IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e X Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental 2010: O amor e seus transtornos Universidade Federal do Paraná – Curitiba, Paraná, Brasil 4 a 7 de setembro de 2010 Versão completa de trabalho para mesa-redonda (tema livre): Trauma e ato na perversão: um estudo psicanalítico Autoras: PRISCILA FROTA Psicóloga residente do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ, ex-estagiária e ex-bolsista da equipe de clínica e pesquisa da Profª Drª Marta Rezende Cardoso na Divisão de Psicologia Aplicada do curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] CAROLINA CIBELLA Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq e estagiária da equipe de clínica e pesquisa da Profª Drª Marta Rezende Cardoso na Divisão de Psicologia Aplicada do curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] Este trabalho, de caráter introdutório, pretende explorar o quadro clínico da perversão, dando ênfase especial à questão do trauma. Será a perversão um destino possível do traumático? Tratar-se-ia, neste caso, de uma passagem ao ato que visa, dentre outros aspectos, reverter drasticamente, via desafio, uma situação de radical passividade diante do outro? Para dar início à elaboração destas questões, serão analisadas, além de alguns importantes elementos da obra freudiana, as contribuições de alguns autores que se dedicaram ao estudo dessa patologia com o objetivo de elaborar a ideia básica segundo a qual a neurose seria o negativo da perversão. Esta problemática será estudada levando-se em conta, de maneira articulada, os registros das relações primárias e edipianas. Busca-se, assim, ultrapassar uma visão exclusivamente centrada na questão da recusa da Lei, com a perspectiva de também investigar o papel da alteridade na perversão. Janine Chasseguet-Smirgel (1984) propõe uma divisão em três momentos de alguns textos de Freud para pensar a perversão. Um primeiro momento, segundo a autora, teria início nos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), em que Freud afirma que, na perversão, as correntes libidinais da sexualidade estão organizadas em torno de uma corrente que não a genital; contudo, não podemos falar que a perversão seria um retorno ao auto1 erotismo, uma vez que as correntes da sexualidade não se organizam de forma anárquica, mas sim sob o primado de uma delas. A perversão só será encarada como da ordem do patológico quando se caracterizar por exclusividade ou fixação em alguma das correntes infantis da sexualidade, que estão potencialmente presentes em todo ser humano. Chasseguet-Smirgel (1984) considera o segundo momento em que Freud trata da temática da perversão aquele em que teoriza sobre o Complexo de Édipo como o núcleo das perversões. Freud se vale do conceito de recusa, quando, no complexo de Édipo, fala sobre o processo pelo qual a criança passa de recusa da castração, ou seja, do limite. Inicialmente, essa recusa tem um papel estruturante, pois permite a idealização do objeto pelo sujeito, tão necessária nos processos de identificação. No entanto, se a recusa se cristaliza, gera uma dimensão patológica, dificultando o trabalho do recalque e dos investimentos incestuosos em última instância. O terceiro momento da perversão na obra de Freud, segundo Chasseguet-Smirgel (1984), começa com o artigo “Fetichismo” (1927), no qual ele afirma que o fetiche funciona como um substituto do pênis da mãe, ou seja, funciona como um mecanismo de recusa da castração, que ameaçaria a onipotência do sujeito. A perpetuação da recusa no adulto aponta, segundo Laplanche e Pontalis (2001), para uma perpetuação da atitude infantil em que duas posições inconciliáveis coexistem – a recusa e o reconhecimento da castração feminina. Essa coexistência indica a clivagem. Assim, duas atitudes distintas e contraditórias são mantidas: uma que leva em conta a realidade e outra que, sob a influência das pulsões, se desliga da realidade, de modo que essas duas atitudes não se influenciam mutuamente. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), a clivagem do ego não se caracteriza por um processo de cisão entre instâncias, como é o caso do recalque, mas de um processo intra-sistêmico, o que nos leva a pensar em um mecanismo de defesa mais arcaico, remetendo a uma base traumática na perversão. O predomínio da recusa faz desaparecer limites e diferenças, assim como dificulta a delimitação dos impulsos incestuosos envolvidos na trama edípica (FERRAZ, 2000, p. 32). Isso nos faz pensar, de acordo com Myriam Uchitel no livro Neurose traumática (2001), que, no caso da perversão, a castração não é simbolizada, uma vez que, para tanto, seria preciso reconhecer a falta que advém da castração. Desse modo, os sintomas expressos nessa patologia não são produtos de uma operação simbólica, o que nos leva a pensar que o que está em jogo nesse sintoma é a expressão de um traumático, de um excesso que impede a simbolização (UCHITEL, 2001). 2 O trauma, entendido como esse excesso pulsional que ultrapassa as possibilidades de defesa do sujeito, configura-se, portanto, como uma ameaça à sua integridade narcísica. O que ocorre na perversão é que, frente à ameaça do trauma, o sujeito só consegue lançar mão de defesas mais radicais, visto que o ego não possui recursos simbólicos, seja porque falharam com o impacto do trauma, seja porque são inexistentes. O excesso energético que se produz só encontra uma via de escoamento: o ato. A passagem ao ato na perversão seria, então, uma tentativa de reverter a posição de passividade frente ao trauma – o sujeito perverso passa a ativo, numa tentativa de reintegração narcísica, em que o atuar suplanta o pensar. Esse caráter impulsivo decorre do excesso pulsional a ser descarregado, excesso esse que acreditamos ser fruto de uma articulação do caráter traumático presente nos registros primário e edípico. Para melhor elaborar esta posição, recorremos a Roger Dorey, que propôs que a perversão estaria relacionada com uma modalidade de relação primária de caráter traumático. Para Dorey (2003), a relação do perverso com o outro é sedutora e esse se coloca na posição de detenção do saber quanto ao desejo do outro. A relação de dominação se dá essencialmente no registro erótico, sendo sua arma a sedução. Dorey (2003) aponta que o perverso reproduz, mas invertendo, nessa relação de dominação, o tipo de relação infantil mais precoce que estabeleceu com a mãe. Na perversão, a sedução exercida pela mãe é efetiva, geralmente precoce e polimorfa, o que gera um laço de cumplicidade entre mãe e filho, que se dá também com outra faceta, que seria a fragilidade e a angústia sofridas pela criança. A mãe do perverso é ambivalente, pois o amor captador é acompanhado de grande hostilidade. A passividade do filho se dá diante do desejo da mãe, que lhe é imposto quando esse não tem defesa, impossibilitando-o de fazer valer seu próprio desejo. Robert Stoller (1975) enfatiza o estatuto que o objeto assume para o sujeito perverso, dizendo que o objeto não é encarado pelo perverso como uma alteridade, mas como algo a ser usado e descartado em seguida, uma vez que o prazer sexual se consuma na fantasia. Para esse autor, a hostilidade é fator central no ato perverso, assumindo a forma de fantasia de vingança, ou seja, transformando o trauma sexual infantil vivido de forma passiva em um triunfo adulto. Esse triunfo é alcançado pela dimensão de risco da montagem perversa, que incrementa a excitação e garante a gratificação sexual. Mais do que uma recusa da realidade da castração, Stoller (1975) defende que a montagem perversa garante a manutenção da identidade sexual ameaçada, o que nos remete a uma ameaça da dimensão narcísica do sujeito, uma vez que a identidade sexual diz respeito a uma identidade de si. 3 Por outro lado, Joyce McDougall (1978 apud Ferraz, 2000) explora a perversão através da montagem ritualística do perverso, que funcionaria como um teatro no qual o sujeito prova seu triunfo sobre a castração. A castração é, então, desafiada, não sendo encarada pelo sujeito como perigosa ou mutilante, mas como condição mesma do gozo, como prazerosa. Frente à evidência da castração, que está sempre presente, só resta ao perverso negá-la compulsivamente, na tentativa de se proteger contra a angústia – o ego fica, então, escravizado na atuação dessas fantasias. A onipotência do perverso, segundo McDougall, se expressa tanto na crença de deter o saber sobre o desejo do outro, quanto na manipulação que o perverso faz do prazer sexual do outro. Essa manipulação, de acordo com a autora, seria uma tentativa de inverter a posição passiva de espectador impotente, na qual ele foi colocado na situação infantil. Assim, pode-se perceber que a autora não atribui a causa da perversão a um trauma factual, mas à modalidade da relação primária estabelecida. Diante dessas muitas dimensões das relações do perverso com o outro – da desqualificação do outro, da hostilidade, da montagem da cena sexual perversa e de uma relação primária possivelmente traumática com a mãe, com incidência também significativa no plano edípico –, pensamos que a perversão possa ser um destino possível do traumático, como numa tentativa de reverter a radical situação de passividade frente ao outro. Referências bibliográficas CHASSEGUET-SMIRGEL (1984) apud FERRAZ, F.C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 23. DOREY, R. “Problemática obsessiva e problemática perversa: parentesco e divergências”. In Brusset, B.; Couvreur, C. (orgs.). A neurose obsessiva. São Paulo: Escuta, 2003. FERRAZ, F.C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. FREUD, S. Fetichismo (1927). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Volume XXI. Rio de Janeiro: Imago, 2006. ________. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Volume VII. Rio de Janeiro: Imago, 2006. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de Psicanálise. Trad. de Pedro Tamen. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. STOLLER (1975) apud FERRAZ, F.C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. pp. 52-65. UCHITEL, M. Neurose traumática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. 4