Da cura possível das perversões. Jorge SESARINO Freud a partir dos textos: “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” e “Uma criança é espancada: Uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais”, tomou a perversão, tida como anomalia sexual, desfaçatez e doença pela psiquiatria da época, como sendo o paradigma para caracterizar a sexualidade infantil, situando-a assim no âmbito da normalidade. A psicanálise ensina que não há estrutura pura. Deparamo-nos, na clínica, com episódios perversos na neurose e na psicose. Sabemos que não há mudança de estrutura. Então, o que pode a psicanálise diante da perversão? Definimos as neuroses pelo modo de sustentar o desejo: impossível na obsessão, insatisfeito na histeria e prevenido na fobia. Definimos as psicoses pela alienação ao desejo do Outro, e as perversões, por uma defesa contra o desejo, pela renegação ou desmentido da castração. Enquanto na neurose o desejo aparece recalcado, retornando do simbólico, na perversão aparece no fantasma e se impõe em ato. O perverso age para encenar o desejo entendido como vontade de gozo. A direção da cura deve levar em conta essa especificidade de cada estrutura: assim, na neurose, o recalque; na psicose, a foraclusão e na perversão, a renegação da castração. Mas cabe ao analista oferecer uma análise e ser o seu agente a quem quer que a demande, independentemente da estrutura psíquica. Para Freud a neurose é o negativo perversão, onde a pulsão parcial dominante se exterioriza livremente. Na neurose, ela fica recalcada e retorna no sintoma. Isso é o simbólico. Na perversão é desmentida, imaginarizada e traduzida de desejo para vontade de gozo em ato. A verleugnung é uma operação no real com retorno no imaginário. Que saibamos, desde o início do tratamento, qual é a estrutura daquele que nos procura, é de fundamental importância para a direção de cura, mas basta que o sujeito se comprometa com a sua cura para que o aceitemos em análise. Importa saber o que levar em conta em cada estrutura, e na perversão é preciso levar em conta que o sujeito está identificado como sendo o a do Outro. O perverso busca provocar a angústia, disso devemos estar prevenidos, senão, a transferência não é possível e consequentemente a análise. Lacan nos diz em Hamlet que a perversão é tão articulável, interpretável e analisável quanto a neurose. Na perversão, a direção da cura não deve ser pensada a partir do recalque, como na neurose, mas sim a partir da renegação. No lugar onde o fetichista desmente o real restitui o objeto a ao Outro e se preserva assim do desejo do Outro. É o “Sei, mas mesmo assim…”. O perverso vive na crença de que o Outro não é castrado, isto é, de que não falta nada no Outro e se falta algo, há que se encontra-lo. O perverso coloca-se como objeto a serviço do gozo do Outro, fazendo-se instrumento do gozo do Outro. Mas ele também tem acesso ao simbólico e também padece de sintomas. O perverso chega ao consultório contrariado e sob ameaça, obrigado pelo cônjuge, juiz, advogado, medico, pais, para obter algum ganho transgressivo as custas do analista. Mas também por haver sofrido alguma perda importante, depressão, luto, etc.. Não é comum que se angustie, mas isso acontece sempre que se depara com o aparecimento no real da falta, quando encontra dificuldade para por seu fantasma em prática, quando não consegue obturar a falta no Outro. Então vem ao consultório e a partir daí tenta tirar proveito da situação, transforma-la ao seu gosto. Procura manipular, dominar, influenciar, impressionar, convencer, gozar disso. As entrevistas inicias são fundamentais para o estabelecimento de uma transferência que possibilite algum trabalho de cura. Mas não se deve acreditar nos relatos e confissões, nem confiar na associação livre e atenção flutuante. A renegação interfere fazendo com que omita partes importantes a ser consideradas. É preciso, portanto, questionar mais, atentar para os detalhes e perguntar pelo que está sendo omitido no relato. “Porque não dizer mais um tanto?”. “eu sabia que não deveria fazer aquilo, mas eu quis fazer e fiz”…..é preciso perguntar ainda: “mas se sabia, porque fez?... e assim mostrar sua divisão… ”. Para orientar a prática, é preciso que, em cada caso, se busque o componente estrutural: a que objeto a, e em que posição o sujeito aparece identificado para tapar o buraco aberto pela castração. Se amar é dar o que não se tem, portanto a falta, o perverso não pode amar. Não é um sujeito desejante que se deslumbra com um objeto que faz semblante de a. É objeto de gozo do Outro. Não há amor, há vontade de gozo. Como instalar o amor de transferência? Há que se ter uma estratégia. O fantasma perverso é uma resposta ao questionamento pelo gozo do Outro, constitui um saber sobre o que o Outro quer para gozar, se convertendo no a do Outro. Vai por em cena esse fantasma para o gozo do Outro e o seu próprio gozo. Enquanto sujeito suposto saber, o perverso renega a falta no Outro e a sua própria divisão. O perverso é um sujeito suposto saber gozar, que rivaliza com o analista pelo lugar de a. Inverte as posições, colocando-se no lugar do objeto e deslocando o Outro para o lugar de sujeito, dividido, tendo que suportar a angústia e a castração. A perversão é uma resposta ao desejo do Outro e o perverso visa, com a renegação, seu desmentido, causar angústia no outro, livrando-se dela ao defender-se sob a forma de a. Nem agente e nem vítima, ele se consagra ao gozo do Outro, oferecendo-se como objeto causa desse gozo. É dessa condição de a que a análise deve separá-lo. Dessa condição todo perverso padece e, se quiser, pode se curar.