TESE PARA ENCONTRO ESTADUAL TÍTULO:CRIANÇA SEU NOME É NINGUÉM: A PROTEÇÃO INTEGRAL EM JOGO AUTOR:Alberto Vellozo Machado, Promotor de Justiça Substituto em 2º Grau. LOTAÇÃO: 1ª Procuradoria de Justiça Cível – Rua Marechal Hermes, 751, 4ª Andar, sala 34 Centro Cívico. TELEFONES: 3240 4434 e 9152 2264. E-mail: [email protected] e [email protected] ÁREAS DO TEMA: Gestão de conflitos e paz social (INFÂNCIA E JUVENTUDE E FAMÍLIA). JUSTIFICATIVA: A infância e a juventude é área extremamente complexa e necessita de constante aprimoramento e, mais do que isto, larga percepção de que sua Proteção Integral é imperativo à Paz Social. Com efeito, diz esta categoria social com a formação da família e, consequentemente, da sociedade. Intimamente ligada com a infância e juventude estão jungidas as concepções de família saudável, de violência, de abandono, de eficácia do estado, de ensinança dos valores sociais, de prevenção de discriminações de gênero, etnia, de condição social ou material. De nada adiantará discursar sobre a proteção de idosos e portadores de deficiência/necessidades especiais se não houve efetiva atuação de proteção no processo de formação dessas pessoas quando crianças ou adolescentes. De nada adianta criticar a violência que grassa em nossa sociedade caso não ensinemos a não-violência, a Cultura da Paz, da atuação institucional eficiente e engajada com seus misteres legais e morais. De modo inafastável, em termos de infantoadolescência, há que se cogitar de presente, passado e futuro: quem são nossas crianças e adolescentes, como são suas vidas, como serão no futuro, qual futuro o presente está forjando, qual será o passado de nossos jovens? A Doutrina da Proteção Integral não é e não pode ser retórica, especialmente no que respeita ao Ministério Público, a mais vocacionada instituição à curatela dos desprotegidos, dos vulneráveis. O Ministério Público precisa revisitar ou reforçar seus conceitos e políticas sobre infância e juventude, necessita traçar de vez uma política institucional que veja, identifique a criança e adolescente como ser humano carente de proteção integral, com características próprias às suas diversas etapas de desenvolvimento e assuma integralmente sua postura protetiva, lançando em sua Gestão Estratégica claras linhas de atuação. INTRODUÇÃO: É bem conhecida a passagem da Odisséia na qual Ulisses e seus marinheiros chegam na ilha do ciclope Polifemo e este ao questionar de quem se tratava o herói da epopéia, famoso pela sua acuidade mental e ardis (dentre os muitos o Cavalo de Madeira), identifica-se ele como Ninguém. Ciclope, perguntas-me qual é o meu nome famoso... Meu nome é Ninguém. Minha mãe, meu pai, e todos meus companheiros me chamam Ninguém. 1 O epíteto vai implicar em sérias consequências ao gigante cegado pela equipe de Odisseu, pois ele ao pedir ajuda a seus irmãos brada que Ninguém o atacou e em vista disto não recebe socorro: Terrível foi o rugido que o Ciclope soltou... Ele retirou do olho a estaca manchada de sangue...Depois, chamou em altos gritos os Ciclopes...Ao ouvirem seus gritos, acorreram... perguntavam... Que dor te 1 HOMERO. Odisséia. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p.122. oprime, Polifemo...? Polifemo lhes respondeu: ‘Amigos. Ninguém me está matando’... Em resposta lhe dirigiram estas palavras aladas: ‘Se ninguém te violenta, e se estás sós, quer dizer então que o grande Zeus te envia uma doença inevitável. Invoca, pois, nosso pai, o poderoso Posídon’. Ditas estas palavras, foram-se embora... 2 A infantoadolescência notoriamente recebe pouquíssima ou nenhuma atenção séria. É como se essa faixa da população fosse composta por Ninguéns e sempre aos pedidos de auxílios à sua formação saudável, à sua proteção integral, nada respondem aqueles encarregados da ajuda (pais, cuidadores, autoridades), pois não veem Ninguém a ser ajudado. Assim é, lamentavelmente, o cenário para as crianças e adolescentes, mormente aqueles, e são muitos, não pertencentes a núcleos de convivência mais saudáveis e interativos. Quando em sede de Direito da Criança e do Adolescente se fala em Proteção Integral invoca-se, dês logo, as tratativas internacionais, destacadamente a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, 1989, que nessa direção dispôs: Artigo 2 – 1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais. 2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares. Artigo 3 – 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. 2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar... 3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada. Artigo 4 – Os Estados Partes adotarão todas as medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, com vistas à implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção... Artigo 12 – 1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e da maturidade da criança. 2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional. 2 Idem, p.123. Paralelamente e, por vezes, com mais realce, ativa-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal 8069/90-, detentor de expressa disposição sobre a proteção integral: Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros, meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único - A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais e a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.3 3 Não se olvide, por igual, do art.227 CF que trata do princípio da prioridade absoluta e proteção especial à juventude: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência A proteção integral diz respeito diretamente à proteção da personalidade das crianças e adolescentes, à “preservação da pessoa em face de seus valores inatos como a vida, a intimidade, a honra e a higidez física e mental, ou seja, de proteção da integridade do indivíduo em suas manifestações física, psíquica, moral e intelectual” 4 e nessa direção nada pode ser deixado de lado, a compreensão de quem são as crianças e adolescentes em seu contexto familiar e social, como se manifestam suas famílias, quais são as ferramentas de proteção, se são eficientes e suficientes e qual a atuação de órgãos de proteção e controle em atendimento à doutrina da Proteção Integral. Para tanto, as proposições ora apresentadas o são em direção a um comportamento profissional, científico e técnico sobre a infância e a juventude. Assim, em defesa da Paz Social, da Prevenção à Violência, da Mitigação dos Conflitos e Efeitos da Marginalização e da Delinqüência, compete ao Ministério Público no conjunto de todos os seus membros e pessoal de suporte, não apenas de Centros de Apoio e Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, comprometer-se na atuação e capacitação institucional acerca das necessidades e fragilidades da Infantoadolescência, atentando para: as características regionais da formação da família; o nível de escolaridade de crianças e adolescentes; a existência de jovens em conflito com a lei e dos jovens adultos sujeitos ao direito penal recém egressos de um possivelmente falho sistema de proteção integral; a existência de serviços efetivamente hábeis e aptos a atender com qualidade crianças e adolescentes; o fato de que diante da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento deverão ser observadas a fases de crescimento, idade, maturidade física e emocional, dentre outras, para a inserção de crianças e adolescentes em serviços de proteção e comprometer-se, enfim, com a realidade da infância e juventude, traçando um plano estadual de conferência da eficácia de todos os serviços de proteção, elaborando relatos sobre o funcionamento de Conselhos Tutelares, Abrigos, Creches, Escolas, etc., de assunção de sérias medidas em relação aos abandonos familiares, maus-tratos, violência familiar e sexual e de produção de cursos, palestras, exposições, seminários de caráter multidisciplinar a membros e servidores do Ministério Público sobre infantoadolescência, família, violência doméstica e orçamento público. Família, Sociedade e Estado em ação: Pois bem, como se pode extrair das transcritas disposições proteger integralmente crianças e adolescentes implica em ativar positivamente a família, a sociedade e o estado ao fito de: a) Pais ou responsáveis (cuidadores num sentido geral) exercerem a autoridade parental (poder familiar) sempre voltada ao acolhimento das crianças e adolescentes, considerando-as pessoas, sujeitos de direito e da relação familiar, nas suas contingências físico-psiquico-morais. Assim, cabe-lhes velar pelo bom desenvolvimento somático dos filhos, alimentando-os adequadamente, zelando por sua saúde, atuando, especialmente, em caráter preventivo, por exemplo, respeitando o calendário de vacinas e, instalada eventual morbidade, cumprindo com as observações médicas pertinentes ao tratamento e, jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204. 4 MACHADO, Alberto Vellozo. Direito e Sociedade: A lesão aos direitos de personalidade, p.86. reclamando, à mingua de condições pessoais, a intervenção do estado na preservação do soma da criança ou adolescentes. A progênie deverá ser provida de vestuário indispensável e, enfim, os cuidadores deverão curar para não impor-lhe esforços incompatíveis com sua compleição e idade, jamais infringindo-lhes castigos físicos de qualquer ordem ou intensidade (agressão física, maus-tratos) como mecanismo de imposição de limites. Nessa vereda, não se poderá descuidar do bem-estar psíquico, com especial atenção à educação, tanto a familiar quanto a formal e o mútuo respeito nas relações familiares. Dá-se mediante os usos, costumes, exemplos e diálogos familiares destinados à ensinança da convivência familiar e social. Sequencialmente, os esforços educacionais devem ser dirigidos ao aculturamento da prole, ensejando seu pleno desenvolvimento intelectual. Isto redunda no dever de matrícula nos serviços de educação formal e, também, em todos os complementos de formação possíveis e disponíveis. O desenvolvimento psíquico, que abrange o intelectual, mas o extrapola, exige especial atenção, percepção do agir das crianças e adolescentes, da “normalidade” de seu comportamento e respeito às recomendações da Saúde, com busca, se necessário, de terapias indicadas, sem abandoná-las por conveniências adultas, de trabalho, de tempo, de utilidade, ressalvadas outras opiniões profissionais. Como dito acima, os pais (ou cuidadores) não podem estabelecer limites, criar metodologias educacionais angustiantes da autoestima dos filhos, nunca sendo permitida ação ou omissão que produza qualquer ofensa física ou psíquica ou acarrete abandono físico, moral ou intelectual. Além disso, os mecanismos educacionais sempre e necessariamente deverão sopesar a idade e, também, a capacidade cognitiva das crianças e adolescentes. O patrimônio moral dos filhos, de igual modo, há de ser preservado pelos pais ou cuidadores, seja em nível doméstico, abstendo-se, nos exercício dos cuidados, de proferir humilhações, ofensas, menoscabos ou descasos, pois implicam na exclusão das crianças e adolescentes (sujeitos da relação familiar) dos assuntos, interesses e convivência do núcleo familiar, visto perderem valor e importância devido ao trato recebido. O filho desse modo tratado é um Ninguém no seio de seu grupamento, posto não ser respeitado, não possuir uma condição moral. Há uma perda da personalidade e da pertença! A par disso, zelarão os pais pelo bem-estar moral dos filhos, por sua personalidade, nas suas relações sociais, estando sempre atentos aos assuntos dos filhos nos meios frequentados: escola, comunidade, associações etc., preservando-os das ofensas físicas e psíquicas, como o bullying 5, por exemplo. A atuação dos pais ou responsáveis em integral proteção, portanto, pressupõe comportamento protetivo, interativo, prospectivo, ativo e emancipatório em todas as áreas permissivas do amplo desenvolvimento das crianças e adolescentes, ficando claro que filhos não são objetos, coisas, propriedade dos pais, mas pessoas necessitadas de relacionamento com a família e a sociedade, cujo comportamento se produz a partir do modelado pelos genitores (ou de quem faz tal papel). Os pais devem aprimorar-se e se preparar para ter prole, desenvolvendo capacidade de compreender que seus filhos percebem e pensam sobre a conduta parental e detêm opiniões a serem manifestadas, incumbindo aos 5 “Trata-se de um comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica. É uma ação de transgressão individual ou de grupo, que é exercida de maneira continuada, por parte de um indivíduo ou de um grupo de jovens definidos como intimidadores nos confrontos com uma vítima predestinada” (COSTATINI, Alessandro. Bullying, como combatê-lo?: prevenir e enfrentar a violência entre jovens. São Paulo:Itália Nova Editora, 2004 p.69). adultos viabilizar o diálogo suficiente à vertência dos entendimentos da prole, sendo efetivamente considerados nas deliberações familiares, conquanto não haja, claro, obrigação de acatar vontades incompatíveis com a realidade do núcleo de convivência; b) A sociedade, à sua vez, atuar como a verdadeira ouvidora das pessoas e, consequentemente, das crianças e adolescentes. Deve atentar às famílias, aferindo se estão dando o acolhimento descrito exatamente com a meta de que crianças e adolescentes sejam sujeitos hígidos a frequentar os espaços sociais. Ao corpo social compete, por igual, as legítimas ações para a instalação de equipamentos sociais suficientes e aptos ao acolhimento de seus componentes: unidades de saúde e programas familiares os mais diversos. Cabe à sociedade, responsavelmente, compor os variados colegiados onde é permitida a participação popular e lá conduzir as demandas do meio social: Conselho Tutelar, Conselho de Direitos das Crianças e Adolescentes, Conselho de Saúde etc. Proteção integral pela sociedade é, portanto, atuação comprometida com o ser humano, com o semelhante; c) O estado, como reflexo da família e da sociedade, gestor dos recursos públicos destinados à implementação dos direitos sociais (art.6º Constituição Federal 6), cumprir com o dever de colher junto aos núcleos de convivência e sociais informes aprofundados sobre a realidade existente e desenvolver estudos a respeito dos desvios e erronias praticados, investindo na correção. Para além disso, cabe-lhe manter as boas práticas existentes à preservação da integridade bio-psíquicomoral dos cidadãos, incluindo, aqui, crianças e adolescentes, observadas as peculiaridades das várias categorias sociais, propiciando atuação diferenciada aos nichos mais vulneráveis (infantoadolescência, idosos, portadores de deficiência etc.). Os técnicos devem, de fato, estar habilitados a compreender as particularidades permissivas da inclusão das pessoas. Sobre isto, deve o Estado ter em conta que “ao fim de melhorar a qualidade profissional dos operadores e dos serviços destinados à tutela da infantoadolescência mostra-se de fundamental importância não apenas se reforçar a iniciativa formativa e a constante atualização do pessoal, mas sobretudo refletir sobre a eficácia e sobre os métodos de formação propostos a este específico setor, cuidando de compreender o que se revelou válido daquilo que não tem funcionado” 7. Paolo Vercellone sustenta que no “delicado campo da infantoadolescência, sua assistência e proteção, o operador deve ser muito capaz: bem preparado em teoria e longamente submetido a uma prática cotidiana”. 8 Os recursos públicos serão destinados, em suma, à manutenção da referida higidez físico-psíquicomoral, com a existência de programas versáteis (em co-autoria com a sociedade) e suficientes a atuar e influenciar positivamente a família e a sociedade. Apenas com um amplo e interessado conhecimento do ser humano e suas vicissitudes e com maciço investimento na pessoa humana criança e adolescente se poderá asserir uma proteção integral, a redundar, 6 Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 7 RANGONE, Gloriana, CHISTOLINI, Marco e VADILONGA, Francesco.Le parole difficili: La formazione degli operatori in matéria de maltrattamento ed abuso minorile. Milano:FrancoAngeli, 2004, pp.14/15. 8 VERCELLONE, Paolo, Bambini, ragazzi e giudici, p.152. evidentemente, no maior acesso à Justiça, aos serviços administrativos e à ouvida, diretamente, se necessário, do que a juventude reivindica em seu beneficio. Proteção integral em jogo: O título desta tese é Proteção Integral em Jogo e se deve, como já exposto acima, à constatação de que nenhum dos setores que formam a realidade nacional – família, sociedade e burocracia – tem compreendido com profundidade ou respeitado a proteção integral e isto, historicamente, advém de um ignorar a infantoadolescência e sua relevância familiar e social, os adultos batizaram as crianças e adolescentes de Ninguém e significando “nenhuma pessoa” ou “pessoa de pouca ou nenhuma importância ou influência” 9, não existe razão para qualquer investimento moral ou pecuniário ao inexistente. Basta observar os meios de comunicação para perceber a negligência familiar, isto para não atribuir, genericamente, intencionais comportamentos destrutivos dos cuidadores em face de crianças e adolescentes. É comum a notícia de crianças e adolescentes mortos ou corrompidos pelos nossos logradouros. Crianças e adolescentes abandonados ou vítimas de violência física ou psíquica são abandonados em abrigos absolutamente despreparados às suas necessidades e que descumprem direitos básicos como acesso à educação e contato social e familiar sob o argumento de proteção. Crianças e adolescentes reproduzem práticas familiares que não condizem com a expectativa de convivência social e são lançados pelas ruas ou shoppings centers à obter falsos valores, dúbios referenciais. Ora, mesmo sabidas as dificuldades culturais e econômicas, a verdade por detrás das negligências é o absoluto descomprometimento com o próximo (de regra vulnerável) e, logo, um profundo ignorar da proteção integral, uma assunção de inexistência da criança ou adolescente como pessoas, uma asserção de que são Ninguém. Comportando-se a família (e a sociedade) dessa maneira ao menos negligente, resulta tal mecanismo num social prenhe de imperfeições sequer percebidas, incapaz de conceber o padecer de seus componentes, máxime crianças e adolescentes, que como não são adultos, maiores de idade, infelizmente identificados como emudecidos objetos dos pais ou cuidadores, são invisíveis e despercebidos nas demandas e planejamentos sociais. Por essa senda, os representantes da sociedade, componentes dos setores epigrafados, como adultos não consideram, mesmo, a proteção integral, contentando-se: a) com vagas escolares em estabelecimento sem qualidade; b) com a existência de Unidades de Saúde sem pediatras e especialistas; c) com Programas Familiares de minguadas vagas; d) com abrigos oferecedores de meros leitos, sem qualquer atenção, carinho ou especialistas nos problemas infantoadolescentes, mesmo que ali fiquem indefinidamente sem acesso à escola ou a serviços de saúde; e) com a ausência de investidas em direção à convivência familiar 10. 9 Dicionário Eletrônico Houaiss. A convivência familiar não pode ser o único caminho às respostas, pois que muita vez não é viável, mas se deve “procurar, antes de qualquer outra solução, recursos na própria família, não desistindo dela, investindo na sua integração, orientação e formação”, visto que nenhuma instituição vem se mostrando comprometida em fornecer uma família, ainda que temporário, aos seus abrigados (MACHADO, Alberto Vellozo. Reinserção na família natural: a primeira meta ante a situação de risco). Revista de Direito Privado, n.28, outubro/dezembro de 2006, p.9. Como ensina o magistrado italiano VERCELONE, Paolo, na obra antes já citada, pp.165/166: Todo o esforço deve ser feito para valorizar a parentalidade, mas na condição de pais, realmente, e não apenas biologicamente. É lógico, conveniente e justo que primeiro se tente de todas as maneiras recuperar os adultos em seus papéis como pais, através de uma educação adequada e apoio (simples ensinamentos de puericultura a serem realizados no trimestre, ao envio gratuito de colaboração familiar), mas 10 e se recusando a aceitar a existência de maus-tratos familiares ou institucionais, dentre outros desvios. O estado, somatória do produzido nas famílias e sociedade, quando aplica seus recursos, poucos normalmente, à infantoadolescência, não aparenta aferir se seus serviços são sérios e suficientes à proteção integral. Não agindo de modo correto mostra-se tão negligente quanto a família (seus membros tem a mesma formação negligente sobre crianças e adolescentes) e descumpre, o que é gravíssimo, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, permitindo, chancelando, omissivamente, abusos e equívocos familiares e institucionais. Inúmeras são as consequências da desatenção à normativa: Há violência no silêncio, no erro, na ignorância e na omissão desses agentes da sociedade. Claro, muitos estarão longe e isentos da justiça formal, para essas ‘faltas’ não há uma pena codificada, mas sem dúvida alguma são elas a argamassa da mansão da violência, são elas mesmas átomos ou moléculas de violência, violam direitos, afligem o bem-estar e alimentam as formas de violência mais conhecidas.11 A burocracia deve se capacitar a compreender as sutilezas da formação e desenvolvimento biopsiquico de crianças e adolescentes e atuar junto a família e sociedade para que seus serviços (administrativos e judiciais) sejam voltados à proteção integral e ao aprimoramento dos núcleos de convivência (famílias). Tal, entanto, não se confere, e, pois, a máquina administrativa se satisfaz em enumerar suas atividades e equipamentos, mas não zela pelo seu razoável funcionamento e não aparenta curar das crianças e adolescentes vítimas dos abandonos e violências familiares, sociais e institucionais governamentais e não-governamentais. Somente com rigoroso controle de suas atividades, atenção à sua eficiência 12 , com seguimento dos beneficiários e egressos dos serviços, poderá o Estado dizer-se praticante de proteção integral. O serviço público, entanto, pouco preparo tem e pouca atenção dá à infantoadolescência em todas suas esferas: Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Polícias etc. e não se detém proficuamente: I) Ante a Violência Familiar; II) Ao bom funcionamento de abrigos, que, por exemplo, possuem regras próprias em conflito com o Estatuto da Criança e do Adolescente e são inibitórias da liberdade de expressão, de deambulação, de visitação familiar (quando possível e autorizada judicialmente), da formação escolar e, por vezes, atuam de forma bruta e cruel sob o argumento de imposição de limites. Há total desatenção, nessas situações, às normas de proteção da infantoadolescência; III) Ao bom funcionamento de escolas, unidades de saúde e programas protetivos, que em algumas ocasiões reproduzem o péssimo comportamento apontado no tópico II; IV) À opinião das crianças e adolescentes sobre suas famílias, sociedade e estado porque não compreende, mesmo, serem sujeitos de direitos e não meros objetos de pseudo-políticas sociais. seria injusto insistir neste ponto, quando parece pouco provável a melhora dos pais, vindo a criança a ser irreversivelmente destruída. O interesse da criança deve prevalecer sobre o dos adultos, embora desses se possa ter compreensão e "pena". 11 MACHADO, Alberto Vellozo. Violência e maus-tratos X Segurança e saúde, in Os Vários olhares do Direito da criança e do adolescente. Márcia Caldas org. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, 2006, p.24. 12 A eficiência é princípio constitucional da Administração Público como se pode conferir do art.37 da Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte... Em síntese, parece que a sociedade de adultos universalmente tem considerado ter valor apenas o ser humano na idade adulta, estando, recorrentemente, excluída, esquecida ou diminuída em importância a infância e a juventude. Veja-se o seguinte excerto sobre o direito italiano: É suficiente um olhar no passado para entender que não existe uma história da infância, não existe uma ciência jurídica que tenha especulado e argumentado sobre a centralidade do interesse da criança, não existem os apriorísticos culturais para legitimar a convicção de que a criança tenha sido ou se tornou um protagonista da tutela jurídica.13 O viés francês, por igual, do ignorar ou rejeitar a proteção infanto-juvenil pode ser conferido em trecho de obra sobre maus-tratos e criminalidade: No entanto, as culturas têm organizado, por milênios, a proteção de adultos em detrimento daquela das crianças, em parte, por negar a realidade do abuso e a extrema gravidade das suas consequências, o liame criminalidade – maus-tratos tem sido largamente ignorado ou subestimado. Esta configuração, enquanto ela durar, impedirá o acesso ao conhecimento suficiente do comportamento criminoso e, portanto, a qualquer prevenção eficaz. 14 Ao Ministério Público cabe especial atenção pois o drama da família e da infantoadolescência se dá por esses ausentes, também recusados, conhecimento e comprometimento, até porque, a uma Proteção Integral é inafastável detectar o melhor ou superior interesse de crianças e adolescentes e isto não ocorre na medida mesma em que não se os respeitando como seres humanos, despiciendo, em consequência, prospectar interesses de coisas ou de algo inexistente. Por conseguinte, à instituição ministerial sabidamente recai o desafio de se organizar em favor das crianças e adolescente e se propõe, qual se faz nos serviços de saúde, um roteiro, um Protocolo básico e nele, necessariamente, sugere-se deva constar: 1) O dever geral de proteção à infantoadolescência; 2) A constante atenção a procedimentos judiciais ou administrativos envolvendo crianças e adolescentes e a comunicação ante a suspeita de situação de risco ou maus-tratos (violência em geral) aos setores ministeriais especializados; 3) O reconhecimento e séria aplicação do direito de oitiva da infantoadolescência em qualquer procedimento administrativo e judicial, não se restringindo sua ativação somente aos juízos da Infância de Juventude; 4) Um calendário para a visitação de abrigos e outras entidades de proteção, com a formulação, por equipe multidisciplinar, de questionamentos e também de elementos físicos, morais e sociais a serem apurados; 5) Um permanente controle de crianças e adolescentes abrigados, com arquivos eletrônicos a respeito e acompanhamento do respectivo Centro de Apoio; 6) Um permanente controle de serviços educacionais e de saúde voltados ou que acolham crianças e adolescentes, com arquivos eletrônicos a respeito da sua qualidade e eficiência, acerca do rendimento escolar ou da melhora de saúde, e referente, também, à observância aos arts. 13 e 245 da Lei 8069/90 (comunicação de maus-tratos), com acompanhamento do respectivo Centro de Apoio; 7) Um permanente controle das unidades 13 COFFARI, Girolamo Andrea. I diritti dei bambini: um debito com la storia. Milano: FrancoAngeli, 2007, pp.09 e 10. 14 LASSUS, Pierre. L’enfance du crime. Paris: Bourin Éditeur, 2008, p.9. destinadas a adolescentes em conflito com a lei, com arquivos eletrônicos a respeito e acompanhamento do respectivo Centro de Apoio, inclusive a respeito de recidivas infracionais e cruzamento desses dados com o aprisionamento de jovens adultos entre 18 e 25 anos; 8) Acompanhamento, ao menos mensal, das atividades dos Conselhos de Direito e Tutelares; 9) Profissionalização, com ampla infraestrutura, das Promotorias da Infância e Juventude ou, ao menos, do respectivo Centro de Apoio, para cumprimento do protocolo. Conclusão: I – Sendo o desrespeito a crianças e adolescentes histórico, necessariamente o Ministério Público (política institucional), agentes e servidores, devem ser orientados, prioritariamente, a perceber suas necessidades, a compreender, na prática, o significado de proteção integral, via atualizações, capacitações e, especialmente, II – O Ministério Público deve adotar um protocolo ideal de atuação em infância e juventude a servir de modelo a todos os seus agentes, nas duas instâncias, não apenas às Promotorias de Infância e Juventude. Referencias bibliográficas: COFFARI, Girolamo Andrea. I diritti dei bambini: um debito com la storia. Milano: FrancoAngeli, 2007. CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COSTATINI, Alessandro. Bullying, como combatê-lo?: prevenir e enfrentar a violência entre jovens. São Paulo:Itália Nova Editora, 2004. DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HOMERO. Odisséia. São Paulo: Nova Cultural, 2002. LASSUS, Pierre. L’enfance du crime. Paris: Bourin Éditeur, 2008. MACHADO, Alberto Vellozo. Direito e Sociedade: A lesão aos direitos de personalidade, pp.43-109, v.2, n.1, jan.-jun.2001. MACHADO, Alberto Vellozo. Reinserção na família natural: a primeira meta ante a situação de risco. Revista de Direito Privado, n.28, outubro/dezembro de 2006. MACHADO, Alberto Vellozo. Violência e maus-tratos X Segurança e saúde, in Os Vários olhares do Direito da criança e do adolescente. Márcia Caldas org. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, 2006. RANGONE, Gloriana, CHISTOLINI, Marco e VADILONGA, Francesco. Le parole difficili: La formazione degli operatori in matéria de maltrattamento ed abuso minorile. Milano:FrancoAngeli, 2004. VERCELLONE, Paolo. Bambini, ragazzi e giudici. Milano: Franco Angeli, 2007.