A gente não quer só moradia Olívia Ferraz, 1ºC Desde 2005 a ocupação Quilombo das Guerreiras abriga lutadores. Pessoas que compreendem que estão sendo oprimidas pelo sistema, independentemente de sua classe ou gênero. Cito Paulo Freire quando diz: “Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade de libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela.” Subindo as escadas, é preciso prestar atenção em cada degrau, o chão não parece ser novo, a parede não parece ser nova, e o único fator que faz perceber que ali mora alguém são as roupas penduradas no meio de uma sala vazia. É assim que todos que moram ali se sentem todos os dias. Habitam um lugar que cada vez menos se parece com uma moradia. O que torna o clima mais caseiro são as pinturas na parede que caracterizam o local com a própria identidade dos guerreiros. O prédio se assemelha a um escritório abandonado, localizado em uma região portuária, o local está entupido de caminhões e tratores que mudam cada vez mais as estruturas do lugar. Assim acordam com os barulhos, e ao olhar pela janela, percebem que ela não só está quebrada, mas a sua vista por trás não traz comodidade. O lugar carrega as características de vida cotidiana que está escondida em pequenos detalhes, nas mais simples pinturas nas paredes ou nas portas sem maçanetas que têm como estampa o nome dos moradores. Aquela cena de prédio abandonado sem vida se perde diante das palavras dos guerreiros, que contam a própria história de ocupação com muita singeleza e orgulho, e acreditam fortemente que esse sentimento de resistência, construído em um local com um caráter de luta, não será arrancado deles, que continuam dia após dia crendo em sua própria política e resistência perante as contradições presentes em nossa sociedade. Luisa e Bruno, universitários de classe média que entendem a necessidade de lutar, lutar por uma sociedade menos opressora e que garanta mais oportunidades, que garanta o direito de cidadania e o direito a sua cidade, assim como Dandara e Nenê, que também pertencem à classe média. Esse é o perfil de muito dos moradores do Quilombo das Guerreiras. A ocupação, como diz Ângela, não é uma fuga, e sim um espaço de construção de identidade. A ocupação recebe o nome de Quilombo das Guerreiras por agregar dois aspectos de lutas muito marcantes, a luta dos negros e a luta das mulheres, pela igualdade social de gêneros, assim conta Ângela, que é anarquista e apartidária. A sua justificativa para se apoiar no modelo anarquista é respondida com simplicidade: nenhum partido político ou representante da democracia representativa ocupou o local com a gente. A construção precária do local realça ainda mais o espírito de resistência dos guerreiros. É forte a maneira com que elas se denominam, porque aqui no Brasil, quem é guerreira, é praieira, está solteira e não sabe mais o que quer. Mas no quilombo, eles sabem o que querem, e isso não os impossibilita de ser brasileiros, mas sim realça a própria realidade que, na maioria das vezes é o inverso da versão estereotipada que os gringos têm do país tropical. O nome guerreiro é derivado de guerra. Guerra não só por uma moradia decente. Essa guerra pacífica continua ano após ano, noite após noite com o medo de ser expulso de um dia para o outro. Sabem pelo que lutam, e as armaduras não se restringem a informações vagas assistidas em noticiários, Ângela sabe como a cidade funciona, como nosso sistema funciona, e todos sabem bem que cada vez mais a opressão se tornou um combustível para a remoção de moradias. Sendo assim, se reconhecem como oprimidos, fortificando ainda mais a própria luta. Acordando sob um teto, o qual não pode chamar de “seu”, luta-­‐se a cada dia para não só poder adquirir esse direito, mas conseguir viver uma vida própria e íntegra. Cada vez mais as classes menos abastadas são afastadas de sua área de trabalho, o que vem acontecendo muito no Rio de Janeiro devido à ideologia dos megaeventos, sendo assim, afastadas de uma vivência e de sua própria cultura. As favelas são chamadas de comunidades, e quando se apartam as moradias, não se apartam apenas ‘moradores’, mas sim famílias que ali moravam perto uma das outras. Consequentemente se cria uma falta de centralidades e a cidade passa a ser voltada para o capital, não para as pessoas que ali moram, tirando então o verdadeiro significado de ‘comunidades’. A lógica de venda de terras impossibilita a moradia de pessoas que não obtêm a quantia necessária para se pagar ou alugar uma residência, e cada vez mais o número de pessoas que não possuem essa possibilidade e e não pertencem a essa realidade aumenta, materializando então o discurso de Ângela, que afirma e reafirma a força coletiva, dizendo que a cidade não vai mudar se não houver o uso coletivo dessa força. Assim, remato citando uma frase de Roberto, um dos moradores do quilombo: “na ditadura do capital, quem morre é o trabalhador”. 
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