ÍNDICE DE ABREVIAÇÕES
APAC - Associação de Proteção e Assistência ao Condenado
CCA - Correction Corporation of America
CNCC - Central North Correctional Centre
ONU - Organização das Nações Unidas
PFI - Prison Fellowship International
UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
WCC - Wackenhut Corrections Corporation
1
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 BREVE RELATO HISTÓRICO SOBRE O DIREITO PENAL E O SURGIMENTO DO
CÁRCERE ..................................................................................................................................4
3 EVOLUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ....................................................7
4 A FUNÇÃO DA PENA...........................................................................................................8
5 A REALIDADE CARCERÁRIA: A NEGAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .................9
5.1 Superlotação carcerária: a mãe de todos os problemas ..................................................... 10
5.2 Condições quase que inexistentes de higiene ................................................................. 11
5.3 Doenças: fácil disseminação e cuidados precários ......................................................... 12
5.4 As mulheres no cárcere internacional ............................................................................. 13
6 POSSÍVEIS SOLUÇÕES ..................................................................................................... 16
6.1 Penas restritivas de direitos ............................................................................................ 16
6.2 Privatização dos presídios: a parceria público-privada e a problemática da massificação
dos apenados. ........................................................................................................................ 17
6.2.1 O direito fundamental do preso ao trabalho vs. deslealdade de mercado e lucro .... 20
6.3 A importação de presos entre países é uma prática possível? ........................................ 23
6.4 O método APAC e a terapia cognitivo-comportamental para infratores ....................... 25
7 QUESTÕES CONTROVERTIDAS..................................................................................... 29
7.1 Pena de morte ................................................................................................................. 30
7.2 Redução da maioridade penal ......................................................................................... 31
8 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 32
REFERÊNCIAS........................................................................................................................33
2
1 INTRODUÇÃO
Senhores Delegados e Senhoras Delegadas, sejam bem-vindos(as) ao Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O presente Guia de Estudos tem por intuito
introduzir o tema Política internacional prisional: debate sobre as diretrizes do sistema
carcerário para a efetivação dos direitos humanos do apenado. Desta forma, os senhores e
as senhoras encontrarão um material básico para suporte de suas pesquisas, abordando de
forma geral a evolução histórica da pena e dos sistemas penitenciários; considerações acerca
da privatização de penitenciárias; das funções da pena; das condições mínimas exigíveis para
o apenado; dentre outros assuntos que envolvem nossa temática principal.
Para iniciarmos nossos trabalhos, precisamos compreender as funções e competências
do UNODC, bem como sua importância e relevância quanto às conquistas alcançadas no
âmbito internacional.
Ressaltamos, portanto, que dentre as várias competências deste Escritório está a de
Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, sendo esta vertente responsável pela formulação de
políticas e recomendações internacionais sobre questões de justiça criminal, como a reforma
do sistema prisional e do próprio direito penal; as relações de apoio às vítimas; a violência
baseada em gênero; a aplicação de penas alternativas, etc.
Abraçando a missão de fazer um mundo mais seguro combatendo o crime, o UNODC
compreende que, para atingir seus objetivos, é necessário elaborar estratégias que auxiliem
na prevenção da criminalidade. Sendo assim, as políticas de reforma criminal e as defesas
em nome de condições dignas e igualitárias nos sistemas prisionais, respeitando-se assim,
os Direitos Humanos, são umas das bandeiras mais levantas pelo Organismo.
Neste diapasão, o UNODC vem desenvolvendo um trabalho junto às nações, para que
haja aplicação das convenções que já estão em vigor, além de auxiliar no desenvolvimento de
novas normas para a adequação da realidade de cada país.
Desse modo, o Escritório ressalta a importância da cooperação internacional para que
os Estados possam compartilhar tecnologias e informações, alcançando o objetivo em comum,
qual seja, a diminuição dos crimes.
Ao falarmos em aplicação das convenções internacionais e respeito aos Direitos dos
Homens, remetemos os senhores e as senhoras à leitura de documentos essenciais para o
desenvolvimento das discussões em nosso comitê. Nesse sentido: (i) Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, um dos principais pilares do direito internacional; (ii) Pacto
3
internacional sobre direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que defende principalmente
a autodeterminação dos povos, e a proteção à expressão cultural de cada indivíduo; (iii) Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; (iv) Protocolo Facultativo à Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
(v) Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher.
Tais normativas internacionais abordam os mais diversos direitos humanos a serem
resguardados por cada Estado. Entre eles, podemos citar o artigo 7º do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, o qual informa que "ninguém poderá ser submetido à tortura,
nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes", o que é repetido no parágrafo
2º do artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Contudo, não é difícil
notar que a maioria dos países não cumpre com tais legislações, apresentando condições
desumanas para os detentos e as detentas, como será mais exemplificado adiante.
Salientamos, ainda, que nem todos os países são signatários desses tratados ou
internalizaram os protocolos e instrumentos acima citados, de modo que, no estudo pontual do
posicionamento de cada nação, os senhores e as senhoras devem buscar informações mais
aprofundadas.
Por fim, lembramos que o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes é
responsável por elaborar resoluções de caráter recomendatório, de modo que será
necessária a cooperação dos delegados e das delegadas para organização de documentos que
contemplem as mais diversas nações e suas respectivas realidades.
2 BREVE RELATO HISTÓRICO SOBRE O DIREITO PENAL E O
SURGIMENTO DO CÁRCERE
O Direito Penal, por sua natureza, se propõe a regular o comportamento dos
indivíduos e suas relações com a própria sociedade.1 Com isso, observa-se que os bens
protegidos pelo Direito Penal interessam à coletividade como um todo.
Nesse sentido, somente o Estado é titular do ius punidendi, ou direito de punir, isto é,
da prerrogativa de poder aplicar uma punição a um agente, considerado como responsável
1
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. p.37.
4
pela prática de uma ou mais condutas ilícitas. Contudo, “a característica fundamental desse
ramo jurídico é o seu caráter fragmentário, no sentido de que representa a ultima ratio do
sistema para a proteção daqueles bens e interesses de maior importância para o
indivíduo e a sociedade a qual pertence”2.
Em outras palavras, o direito penal deve ser a última forma de manter a ordem
social a ser utilizada, ou seja, quando os demais ramos do direito e meios de controle
social falharem em evitar uma possível lesão ou um dano a um direito, é aí, e somente aí,
que o direito penal entrará em cena. Logo, a esfera do direito penal é apenas atingida
quando um sujeito causar dano, ameaça ou lesar direitos considerados como fundamentais ao
bem-estar coletivo e à dignidade de cada pessoa individualmente considerada.
A compreensão do histórico do Direito penal trata-se, assim, de compará-lo com o
direito repressor de outras épocas da humanidade. A concepção mais aceita entende que há
uma tríplice divisão, representada pela: vingança divina, vingança privada e vingança pública.
A primeira “resulta da enorme influência exercida pela religião sob os povos antigos,
o princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime”. 3 Mediase a punição de acordo com a grandeza do Deus que tinha se ofendido, sendo aplicada pelos
próprios sacerdotes.
A segunda atingia desde o indivíduo isoladamente até seu grupo social, por meio de
batalhas violentas e desumanas que, muitas vezes, resultavam na dizimação inteira de grupos.
Assim, quando um membro do bando cometesse a infração, a pena era o banimento, o que o
fazia ficar na dependência de outros grupos, fato que culminava na sua morte. Quando o
delito era praticado por estranhos o resultado era a origem de guerras grupais. E, com a
evolução social, para evitar a dizimação populacional, surgiu a Lei de Talião (“olho por olho,
dente por dente”), determinando a punição proporcional à infração cometida.
A terceira decorre de uma melhor organização social, em que o Estado toma para si
a obrigação de manter a ordem e o controle social, surgindo, então, a vingança pública.
Observa-se que, em seus primórdios, o ente estatal manteve forte identidade com a relação
entre poder político e poder divino, porém, avançando historicamente adquiriu caráter
intimidador para legitimar e dar poderes ao Soberano.
Por sua vez, o Direito Penal, hoje, precisa ser pautado na distância com os
procedimentos que apregoam a crueldade, como os castigos corporais ou a pena de morte.
2
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. p.37.
3
Ibidem. p. 73.
5
Consolidou-se por entre os países do globo a necessidade de humanização desse direito e,
principalmente de sua punição, por isso a pena deve ser proporcional ao delito cometido, sem
deixar de considerar as circunstâncias pessoais que levaram o agente a cometer o crime. Sem
perder, entretanto, a condição de eficácia de seus institutos e garantias entre os homens.
Nesse contexto, Cesare Beccaria, em seu livro “Dos delitos e das penas”, alerta que
todo sujeito condenado por um crime é titular de direitos e deveres, que exigem respeito 4. É
justo, portanto, ponderar que todos aqueles que se encontram privados de liberdade em
centros de detenção possuem direitos humanos fundamentais, os quais exigem dos
Estados a sua garantia e total proteção.
Entendendo toda a construção histórica desse ramo jurídico, seguiremos então para o
estudo de como surgiram os presídios.
“Por volta do ano de 1600, em países como a Holanda e a Inglaterra, que surgiram
as chamadas workhouses, ou melhor, casas de trabalho, como na época ficaram conhecidas
tais penitenciárias, as quais são os primeiros registros de prisões para cumprimento de pena”5.
Tais ambientes se propunham a reeducar o apenado tendo em vista unicamente o trabalho e a
disciplina.
Ademais, de acordo com Bitencourt, “os primeiros sistemas prisionais surgiram nos
Estados Unidos, embora não se possa afirmar que a prisão constitui um invento americano”6.
E é justamente nesse país onde se desenvolveram os principais sistemas penitenciários, quais
sejam: pensilvânico, auburniano e progressivo.
Em breve síntese: no primeiro nota-se a predominância da obrigatoriedade de isolarse em uma cela, obrigação estrita do silêncio, da meditação e da oração, além da proibição do
consumo de bebidas alcoólicas como meio para “salvar as criaturas infelizes”7. No segundo
constata-se a prática do silêncio absoluto (silent sistem), além do trabalho em comum8. E, por
fim, o terceiro sistema, que concedeu importância à vontade do recluso, além de diminuir a
aplicação rigorosa da pena privativa de liberdade, sendo sua principal característica “a
distribuição do tempo da condenação em período, aplicando-se em cada um os privilégios que
o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do
4
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000.
OLIVEIRA, Maria Julia Bittencourt de. A Ressocialização do apenado através do trabalho, em face do
principio da dignidade da pessoa humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível
em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6996>.
Acesso em 04 abr 2015.
6
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 163.
7
Ibidem. p.164/165.
8
Ibidem. p. 166.
5
6
tratamento reformador”9. Além disso, nesse sistema havia a possibilidade do apenado
reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação.
Apesar dos avanços que se perpetuam até hoje, inúmeros são os problemas que
constituem esse regime de punição penal, como por exemplo a superlotação, a falta de
estrutura física e a dificuldade de acesso à saúde. Realidade essa que faz surgir uma tese de
colapso do sistema prisional, que põe em dúvida não só a eficácia dessa punição, mas
principalmente a necessidade de sua continuidade no Direito Penal.
3 EVOLUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Na Antiguidade, a pena detinha caráter meramente retributivo, ou seja, não se
almejava a correção do delinquente a fim de que se abstivesse de cometer outros delitos, mas
tão somente castigá-lo na mesma medida do seu delito, a exemplo do que previa a Lei de
Talião.
Dessa forma, a prisão era tratada como ambiente de custódia, geralmente situada em
prédios improvisados, calabouços, aposentos em ruínas ou insalubres, em que o indivíduo
ficava a espera de seu julgamento ou da execução de sua pena. Esta, por sua vez, era
empregada através de castigos físicos, que variavam desde mutilações e açoites até a morte.
Assim, nesse contexto, não se trata propriamente de promover a limitação da liberdade, mas ,
na verdade, da imposição de punições corporais, tais quais as acima mencionadas.
Com o fim da Antiguidade, marcada pela queda do Império Romano e tomada da
Europa pelos povos germânicos, a instabilidade política levou os governantes a utilizarem a
lei penal como meio de intimidar e distrair a população, através de execuções públicas das
mais variadas formas.
Assim sendo, a pena privativa de liberdade continuou sem ter relevância na Idade
Média, acabando por ser utilizada como meio de custódia e de punição retributiva para os
crimes considerados menos graves. As sanções, entretanto, estavam subjugadas ao livre
arbítrio dos governantes e poderiam variar de acordo com o status social do réu e ser
substituída por prestações em metal ou espécie.
9
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. p. p. 169.
7
Ressalta-se, inclusive, o surgimento de duas espécies de prisão, que mesmo não
chegando a caracterizar a pena privativa de liberdade conhecida hoje, influenciaram o
desenvolvimento do conceito da “prisão-pena” atual. Foram elas a prisão do Estado e a prisão
eclesiástica.
A primeira fora destinada ao recolhimento dos inimigos do poder real ou senhorial por
cometer delitos de traição. Era ainda dividida em duas modalidades, a de custódia, com a
mesma finalidade das demais, e a de detenção temporal ou perpétua – vale lembrar que ainda
de caráter retributivo.
A segunda (eclesiástica), por sua vez, fora destinada aos clérigos rebeldes que ficavam
confinados visando à meditação, que devido às condições degradantes dos aposentos,
acabavam contraindo doenças e dificilmente saiam vivos ao término de suas penas.
A crise socioeconômico feudal, o concomitante crescimento dos centros urbanos,
somados às longas e dispendiosas guerras religiosas, ocasionaram um expressivo aumento da
criminalidade no final do século XVII e início do século XVIII. A pobreza fazia-se gritante e
para muitos nada restava além de transgredir a lei para prover o seu próprio sustento. Diante
dessa realidade, a utilização pena de morte se tornava inviável, já que não era possível aplicála a tanta gente. Foi então que, em Londres, o rei autorizou a utilização do castelo de
Bridwell, para que nele se recolhessem os vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de
delitos menores10.
A prisão, com o decorrer do tempo, passou a ter um fim em si mesma e a pretender a
reforma dos delinquentes por meio do trabalho e da disciplina, além de visar desestimular que
outros viessem a cometer semelhantes delitos. Posteriormente, tal modelo se espalhou por
toda a Europa, ganhando diferentes roupagens conforme com a região e época.
Já no início do século XVIII, surgiram defensores da proporcionalidade da pena de
acordo com o delito cometido e da força física e espiritual do réu, quando começou,
igualmente, a valorizar a ideia de reintegração do apenado à sociedade.
4 A FUNÇÃO DA PENA
10
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2013.
8
Como visto no tópico anterior, historicamente a pena era uma forma de castigo
utilizada contra aqueles que infringiam as leis. Mutilações e penas de morte foram
amplamente aplicadas como um meio de retribuir à sociedade o dano causado pelo infrator.
Contudo, após a Revolução Francesa, o avanço dos ideais iluministas passou a
influenciar diretamente a sociedade como todo. A nova visão racional, antropológica e liberal
dos pensadores da época acabou por persuadir o Estado a intervir cada vez menos perante a
esfera individual, iniciando-se uma nova forma de aplicação da pena, que não tende a agir
sobre o corpo, como um castigo, mas sim na mente humana.
Ou seja, a sanção penal começa a ter uma função preventiva, na qual o ser
humano, racional em sua essência, devido à existência de uma pena criminal para
determinadas condutas, se absteria de cometê-las em virtude do medo de ser punido11.
Porém, causar o medo não seria o suficiente, seria necessário reintegrar o sujeito que
por ventura cometesse algum crime à sociedade. Assim, a ideia de ressocializar surge como
outra forma de prevenção ao delito, atuando diretamente na figura do infrator, que deve
ser reintegrado à organização social após o cumprimento da pena imposta, com o objetivo de
evitar a reincidência.
Sobre essa temática, é de extrema importância mencionar o parágrafo 3º do artigo 10º
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos12, o qual é claro em afirmar que "o
regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a
reabilitação normal dos prisioneiros". Em consonância com esse mandamento legal, o
parágrafo 6º do artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 diz que: "as
penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação
social dos condenados".
5 A REALIDADE CARCERÁRIA: A NEGAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Faz-se importante destacar que os problemas que aqui serão abordados não estão
presentes em todos os Estados e nem nas mesmas proporções, mas mesmo assim devem ser
11
ROSSETTO, Enio Luiz. Teoria e Aplicação da Pena. São Paulo: Atlas, 2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
1966. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1966 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos.pdf>. Acesso em: 01 jun 2015.
12
9
observados por todos, sem distinção, por apresentarem violações inúmeras aos Direitos
Humanos Fundamentais.
5.1 A Superlotação carcerária: um expoente problemático
O Estado e o Direito Penal, especificamente, surgem com a finalidade de dirimir os
conflitos existentes na sociedade, tipificando como ilícitas condutas que interferem de
maneira negativa na esfera de existência de outrem e, dessa forma, repugnando a vingança
privada. Nada mais justo do que levar o transgressor da ordem social a um julgamento
adequado e, caso reste comprovada sua culpa, a um tratamento punitivo igualmente adequado.
Entretanto, muitas vezes este indivíduo é obrigado a encarar condições de vida
subumanas, sob tratamento que extrapola radicalmente os limites de uma pena
adequada e justa. O problema começa na estrutura dos ambientes destinados a receber os
infratores. Não é difícil acharmos países que ignoram as Regras Mínimas para o Tratamento
dos Reclusos13, de caráter recomendativo, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra
em 1955.
O primeiro dos problemas a serem destacados é a falta de espaço, o amontoamento e
a superpopulação. Segundo o documento mencionado, o ideal seria a destinação de apenas
um recluso por cela. Entretanto, além de não seguir a recomendação, muitos países,
principalmente os subdesenvolvidos e em desenvolvimento, extrapolam a capacidade
populacional de seus estabelecimentos prisionais.
O problema, ao contrário do que muitos pensam, não é recente. Já em 1995 a
capacidade das penitenciárias brasileiras, por exemplo, estimada oficialmente em 51.639
vagas, detinha um universo de 130 mil internos, isto é, cada vaga estava sendo ocupada por
2,5 presos em média. De acordo com esses números oficiais, seria necessária a criação de pelo
menos 150 novos presídios para amenizar a situação do déficit de vagas14. Esses dados, no
entanto, apesar de oficiais, são meramente especulativos, o que nos leva a uma situação ainda
pior do que é mostrada.
13
Organização das Nações Unidas. Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. 1955. Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-Administração-da-Justiça.-Proteçãodos-Prisioneiros-e-Detidos.-Proteção-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-Desaparecimento/regras-minimas-para-otratamento-dos-reclusos.html>. Acesso em: 01 jun 2015.
14
Organização dos Estados Americanos. Relatório Sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil.
1995. Disponível em: <http://cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/Cap 4 .htm>. Acesso em: 01 jun 2015.
10
A superpopulação carcerária, no entanto, não é somente preocupação dos brasileiros.
Com a taxa de superlotação de 171,9%, o Brasil foi o sétimo no ranking publicado pela
revista “The Economist” em agosto de 2013, sendo “superado” pelo Haiti (quase 340%
de superlotação), Filipinas (300%), Venezuela (cerca 270%), Quênia (pouco mais de
200%), Irã (pouco menos de 200%) e Paquistão (próximo a 175%)15.
Isto implica dizer que milhares de pessoas estão confinadas, por quase todo o dia, em
espaços que muitas vezes não as cabem deitadas e que não há leitos, forçando-as a dormirem
sentadas ou em pé. Locais nos quais fazem suas necessidades com 20 a 30 pessoas sem a
mínima condição de higiene adequada. A superlotação possibilita, ainda, o contato de presos
que cometeram os mais diversos delitos, desde o furto ao homicídio, possibilitando a
disseminação da violência e aprendizagem do crime e a formação de associações delitivas.
5.2 Condições quase que inexistentes de higiene
As Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que as
acomodações destinadas aos reclusos devem satisfazer as condições de higiene e saúde (art.
10). Além disso, as zonas destinadas a eles devem ser mantidas e conservadas limpas (art.
14), o Estado deverá fornecer água potável e materiais de higiene e saúde para manter os
detentos limpos e saudáveis (art. 15), e as instalações sanitárias deverão ser adequadas, de
modo que os reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem e de uma
maneira limpa e decente (art. 12).
Entretanto, o mínimo recomendado parece ser muito diante do que é realmente
oferecido aos detentos em vários estabelecimentos penais.
Em determinadas instituições, especialmente de países em desenvolvimento, a água
corrente não passa de um sonho, sendo disponibilizada em horas determinadas. Em outros, os
detentos capturam a água que escorre de encanamentos e a armazenam em garrafas para
consumo e para higiene. Em vários presídios, os presos em celas superlotadas passam dias
sem tomar banho devido à falta de água. A pouca água existente, no entanto, é de má
15
BRASIL é o sétimo em ranking de países com superlotação carcerária. 2013. Disponível em:
<http://carceraria.org.br/brasil-e-o-setimo-em-ranking-de-paises-com-superlotacao-carceraria.html>. Acesso em:
01 jun 2015.
11
qualidade,
facilitando
a
contração
de
doenças
como
a
cólera,
leptospirose
e
esquistossomose16.
No que se refere às instalações sanitárias, estas não passam, por vezes, de buracos no
chão e, pela falta de água corrente, são utilizados por vários detentos sem que haja
escoamento dos seus detritos, acarretando a proliferação de insetos, além do repugnante
cheiro exalado. Em outras palavras, depois de utilizarem a instalação, não lhes é
disponibilizado nem água para lavar as mãos, nem para dar descarga. Mesmo os locais que
são aparentemente adequados se revelam insuficientes diante da quantidade de detentos por
cela, fazendo com que muitos tenham que improvisar o local de realização de suas
necessidades.
Quanto à privacidade, não raro se faz inexistente. O que ocorre é que, mesmo havendo
no projeto inicial paredes que isolem as instalações sanitárias, são elas derrubadas para dar
espaço a um número maior de pessoas por cela, forçando os detentos a realizarem suas
necessidades diante dos outros de maneira vexatória.
Além disso, muitos Estados não oferecem materiais básicos de higiene (sabonete,
toalha, papel higiênico e outros) ou o fazem de maneira insuficiente, fazendo com que tais
utensílios sejam adquiridos no estabelecimento penal, nos locais destinados à sua venda ou no
mercado paralelo de maneira clandestina.
5.3 Doenças: fácil disseminação e cuidados precários
O art. 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 17,
estabelece o direito de todos à saúde física e mental, tratando-se de um direito
fundamental que não deve ser deixado de lado quando se comete um delito. É dever de
todo Estado permitir o acesso a serviços de saúde existentes em seu respectivo país, sem
qualquer discriminação decorrente de sua situação jurídica e legal.
As Regras Mínimas da ONU, sobre essa temática, determinam que cada
estabelecimento penitenciário deve dispor de, pelo menos, um médico qualificado, o qual
deverá ter algum conhecimento em psiquiatria. Este deve realizar relatórios para a direção do
estabelecimento, contendo as necessidades médicas dos detentos e, em caso de cirurgia,
16
DOENÇAS
transmitidas
pela
água.
Disponível
em:
<http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Agua/Agua 10.php>. Acesso em: 01 jun 2015.
17
Assembleia Geral das Nações Unidas. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1966 Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais.pdf>. Acesso em: 01 jun 2015.
12
remetê-los a hospitais civis para tratamento adequado, caso não haja estabelecimento
hospitalar próprio da penitenciária.
Todavia, o descaso com os reclusos é tanto que facilmente se visualizam pessoas
portadoras de doenças contagiosas em meio a indivíduos aparentemente saudáveis. As
ocorrências mais comuns são de tuberculose18 e de doenças sexualmente transmissíveis19,
além de doenças ligadas diretamente à insalubridade dos estabelecimentos penais. Dessa
forma, devido às celas superlotadas, à falta de higiene e à falta de tratamento adequado, há
ocorrência de inúmeras endemias em presídios.
Por outro lado, quando existem profissionais adequados para atender os detentos, são
insuficientes para suprir a demanda. Quando são suficientes, faltam medicamentos adequados
ou espaço destinado ao tratamento. O que ocorre é que muitas vezes os apenados não são ao
menos ouvidos, tendo que passar por suas dores e doenças sem a menor atenção de qualquer
médico ou outro profissional da saúde.
Cada estabelecimento prisional deveria ter, ainda, outros profissionais da saúde,
como dentistas e psicólogos, porém, se é difícil ter atendimento médico adequado, mais
difícil ainda é encontrar atendimentos odontológico e psicológico. Este último, em particular,
mostra-se necessário devido aos danos causados naturalmente pelo sistema de isolamento da
prisão, além de reduzir as inclinações violentas do indivíduo.
5.4 As mulheres no cárcere internacional
Quando se fala de prisões no cenário internacional, muitas vezes a situação específica
das mulheres presas não é debatida de forma satisfatória. As diferenças biológicas, por
exemplo, acabam por fazer com que seja essencial uma estrutura diferenciada nos
presídios femininos.
Entretanto, antes de tratar sobre problemáticas específicas acerca do tema, faz-se
necessário resgatar de forma breve o surgimento das penitenciárias femininas. Estas estão
relacionadas à origem dos conventos – o que faz com que tenham uma relação muito forte
com as normas da Igreja Católica.
18
TUBERCULOSE. Disponível em: <http://www.minhavida.com.br/saude/temas/tuberculose>. Acesso
em: 01 jun 2015.
19
QUAIS SÃO AS DST. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/quais-sao-dst>. Acesso em: 01
jun 2015.
13
Até o século XVIII, as prisões femininas propriamente ditas não existiam. As
mulheres condenadas a qualquer tipo de sentença eram enclausuradas em conventos. Nesse
tipo de ambiente eram realizadas orações, para a purificação da alma, e trabalhos manuais,
como costuras e bordados. Percebe-se que, por meio desse tipo de prisão, buscava-se resgatar
o sentimento de pudor nas mulheres, já que muitas vezes elas eram encaminhadas a esses
estabelecimentos por terem utilizado seu corpo conforme a sua própria vontade – em outras
palavras, elas praticavam a prostituição. Por isso, vê-se facilmente como os delitos cometidos
pelas mulheres estavam ligados à moral vigente na época.
Em 1823, na Grã-Bretanha, surgiu o primeiro documento que tentou regularizar a
situação das mulheres no cárcere: o Gaol Act. Nele constava que todas as mulheres detidas
não fossem mantidas no mesmo espaço que os homens e que a supervisão das mulheres
deveria ser feita por mulheres – o que demonstrou uma medida contra possíveis abusos
sexuais existentes.
Na França, por exemplo, a situação era bem diferente. Tem-se registro de detentas que
engravidavam dos guardas e de outros presos. Apenas em 1870, um presídio voltado só para
mulheres foi inaugurado. Sua sede ficava localizada na cidade de Rennes.
Já nos Estados Unidos, a primeira prisão voltada para o abrigo das detentas registra-se,
em 1835, na cidade de Nova York. Em 1874 foi inaugurado, no Estado de Indiana, o presídio
de mulheres completamente independente, seja administrativamente e fisicamente, do cárcere
masculino.
A realidade brasileira, por sua vez, não era diversa da que se apresentava nos demais
países. As primeiras instituições próprias para mulheres surgiram tardiamente em território
brasileiro. A título de exemplo, apenas em 1937 houve a construção de uma penitenciária
feminina em Porto Alegre.
Depois de um breve resgate histórico, é essencial tratar de certos problemas
específicos da situação da mulher apenada. De acordo com relatório da Pastoral Carcerária 20,
as mulheres presas no Brasil integram grupos de vulnerabilidade e exclusão social: a maioria
tem idade entre 20 e 35 anos, é chefe de família, possui em média mais de dois filhos menores
de 18 anos, apresenta escolaridade baixa e conduta delituosa que se caracteriza pela menor
gravidade. Ainda vale destacar que a maioria das mães presas é formada por mães solteiras.
Mais alarmante é o dado de que 95% das mulheres reclusas foram vítimas de violência em
20
Relatório
da
Pastoral
Carcerária.
Disponível
em:
<http://carceraria.org.br/wpcontent/uploads/2012/09/relatorio-mulherese-presas_versaofinal1.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2015.
14
algum momento de sua vida, quando criança, ou mais tarde com um parceiro ou parceira
íntima, ou ainda nas mãos da polícia no momento da privação de liberdade.
Tal aspecto demonstra que as mulheres em situação de prisão são vítimas de um
ciclo constante de violência. Isso não é exclusivo no cenário brasileiro, a América Latina, no
geral, apresenta situações bem semelhantes a essa.
Fonte21
Muito do que se apresenta nos relatórios mundiais diz respeito à assistência médica e
de saúde mental das apenadas. Outra grande queixa das presas diz respeito aos problemas
relacionados aos seus filhos: quem está cuidando das crianças, como ser mãe à distância, o
risco de perder a guarda, dentre outros. Inúmeras prisões espalhadas pelo globo não
comportam nenhum tipo de instalação específica para apenadas gestantes, seja para os
cuidados necessários durante a gravidez ou aqueles após o nascimento do bebê.
É certo que muitos dos problemas apresentados estão relacionados ao forte
patriarcalismo presente na nossa sociedade. Todavia, sob uma perspectiva pragmática,
pergunta-se: o que poderia ser feito para que as mulheres pudessem exercer de forma
integral a sua maternidade? Quais medidas podem ser tomadas pelos Estados para que
as peculiaridade das mulheres sejam mais bem resguardadas?
Outra problemática a ser discutida seria a do abandono das mulheres que se
encontram cumprindo pena privativa de liberdade. Muitas delas acabam sendo deixadas de
lado pelos seus companheiros, além de serem poucos os homens que visitam as suas parceiras
em prisões. O contrário (visita das mulheres quando seus companheiros estão submetidos as
penitenciárias) ocorre com uma frequência bem maior.
21
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/inde18072010.shl>. Acesso em 30 mar. 2015.
15
Fonte22
O gráfico acima representa bem que o número de mulheres presas no Brasil é bastante
inferior ao número de homens. Mesmo assim, elas não devem ser deixadas de lado. Pensando
nesses pontos, indagamos aos senhores delegados o que pode ser feito em termos de política
internacional para que os direitos das mulheres apenadas também sejam implantados.
6 POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Assim, como demonstrado até o presente momento, há diversas questões, as quais
necessitam de uma maior análise, com o objetivo de aprimorar os sistemas penitenciários do
globo. No entanto, algumas soluções são propostas como formas de tentar, aos poucos,
reverter a situação caótica que se encontram muitos países, em termos de política prisional.
6.1 Penas restritivas de direitos
Diante da aparente ineficácia da pena privativa de liberdade em garantir a readequação
e sua real ineficácia em proteger os direitos do apenado, a sociedade internacional passou a
estudar novas fórmulas de que pudesse aplicar o direito sancionador de modo mais efetivo e
menos gravoso. Então, em 1990, foi aprovada a Resolução de nº 45/110 da Assembleia
22
Disponível
em:
<http://juventude.gov.br/articles/participatorio/0009/3230/mapa-encarceramentojovens.pdf>. Acesso em 30 mar. 2015.
16
Geral das Nações Unidas, abordando as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
adoção de Medidas não privativas de liberdade, conhecida como as Regras de Tóquio.
As Regras de Tóquio tem o principal objetivo de disseminar o uso de penas
restritivas de direito – como a prestação de pena pecuniária, limitação de fim de semana e
prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, dentre outros – em substituição às
penas privativas de liberdade, deixando estas com caráter residual e de ultima ratio.
Dessa forma, as penas restritivas de direito têm como características principais a
substituição e a autonomia, ou seja, preenchidos certos requisitos, podem substituir a pena
privativa de liberdade e, além disso, atuar de forma autônoma23.
Assim, as Regras de Tóquio se embasaram em uma nova forma de sancionar,
buscando ao máximo intensificar a ressocialização, incentivando não só um abrandamento
do direito penal, mas também uma maior participação da coletividade na justiça penal, bem
como na progressiva conscientização do condenado em se readaptar à vida social24.
6.2 Privatização dos presídios: a parceria público-privada e a problemática
da massificação dos apenados.
A discussão acerca de um modelo mais eficaz na gestão carcerária não é algo
recente. Em 1834, Jeremy Bentham já tratava da concessão da administração de penitenciárias
com o objetivo de satisfazer interesses econômicos públicos e privados25. Temática que voltou
a ser discutida nos anos 80, durante o governo Reagan, nos Estados Unidos, e que atualmente
é debatida em todo o cenário mundial.
Uma alternativa para o descaso estatal com o sistema carcerário é a Parceria
Público-Privada nos estabelecimentos penais, que seria uma forma de privatização dos
presídios, utilizando meios privados para a consecução de fins públicos, qual seja, a
melhor administração da justiça na execução da pena26. Esse método já é adotado em
23
ROSSETTO, Enio Luiz. Teoria e Aplicação da Pena. São Paulo: Atlas, 2014.
ANDERY, Fernanda Rezek. AS REGRAS DE TÓQUIO. Revista da Faculdade de Direito
UFG, Goiânia, v. 23, n. 1, p.149-158, dez. 1999. Semestral.
25
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Privatização de Presídios. In:. IBCCRIM. Boletim 185.
Abril. 2008. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/3623-Privatizacao-de-presidios>.
Acesso em 24 fev. 2015.
26
OSTERMANN, Fábio Maia. A Privatização de Presídios como Alternativa ao Caos Prisional. In:.
Revista Científica dos Estudantes de Direito da UFRGS. Porto Alegre, v.2, n.1, mai. 2010. Disponível em: <
http://www.libertarianismo.org/livros/fmopdp.pdf>. Acesso em 26 fev. 2015.
24
17
diversos países, como no Brasil, Estados Unidos, França, Inglaterra, África do Sul, Alemanha,
México, Holanda e Escócia.
No ano de 200827, cerca de 7% dos condenados dos Estados Unidos estavam em
presídios privados. Na Inglaterra esse número era de 10% da população carcerária, enquanto
que na Austrália o percentual era de 17%, e consistia no maior índice de presos em
estabelecimentos com administração terceirizada.
A escassez no número de vagas para os condenados, a burocracia enfrentada
pelo setor público, a falta de recursos suficientes para investir, o alto custo de
manutenção, as péssimas condições dos presídios públicos e as deficiências de gestão, são
motivos que levaram os países a pensarem na alternativa de adotar o sistema públicoprivado no âmbito penitenciário.
Esse sistema tem aplicabilidades diferentes em cada país, mas existem dois modelos
básicos, que é o modelo americano e o modelo francês. Nos Estados Unidos28, por exemplo, a
execução completa da pena é transferida para o setor privado e o Estado permanece somente
como fiscal da lei e dos termos contratuais. Por outro turno, no modelo francês o Estado
terceiriza determinadas atividades para agentes do setor privado, que podem variar desde a
construção de unidades prisionais até o fornecimento de alimentação, passando também pela
prestação de serviços de assistência social, médica, psicológica e jurídica, e atividade de
educação e recreação.
No Brasil, o modelo adotado é o sistema francês, tendo em vista que a legislação
vigente não admite que as atividades de execução em sentido estrito – as jurisdicionais,
tais como, a progressão e regressão de regime e a remição das penas – sejam
transferidas do Estado para os particulares, de modo que somente é permitido que
atividades administrativas, tais como, o fornecimento de alimentos, prestação de
serviços educacionais, assistenciais, de manutenção e de saúde, por exemplo, passem a
ser feitas por empresas privadas.
Do ponto de vista econômico, a parceria público-privada no setor prisional supre um
deficit estatal de investimentos e se alia às características favoráveis do setor privado, como a
redução da burocracia na compra de materiais ou contratação de serviços, trazendo mais
27
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Revista
Jus
Navigandi,
Teresina, ano
14, n.
2269, 17 set. 2009.
Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/13521>. Acesso em 25 fev. 2015.
28
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Privatização de Presídios. In:. IBCCRIM. Boletim 185.
Abril. 2008. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/3623-Privatizacao-de-presidios>.
Acesso em 24 fev. 2015.
18
eficiência para o sistema prisional. Dessa forma, seria mais interessante para o Estado
subsidiar a atuação particular na administração das penitenciárias, com o intuito de dar
melhores condições para o condenado e evitar o sucateamento do sistema prisional.
Esse modelo, aparentemente perfeito, em que a gestão da pena permaneceria com o
Estado e a administração da execução da pena seria transferida para o Estado merece algumas
ressalvas.
Na França e no Canadá, por exemplo, houve problemas com as empresas
contratadas. Na França29, a prisão de Mont-de-Marsan, construída pela empresa francesa
Eiffage, apresentou falhas graves como portas frágeis nas celas, rachaduras nas paredes,
portões inseguros e defeitos no sistema de vigilância eletrônica. Salienta-se que tais
problemas foram constatados antes mesmo do presídio entrar em funcionamento, o que levou
o sindicato dos agentes penitenciários a se manifestarem contra a abertura do mencionado
presídio.
No Canadá, por sua vez, o governo de Ontario revogou em 2006 a decisão de
privatizar os estabelecimentos prisionais. Dessa forma, o contrato com uma empresa
canadense que administrava o Central North Correctional Centre – CNCC, na
Penetanguishene, não foi renovado devido à insatisfação estatal com o modelo adotado.
Um ponto importante de questionamento e preocupação é o fato de que com o
fortalecimento do – lucrativo – mercado de encarceramento privado, percebe-se que há
um incentivo das empresas para que as penas se tornassem mais rígidas e houvesse um
número cada vez maior de estabelecimentos prisionais privados, tendo em vista que com
uma cifra maior de condenados e estes permanecendo mais tempo presos, maior seria o lucro
dessas empresas. Nesse caso, interesses particulares estariam se sobrepondo aos interesses
estatais e sociais, manipulando a opinião pública para atingir um benefício próprio.
Nesse sentido, o jurista João Marcello Araújo Júnior30 aponta:
As empresas que desejam participar da administração penitenciária visam obter
lucros e retirar lucros da própria existência da criminalidade; logo, tais empresas,
que têm interesse em manter seus lucros, não irão lutar contra a criminalidade… e se
não têm tal interesse não devem administra prisões.
29
The
failure
of
prison
privatization
in
France.
Disponível
em:
<http://nupge.ca/content/%5Bnid%5D/failure-prison-privatization-france>. Acesso em 27 mar. 2015.
30
ARAÚJO JÚNIOR apud OSTERMANN, Fábio Maia. A Privatização de Presídios como Alternativa
ao Caos Prisional. In:. Revista Científica dos Estudantes de Direito da UFRGS. Porto Alegre, v.2, n.1, mai.
2010. Disponível em: < http://www.libertarianismo.org/livros/fmopdp.pdf>. Acesso em 26 fev. 2015. Pág.
24/25.
19
Nos Estados Unidos, por exemplo, duas empresas controlam dois terços do mercado
de encarceramento privado31, a Correction Corporation of America – CCA e a Wackenhut
Corrections Corporation, sendo que a primeira alavancou o seu valor de mercado de US$ 200
milhões para US$ 1 bilhão32, em cinco anos, fato que demonstra o quão lucrativo é esse
negócio.
Outro ponto a ser destacado é que a mudança da administração dos presídios para
o setor privado não garante a recuperação dos condenados. Não há uma contrapartida
social favorável nesse sentido. Até então, os contratos firmados em Parceria Público-Privada
não estipulam redução no percentual de reincidência ou de aumento de apenados
ressocializados.
6.2.1 O direito fundamental do preso ao trabalho vs. deslealdade de
mercado e lucro
Todos os indivíduos que compõem a espécie humana são titulares dos direitos
fundamentais universais, sem qualquer distinção no que diz respeito aos atributos inerentes ao
ser humano ou à posição social que ocupam. Portanto, por fazerem parte dessa coletividade
global, os apenados possuem garantias fundamentais (a exemplo do direito à vida e do
direito à saúde) que devem ser respeitadas e efetivadas pelo Estado.
Em razão disso, o direito internacional e interno trataram de regulamentar em suas
codificações o direito fundamental ao trabalho que todo homem possui, incluindo-se, nesse
rol definidor, os próprios apenados. Vejamos, então, o que é postulado no art. 23 da
declaração universal dos direitos humanos:
Artigo 23
I) Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
II) Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
31
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Privatização de Presídios. In:. IBCCRIM. Boletim 185.
Abril. 2008. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/3623-Privatizacao-de-presidios>.
Acesso em 24 fev. 2015.
32
PRADO, Antônio Carlos. Armadilhas na Privatização de Presídios. In:. Istoé Colunistas. Disponível
em:
<
http://www.istoe.com.br/colunas-eblogs/coluna/330364_ARMADILHAS+NA+PRIVATIZACAO+DE+PRESIDIOS>. Acesso em 24 fev. 2015.
20
III) Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário,
outros meios de proteção social.
IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para
proteção de seus interesses.
Contudo, é fato que aqueles indivíduos privados de liberdade e enclausurados em
sistemas prisionais, apesar de não perderem a posse dos seus direitos fundamentais, são
submetidos a uma série de restrições que culminam na garantia e proteção parcial de
seus direitos. Constatação essa que decorre da própria rotina do cumprimento da pena
aplicada aos apenados, como exemplo cita-se a evidente perda de seu direito de ir e vir.
O direito ao trabalho, entretanto, é estimado pelas Regras Mínimas para o
Tratamento dos Reclusos da ONU33, recomendando a instauração do trabalho na prisão sob a
mesma esteira do regulamento trabalhista fora dela, de modo a possibilitar que o apenado, ao
recuperar sua liberdade, seja capaz de exercer a atividade aprendida. Dessa forma, o trabalho
deverá ser útil e respeitar o apenado, repugnando a exploração da mão-de-obra carcerária.
Nesse sentido, o objetivo buscado pelo instrumento internacional quando institui
essa prerrogativa é a de que o desenvolvimento do trabalho pela população carcerária
torne-se mais um meio não só para promover a educação, mas, sobretudo, para facilitar
a reinserção social ensinando um ofício.
Porém, a possibilidade de contratação da mão-de-obra dos presidiários é encarada de
maneira contraditória entre os empresários: há os que consideram os estereótipos e
preconceitos sociais que circundam os apenados e, por isso, desistem de investir no cárcere; e
os que investem em razão da grande possibilidade lucrativa que pode advir dessa empreitada.
Analisando a primeira perspectiva, observa-se que, de fato, há um medo por parte de
possíveis investidores que consideram o risco de perder o capital a ser aplicado para o
desenvolvimento da atividade empresarial nas prisões. A Revista Época, em reportagem
publicada em janeiro de 200634, revela essa hipótese: “um dos fatores é a desconfiança em
33
Organização das Nações Unidas. Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. 1955. Disponível
em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-Administração-da-Justiça.-Proteçãodos-Prisioneiros-e-Detidos.-Proteção-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-Desaparecimento/regras-minimas-para-otratamento-dos-reclusos.html>. Acesso em: 01 jul. 2015.
34
COTES. Paloma.(2006) “Crime, castigo e trabalho Empregar os presos é uma alternativa inteligente
para combater a criminalidade. Por que, então, essa idéia não prospera no Brasil?” Revista Época. Disponível
em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73008-6009,00CRIME+CASTIGO+E+TRABALHO.html Acesso em 29 mar. 2015.
21
relação às cadeias. A maioria dos empresários não quer nem pensar no assunto.” Ainda sobre
essa matéria midiática, nota-se o depoimento de uma empresária Leda Marques, que se
questiona: “Será que uma rebelião não pode destruir o maquinário que coloquei dentro do
presídio?”35.
A segunda tese revela um dos principais pontos controvertidos em relação ao
trabalho desenvolvido pelo preso. Essa constatação existe porque aos empresários que
decidem investir nos presídios são concedidos inúmeros benefícios, quais sejam: utilizar o
próprio espaço da prisão sem pagar qualquer conta de água ou energia elétrica; a remuneração
do preso é consideravelmente menor, já que em muitos Estados não se submetem ao regime
das leis trabalhistas. Logo, observa-se que o apenado é uma mão de obra barata e de fácil
exploração para que se alcance o objetivo desregrado do lucro a qualquer custo.
Além disso, outra consequência que advém dessa prática capitalista e exploradora é a
prática da concorrência desleal que se instaura no mercado, vez que nem todas as
empresas possuem os mesmos privilégios de barateamento da produção quando
comparada as que possuem atividade em presídios.
Em síntese, é louvável a possibilidade conferida pela lei de garantir aos presos o
acesso ao trabalho, porém, conclui-se que falta justiça e dignidade em sua prática. E, como
afirma Célia Regina Capeleti, em artigo publicado em novembro de 2011 no Site Jus
Navigandi: “Infelizmente, essa realidade é revoltante, nota-se que o apenado não é visto como
um ser humano, não têm seus direitos respeitados e é usado por empresas que não estão
interessadas em sua recuperação, mas simplesmente buscam vantagem econômica.”36
Portanto, devemos perquirir que o interesse voltado à prática de atividades laborais
nos centros de reclusão e detenção volte-se não apenas para o lado econômico, mas passe a
preocupar-se também com a sua função social, reeducadora e ressocializadora.
COTES. Paloma.(2006) “Crime, castigo e trabalho Empregar os presos é uma alternativa inteligente
para combater a criminalidade. Por que, então, essa idéia não prospera no Brasil?” Revista Época. Disponível
em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73008-6009,00CRIME+CASTIGO+E+TRABALHO.html Acesso em 29 mar. 2015.
36
CAPELETI, Celia Regina. Trabalho prisional: da previsão legal à realidade carcerária brasileira
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/20512/trabalho-prisional-da-previsao-legal-a-realidade-carcerariabrasileira. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20512/trabalho-prisional-da-previsao-legal-arealidade-carceraria-brasileira/2>. Acesso em: 02 abr. 2015.
35
22
Fonte37
Fonte38
6.3 A importação de presos entre países é uma prática possível?
Há algum tempo entrou na pauta de discussão internacional a possibilidade de se
importar ou exportar indivíduos condenados a pena de restrição de liberdade, além dos meios
que poderiam concretizar essa hipótese. Isso porque alguns países do continente europeu,
notadamente a Bélgica, a Suíça e a Noruega, passaram a demonstrar interesses em “alugar”
celas dos demais países da comunidade europeia para serem o local onde seus apenados
passariam a cumprir a pena a que foram condenados.
Para compreender melhor o tema, é imperioso ressaltar que nos países anteriormente
citados há um rigoroso cumprimento dos direitos dos apenados, além de prisões com
excelentes qualidades técnicas, fato que garante aos presos dignidade e justiça. Por isso a
preocupação em continuar com a estrutura que garante esse padrão torna o investimento em
37
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-dez-21/projeto-lei-disciplina-trabalho-presos-garantebeneficios>. Acesso em 02 de Abr. de 2015.
38
Disponível em: <http://www.jatv.com.br/visualiza_not.php?id=3175>. Acesso: 02 de Abr. de 2015.
23
novos presídios bastante oneroso, soma-se a isso o fato de sua estrutura carcerária já se
encontrar esgotada de novas vagas, resultando em um deficit de vagas para que novos
condenados tenham lugar adequado para cumprir suas penas.
Essa realidade fática do tratamento coerente no cárcere é comprovada também pelo
Jornal Opera Mundi, em matéria publicada em setembro de 2014:
A Noruega é reconhecida internacionalmente pelo tratamento humanizado que
oferece aos reclusos, com opções de lazer, estímulo ao trabalho, instalações
adequadas com poucos detentos e foco na reabilitação do indivíduo para viver em
liberdade, não em punição. O sistema prisional norueguês consegue recuperar 80%
dos detidos, um dos mais eficientes do mundo 39.
Assim, como solução para esse entrave destaca-se a possibilidade de se importar
os presos, que aguardam por vagas no sistema prisional, para que possa dar início ao
efetivo cumprimento de sua pena.
Passemos a observar o caso que envolve a Noruega, considerando que a sua fila de
espera é de 1.300 (mil e trezentos) indivíduos condenados. Num recente acordo iniciado com
a Holanda, e em conformidade com a mesma matéria do jornal Opera Mundi, se prevê que a
sua escassez de capacidade poderia ser suprida pelo excedente que há na Holanda 40.
Entretanto, a proposta ainda depende de entendimento entre ambos os países, pois “prevê que
os detentos vindos da Noruega sejam vigiados por guardas holandeses, mas o diretor da prisão
onde eles ficariam seria norueguês”41. Além disso, a proposta ainda depende de
esclarecimento de diversos pontos para que seja efetivamente consolidada, cita-se a
problemática da visita familiar e/ou conjugal. Em suma: trata-se de importante diálogo
entre países desenvolvidos, que institui medida alternativa, cujo objetivo é solucionar o
problema das prisões norueguesas as quais manteriam os seus padrões do seu sistema,
enquanto trabalha na renovação e construção de novos presídios.
Passando para uma realidade concreta e que expõe ser sim possível a importação de
presos vale trazer ao debate o caso da Bélgica que “em 2009 alugou 500 vagas na holandesa
Tilburg (prisão) por três anos, no valor de 90 milhões de euros”42.
39
NORUEGA pretende alugar celas na Holanda para enviar presos. 2014. Disponível em:
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/37894/noruega+pretende+alugar+celas+na+holanda+para+env
iar+presos.shtml>. Acesso em: 02 abr. 2014.
40
Ibidem.
41
Ibidem.
42
Ibidem.
24
Para final de análise, até mesmo a Suíça, “com um deficit de 700 vagas no seu
sistema penitenciário”43, estuda “exportar” condenados à pena restritiva de liberdade para
cumprir pena em outros países com capacidade carcerária em excesso, quais sejam França e
Alemanha.
Então, essa prática consolida-se como uma medida alternativa real e possível aos
países que possuem problemas em encontrar vagas em seu sistema prisional para interpor aos
condenados criminalmente o cumprimento de suas penas.
6.4 O método APAC e a terapia cognitivo-comportamental para infratores
Com o intuito de humanizar o sistema prisional e reduzir o percentual de
reincidência, entidades do mundo todo buscam um modelo que permita que a pena cumpra
efetivamente a sua função e que possibilite a reintegração social do apenado.
No Brasil, surgiu a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC.
A APAC é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, com personalidade
jurídica própria44, que busca recuperar e reintegrar socialmente os condenados às penas
privativas de liberdade através de um método humanizado, que oferece condições do
condenado se recuperar e o aproxima da comunidade.
Esse método teve início no ano de 1972, na cidade de São José dos Campos/SP,
liderado pelo advogado e jornalista Dr. Mário Ottoboni, que organizou um grupo de
voluntários cristãos para evangelizar e dar apoio moral aos presos do presídio Humaitá 45.
Nessa época a equipe de voluntários funcionava com o nome de Pastoral Penitenciária, mas
tendo em vista o sucesso na atuação, em 1974 instituíram formalmente a APAC, com o
objetivo de auxiliar o Estado na execução das penas, na recuperação dos presos, no socorro às
vítimas, na proteção da sociedade e, consequentemente, na promoção da justiça.
Nesse sentido, o método próprio da APAC tem atingido a finalidade pedagógica
da pena, atuando46 (i) como órgão auxiliar da justiça na execução da pena; (ii) como
43
SUÍÇA
estuda
'exportar'
presos
para
outros
países.
2015.
Disponível
em:
<http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/01/07/suica-estuda-exportar-presos-para-outrospaises.htm>. Acesso em: 02 abr. 2015.
44
FRANCISCO DA SILVA, Alan Johny. APAC – Associação de Proteção e Assistência ao
Condenado. 2009.
45
Histórico. Disponível em: http://www.fbac.org.br/index.php/institucional/historico. Acesso em 29 de
mar. de 2015.
46
GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos
condenados:. Revista
Jus
Navigandi,
Teresina, ano
10, n.
882, 2 dez. 2005.
Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/7651>. Acesso em: 25 mar. 2015.
25
protetor da sociedade, preparando convenientemente o preso para voltar ao convívio
social; (iii) e ainda como protetor dos condenados, no sentido do respeito aos direitos
humanos e, de assistência nos termos previstos em lei, estendendo-se o trabalho no que
couber, aos familiares.
No sistema brasileiro esse é o único estabelecimento prisional que oferece os três
regimes penais previstos em lei47, sendo eles, o fechado, o semiaberto e o aberto, cada um
deles com instalações próprias e independentes de acordo com as atividades
desenvolvidas em cada nível. A ideia da APAC é que o regime fechado seja o tempo de
recuperação, o semiaberto seja a profissionalização do condenado, e o aberto seja a sua
inserção social48.
Dessa forma, na primeira etapa de desenvolvimento, que consiste no regime fechado,
o condenado participa de práticas sócio-educativas e de escolarização, realizando trabalhos de
laborterapia que favorecem a reconstrução de sua identidade49. Na etapa seguinte, o regime
semiaberto, o condenado recebe capacitação profissional por meio das oficinas,
desenvolvendo trabalhos de carpintaria, por exemplo. Na terceira e última etapa, o regime
aberto, o condenado permanece na APAC somente no período noturno, tendo a oportunidade
de trabalhar ou fazer cursos fora das dependências da instituição, consolidando a sua inserção
social, que é feita com acompanhamento psicossocial em todos os estágios.
Cumpre destacar que esse método é ainda mais revolucionário por não ter a
presença de policiais e agentes penitenciários, de modo que as chaves das dependências do
estabelecimento prisional ficam de posse dos próprios recuperandos50. Além disso, a
participação da comunidade, seja com doações, trabalho voluntário ou oferecimento de vagas
de emprego ou cursos, é de fundamental importância para o sucesso desse método, tendo em
vista que o objetivo maior é que os recuperandos sejam recebidos da melhor forma pela
sociedade após o cumprimento da pena. Esse ponto, inclusive, é um dos fundamentos do
47
FARIA, Ana Paula. APAC: Um Modelo de Humanização do Sistema Penitenciário. In: Âmbito
Jurídico,
Rio
Grande,
XIV,
n.
87,
abr 2011.
Disponível
em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9296>. Acesso em 25 mar. 2015.
48
O trabalho. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/index.php/pt/metodo-apac/trabalho>. Acesso em
24 mar. 2015.
49
VIEGAS ANDRADE, Mônica. TOTINO PEIXOTO, Betânia. Avaliação Econômica de Programas
de Prevenção e Controle da Criminalidade no Brasil. Belo Horizonte: UFRMG/Cedeplar, 2007. Disponível
em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20311.pdf>. Acesso em 26 mar. 2015.
50
FARIA, Ana Paula. APAC: Um Modelo de Humanização do Sistema Penitenciário. In: Âmbito
Jurídico,
Rio
Grande,
XIV,
n.
87,
abr 2011.
Disponível
em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9296>. Acesso em 25 mar. 2015.
26
método da APAC, que enumera 12 elementos fundamentais51: 1) participação da
comunidade (conforme mencionado pelo art. 4º da Lei de Execução Penal brasileira); 2)
o recuperando ajudando o recuperando (através das representações de celas e dos
Conselhos de Sinceridade e Solidariedade – CSS); 3) trabalho; 4) a religião, com
liberdade de culto; 5) assistência jurídica; 6) assistência à saúde; 7) valoração humana;
8) família; 9) o serviço voluntário; 10) Centro de Reintegração Social; 11) Mérito; 12)
Jornada de Libertação com Cristo. Todos esses elementos somados permitem uma
mudança significativa na vida dos condenados do Método APAC, considerando que no
sistema comum 94% dos condenados não alimentam qualquer projeto de vida e 48% nutrem o
desejo de suicídio, enquanto que no Método APAC esses percentuais são reduzidos,
respectivamente, para 3,8% e 0%52.
Além disso, o Método APAC apresenta um custo estatal consideravelmente menor
do que o sistema carcerário comum. Os dados apontam53 que no sistema comum o preço
médio que o governo gasta com um condenado é de R$ 2.000,00 (dois mil reais), enquanto
que na APAC esse valor é reduzido para R$ 800,00 (oitocentos reais). Do mesmo modo, a
criação de uma vaga na APAC custa cerca de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais), enquanto
que no sistema tradicional esse valor varia entre R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais) e
R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
Como se não bastassem os números favoráveis, o Método APAC apresenta, ainda,
um índice extraordinariamente menor de reincidência no sistema prisional. De 1997 até o
ano de 2014 o índice mundial de reincidência ficou em 70%, o índice nacional superou e ficou
nos 80%, enquanto que o índice da APAC foi de 8,14%, no mesmo período54.
51
GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos
condenados:. Revista
Jus
Navigandi,
Teresina, ano
10, n.
882, 2 dez. 2005.
Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/7651>. Acesso em: 25 mar. 2015.
52
GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos
condenados:. Revista
Jus
Navigandi,
Teresina, ano
10, n.
882, 2 dez. 2005.
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53
BANDUK ALVES, Isabela. MIJARES, Julia Marangoni. Associação de Proteção e Assistência ao
Condenado
–
APAC.
In:
FGV
Pesquisa,
ago.
2014.
Disponível
em:
<http://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/relatorio_conexao_local_apac.pdf>. Acesso em 25 mar.
2015. Pág. 13.
54
BANDUK ALVES, Isabela. MIJARES, Julia Marangoni. Associação de Proteção e Assistência ao
Condenado
–
APAC.
In:
FGV
Pesquisa,
ago.
2014.
Disponível
em:
<http://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/relatorio_conexao_local_apac.pdf>. Acesso em 25 mar.
2015. Pág. 18.
27
Devido ao sucesso desse método, atualmente ele é reconhecido pelo Prison
Fellowship International – PFI55, que é um órgão consultivo das Organizações das Nações
Unidas – ONU para assuntos penitenciários, o qual tem como uma das funções tratar da
divulgação e expansão do método APAC nos demais países, contando, atualmente, com 112
países filiados56.
A abrangência do Método APAC no Brasil é de 41 unidades em funcionamento57,
outras 61 unidades nos diferentes estágios de implantação somente no Estado de Minas
Gerais58, e unidades semelhantes espelhadas por vários países, como a unidade de Quito e
Guaiaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa no Peru, Texas, Wiora e
Kansas nos EUA e outra em fase de implantação na África do Sul, Nova Zelândia e Escócia59.
Essa forma de lidar com o criminoso também é estudada como Cognitive Behavioral
Therapy for Offenders60 (Terapia Cognitivo Comportamental para Infratores), por meio da
qual o pesquisador americano Mark Lipsey, da Universidade de Vanderbilt, afirma que
intervenções baseadas em punição e intimidação parecem aumentar a reincidência
criminal, enquanto que as abordagens terapêuticas com base na orientação e
aconselhamento, desenvolvendo habilidades de laborterapia e outros serviços reduziram
substancialmente o comportamento criminal.
O pesquisador concluiu que a intervenção da orientação é ainda mais eficaz quando
acompanhada do método de construção de competências e habilidades, ou seja, práticas que
deixam claro que o recuperando tem condições de contribuir de alguma forma para a
sociedade, mostrando para ele e para a comunidade a sua utilidade.
Nesse ínterim, aponta:
A terapia é mais efetiva na redução de futuros comportamentos criminais quando os
pacientes recebem, simultaneamente, outros suportes, como a supervisão, o
55
Site oficial disponível em: <https://pfi.org/>. Link dos países que fazem parte: <https://pfi.org/whowe-are/>. Acesso em 30 mar. 2015.
56
BRASIL. Estado e Comunidade: O Novo Modelo de Gestão da Execução Penal no Estado do
Paraná.
Governo
do
Estado
do
Paraná.
Curitiba,
2012.
Disponível
em:
<http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/pacto/anexo/APAC.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2015.
57
Mapa das APACs no Brasil. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/index.php/realidadeatual/mapas>. Acesso em 31 mar. 2015.
58
Projeto Novos Rumos. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/portal/acoes-e-programas/novosrumos/apac/>. Acesso em 26 mar. 2015.
59
GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de proteção e assistência aos
condenados:. Revista
Jus
Navigandi,
Teresina, ano
10, n.
882, 2 dez. 2005.
Disponível
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60
CLARK, Patrick. Preventing Future Crime With Cognitive Behavioral Therapy. In:. National
Institute
of
Justice.
Journal
nº
265.
Abril
2010.
Disponível
em:
<http://www.nij.gov/journals/265/pages/therapy.aspx>. Acesso em 25 mar. 2015.
28
emprego, a educação, o treinamento e outros aconselhamentos sobre a saúde
mental61.
Como visto, esses métodos de humanização das prisões apresentam resultados
expressivos. Contudo, isso não implica na substituição completa do modelo convencional
de gestão dos presídios pelo Método APAC62 ou qualquer outro. Isso provocaria um
risco muito grande para a sociedade, com condenados de alta periculosidade integrando
um regime mais brando e diferenciado de cumprimento da pena.
Por outro lado, a filosofia desse método e da terapia cognitivo comportamental
poderia ser aplicada gradativamente nos estabelecimentos penais tradicionais, e num esforço
conjunto com o desenvolvimento de presídios humanizados para as categorias de condenados
que se enquadram nos perfis dos programas de ressocialização, o cenário carcerário mundial
poderia respirar um pouco mais desafogado do que está atualmente. Em 2014, por exemplo,
segundo o censo carcerário do Conselho Nacional de Justiça, a população carcerária
brasileira, incluindo os presos domiciliares, era de 715.592 (setecentos e quinze mil
quinhentos e noventa e dois) presos, enquanto que o número de vagas era de apenas 357.219
(trezentos e cinquenta e sete mil duzentos e dezenove) presos, fato que o classificou na 3º
posição do ranking da população carcerária mundial63.
7 QUESTÕES CONTROVERTIDAS
Após se estudar as principais problemáticas acerca da política penitenciária
internacional e algumas medidas entendidas como possíveis soluções, faz-se de indubitável
importância, agora, se analisar questões controvertidas, como a pena de morte e a própria
redução da maioridade penal.
Trecho original: “The therapy is more effective in reducing further criminal behavior when clients
simultaneously receive other support, such as supervision, employment, education and training, and other
mental health counseling”. Op. Cit.
62
BRASIL. Estado e Comunidade: O Novo Modelo de Gestão da Execução Penal no Estado do
Paraná.
Governo
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Disponível
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63
BANDUK ALVES, Isabela. MIJARES, Julia Marangoni. Associação de Proteção e Assistência ao
Condenado
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APAC.
In:
FGV
Pesquisa,
ago.
2014.
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<http://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/relatorio_conexao_local_apac.pdf>. Acesso em 25 mar.
2015. Pág. 05.
61
29
7.1 Pena de morte
A utilização da pena de morte é, até os dias atuais, uma questão que provoca muitos
debates em todo o globo. A pena capital, como também é conhecida, foi uma das formas de
punição mais utilizadas durante a história da humanidade, posto que, além de intimidar a
sociedade, evitava que o condenado voltasse a cometer crimes64.
Vale salientar que, no panorama atual, ainda há diversos países que adotam a punição
capital. Estudos DE 2013 apontam que 57 países condenaram 1.925 pessoas, sendo 778
executadas em 22 países65, enquanto que em 2014 o número diminuiu para 607. Contudo, até
2013 havia 23 mil pessoas no corredor da morte em todo o mundo666768. Países como Estados
Unidos da América, China, Índia, Afeganistão, Japão, Arábia Saudita, Iraque, Nigéria,
Taiwan e outros estão na lista dos que se utilizam desse método punitivo.
Assim, ao contrário do que muito se pensa, há sim previsão legal em tratados
internacionais de direitos humanos sobre a pena capital. O Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos de 1966, prevê em seu artigo 6º, parágrafo segundo, que:
Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta
apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente
na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as
disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobra a Prevenção e a Punição
do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma
sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.
Então, nesse sentido, os defensores desse método punitivo entendem que a pena de
morte traz como consequência principal a redução da criminalidade, seja pela intimidação do
restante da população, seja por “eliminar” da sociedade aqueles que tenham infringido as leis,
64
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
65
Veja o gráfico: http://static.guim.co.uk/ni/1395910236574/Amnesty_Death_Penalty_2703.pdf.
66
BBC. 13 dados revelam panorama da pena de morte no mundo. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150116_penademorte_ss>. Acesso em 04 de abr. de 2015.
67
HADDOU, Leila. Death penalty statistics 2013: country by country. Disponível em:
<http://www.theguardian.com/world/datablog/2014/mar/27/death-penalty-statistics-2013-by-country>. Acesso
em 04 de abr. de 2015.
68
LEMMER, Yoav. Dados mostram que 607 pessoas foram executadas em 2014. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/dados-mostram-que-607-pessoas-foram-executadas-em-2014>.
Acesso em 04 de abr. de 2015.
30
evitando de uma vez por todas a possibilidade da reincidência delituosa. No entanto, alguns
estudos buscam provar o contrário.
Nos Estados Unidos da América, entre 67 pesquisadores entrevistados, cerca de
88,2% destes concluíram que a execução de detentos não tem qualquer impacto na
redução da criminalidade. Em sentido contrário, alguns economistas afirmam que cada
execução realizada no Estado do Texas preveniu entre 11 e 18 novos homicídios 69.
Por fim, é importante relembrar que há diversos tratados internacionais de direitos
humanos que pregam a abolição da pena de morte, como o Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos70, bem como o Segundo Protocolo Adicional
ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos71. Portanto, é de indubitável
importância que o debate acerca da aplicação ou não da sanção capital seja realizado da
maneira mais clara e aprofundada possível.
7.2 Redução da maioridade penal
A maioridade penal é um ponto que vem sendo discutido há bastante tempo em
cenário mundial, mas que, especialmente no Brasil, ganhou forte destaque nos últimos anos. É
uma medida que vem em concordância com a expansão do Direito Penal e o enrijecimento de
medidas punitivas. Mas será que realmente é a melhor solução encontrada como política
criminal no combate à violência?
Levantamento feito em 54 países pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) mostra que 78% destas nações fixam a maioridade penal em 18 anos ou mais.
Alemanha e Espanha adotam um sistema intermediário entre as sanções impostas a menores
de idade e as prisões para adultos. Nesses dois países, jovens infratores entre 18 e 21 anos
entram no Sistema de Justiça Juvenil, em que há restrição de liberdade, porém em um local
específico para essa faixa etária e onde são aplicadas medidas socioeducativas.
Vale destacar que existem dois principais marcos internacionais sobre os direitos da
criança, a Carta de Pequim (1985) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).
69
BBC. 13 dados revelam panorama da pena de morte no mundo. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150116_penademorte_ss>. Acesso em 04 de abr. de 2015.
70
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2754.htm>. Acesso em 04 de abr. de
2015.
71
Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos. Disponível
em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/pmorte/lex151.htm>. Acesso em 04 de abr. de 2015.
31
Contudo, ambos os documentos da ONU não estabelecem com precisão uma idade mínima
para seu julgamento e punição, deixando aos Estados Nacionais essa definição.
Alguns países se mostram como defensores da redução da maioridade penal sob os
argumentos de que se o jovem tem maturidade para o cometimento de alguma infração
penal, deve responder como adulto e encarar as suas responsabilidades. Além disso,
argumenta-se o fato de que o adolescente em conflito com a lei fica menos inibido ao cometer
algum ato ilegal na seara penal ao saber que não receberá as mesmas penas de um adulto. Em
outras palavras, teria uma sensação de impunidade.
Nos Estados Unidos, na grande maioria dos Estados, o jovem com mais de 12 anos
pode ser submetido à imposição da pena de morte ou de prisão perpétua. Já na Rússia, a partir
dos 14 anos o adolescente pode responder por delitos considerados graves. Contudo, para uma
penalização mais severa em outros tipos de infrações, a maioridade considerada é de 16
anos72.
Já outros países como Uruguai, Peru, Itália, Irlanda e Inglaterra defendem como
principais pontos que a redução de idade não faz com que a violência diminua, que essa
medida só aumentaria a população carcerária, além de existir uma tendência mundial em
manter a maioridade penal em 18 anos.
Sendo assim, qual deve ser o melhor caminho para combater a violência? Seria o
da expansão do Direito Penal, da imposição de medidas mais severas nos jovens? Como
seriam as prisões para os mais jovens? Eles devem ser inseridos exatamente no mesmo
local que os adultos ou devem receber um cuidado especial? Afinal, existem outras
medidas que poderiam ser mais efetivas?
8 CONCLUSÃO
Os Senhores Delegados e Delegadas, após o estudo da presente temática, observaram
a quantidade de questões a serem debatidas na próxima reunião deste Órgão, a ser realizada
em outubro de 2015. Portanto, tendo em mãos as informações necessárias, bem como ideias
para discutir sobre como encontrar as melhores soluções para os problemas elencados, sempre
visando à paz internacional e a concretização e defesa dos direitos dos seres humanos, é de
72
UNICEF. Porque dizer não à redução da idade penal. 2007. Disponível em:
<http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Diversos/estudo_idade_penal_completo.pdf>.
Acesso em: 5 de março 2015.
32
extrema importância que os Senhores e as Senhoras se orientem a partir dos seguintes
questionamentos:
1. Qual a atual condição do sistema carcerário enfrentada pelo país que represento?
Há algum problema/violação de direitos humanos? Quais são as medidas que meu
Estado utiliza para enfrentar/abolir tais problemas/violações?
2. Em meu país predomina o sistema público de penitenciárias, ou se utiliza de
parcerias privadas? Há outro método ainda mais específico?
3. Há penitenciárias destinadas às mulheres com condições especiais que garantam
seus direitos?
4. É prevista na legislação interna de meu país a pena de morte? Com qual frequência
há execuções?
5. Qual a idade mínima para a responsabilização penal? A política de meu Estado
busca, atualmente, diminuí-la, aumentá-la, ou manter da maneira que está?
6. Os cidadãos de meu país sofrem com grandes taxas de criminalidade? Qual a
medida adotada para conter o avanço do crime?
Assim, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODOC), junto aos
demais membros das Organizações das Nações Unidas (ONU), espera que sua delegação
esteja disposta a colaborar e buscar a solução para todos os problemas elencados no
presente relatório. Por fim, acreditamos fielmente no trabalho de todas delegações que se
farão presentes na próxima reunião para que possamos, cada vez mais, efetivar as garantias e
direitos fundamentais de todos homens e mulheres que estejam no cárcere, ou fora dele,
objetivando uma sociedade a igualdade e a paz entre os povos.
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Guia de Estudo UNODC