativos às datas
“comemorativas” são uma tradição
profundamente entranhada nas práticas escolares,
constituindo-se, na maioria das vezes, no único
trabalho mais ou menos sistemático desenvolvido
pelos professores quanto à música.
As datas comemorativas, como sinônimo da presença da
música na escola, remontam à época do Canto Orfeônico e estão
ainda bastante presentes no imaginário escolar quando é abordado o
assunto da música.
340
EGON EDUARDO SEBBEN - MARIA JOSÉ DOZZA SUBTIL
Considerações finais
A música, como componente curricular obrigatório, ampliou
as discussões sobre a forma de atuação dos profissionais nas escolas
e sua formação nas universidades. Com isso, faz-se necessária a
aproximação da comunidade acadêmica com os órgãos oficiais de
educação municipais e estaduais, contribuindo desse modo para o
fortalecimento da área no âmbito escolar e da universidade. É nesse
sentido que a proposta do presente trabalho encaminhou-se, buscando
discutir não apenas o processo de tramitação e as disposições legais
da Lei Federal nº 11.769/2008, mas como a Arte e, mais
especificamente a música, configuram-se no contexto real e concreto
da sociedade e da escola.
A partir dos dados, percebe-se que a relação dos adolescentes
com a música é consideravelmente mais expressiva fora da escola,
sendo em grande parte determinada pela ação dos meios tecnológicos
contemporâneos, como a internet. Em certa medida, tais informações
corroboram os registros a respeito do trabalho musical na escola e as
atividades artísticas desenvolvidas, nos quais a área tem uma presença
bastante reduzida.
O desafio atribuído ao trabalho musical tem como um dos
principais elementos as mediações e contradições entre as concepções
da comunidade acadêmica e as ideias difundidas na sociedade acerca
da música na escola. Esses aspectos relacionam-se também com o
emprego da música na escola, a qual ainda é vista como elemento
secundário, de auxílio a outras disciplinas, e não enquanto área com
conhecimentos específicos. A formação musical é essencial nesse
processo, pois traz o real sentido da educação musical escolar e
possibilita transpor as propostas atualmente vigentes na grande maioria
das escolas.
341
Políticas educacionais para o ensino de arte e música: A lei 11.769/2008...
Considerando-se as dimensões de um país como o Brasil, a
educação musical escolar encontra possibilidades de efetivação no
trabalho realizado em cada espaço educacional e na conscientização
dos gestores, professores e alunos. Esses aspectos necessitam estar
acompanhados principalmente de movimentações políticas dos
indivíduos envolvidos.
A ação deve ser iniciada dentro das possibilidades existentes
no momento, que inclui falta de professores com formação, carência
de instrumentos e salas adequadas e da falta de diretrizes nacionais
que regulamentem o conteúdo musical. Existem experiências já sendo
realizadas no Brasil e, mesmo ainda não estando acompanhadas de
condições ideais, são os primeiros passos. No entanto, a realização
desse trabalho não deve ser acompanhada de conformismo por parte
da comunidade escolar. A reivindicação por melhores condições para
a realização do trabalho musical escolar deve sempre estar em foco.
Para haver mudança na situação da educação, a sanção de leis não é
suficiente. Leis são resultado de intervenção e ação humana e pelos
sujeitos devem ser discutidas, avaliadas e ressignificadas, para terem,
desse modo, validade prática.
A partir da atual conjuntura, a efetiva implementação da
música na educação básica necessita de ampla teorização e
problematização que contemple a formação de professores, condições
físicas e materiais e pesquisas na área, além do debate sobre
metodologias do ensino da música e o conteúdo musical
contemporâneo que integra o cotidiano dos alunos.
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AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PESSOA IDOSA
346
RITA DE CÁSSIA OLIVEIRA
PAOLA ANDRESSA SCORTEGAGNA
FLÁVIA DA SILVA OLIVEIRA
Introdução
A pessoa idosa tem inúmeros direitos, mas muitas vezes há o
desconhecimento de quais são eles, principalmente os relacionados
à questão educacional para essa faixa etária. Percebe-se, porém, que,
em diversas situações, não existem as mínimas condições de
sobrevivência, pois os direitos básicos não são respeitados, e o idoso
encontra-se à deriva na sociedade.
Devido a um panorama hostil que a sociedade capitalista,
não por raras vezes, impõe à pessoa idosa, apresenta-se a necessidade
de políticas públicas que atendam às demandas, assegurando que os
direitos básicos sejam garantidos. Assim, as políticas públicas voltadas
para a pessoa idosa visam estabelecer direitos para um público que
se encontra vulnerabilizado com relação ao respeito de seus direitos
elementares básicos, prescritos na Constituição.
Logo, além de políticas públicas gerais para a pessoa idosa,
existe um recorte que faz referência ao direito da educação, e este
como qualquer outro direito deve ser respeitado. No ordenamento
jurídico, não existe uma política educacional para a pessoa idosa,
mas políticas públicas que apresentam no decorrer de seu texto
prescrições à educação.
Dessa maneira, o presente texto volta-se para um recorte
abordando os aspectos educacionais das principais políticas públicas
para a pessoa idosa.
347
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
Políticas públicas: conceito e aplicabilidade
A identificação de diferentes problemas, discriminações,
preconceitos e mazelas existentes na sociedade justifica a formulação
e a implementação de políticas públicas, definindo, assim, uma agenda
de trabalho. Essas questões são de interesse geral da sociedade política
e civil, carecem de discussões públicas, reflexões das quais serão
originadas intervenções para amenizar as questões supracitadas.
Assim, as políticas públicas são instrumentos governamentais
de ação e, se baseadas num estado que se define como estado social,
têm a obrigação de implementar os direitos fundamentais (BUCCI,
2002).
Segundo Urpia:
Uma questão se transforma em um problema
digno de atenção pelo governo quando as pessoas
são convencidas de que algo precisa ser feito. Até
que uma decisão seja tomada, percorre-se um
longo caminho, visto que a construção da área e
do tema da política exige o reconhecimento e a
identificação de ações e processos diversos, o que
acontece em meio ao embate em torno das ideias
e interesses de grupos os mais diferentes. (URPIA,
2009, p. 30).
Entende-se que “[...] política pública é o resultado da dinâmica
do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder,
relações essas constituídas pelos grupos da sociedade civil” (BONETI,
1997, p. 188). As políticas públicas fazem correspondência às
orientações e disposições do governo, por meio das mais diversas
348
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
decisões nas esferas sociais, influenciando a população direta ou
indiretamente, nos âmbitos pessoais, profissionais, sociais e também
educacionais.
Depois de definida uma política pública, são elaborados
programas, projetos e pesquisas que continuamente devem ser
avaliados por meio de um sistema de acompanhamento buscando a
solução para o problema que originou todas as atividades, avaliando
os processos, produtos e os impactos ocasionados (URPIA, 2009).
Estabelecem-se leis, diretrizes, planos, estatutos, resoluções e demais
decisões provenientes do poder público.
O Brasil tem enfrentado, nas últimas décadas, uma mudança
no seu desenho demográfico. O nosso país está constituído por
aproximadamente 21 milhões e, no ano 2025, segundo projeção do
IBGE (2008), a população brasileira estará composta de 34 milhões
de idosos, representando 15% da população. O Brasil se encontra
entre os dez países com maior número absoluto de idosos. Além do
número de pessoas crescer sensivelmente, fato esse atribuído aos
avanços tecnológicos e da medicina, a diminuição das taxas de
natalidade e da mortalidade, soma-se também a longevidade, que se
apresenta como um fenômeno real, ampliando a expectativa de vida.
Atualmente o número de pessoas idosas com mais de 80, 90 ou 100
anos não provoca tanto espanto e notícia na mídia como outrora.
Diante desse contexto de envelhecimento, o grande
contingente de pessoas idosas apresenta uma demanda social em
diferentes aspectos, entre os quais: previdência social, moradia, saúde,
cultura, trabalho, educação, segurança.
Considera-se que o grande número de pessoas idosas, em um
país em desenvolvimento como o Brasil, apresenta-se como uma
questão social de grande relevância e precisa entrar na pauta das
349
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
discussões das políticas públicas brasileiras.
Ao se pensar em políticas públicas, há a necessidade de fazer
uma leitura das políticas assistencialistas no período pós-guerra, que
trouxeram avanços, mas que não se consolidaram devido ao
desenvolvimento do Estado capitalista.
O surgimento do Estado de bem-estar social pressupôs a
garantia de materializar direitos como a vida, a saúde e a alimentação.
A partir desse momento, o caráter assistencial e de caridade começa
a desaparecer e os benefícios começam a serem percebidos como
direitos da cidadania, mas, nesse período, esses direitos ainda eram
considerados como dádivas provenientes de um Estado bom
(FREIRE Jr, 2005).
Como o Estado de bem-estar não foi mantido e o sistema
capitalista não sustenta a possibilidade do provimento de todos os
direitos sociais, fortaleceu-se o estado mínimo aos direitos da
população. Nesse meio em que promessas não são cumpridas,
conseguiu-se forjar o Estado Democrático de Direito, que busca a
efetivação da Constituição, num caráter mais dinâmico e aberto,
visando o pleno desenvolvimento humano (FREIRE Jr, 2005).
Como afirma Batista (et alii, 2008, p. 11), “ as políticas
promovidas pelos Estados de Bem-Estar Social no pós-guerra
levaram a uma melhoria considerável das condições de vida e de
trabalho, contribuindo para o aumento progressivo da expectativa
de vida de suas populações”.
Então, no contexto globalizado atual, o sistema capitalista
encontra novas formas de excluir, surgindo então a necessidade de
políticas que garantam direitos elementares. Entretanto, as políticas
não se formulam aquém da globalização. Assim, cabe pensar se
realmente as políticas estão incluindo os excluídos. Garantir, por
exemplo, o direito ao voto representa de fato um real Estado
350
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
Democrático de Direito ou a obrigatoriedade sobrepõe a consciência
e camufla os interesses do Estado?
Sendo assim, torna-se imprescindível pensar o que atualmente
representam as políticas públicas, pois elas são permeadas pelas
contradições entre a reprodução do capital e as demandas sociais.
Segundo Bucci (2002, p. 241), as políticas públicas são “[...]
programas de ação governamental visando a coordenar os meios à
disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de
objetivos relevantes e politicamente determinados”.
Complementando, Freire Jr. (2005, p. 48) afirma que “[...] as
políticas públicas são os meios necessários para a efetivação dos
direitos fundamentais, uma vez que pouco vale o mero
reconhecimento formal de direitos se ele não vem acompanhado de
instrumentos para efetivá-los”.
Assim, para que se possa realmente atingir um Estado
democrático, com efetivação e respeito aos direitos elementares,
torna-se elementar estruturar ações que permitam que esses propósitos
sejam cumpridos e não se tornem apenas meros discursos, em especial nos períodos de eleições.
Todavia, outras questões também precisam ser apresentadas.
O Estado capitalista exerce funções contraditórias de acumulação e
de legitimação, para que se criem as estruturas de consenso por meio
da ação de suas instituições (JACOBI, 1993). É necessário haver
uma movimentação oposta à hegemonia econômica e à lógica da
acumulação de capital. Essa direção é a efetivação dos direitos
humanos, que passa a exigir a releitura de seus dogmas e a formulação
de novas teorias (FREIRE Jr., 2005). Assim, políticas públicas são
“[...] um conjunto ou uma medida isolada praticada pelo Estado com
o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao
Estado Democrático de Direito” (FREIRE Jr., 2005, p. 47).
351
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
Ao se pensar na efetivação dos direitos para a população
marginalizada, logo se evidencia a situação perversa a que a pessoa
idosa está submetida. Nesse sentido, para que realmente se possa
garantir um Estado Democrático de Direito, surge a necessidade de
políticas específicas para o público idoso.
Como afirma Boneti (2007, p. 37),
As práticas sociais, na medida em que produzem
recursos e se impõem como alternativas de
sobrevivência, ganham legitimidade no contexto
social mais amplo. Este deveria ser o caminho
para estas práticas sociais se transformarem em
capital social, mas elas são apropriadas pelas
classes sociais determinantes da sociedade,
impondo impeditivos ao acesso às demais.
[...] O reconhecimento destas práticas pelo serviço
público se dá justamente por meio de políticas
públicas, quase sempre nor matizando e
organizando estas práticas.
Quando os direitos elementares passam a não serem
respeitados, surge a necessidade de ações governamentais que supram
essa carência, destacando-se as políticas públicas (OLIVEIRA;
SCORTEGAGNA; OLIVEIRA, 2011). No caso das demandas
sociais relacionadas à pessoa idosa, nesse contexto, cabe afirmar que
não são recentes, mas cada vez mais se acentuam, exigindo a
formulação e a implementação de políticas públicas.
O respeito deveria ser inerente ao relacionamento com todo
ser humano, entretanto a vulnerabilidade em que se encontram as
pessoas idosas no Brasil é o ponto inspirador para as políticas públicas
voltadas a esse segmento da população.
Como aponta Camarano (2006), o envelhecimento da
352
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
população é resultado de políticas assistencialistas para a melhoria
de condições de vida, além do próprio desejo da população de viver
cada vez mais. Entretanto, se as políticas não forem contínuas, se
não houver mais investimento, o seu sucesso enquanto prolongamento
da vida irá tornar-se-á sua própria falência.
Assim, “[...] conhecer a realidade do idoso brasileiro é um
passo fundamental para a construção de políticas que visam garantir
seus direitos e necessidades” (BATISTA et alii, 2008, p. 105). Além
de a sociedade conhecer a realidade da pessoa idosa, compete à
própria pessoa idosa entender a sua inserção e o papel que desempenha
na sociedade brasileira, percebendo suas necessidades, reivindicando
o respeito aos seus direitos, a sua cidadania, contribuindo para uma
nova visão do idoso e um esboço de outro paradigma de velhice.
O perfil do idoso brasileiro lentamente se modifica, dentro
de um novo olhar de velhice, emergindo outra representação social,
um idoso mais ativo, participativo, conhecedor de seus direitos,
integrado socialmente. Busca-se uma mudança cultural, que não é
rápida, mas encerra uma grande complexidade pelos múltiplos fatores
que envolvem. Aqui se pontua a educação como estratégia fundamental para empoderar o idoso rumo a esse processo de superação
da marginalização, estereótipos negativos, para a construção desse
novo olhar frente a velhice: “No contexto deste debate, torna-se
necessário analisar as diretrizes internacionais que dão base às
políticas públicas e às novas representações sociais sobre a velhice”
(FONTE, 2002, p. 4).
Como afirma Fonte (2002, p. 4),
[...] as alternativas que parecem prevalecer na
353
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
adoção das políticas públicas se baseiam na ideia
de responsabilizar o envelhecimento populacional
pelos desequilíbrios nas contas do Estado
indicando propostas que, muitas vezes, vêm
sobrecarregar este grupo de população.
Entretanto, o grupo de idosos não pode ser visto como “[...]
um grupo homogêneo no Brasil, mas como um grupo com
especificações próprias, que traduzem-se pelas diferenças culturais,
políticas, educacionais, valorais e morais” (CAMARANO, 2006;
RAMOS; VERA: KALACHE, 1987).
Segundo Camarano (2004, p. 593),
[...] assume-se que a finalidade de qualquer política
pública deva ser o bem-estar da população. Para
que isso possa ocorrer de forma sustentada, é
preciso equilíbrio financeiro. No caso brasileiro,
a preocupação com o ajuste fiscal aparece como
a finalidade última das políticas públicas, quer
dizer, os fins estão sendo trocados pelos meios.
As políticas públicas para as pessoas idosas devem promover
a solidariedade entre gerações, ou seja, diferentes grupos da população
necessitam de cuidados e atenção especial das sociedades política e
civil, devido à situação de vulnerabilidade que enfrentam, mas deve
ser de forma equilibrada para a implementação de políticas públicas
que favoreçam uma sociedade mais justa.
Conforme afirma Silva, Hirose, Cecilio (2008, p.166 apud
AZEVEDO, 2008),
Quando um Estado prima por políticas públicas
de garantia de direitos de todos os habitantes de
seu espaço geográfico, prima, também, por
354
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
compromissos de democratização de espaços e
de poderes, por processos de construção da
cidadania como fator essencial à vida da nação.
A sociedade atual tem se caracterizado pela desigualdade e
por conflitos. A idade não pode ser considerada como aspecto
negativo, mas focalizada como sinônimo de experiência, sabedoria
acumulada ao longo dos anos que os idosos podem transmitir aos
jovens.
A esfera governamental precisa cumprir sua função de
responsabilidade social, sendo que a decisão do poder público deve
ser a de proporcionar e fortalecer as ações comunitárias na região em
que está presente e minorar possíveis danos provenientes de
discriminações da faixa etária. Responsabilidade social é entendida
aqui como um compromisso do poder público em relação à sociedade
em geral e uma forma de prestação de contas do seu desempenho.
Entre os vetores da responsabilidade social, existe o apoio
ao desenvolvimento da comunidade onde atua, preservação do meio
ambiente, satisfação e investimento no bem-estar dos indivíduos,
tendo a pessoa idosa como uma realidade da população brasileira,
compete também assumir esse compromisso social com essa parcela
da população que contribuiu para a sua formação. Não pode, porém,
ser considerado um ato de assistencialismo, mas antes deve ser
encarado como de justiça social e de solidariedade, além de superação
da dívida social para com a sociedade mais ampla que utilizou da
contribuição de trabalho de pessoas que hoje são integrantes dessa
faixa etária.
Ao exercitar seu papel social, o homem utiliza suas
perspectivas de cidadania, que, para ser efetivamente exercitada, exige
355
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
do indivíduo a capacidade de analisar e compreender a realidade,
criticá-la e atuar sobre ela. Para essa nova realidade ser delineada se
faz necessário, porém, um novo olhar sobre o processo de
envelhecimento, e o apoio da sociedade civil e pública para que
oportunizem ações preventivas, permitindo a construção de uma
nova realidade. Dessa maneira, também torna-se imprescindível
destacar que, para além do direito à educação, os idosos possuem a
capacidade contínua de aprender, e isto deve ser respeitado e previsto
nas políticas públicas.
Percebe-se, então, que a sociedade civil pode e deve
desempenhar um papel de grande relevância para a estruturação e
formulações de políticas para o idoso. Para tanto, nesse âmbito, os
setores organizados da sociedade civil utilizam-se de planos,
conferências, seminários e de eventos similares como lugares de
encontros de pessoas para a discussão sobre a velhice e a pessoa
idosa (SCORTEGAGNA, 2010).
Nesse sentido, esses eventos são considerados espaços
públicos de propostas de ações, debates e construções de propostas
para políticas. Assim, são considerados espaços importantes para
explicitar a representação / representatividade da sociedade civil
(DAGNINO, 2002).
A sociedade civil, como define Couffignal (2000, s/p), é “[...]
toda forma de organização espontânea ou institucional, duradoura
ou não, cuja finalidade é a de expressar-se, em determinado momento,
sobre a cena política”. E, dentro da sociedade civil, a sociedade civil
organizada é uma parcela que se estrutura e atua como uma força
política em busca de soluções para conflitos sociais. Marx (2006, s/
p) estabelece que a sociedade civil organizada “[...] é a estrutura
moldando-se em superestrutura para defender interesses da maioria,
ou mesmo parciais, atuando em conjunto com o Estado e as forças
356
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
de mercado, na ‘busca maior’, qual seja, a de uma melhor simbiose
com a sociedade civil”.
Em meio a essa discussão, Dagnino (2004) releva que, cada
vez, mais a sociedade civil está sendo considerada como sinônimo
de Organização Não Governamental (ONG), apesar de as ONGs
fazerem parte dessa sociedade, mas não expressarem a totalidade do
conceito. Outro fator que também merece destaque refere-se ao fato
de que, cada vez mais, o Estado está transferindo à sociedade civil
as suas responsabilidades quanto à manutenção da população e seus
direitos.
Dagnino (2002) também aponta que, nessa situação em que
a sociedade civil se encontra, os espaços públicos enquanto meios
de participação confrontam-se com as concepções elitistas da
democracia estabelecida pelo Estado. Mesmo assim, porém, para que
se possa efetivar uma sociedade civil ativa, os espaços públicos
devem estar organizados para a implementação de políticas públicas
em prol dos interesses da população. Assim, deve-se considerar “[...]
a elaboração das políticas públicas como uma arena pública aberta”
(DAGNINO, 2002, p. 299), e deve-se manter num caráter igualitário,
para que a participação da sociedade não seja inútil.
Ao se pensar na estruturação das políticas públicas por meio
da ação da sociedade civil, busca-se o resgate do caráter público da
política, reconhecendo a constituição do interesse público
(DAGNINO, 2002). Nesse sentido, as ações da sociedade civil, por
meio de espaços públicos, devem garantir ao idoso os seus direitos,
além da participação efetiva na constituição das arenas políticas e
nas sociedades civis organizadas.
A longevidade é um fenômeno real, mas, para que se consiga
uma melhor qualidade de vida das pessoas idosas, as políticas públicas
357
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
em favor dessa faixa etária devem ser promovidas, em diferentes
âmbitos, entre os quais a saúde, a segurança, a previdência e, em
especial, no âmbito educacional, que será enfocado a seguir.
Educação: direito assegurado e políticas necessárias
A educação ocupa papel fundamental na formação crítica de
qualquer pessoa, assim como também do idoso, para que tenha
condições de manter-se ativo e consciente da sua própria velhice.
Por meio da ação pedagógica é que se oportuniza uma maior inserção
social, além de que a formação da pessoa idosa enquanto ator social,
mobilizado em diferentes grupos, terá possibilidade de articulação e
passará a exigir mais respeito, dignidade e um compromisso
sociopolítico a propósito dos seus direitos.
Além de propor e ser agente da ação que transforma, a
educação é um direito elementar de todo ser humano, independente
da idade, numa percepção educacional ao longo da vida, preconizada
pela Unesco. Logo, o idoso tem direito à educação, não somente como
instrumentalização ou compensação, mas enquanto espaço de
questionamento, decisões, capacitação e, acima de tudo, de diálogo.
Como afirmam Oliveira, Scortegagna e Oliveira (2011, p. 90),
[...] tão fundamental quanto a cidadania, é o direito
pela educação, pois não se alcançará a cidadania
sem que haja conhecimento pleno deste direito.
Logo, pensar a educação para a terceira idade é
pensar mais que uma ocupação para o idoso, é
permitir uma ação intensiva e intencional para
que este sujeito se perceba, entenda seu entorno
social, político e econômico, como também não
seja ludibriado ou tenha seus direitos
358
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
negligenciados.
A educação é considerada como um direito fundamental, que
está incluso em algumas políticas públicas destinadas para as pessoas
idosas, todavia ainda não existe nenhuma política que referencie
exclusivamente a educação para esse público. No Brasil, a legislação
educacional contempla a Educação Básica (educação infantil, ensinos
fundamental e médio) e o Ensino Superior, juntamente com as suas
modalidades (ensino profissionalizante, educação de jovens e adultos
– EJA, educação indígena, educação especial, entre outras), mas,
apesar de incluí-las, em tese, pode-se dizer que de fato as pessoas
idosas só têm sido contempladas, quando muito, nas políticas de
EJA.
Assim, o idoso encontra-se incluso em legislações específicas
da modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer
CEB 11/2000), o idoso é citado, porém dentro dessa modalidade:
Tanto a crítica à for mação hierárquica da
sociedade brasileira, quanto a inclusão do
conjunto dos brasileiros vítimas de uma história
excludente estão por se completar em nosso país.
A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à
escrita prejudica sobremaneira a qualidade de
vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo
também os idosos, exatamente no momento em
que o acesso ou não ao saber e aos meios de
obtê-lo representam uma divisão cada vez mais
significativa entre as pessoas. No século que se
avizinha, e que está sendo chamado de “o século
do conhecimento”, mais e mais saberes aliados a
competências tornar-se-ão indispensáveis para a
359
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
vida cidadã e para o mundo do trabalho. Adulto
é o ente humano já inteiramente crescido. O estado
de adulto (adultícia) inclui o idoso. Este parecer
compreende os idosos como uma faixa etária
sob a noção de adulto. Sobre o idoso, cf. art.
203, I e 229 da Constituição Federal.
(DIRETRIZES
CURRICULARES
NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS, 2000, p.11).
Apesar da inclusão do idoso na EJA, percebe-se que
caracterizá-lo como adulto faz submergir todas as suas peculiaridades,
além das diferenças conceituais e necessidades educacionais. Devese pensar e analisar quais os motivos que levam o idoso à EJA, para
que se institua uma metodologia e materiais adequados, além de um
profissional preparado para trabalhar com esse público.
Já observando a legislação referente à Terceira Idade, observase que a educação adquire destaque. No artigo terceiro da Lei Federal nº 8842/1994 propõe-se a melhoria das condições de estudo
para que os idosos possam aprender com mais facilidade, criando
programas voltados às pessoas idosas, além de educar a população
para melhor entender o processo de envelhecimento.
Segundo o Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10741/2003),
no capítulo 5, nos artigos 20 ao 25, estabelece-se que o idoso tem
direito à educação, respeitando a peculiar condição de sua idade. O
Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação,
havendo cursos especiais para que se integre à vida moderna, além
de apoiar a criação de universidades abertas para as pessoas idosas e
publicações de livros e periódicos com conteúdos adequados à
população idosa.
A 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
360
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
deliberou, no eixo sobre a educação: promoção e garantia de acesso
à educação em todos níveis de ensino, com metodologias e currículos
específicos, além de profissionais capacitados para o trabalho com o
idoso; inserção do envelhecimento e velhice como tema transversal
em todos os níveis de ensino; democratização do acesso às
Universidades da Terceira Idade; adequação da metodologia de EJA
à realidade e às necessidades da pessoa idosa; promoção da inclusão
tecnológica e digital.
No texto base da 2ª Conferência Nacional dos Direitos da
Pessoa Idosa, a educação é vista como “[...] uma categoria associada
à capacidade de oportunizar desenvolvimento pessoal, transformação
e mudança social, além de qualificação para o trabalho e para vida
coletiva” (SAFONS; PESSOA, 2008, p. 31). No mesmo texto, a
educação, considerada como política pública para o envelhecimento,
está amparada pelas Leis Federais nº 8842/1994 e nº 10741/2003.
A educação encontra apoio na cultura, a qual “[...] expressa a
totalidade das experiências materiais e simbólicas adquiridas e
acumuladas pelas pessoas ao longo da vida e revela os
comportamentos apreendidos no aprendizado social” (SAFONS;
PESSOA, 2008, p. 32).
No Plano de Viena1, a educação é entendida em seu caráter
permanente, o qual auxilia diretamente a adaptação do indivíduo,
segundo o avanço de idade, numa sociedade que evolui
constantemente e que exige cada vez mais capacidades, inclusive
laborais. Há várias recomendações no que diz respeito à educação,
em especial a um ensino compatível com os idosos, respeitando o
ritmo e estimulando para novas aprendizagens de uma maneira
1
Em 14 de dezembro 1978 a ONU convocou uma Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento, a qual foi realizada em Viena, no ano de 1982. Desta assembleia
resultou um plano internacional sobre envelhecimento, o qual foi considerado por
361
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
universalizada, além de estimular para auto-suficiência e
responsabilidade. Deve-se também educar a população para o
processo de envelhecimento e para o respeito e aceitação dos idosos.
Conforme descrito no plano, “se deberá poner a disposición de las
personas de edad amplia información sobre todos los aspectos de su
vida, en forma clara y comprensible” (ONU, 1982, p. 38).
E, no Plano de Madri2, a educação é encarada como uma
base indispensável para uma vida ativa e digna, inclusive no
envelhecimento. Segundo esse mesmo plano, uma grande quantidade
de pessoas idosas em países em desenvolvimento chega à velhice
com noções de escrita e leitura. É, porém, necessário que educação
seja intrínseca a qualquer indivíduo, desde a infância, para que,
quando esteja na terceira idade, tenha condições de gozar seus
direitos, seu bem-estar integral e reclamar por melhores condições.
Além disso, a educação deve possibilitar uma formação continuada
para o mercado de trabalho, uma vez que o idoso tem condições e
oportunidades de continuar trabalhando, permitindo que aqueles que
desejam continuar em atividade, o façam.
O Plano de Madri apresenta dois objetivos para a educação,
muitos estudiosos o primeiro documento de nível mundial, o qual destacava a situação
da população idosa e trouxe metas como atender às preocupações e necessidades
especiais das pessoas de mais idade, e fomentar uma resposta internacional adequada
aos problemas do envelhecimento, estabelecendo um nova ordem econômica e o
desenvolvimento de atividades de cooperação técnica, principalmente entre os países
em desenvolvimento (ONU, 1982).
2
A II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorreu em Madri em 2002, 20
anos após a primeira assembleia. Também resultou-se desta um plano internacional
sobre o envelhecimento, conhecido como Plano de Madri. Nesta assembleia também
foi a aprovado um outro documento, uma Declaração Política, na qual todos os países
signatários comprometem-se em cumprir as metas do Plano de Madri em até 25 anos.
O referido Plano traz três prioridades: necessidade das sociedades ajustarem suas
políticas e instituições para que a crescente
362
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
o primeiro: “[...] igualdad de oportunidades durante toda la vida en
materia de educación permanente, capacitación y readiestramiento,
así como de orientación profesional y acceso a servicios de colocación
laboral” (ONU, 2002, p. 17); e o segundo “[...] utilización plena de
las posibilidades y los conocimientos de las personas de todas las
edades, reconociendo los beneficios derivados de la mayor experiencia
adquirida con la edad” (ONU, 2002, p. 18). Esses objetivos devem
ser alcançados numa organização comum de toda sociedade civil e
política, considerando a totalidade do ser idoso.
Na carta de Brasília (2005) é recomendado o fomento de ações
de capacitação dos idosos para o exercício da cidadania e o
protagonismo social.
No Paraná, a Política Estadual dos Direitos do Idoso (Lei
Estadual nº 11863/1997), no inciso III do artigo terceiro, também
destaca a adequação de currículos e de programas educacionais
destinados aos idosos. Essa lei pressupõe o desenvolvimento de
programas que adotem modalidades de ensino à distancia adequados
às condições do idoso.
No contexto municipal de Ponta Grossa, no inciso III do artigo
segundo da Lei Municipal nº 4536/1991, apresenta-se a necessidade
de incentivar a colaboração e a participação da comunidade em favor de programas e projetos, visando, por meio de entidades, buscar
a melhoria das condições de educação e formação, garantindo a
promoção social.
Como citado, as legislações próprias dirigidas ao público idoso
apresentam os direitos relativos à educação, podendo-se citar o acesso
aos mais diversos meios educacionais, continuidade, capacitação,
população idosa, promoção da saúde e bem-estar para todo o ciclo de vida e a criação
de contextos propícios e favoráveis, que promovam políticas orientadas para a família
e a comunidade como base para um envelhecimento seguro (MADRI, 2002).
363
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
inserção social e tecnológica, importância da relação intergeracional,
numa perspectiva de educação permanente.
Afirma-se, então, que, mediante o amparo dessas políticas, a
educação é respeitada como direito fundamental da pessoa idosa, e
age como política necessária, na medida em que propõe e possibilita
meios para os avanços sociais, o reconhecimento da velhice, a
preparação para o envelhecimento, a capacitação para enfrentar a
globalização, a formação para continuar no mercado de trabalho, se
o idoso assim o desejar, enfim, na medida em que permita que o
idoso se considere capaz, integrado e articulado, melhorando sua
qualidade de vida.
Nas políticas específicas para a educação, percebe-se que,
em algumas leis, o idoso é contemplado em alguns pontos, como
também é integrado à educação de adultos ou à educação para todas
as idades. Ainda há, porém, a ausência de uma política pública
específica para a educação do idoso. Outro ponto de discussão referese à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº
9394/1996), que, em nenhum momento, faz referência à educação
para a terceira idade ou a integração do tema envelhecimento aos
currículos.
Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) não
se referem à temática do envelhecimento na apresentação dos temas
transversais, sabendo que o envelhecimento deve ser trabalhado nessa
perspectiva e que esses parâmetros foram organizados posteriormente
à Política Nacional do Idoso, que elencou uma série de orientações
acerca da educação. Há apenas uma indicação referente ao processo
de envelhecimento e à velhice, no PCN do Ensino Fundamental de
Ciências Naturais, quando se trata do desenvolvimento humano (PCN,
1997).
Já no Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 10172/
364
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
2001 – período 2001/2011) é apresentado, em seus objetivos e metas,
o estímulo às universidades e às organizações não-governamentais a
oferecer cursos dirigidos à terceira idade. Apesar das limitações do
objetivo, ressalta-se que essa foi a primeira política educacional em
nível nacional, no Brasil, que abriu um espaço ao idoso.
No Paraná, no ano de 2006, as Diretrizes Curriculares da
Educação de Jovens e Adultos acrescentou o idoso em sua redação,
partindo para a estrutura da educação de jovens, adultos e idosos no
estado. A partir dessas diretrizes, percebe-se o idoso enquanto sujeito
do processo de aprendizagem, que necessita de uma prática
pedagógica emancipadora num caráter político, econômico, científico
e ético-social (SEED, 2006).
Em relação às diretrizes internacionais, a educação para o
idoso tem espaço nas Declarações de Jomtien (1990), Hamburgo
(1997) e Dakar (2000). Todas as declarações são resultados de
Conferências Mundiais organizadas pela ONU e UNESCO.
Na Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien/
Tailândia, 1990), a educação é considerada como um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo
inteiro. Há a necessidade de universalizá-la e melhorar sua qualidade,
bem como de tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.
Assim, torna-se fundamental o acesso à educação e a promoção da
equidade, independentemente de idade, de raça, de religião ou de
classe social.
Segundo as recomendações da Declaração de Jomtien, as
políticas de apoio nos setores social, cultural e econômico são
necessárias para se concretizar a plena provisão e implementação da
educação básica para a promoção individual e social. A educação
básica para todos depende de um compromisso político e de uma
vontade política, respaldados por medidas fiscais adequadas e
365
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
ratificadas por reformas na política educacional e pelo fortalecimento
institucional (ONU, 1990).
Na Conferência Internacional de Educação de Adultos
(CONFINTEA V), na cidade de Hamburgo, no ano de 1997,
estabeleceu-se a Declaração de Hamburgo, que recomenda que “[...]
governos e parceiros sociais devem tomar as medidas necessárias
para garantir o acesso, durante toda a vida dos indivíduos, às
oportunidades de educação” (UNESCO, 1999, p. 22).
Nessa declaração, percebe-se que a educação para a terceira
idade encontra um grande suporte, pois, como recomendado, a
educação básica para todos significa garantir às pessoas,
independentemente da idade, a oportunidade de desenvolver seu
potencial, coletiva ou individualmente. Além de promover uma
sociedade tolerante e instr uída para o desenvolvimento
socioeconômico (UNESCO, 1999).
A Declaração de Hamburgo também recomenda que o direito
à educação e ao aprender por toda vida é uma necessidade, afirmandose como direito de ler, escrever, questionar, analisar, ter acesso a
recursos, desenvolver e praticar habilidades e competências
individuais e coletivas. Hoje há mais idosos do que havia
anteriormente, e essa dimensão prossegue aumentando. Esses idosos
têm muito para oferecer ao desenvolvimento social. Desse modo, é
importante que eles tenham a mesma oportunidade de aprender que
os mais jovens. Suas habilidades devem ser reconhecidas, respeitadas
e utilizadas (UNESCO, 1999).
A Conferência Mundial de Educação para Todos realizada
em Dakar, no ano 2000, reafirmou a necessidade e a importância da
educação em todas as idades. Recomendou-se novamente a
necessidade de assegurar o direito de educação, para que haja a
equidade de acesso a uma aprendizagem apropriada, que desenvolva
366
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
habilidades e que possibilite programas de formação para a cidadania
(ONU, 2000).
No ano de 2009 ocorreu, em Belém (Pará), no Brasil, a VI
Conferência Mundial de Educação de Adultos (CONFINTEA VI).
Essa conferência embasou-se no diálogo sobre políticas e promoção
da aprendizagem de adultos e educação não formal em âmbito global, com a temática: “Vivendo e aprendendo para um futuro viável:
o poder da aprendizagem e da educação de adultos”.
Nessa conferência foram organizados diversos documentos
que servirão de diretrizes para a educação de adultos nos próximos
anos, destacando-se o Marco de Ação de Belém e o documento
“Educação e Aprendizagem para Todos”, que reúne as declarações
finais das conferências regionais preparatórias para a Sexta
Conferência Internacional de Educação de Adultos.
Segundo o Marco de Ação de Belém (2010, p. 6-7),
Reconhecemos que aprendizagem e educação de
adultos representam um componente
significativo do processo de aprendizagem ao
longo da vida, envolvendo um continuum que passa
da aprendizagem formal para a não formal e
para a informal. Aprendizagem e educação de
adultos atendem às necessidades de
aprendizagem de adultos e de idosos.
Aprendizagem e educação de adultos abrangem
um vasto leque de conteúdos – aspectos gerais,
questões vocacionais, alfabetização e educação da
família, cidadania e muitas outras áreas – com
prioridades estabelecidas de acordo com as
necessidades específicas de cada país.
367
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
As diretrizes internacionais de educação não se findam no
direito de uma educação para todos. Atualmente, além de garantir
acesso à educação, afirma-se a necessidade de uma educação de
qualidade, enfim, de efetivar o ensino e a aprendizagem para todas
as pessoas de todas as idades, focalizando as necessidades de quem
aprende e dinamizando a prática de quem ensina (UNESCO, 2005).
A partir da busca de mais qualidade para a educação dos
idosos, além da preocupação de quanto e como se aprende, se analisa
como a aprendizagem realmente se efetiva em prol de benefícios
próprios, da sociedade e do desenvolvimento (UNESCO, 2005).
O processo de envelhecimento deve ser encarado como uma
questão social. O perfil do idoso hoje é diferente de meio século
atrás, e essa realidade atual exige novas ações educacionais para esse
setor social, num aspecto permanente. Aprender permanentemente
e desenvolver novas habilidades são maneiras de enriquecimento
pessoal, social e cultural, considerando a educação profícua para o
idoso (SCORTEGAGNA, 2010).
Educação para a pessoa idosa
A educação, além de direito da pessoa idosa, como
supracitado, representa a possibilidade de mudanças conceituais em
relação ao envelhecimento e à velhice. Uma ação educacional que
contemple essa temática dentre um de seus eixos conduz à ampliação
da reflexão sobre o processo de envelhecimento populacional, como
também facilita a própria aceitação da condição de pessoa idosa.
A educação deve ser vista como um processo, um fato
existencial e um fato social. É considerada como um fenômeno cultural e não consiste na formação uniforme de todos os indivíduos
368
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
porque se desenvolve no contexto sócio-econômico da sociedade.
É, em si, uma atividade teleológica, sempre visa um fim, sendo um
fato de ordem consciente, um processo exponencial, com uma essência
concreta e de natureza contraditória (PINTO, 1989).
A toda concepção de educação existe subjacente uma visão
de mundo, de homem e de sociedade. Com base nessas concepções
se determinam os fins a serem atingidos pela educação. A educação
é uma prática social, situada historicamente, em uma realidade
concreta, englobando diferentes aspectos culturais, econômicos,
sociais e políticos.
A educação enquanto prática social permite que o homem
aprenda constantemente, tornando-se possível pensar numa
transformação cultural e na transformação da própria sociedade.
Relativa à condição essencial de prática social, a educação
tem função essencial junto à pessoa idosa. Os processos educacionais
não podem estar atrelados à escolarização somente, mas, sim, às
demais possibilidades, comumente encontradas nas práticas de
educação não formal. E é nesses espaços que, muitas vezes, o idoso
encontrará vez e voz, efetivando a participação cidadã.
Entretanto, a pessoa idosa não se tornará crítica e consciente
de seus direitos pelo fato de que tais direitos já se encontram prescritos.
Para que haja mudança de paradigma, passando do idoso inativo
para o idoso participativo, é necessário que a educação se atrele a
esse processo e possibilite que as mudanças possam ocorrer.
Como afirma Brandão (1984, p. 22),
[...] a educação deve ser um ato coletivo, solidário
– um ato de amor, dá pra pensar sem susto –,
não pode ser imposta. Porque educar é uma tarefa
de trocas entre pessoas e se não pode ser nunca
feita por um sujeito isolado (até a auto-educação
369
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
é um diálogo à distância), não pode ser também
o resultado do despejo de quem supõe que possui
todo o saber, sobre aquele que, do outro lado,
foi obrigado a pensar que não possui nenhum.
Assim, para que haja educação para a pessoa idosa, é preciso
necessariamente que o diálogo ocorra. Não basta pensar em
programas de alfabetização para o idoso ou incluí-lo em classes
heterogêneas como solução para cumprimento de lei. É preciso ir
além. Como aponta Paulo Freire, é preciso aprender a leitura de
mundo. Neste sentido, é necessário trabalhar com a conscientização
e apropriação de conceitos, direitos e contextos.
A pessoa idosa precisa ser contemplada pelo processo
educativo, na educação formal e não formal. Nesses contextos, o
direito de aprender deve pressupor qualquer ação e fundamentar
projetos e programas que permitam ao idoso, além de aprender, uma
melhor qualidade de vida: “Nenhuma ação educativa pode prescindir
de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições
culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há
homens isolados” (FREIRE, 1979, p. 61). Assim, cabe à educação
estabelecer uma relação democrática entre a política e os sujeitos
desse paradoxo educacional, a fim de reordenar e reconstruir
gradativamente processos de ensino e de aprendizagem pautados –
pelo simples fato de que da intenção de um ensino não resulta,
necessariamente, uma aprendizagem desejada... na construção e
reconstrução crítica, reflexiva e democrática dos conhecimentos, na
qual todos os indivíduos presentes nesse meio possam desenvolverse e constituírem-se como cidadãos atuantes e conscientes.
370
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
Considerações finais
A população, independentemente de idade, de etnia, de gênero
ou de condição social, deve ter uma educação completa e global,
que permita o desenvolvimento real de cada sujeito, para que
realmente a transformação e a evolução social ocorram, além da
superação dos preconceitos, dos estigmas e dos estereótipos que os
grupos minoritários3 sofrem atualmente.
Nesse sentido, torna-se cada vez mais evidente a importância
de uma educação que propicie a reflexão à luz dos pilares da educação
preconizados pela UNESCO: aprender a ser (a educação deve
contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, espírito e corpo,
inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,
espiritualidade; desenvolver a autonomia, o discernimento e a
responsabilidade); aprender a fazer (a educação deve contribuir para
que a pessoa adquira competências para uma melhor qualificação
profissional, experimentando uma diversidade de atividades,
alternando o ensino e o trabalho, teoria e prática), aprender a conhecer
(combinando com uma cultural geral ampla e aprender a aprender
para saber aproveitar as oportunidades que a vida pessoal e
profissional lhe apresentar); aprender a conviver (desenvolver a
compreensão do outro, a percepção e sensibilidade da
interdependência entre as pessoas na sociedade) (DELORS, 2001).
3
Grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas,
religiosas ou linguísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em
princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não
dominância; vítima de discriminação. No Brasil isso compreende os índios; os ciganos;
as comunidades negras remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de
imigrantes; membros de comunidades religiosas. Fonte: <http://www.dhnet.org.br/
direitos/militantes/... >.
371
As abordagens educacionais nas políticas públicas para a pessoa idosa
Entende-se que a educação é uma prática social, que tem sua
intencionalidade e finalidade, além de contemplar o homem em sua
totalidade, por meio de uma formação que esteja direcionada para
questões relativas ao ser humano em sua integralidade, no caráter
social, político, econômico, cultural, biológico, ético e moral.
É necessário pautar-se numa teoria crítica que dê substância
concreta ao esforço de subsidiar uma educação de qualidade nas
condições históricas atuais, além de evitar que a mesma seja articulada
e apropriada segundo os interesses da classe dominante (SAVIANI,
2003).
A educação não se restringe a mera transmissora de cultura,
mas necessita estabelecer seu alicerce nesta cultura, abarcando as
transformações decorrentes na sociedade, nos aspectos sociais,
econômicos e políticos. Tais mudanças, decorrentes da evolução e
desenvolvimento da sociedade, apresentam-se como influência direta
na educação.
Freire (2005) admite que é necessário tornar a educação
acessível às camadas populares. Porém, a educação cumprirá seu
caráter político e social na medida em que possa criar o espaço de
discussão e problematização da realidade, com vistas à educação
consciente, voltada para o exercício da cidadania por sujeitos
comprometidos com a transformação da realidade.
Todo indivíduo está envolto num processo educativo, seja
onde for e em qual circunstância se encontrar, evidenciando que a
educação permanente se encontra não apenas na educação formal,
mas também nos mais diversos espaços da educação dita não formal. Assim, torna-se imprescindível conscientizar-se da importância
de todas as possibilidades de ensino e de aprendizagem, como também
da realidade apresentada.
372
RITA OLIVEIRA - PAOLA SCORTEGAGNA - FLÁVIA OLIVEIRA
Nesse contexto, Paulo Freire (2005) salienta que a educação
precisa voltar-se para a realidade e, principalmente, para transformála, sendo necessário reinventar a própria a educação. Torna-se
necessário, antes de compreender a inserção do idoso num contexto
educacional, refletir sobre o processo de envelhecimento e a velhice,
sabendo-se que “[...] o envelhecimento proporciona variedade e
riqueza de experiências psicossociais e reacionais” (MORAGAS,
1991, p. 124).
A partir do momento em que o idoso se percebe como ator
de sua vida, conquista um espaço mais respeitado no cenário familiar e social, pois, como afirma Paulo Freire, “[...] somente quando os
oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta
organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos,
superando, assim, sua ‘convivência’ com o regime opressor”
(FREIRE, 2005, p. 58-59).
Apesar de todos os aspectos considerados ao longo do texto,
de ser evidenciada a necessidade e a relevância da educação para a
pessoa idosa, ainda as políticas públicas na área educacional são
incipientes para atender à demanda dessa faixa etária, por muitas
vezes desconsiderando as especificidades e as características dos seus
destinatários. Isso nada mais é do que um direito da pessoa idosa!
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377
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DOS AUTORES
Ramón Casanova
Professor Titular do Centro de Estudios del Desarrollo
(CENDES) da Universidade Central da Venezuela. Atua em áreas
como desnvolvimento cultural e educativo em países latinoamericanos e possui vasta experiência em estudos de gestão e políticas
educacionais. Atuou em diversas instituições universitárias e
organizações educativas da América Latina e Caribe. É membro do
Conselho Latinoamericano de Ciencias Sociais (CLACSO). E-mail:
[email protected]
Olinda Evangelista
Professora Associada da Universidade Federal de Santa
Catarina. Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal
do Paraná (1980), mestrado em Educação: História e Filosofia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988)
e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Realizou
Estudos Pós-doutorais na Universidade do Minho, Portugal, em 2004.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política da
Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: política
educacional, Curso de Pedagogia e formação docente. Coordena o
Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho GEPETO/
CED/UFSC. Disponível em: <http://www.gepeto.ced.ufsc.br. Email: [email protected]>.
379
Luciane Francielli Zorzetti Maroneze
Assistente social da Prefeitura Municipal de Londrina no
Paraná. Possui graduação em Serviço Social pela Universidade
Estadual de Londrina (1999), especialização em Violência doméstica
contra Criança e Adolescente pela Universidade de São Paulo (2000),
especialização em Pesquisa Educacional pela Universidade Estadual
de Maringá (2006) e mestrado em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá
(UEM) na linha de pesquisa: Políticas e Gestão em Educação. Tem
experiência nos seguintes temas: políticas educacionais, educação
básica, violência domestica contra criança e adolescente e
precarização
do
trabalho
docente.
E-mail:
[email protected]
Ângela Mara de Barros Lara
Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá
e - Programa de Pós-Graduação em Educação. Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (1986),
Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba
(1992) e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Pós-Doutorado em Educação
na UFSC (2011). Pesquisadora do GEPPEIN – Grupo de Estudos e
Pesquisas em Políticas Educacionais e Infância. E-mail:
[email protected]
380
Neuza Maria Barbosa de Oliveira Antunes
Coordenadora geral do Núcleo de Tecnologia Educacional
Municipal. Tutora no Ensino Superior no Curso de Pós Graduação
em Métodos e Técnicas na Universidade Aberta do Brasil, pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Mestre em educação
(UNIOESTE). Possui graduação em Letras pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (1995), Especialização em Psicopedagia
pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Extensão (2003) e em Língua
Portuguesa, Linguística e Literatura pela UNIOESTE. E-mail:
[email protected]
Roberto Antonio Deitos
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Campus de Cascavel, - Programa de Pós-Graduação em Educação.
Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná - UNIOESTE (1992), mestrado (2000) e doutorado (2005)
em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP,
na área de história, filosofia e educação. Atualmente cursando estágio
de pós-doutorado na Universidade Estadual de Maringá – UEM –
Programa de Pós-Graduação em Educação. Pesquisador do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social - GEPPES.
E-mail: [email protected]
Jonathas de Paula Chaguri
Professor da Universidade Estadual do Paraná, Campus de
Paranavaí/Fafipa. Possui graduação em Letras(Português/Inglês/
Espanhol) e especialização em Letras e Literatura Infantil pela
381
Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná, especialização em
Ensino de Língua Inglesa e em Ensino de Língua Espanhola pela
Faculdade Iguaçu. Mestre em Educação pela Universidade Estadual
de Maringá - UEM. E-mail: [email protected] ou
[email protected]
Regina Célia Linhares Hostins
Professora da Universidade do Vale do Itajaí – Programa de
Pós-Graduação em Educação e Educação Especial. Graduada e
especialista em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1983; 1985), mestre e doutora em Ciências da Educação
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000; 2006).
Especialista em Avaliação Institucional pela Universidade de Brasília
(2002). Área de atuação: Políticas Públicas e a Avaliação de Sistemas,
Instituições, Planos e Programas Educacionais direcionados para a
educação inclusiva, o ensino superior e a pós-graduação . E-mail:
[email protected]; [email protected].
Anajara Guertler
Graduada em Pedagogia pela UNIVALI. Bolsista no Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, ano 2009/2010, no
Projeto: Estudo Sobre Políticas Públicas Em Educação na PósGraduação Brasileira: Principais Teorias e Teóricos Discutidos nos
Programas de Excelência (CAPES 2004-2006). Grupo de Pesquisa
Políticas Públicas de Currículo e Avaliação, vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI. E-mail: [email protected]
382
Vandiana Borba Wilhelm
Pedagoga da Rede Estadual de Educação do Estado do
Paraná. Possui Especialização em Fundamentos da Educação e
graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (2004). Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Educação Especial. E-mail: [email protected]
Francis Mary Guimarães Nogueira
Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – programa de Pós-Grauação em Educação. Possui graduação
em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná (1987), mestrado em
História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1993) e doutorado em Filosofia e História da Educação
pela Universidade Estadual de Campinas (1998). Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em política educacional como parte
das políticas sociais e estudos sobre as políticas sociais na América
Latina, particularmente sobre a Educação Escolar na Venezuela. Email: [email protected]
Jeinni Kelly Pereira Puziol
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá - PPE/UEM e graduanda do curso
de Pedagogia da mesma Universidade. Possui graduação em Geografia
pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2009). É
pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão
Educacional (GEPPGE - CNPq). Atua nos seguintes temas:
Geografia Geral, Geografia do Paraná, Educação do e no Campo,
383
Movimentos Sociais, Políticas Públicas Educacionais e
Territorialidades. E-mail: [email protected] ou
[email protected]
Irizelda Martins de Souza e Silva
Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá
– UEM – Programa de Pós-Graduação em Educação. Possui
graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá UEM (1986), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista
de Piracicaba (1991) e Doutorado pela Universidade Metodista de
Piracicaba (2001). Atua na área de Educação, com ênfase em Políticas
Públicas e Gestão Educacional atuando principalmente nos seguintes
temas: Educação no e do Campo, Formação de Professores, Políticas
Educacionais e Estado. E-mail: [email protected]
Maria Aparecida Cecílio
Professora da Universidade Estadual de Maringá – Programa
de Pós-Graduação em Educação. Possui doutorado em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002).
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em políticas
públicas, educação campo e gestão educaional, atuando
principalmente nos seguintes temas: Políticas públicas e educação
do campo, educação e desenvolvimento humano e politicas públicas
e Direitos Humanos. E-mail: [email protected]
384
Cláudia Letícia de Castro do Amaral
Professora assistente de Ensinos Básico, Técnico e
Tecnológico no Colégio Agrícola de Frederico Westphalen – UFSM.
Possui graduação em Letras Português-Inglês e Literaturas pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). É especialista em
Metodologia do Ensino do Inglês pelo Centro Universitário
Franciscando e em Gestão Educacional pela Universidade Federal
de Santa Maria. É mestre em Educação também pela UFSM. E-mail:
[email protected]
Gabriel dos Santos Kehler
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação na
UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. Tutor da Equipe
Multidisciplinar da Universidade Aberta do Brasil - EMUAB/UFSM
e Bolsista da ANPED/IPEA - temática de Educação, trabalho e
emprego, projeto com ênfase na Educação Profissional. e
Especialização em Gestão Educacional (2010). Licenciado no Curso
de Pedagogia pela UNICRUZ- Universidade de Cruz Alta (2008).
Educador Social na Prefeitura Municipal de Cruz Alta-SMDS (2009)
e Assistente Administrativo nos Cursos Técnicos - FISMA Faculdade Integrada de Santa Maria (2010). E-mail:
[email protected]
Liliana Soares Ferreira
Professora do Departamento de Fundamentos da Educação,
do Centro de Educação, na Universidade Federal de Santa Maria –
RS - Programa de Pós-graduação em Educação. Licenciada em
385
Pedagogia (1985) pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (UNIJUI), licenciada em Letras (1992) pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (UNIJUI), Especialização em literaturas em língua portuguesa
(1988), pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUI), Mestre em educação nas ciências (1999),
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (UNIJUI) e Doutora em educação (2006), pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É lider do grupo Kairós Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Educação e Políticas
Públicas. Pesquisa com ênfase em trabalho, Pedagogia, políticas
públicas e escola, atuando principalmente nos seguintes temas:
trabalho, emprego/desemprego, pedagogia, políticas públicas, escola
e educação profissional. E-mail: [email protected]
Eduardo A. Terrazzan
Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria,
RS - Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Docente
no Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência da
Faculdade de Ciências da UNESP, Campus de Bauru/SP. Possui
graduação em Licenciatura em Física pela Universidade de São Paulo
(1976), graduação em Bacharelado em Física pela Universidade de
São Paulo (1978), mestrado em Ensino de Ciências (Modalidade
Ensino de Física) pela Universidade de São Paulo (1985), doutorado
em Educação pela Universidade de São Paulo (1994) e estudos de
pós-doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(2001-2002). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e
coordenador-líder do Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções
INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas Educativas e
386
Formação de Professores. E-mail: [email protected];
[email protected]
Lidiane Limana Puiati
Professora da Rede Municipal de Restinga Sêca/RS.
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Especialista em Educação Física Escolar pela UFSM.
Bolsista Professora de Educação Básica CAPES/INEP/SECAD
(Observatório da Educação); Grupo de Estudos, Pesquisas e
Intervenções INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas
Escolares
e
For mação
de
Professores.
E-mail:
[email protected]
Andréia Aurélio da Silva
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Maria. Possui graduação em Física
Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (2007)
e Especialização em Gestão Educacional também pela Universidade
Federal de Santa Maria (2011). Linhas de pesquisa em que trabalha:
Formação de Professores, Políticas Educacionais, Configurações
Curriculares de Cursos de Licenciatura, Ensino de Física e Recursos
didáticos no Ensino de Ciências. [email protected] Luciana Bagolin Zambon
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFSM e Bolsista do Programa Observatório da Educação da CAPES
Possui Graduação em Licenciatura em Física pela Universidade Fed387
eral de Santa Maria (2009).. Tem experiência na área de pesquisa em
Educação, com ênfase em Educação em Ciências/Física, atuando
principalmente nas seguintes temáticas: Analogias no Ensino de
Ciências, Conteúdos de Ensino e Resolução de Problemas no Ensino
de Ciências, Livros Didáticos, Programa Nacional do Livro Didático.
É integrante do Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções
INOVAEDUC - Inovação Educacional, Práticas Educativas e
Formação de Professores.
[email protected]
Janaína Xavier De Almeida
Professora da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do
Sul - Escola Estadual de Ensino Médio João Isidoro Lorentz em
Formigueiro-RS. Possui graduação em Ciências - Licenciatura de 1º
Grau pela Universidade Federal de Santa Maria-RS- (1995) e
graduação em Matemática - Licenciatura pela Universidade Federal
de Santa Maria-RS- (2006). Atualmente é bolsista Professora de
Educação Básica do Projeto em Rede Inovações Educacionais e as
Políticas Públicas de Avaliação e Melhoria da Educação no Brasil IEPAM da Universidade Federal de Santa Maria-RS. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Tecnologias Educacionais,
Ferramentas Digitais, Atividades Didáticas, Resolução de Problemas
e Políticas Públicas em Educação. E-mail: [email protected]
388
Egon Eduardo Sebben
Professor assistente do curso de Licenciatura em Música da
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Licenciado em Música pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (2006) e Mestre em Educação
pela mesma instituição (2009). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação, Arte e Comunicação (GEPEAC).
Coordenador da Linha de Pesquisa Música, Educação e Sociedade.
Sócio da Associação Brasileira de Educação (ABEM). Foi Professor
do Quadro Próprio do Magistério da rede de Educação Básica do
Estado do Paraná, atuando na disciplina de Artes nas séries finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Desenvolve pesquisas sobre
práticas e gosto musical de adolescentes, práticas musicais na escola
e políticas educacionais para o ensino de arte e música. E-mail:
[email protected] / [email protected]
Rita de Cássia Oliveira
Pedagoga, Gerontóloga pela SBGG, Doutora e Pós- Doutora
em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Santiago
de Compostela (Espanha). Professora Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da UEPG.
Pesquisadora Produtividade do CNPq. Coordenadora da Universidade
Aberta para a Terceira Idade da UEPG. E-mail:
[email protected]
389
Paola Andressa Scortegagna
Professora Colaboradora do Departamento de Educação da
UEPG. Professora da Universidade Aberta para a Terceira Idade na
UEPG. Pedagoga, Mestre em Educação pela UEPG. Professora
Formadora do Curso de Pedagogia (EaD) da UEPG. Professora do
Ensino Fundamental na Rede Sagrado de Educação no Colégio
Sagrado Coração de Jesus. E-mail: [email protected]
Flávia da Silva Oliveira
Professora do Curso de Direito da Faculdade União. Professora
da Universidade Aberta para a Terceira Idade na UEPG.Bacharel em
Direito. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Doutoranda em
Ciências Jurídicas na Universidade Católica de Buenos Aires. E-mail:
[email protected]
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