CRIANÇAS FALANDO SOBRE O PROFESSOR ALFABETIZADOR
Valéria Silva Ferreira -UNIVALI
Andréia Maria Rodrigues de Souza -UNIVALI
Resumo
Na concepção construtivista de aprendizagem o sujeito é entendido como um ser
ativo no processo de aquisição do conhecimento. A partir desta concepção, houve,
por parte de muitos professores, uma generalização simplificada do construtivismo
na ação pedagógica. O papel do professor passou a ser entendido erroneamente,
acreditando-se que sua função deveria ser de apenas um facilitador de atividades.
O professor não deveria interferir diretamente na aprendizagem de seus alunos.
Isto ficou evidente, principalmente nas salas de alfabetização.
Neste estudo pretendemos investigar como a criança percebe a intervenção do
seu professor. Ele ajuda? Quando?Como? Como gostaria que fosse? Qual é o
papel do professor na opinião dela? Para isto realizamos entrevistas com crianças
de 1.º série de escolas municipais de Itajaí e suas respectivas professoras as
quais classificaram seus alunos em “fracos” e “bons”. Verificamos que as crianças
desses dois grupos consideraram que estão indo bem na aprendizagem da escrita
e que é difícil realizar as atividades relacionadas com a matemática, necessitando
de mais ajuda. Atividades de escrita também são consideradas, pelos dois grupos,
como atividades que necessitam de ajuda. Durante as entrevistas foi possível
perceber que as crianças consideradas “alunos bons” expressaram-se melhor
durante a entrevista, enquanto os considerados “alunos fracos” tem mais
dificuldades de expressarem suas necessidades, isto pode indicar que a diferença
entre as crianças parece ser a nível de linguagem oral, o que prejudicaria a
interação no que se refere a compreensão entre crianças e a professora.A
professora identifica uma diferença entre a aprendizagem de seus alunos, mas
não conseguem identificá-las, demonstrando uma lacuna na forma de avaliar.
Conclui-se que seria interessante discutir sobre os critérios de avaliação no
processo alfabetização, já que as intervenções verificadas ainda não se
caracterizam uma mediação. Acreditamos que o objeto deste estudo seja
relevante para reflexões das possíveis transformações das práticas pedagógicas
de alfabetização, principalmente nos cursos de formação inicial e continuada. As
questões propostas aqui poderão dar início as propostas pedagógicas mais
relevantes para aquele que se alfabetiza e a transformação de alguns mitos
pedagógicos os quais iremos nos deter no decorrer da pesquisa.
Palavras-chave: Intervenção, mediação, alfabetização
Na concepção construtivista de aprendizagem o sujeito é entendido como
um ser ativo no processo de aquisição do conhecimento. Esta aquisição não é
apenas um repasse, nem um meio de acúmulo de conhecimentos convencionados
culturalmente. Esta aquisição deve ser entendida como uma construção dos
processos psicológicos envolvidos na aprendizagem.
A partir desta concepção, houve, por parte de muitos professores, uma
generalização simplificada do construtivismo na ação pedagógica. Muitas vezes o
papel do professor passou a ser entendido erroneamente, acreditando-se que sua
função deveria ser de apenas de um facilitador, não sendo aconselhável interferir
diretamente na aprendizagem de seus alunos. Isto ficou evidente, principalmente
nas salas de alfabetização. O resultado desta compreensão levou a não
concretização da aprendizagem da língua escrita.
Ferreiro (2001) afirma que algumas propriedades dos objetos simbólicos,
como no caso da língua escrita, podem ser exploradas pelas crianças sem maior
ajuda externa, porém adverte que para que elas saibam qual o seu valor é
necessário à mediação de um intérprete, ou seja, alguém que saiba ler, “o
intérprete informa à criança, ao efetuar esse ato aparentemente banal que
chamamos de” um ato de leitura “, que essas marcas têm poderes especiais:
apenas olhando –as produz-se linguagem” (FERREIRO, 2001, p.54).
Na escola o professor deveria ser mais que um intérprete, em
determinados momentos da aquisição da escrita alfabética é necessária
intervenções mais eficientes para que a criança compreenda o princípio alfabético
da escrita. Sobre isto Ferreira (2002) destaca que a partir do momento que a
criança começa a entender que a escrita possui um código convencional que
permite a comunicação de idéias, a escrita deixa de ser uma construção apenas
conceitual, para superação, sobretudo, da hipótese silábica, envolve também
entender e conhecer como se escreve e quais letras usar. Para isto é necessário
que o professor submeta às crianças a atividades freqüentes que, provoquem a
reflexão sobre a composição gráfica e sonora da palavra escrita. Isto requer um
planejamento mais consciente (FERREIRA,2002).
A intervenção pedagógica do professor no desenvolvimento da criança é
de suma importância e deve ser valorizado. Em relação à aprendizagem do
princípio alfabético há necessidade de pistas e orientações explícitas do professor
de como se utiliza este princípio em um sistema. O professor deveria fazer a
diferença na aprendizagem da língua escrita. Para Vygotsky (1991) a escola tem
um papel essencial na construção do ser psicológico dos indivíduos que vivem em
sociedade escolarizadas. Pode se dizer então que o aprendizado escolar é um
elemento central no desenvolvimento humano ou pelo menos deveria ser.
Em pesquisas anteriores, (FERREIRA e OLIVEIRA, 1988); (FERREIRA e
OLIVEIRA, 1999), investigamos o conceito de intervenção pedagógica, e
verificamos que este conceito é ainda muito questionável, do ponto de vista das
professoras alfabetizadoras. Os resultados destas pesquisas indicaram que as
professoras que possuem mais segurança a cerca deste conceito, foram às
mesmas que apresentaram alunos com desempenho melhores em leitura e
escrita.
Destacamos aqui, outro aspecto importante em relação ao papel do
professor, relacionado à imagem que ele tem de seus alunos. Estas idéias são
construídas a partir de suas vivências, de sua história e de suas relações sociais,
incluindo a formação recebida e a própria experiência concreta do trabalho. Na
relação escolar cotidiana o professor vai expressando a imagem que tem de cada
aluno, de diversas formas, fazendo- nos acreditar que as concepções das crianças
sobre suas competências, podem ter, relações diretas na aprendizagem.
Segundo Correa e Mac Lean (1999) a capacidade de se ter consciência de quem
somos é construída no contexto das relações interpessoais. Entre as idéias que
circulam na escola destaca-se a representação do aluno ideal, concretizado na
denominação de “aluno bom”. Com esta idéia de aluno ideal também encontramos
o contrário disto: o “aluno fraco”. O conceito de aluno ideal que o professor
constrói ao longo de seu percurso docente é parâmetro para sua prática social,
sua forma de avaliar e interagir com seus alunos (Gama e Jesus, 1999).
A concepção que o professor tem de seu próprio papel , segundo
Segundo Coll, Palácios e Marchesi (1996), também não é independente da
concepção que tem de seus alunos, sendo assim, os seus comportamentos e
suas características pedagógicas serão selecionadas e categorizadas conforme as
expectativas que ambas as concepções geram.
Mas qual os efeitos da expectativa docente no desempenho do aluno? Como as
inferências do professor podem ou não influenciar a disposição do aluno para
aprendizagem?
Segundo Gama e Jesus (1994) as principais revisões nesse assunto
indicam que:
a) as expectativas nem sempre têm efeitos de uma profecia auto realizadora, mas
podem ter tais efeitos, pois aumentam a probabilidade do desempenho do aluno
atender a tais expectativas;
b) os efeitos de maior impacto é quando as expectativas são rigidamente mantidas
através de estereótipos;
c) tantos as expectativas quanto às atribuições docentes tomam por base
informações sobre o desempenho anterior;
d) expectativas direcionam a qualidade do comportamento instrucional e da
afetividade do professor em relação ao aluno.
A representação que o professor possui dos seus alunos leva-o interpretar
o comportamento deles. A valorização das aprendizagens que realizam seus
alunos e dependendo das avaliações, poderá modificar o comportamento desses
alunos de acordo com suas expectativas. Do mesmo modo que o aluno também
cria representações à cerca do professor e sobre si mesmo. “Ao estabelecer
contato com o novo aluno, o professor selecionaria aquelas características que
apresentam maior peso em sua imagem do aluno ideal, categorizando em
conseqüência e interpretando sua conduta de acordo com esses parâmetros” (Coll
e Miras, 1996 p.266). Neste sentido as formas de intervenção que o professor
estabelece com seus alunos esta carregada destas representações, podendo até
delinear formas diferentes de interagir com eles.
Ferreira e Oliveira (1999) realizaram um estudo com o objetivo de verificar
e analisar a compreensão das professoras sobre o qual o papel da intervenção
pedagógica na alfabetização e verificar como realizavam esta intervenção. Os
dados deste estudo foram coletados por meio de entrevistas com professoras
alfabetizadoras, observações em sala de aula e de verificação do nível de escrita
dos alunos destas professoras. Foram identificados três tipos de intervenção e de
discurso:
Intervenção do tipo espontaneísta, ou seja, a professora atende a criança
quando ela percebe que esta precisa ajuda;
Intervenção tradicional como auxílio, isto é, quando a criança solicita
ajuda ou para aqueles que estão “fraquinhos”.
Intervenção corretiva, como auxílio somente para as crianças atrasadas e
para aqueles que erram muito.
Este trabalho verificou que as professoras que tinham alunos que mais
avançaram de nível de escrita, durante a realização deste trabalho, foi aquela que
embora não tivesse uma sala e materiais estimulantes para escrita e leitura, ficava
mais próxima das crianças e as auxiliavam durante a realização das atividades.
Portanto, pode-se pensar que sendo a escrita um sistema de códigos produzidos
socialmente de forma arbitrária necessita de alguém próximo nesta compreensão,
e muita vezes as crianças não recebem a atenção necessária para isto.
Na literatura verifica-se um esforço para investigar as representações
sociais dos professores sobre o desempenho de seus alunos (Proctor ,1984,
Peterson e Barger ,1985, Jussim, 1989, Gama et al.1991, Gama e Meyrelles,1994)
na tentativa de se discutir o problema dos estereótipos influenciando no
desempenho escolar das crianças. Vários destes estudos apontam que as crenças
e as expectativas dos professores motivam e até controlam o comportamento do
professor , especialmente a natureza das interações. Portanto essas expectativas
podem influenciar tanto o desempenho do aluno como o tipo de interação
professor/aluno.
Em relação à aquisição da linguagem escrita muito já foi investigado
sobre as questões acerca da alfabetização, mas pouco se tem considerado o
ponto de vista daquele que aprende. Portanto, é pertinente, em nossa opinião,
saber como professor alfabetizador faz a intervenção pedagógica na aquisição da
língua escrita do ponto de vista do alfabetizando. A criança em nível de
alfabetização esta satisfeita? Quais são as suas necessidades? Qual a opinião
daqueles que estão com mais dificuldades? São questões praticamente ainda não
abordadas do ponto de vista daquele que aprende.
Para realização deste estudo definimos uma amostra que foi
composta por 5 professoras e 72 crianças de 5 escolas da rede municipal de Itajaí
–SC. Sendo que 39 crianças foram classificadas pelas professoras como fracas
na aprendizagem da linguagem escrita e 33 como boas. As crianças na fase de
coleta tinham idade entre 6 e 8 anos, freqüentam a primeira fase do primeiro ciclo,
vindas de famílias de baixa renda (conforme levantamento efetuado junto à
secretaria das escolas pesquisadas).
O processo de escolha das crianças aconteceu da seguinte forma: O
grupo de crianças classificadas como “alunos fracos” foi indicado por cada
professora e as demais crianças, ou seja, as classificadas como “bons alunos”,
foram sorteadas para que, ambos os grupos tivessem o mesmo número de
crianças entrevistadas. Somente em uma das escolas não foi possível haver
sorteio, pois o número de crianças classificadas como “bons alunos” foi inferior as
classificadas como “alunos fracos”.
As professoras foram convidadas a definir o que seria “bom aluno” e
“aluno fraco” as definições foram áudio-gravadas e transcritas na integra. As
crianças dos dois grupos também foram entrevistas individualmente. As perguntas
foram às mesmas para toda as criança. Quando uma criança demonstrava não
compreender a questão, a entrevistadora interrompia e explicava novamente. As
questões condutoras da entrevista foram: Como você está “indo na” aprendizagem
da escrita? O que é mais difícil? Você pede ajuda ? Para quem? Em quais
atividades? A sua professora lhe ajuda? Em quais atividades? Como você gostaria
que ela lhe ajudasse? O que você acha da sua professora?
No que se refere à fala das professoras encontramos uma discrepância
entre a classificação da professora B, a qual classificou 59% de sua turma como
“alunos fracos” e seu discurso ao afirmar que, em sua opinião, não existe “alunos
fracos”. Outra questão interessante foi que na opinião de algumas professoras a
ajuda dos pais faz a diferença na
representação que elas têm de “ alunos bons” ou “alunos fracos”, isto é, quando
questionadas sobre a definição de “aluno bom” de alguma forma relacionaram
este conceito à criança que recebe ajuda dos pais e as “fracas” as que não
recebem ajuda de seus pais, transferindo de alguma forma a responsabilidade de
aprendizagem para a família.
As crianças dos dois grupos consideram-se estar “indo” bem na
aprendizagem da escrita, ou seja, a classificação das professoras em “alunos
bons” e “alunos fracos” não correspondeu à auto-imagem de seus alunos. Isto
indica que parece haver um esforço por parte das professoras em não
demonstrarem suas representações para seus alunos e confirmando a idéia dos
estudos que indicam que as expectativas nem sempre têm efeitos de uma profecia
auto-realizadora. Porém, as crianças do grupo considerado como “aluno fraco”
13% disseram não achar nada difícil, 21% declaram que é difícil ler, 8% indicaram
a atividades de “escrever” e 3% só responderam que o “Português” é difícil, 3%
apontaram que é difícil escrever os números, 5% mencionaram as tarefas de
casa. Outras crianças (39%), apontaram como difícil às atividades relacionadas à
matemática, mencionaram “continhas” e 8 % não souberam responder. Neste
grupo podemos perceber que 40% das crianças identificaram as tarefas de leitura
e escrita como mais difíceis.
Das crianças consideradas “bons alunos”, 43% declaram não achar nada
difícil e 27% disseram que acham difíceis as atividades relacionadas com leitura e
escrita (circular palavras, escrever o nome dos numerais, ler, ditado, escrever). Os
outros 30% consideraram difícil as atividades de matemática, tais como:
decompor, continhas (operações diversas) e numerais.
Considerando os número total das crianças 68% declararam achar difíceis
as atividades de matemática, o que nos faz pensar que o “mito” da matemática
como disciplina difícil é construído desde do período de alfabetização.
Foi verificado que é nas atividades de matemática (continhas), que segundo
as crianças do grupo “alunos bons” (46%), elas recebem a maior ajuda da
professora, seguindo das atividades de formar frases e escrever (33%) e esta
ajuda se concretiza na forma de dizer as letras, palavras ou o que precisa
escrever na frase e dizendo o que está errado e o que preciso ser feito. Ao que
parece a intervenção das professoras seguem, segundo Ferreira e Oliveira (1999),
ao estilo corretivo.
As crianças consideradas “alunos fracos” na maioria das respostas,
também indicaram que recebem mais ajuda nas atividades de matemática
(continhas) seguindo das atividades de formar frases (20%). O restante das
respostas ficaram de certa maneira vagas: a professora ajuda em todas as
atividades, ler, deveres, nas que eu não sei circular letras e ainda apareceram
poucas crianças que responderam: escrever o nome do desenho, separar as
sílabas, texto. Estas crianças segundo Ferreira e Oliveira (1999), ao estilo
corretivo também responderam que suas professoras ajudam dizendo as letras,
palavras ou o que precisa escrever na frase e dizendo o que está errado e o que
preciso ser feito. Ainda encontramos respostas como: pegando na minha mão
(10%), vem na minha carteira (10%) e passa no quadro e escreve o que é para
fazer (15%). Aqui também encontramos o estilo de intervenção, segundo Ferreira
e Oliveira (1999), corretivo e espontaneísta.
Outro resultado interessante é que quando as crianças foram questionadas
a respeito de quem elas normalmente pedem ajuda a maioria das crianças, dos
dois grupos, disseram que de ninguém e, uma grande parte dos “alunos fracos”
referiu-se a seus colegas, já os “alunos fortes” mencionaram que preferem a ajuda
da professora.
Durante as entrevistas com as crianças foi possível perceber que, as
crianças consideradas “bons alunos”, expressaram-se melhor suas idéias,
enquanto os alunos “fracos” apresentaram mais dificuldades de expressarem suas
necessidades, isto pode indicar que, a possível diferença entre as crianças dos
dois grupos, parece ser em nível de linguagem oral. Isto nos faz pensar que a
dificuldade de expressão oral, prejudicaria, a interação professor/aluno, no que se
refere à comunicação das suas necessidades, por parte das crianças, às suas
professoras e isto explicaria de uma certa forma a preferência desse grupo pela
ajuda dos colegas.
Verificamos que as professoras pesquisadas observam uma determinada
diferença em relação à aprendizagem de seus alunos, porém, não conseguem
identificá-las, demonstrando uma lacuna na forma e tipo de avaliação.
Acreditamos que a avaliação como processo é importante para realização de uma
interação mais ativa e eficaz. É necessário que mais estudos, relativos a critérios
de avaliação, no processo de alfabetização, sejam realizados para que sejam
planejadas intervenções mais efetivas e para tanto é necessário o planejamento
de atividades mais criativas.
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