O IMPACTO DOS VEÍCULOS FLEX-FUEL SOBRE O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS NO BRASIL [email protected] APRESENTACAO ORAL-Comercialização, Mercados e Preços FELIPPE CAUÊ SERIGATI; LEONARDO BAPTISTA CORREIA; BRUNO BENZAQUEN PEROSA. ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO (EESP/FGV-SP), SÃO PAULO - SP - BRASIL. O IMPACTO DOS VEÍCULOS FLEX-FUEL SOBRE O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS NO BRASIL THE IMPACT OF THE FLEX-FUEL TECHNOLOGY ON THE BRAZIL FUEL MARKET Grupos de Pesquisa: Comercialização, Mercados e Preços Resumo A introdução de veículos flex-fuel permitiu que os consumidores tivessem maior poder de escolha na hora de abastecer. Como consequência, houve uma mudanca no mercado de combustíveis no Brasil. Este artigo se propõe a analisar o impacto da introdução da tecnologia flex sobre as elasticidades-preço e cruzada da demanda entre o álcool hidratado e a gasolina. Foram estimadas simultaneamente por 3SLS as curvas de demanda e de oferta de álcool hidratado, bem como a curva de demanda por açúcar. Os resultados sugerem que houve um aumento significativo na elasticidade-preço da demanda do álcool hidratado e na elasticidade cruzada entre o álcool e a gasolina. Portanto, conclui-se que a introdução de veículos flex-fuel aumentou o grau de substitubilidade entre os dois combustíveis. Palavras-chave: Elasticidades, Etanol, Flex fuel , Demanda, Açúcar Abstract The flex-fuel technology allowed consumers to choose between ethanol and gasoline at the moment they fuel the car. As a consequence, there was a change on the fuels market in Brazil. This paper aims to analyze the impact of the introduction of flex technology on the priceelasticity and cross elasticity for demand of gasoline and ethanol. The supply and demand for hydrated alcohol and sugar were simultaneously estimated by 3SLS. The results suggested an increase on the price-elasticity of alcohol and on the cross elasticity. Therefore, this paper concludes that flex-fuel vehicles increased the substitutability of gasoline and alcohol in Brazil. Key words: Elasticity, Ethanol, Flex-Fuel Technology, Demand, Sugar 1 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 2 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1. Introdução Com o advento dos carros flex-fuel em março de 2003, inicia-se uma mudança no perfil do consumo de combustíveis automotivos no Brasil. A introdução de carros flex permitiu que o consumidor pudesse escolher, toda vez que fosse abastecer, qual mistura de álcool hidratado/gasolina é mais vantajosa; antes, o consumidor só podia escolher o combustível a ser utilizado em seu veículo no momento da compra do automóvel. Desde então, a venda de veículos flex tem crescido a taxas elevadas. De acordo com os dados da Anfavea, em 2009, os veículos flex foram responsáveis por 95,4% das vendas de automóveis no país. Uma vez que o consumidor passa a ter maior poder de arbitragem no momento em que vai abastecer seu veículo, espera-se que as curvas de demanda do etanol e da gasolina, bem como suas respectivas elasticidades-preço e cruzada da demanda, se modifiquem, tendo em vista o aumento da substitutibilidade de curto prazo entre os dois combustíveis, o que, por sua vez, alteraria o funcionamento deste mercado. A capacidade de fixação de preço dos produtores e vendedores desses bens passa a estar condicionada pelo preço do bem substituto que poderia tomar parte do mercado caso haja um diferencial preço/eficiência significativo. A introdução da tecnologia flex, com o respectivo crescimento das vendas de veículos que adotam tal tecnologia, promoveu um forte crescimento na demanda por álcool hidratado1. De acordo com os números da ANP, enquanto a venda de álcool anidro respondia, em dezembro de 2002, por 62% do volume total de etanol ofertado, em fevereiro de 2010, esta participação foi de 24,5%. Apesar de diversos estudos já terem analisado a relação entre a demanda de gasolina e de etanol no Brasil (Alves e Bueno, 2003; Burnquist e Bacchi, 2002), poucos trabalhos se dedicaram a entender o impacto que a introdução de carros flex teve sobre a elasticidadepreço e cruzada da demanda entre estes combustíveis (Bacchi, 2005; Nappo, 2007; Schünemann, 2007). Parte disso pode ser explicado pelo reduzido número de observações disponíveis devido a recente introdução desta nova tecnologia. Sob tais considerações, este artigo se propõe a analisar o impacto da introdução dos carros flex sobre a relação entre a demanda de álcool hidratado e a de gasolina. Por meio de modelos econométricos, buscou-se quantificar a mudança na elasticidade-preço da demanda do álcool hidratado e na elasticidade-cruzada da demanda entre gasolina e álcool hidratado devido à entrada de veículos flex no mercado. Outras questões relativas ao mercado de etanol, como sua relação com o mercado de açúcar doméstico e internacional, ainda se mostram pouco exploradas. Como os produtores de etanol têm a opção de redirecionar parte de sua produção de combustível para a produção de açúcar, a cotação do açúcar pode afetar a oferta e o preço do álcool hidratado. Visando complementar esta literatura, este estudo, além de modelar simultaneamente as curvas de oferta e demanda por álcool hidratado, também irá considerar o impacto do açúcar sobre o equilíbrio deste mercado. 3 De acordo com BNDES e CGEE (2008), etanol é um tipo de álcool obtido a partir da fermentação da sacarose da cana-deaçúcar. Este álcool pode ser anidro ou hidratado. O primeiro é utilizado como aditivo que é adicionado à gasolina. O segundo é consumido como combustível de veículos automotores movidos a álcool ou com motores flex-fluel. 3 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural A estimação das elasticidades por meio de um maior número de técnicas traz reflexões importantes acerca das relações de substituição e dependência entre o etanol e a gasolina na matriz energética brasileira. Tal informação pode ser considerada tanto na implementação de uma estratégia nacional de segurança energética (Pinto e Bicalho, 2007), quanto na orientação de países que planejam adotar essa tecnologia e o etanol como combustível alternativo. A menor dependência dos derivados do petróleo pode ser apontada como mais uma vantagem do uso do etanol. Este artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. Na seção seguinte, será apresentada uma revisão da literatura existente sobre o tema no Brasil e no exterior. A terceira seção apresentará a descrição dos modelos e das variáveis utilizadas nos testes econométricos. Na sequência, serão apresentados os principais resultados obtidos e, por fim, na última seção, serão discutidos os principais resultados e será apresentada uma proposta de novas pesquisas na área. 2. Revisão de Literatura A grande importância da gasolina na matriz energética mundial tem despertado o interesse de pesquisadores em analisar as características da demanda por este combustível em diversos países. Segundo Dahl e Sterner (1991), a maioria dos trabalhos que trata da demanda por gasolina utilizou técnicas de co-integração de séries temporais para estimar elasticidadespreço e renda da demanda, por meio de uma equação “duplo log” do consumo de gasolina em função do preço e da renda dos consumidores. Alguns estudos consideram essas variáveis de forma contemporânea ou defasada, como é o caso de Hsing (1990), que analisa o consumo de gasolina nos EUA como função do preço da gasolina, da renda per capita e do consumo do combustível no período anterior. O levantamento de Dahl e Sterner (1991) também indica a existência de modelos que consideram outras técnicas, tais como o estoque, idade e eficiência (distância/litro) de automóveis como variáveis explicativas da demanda por gasolina. Bentzen (1994) analisou a demanda por gasolina na Dinamarca de 1948 a 1991 considerando tais variáveis. Outros trabalhos semelhantes foram feitos em outros países, como Rodrigues (2006) que estimou a demanda por gasolina na República Dominicana com dados trimestrais de 1997 a 2006. Neste ponto, é interessante ressaltar que a maioria dos estudos que aplicaram a técnica de cointegração utilizou séries mensais. No Brasil, a experiência pioneira com o etanol de cana-de-açúcar em grande escala motivou pesquisadores a tentarem entender como a disponibilidade de um substituto da gasolina poderia afetar a elasticidade-preço da demanda e a elasticidade-renda. Como consequência, observam-se diversos estudos que analisam a demanda por gasolina inserindo a oferta e o preço do etanol como variáveis explicativas (Alves e Bueno, 2003; Burnquist e Bacchi, 2002; Bacchi, 2005). Estes pesquisadores buscaram estimar o impacto que a existência do etanol teve sobre a elasticidade-preço e renda da gasolina no mercado nacional. 4 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Encontram-se na literatura vários trabalhos que analisam o impacto do etanol antes da introdução dos automóveis flex. Entre eles, destaca-se o estudo de Alves e Bueno (2003) que calculou a elasticidade-preço cruzada entre estes combustíveis no Brasil de 1974 a 1999. Os autores concluem que o álcool é um substituto muito imperfeito da gasolina. Como a amostra não capta a introdução dos carros flex, não é possível fazer afirmações sobre o impacto desta tecnologia sobre a relação de substituição da gasolina e do álcool. Sobre a transmissão de preços de um combustível para o outro, Alves e Bueno (2003) também concluem que somente o preço da gasolina teria impacto significante sobre o preço do álcool hidratado; o caminho inverso, isto é, o impacto de uma variação do preço do álcool hidratado sobre o preço da gasolina, não se mostrou significativo. Conclusão semelhante também foi obtida por Roppa (2005) que analisou a demanda por gasolina no Brasil de 1979 a 2000. Segundo a análise desta autora, apesar do álcool ser um substituto da gasolina no longo prazo, esta relação de substituição ainda era bastante imperfeita no período analisado. Vale mencionar que todos os estudos citados acima têm como variável dependente o preço/a quantidade de gasolina, sendo que o preço e a quantidade do etanol só são introduzidos na modelagem como variáveis dependentes. Outro ponto importante sobre a modelagem da oferta e demanda por etanol se refere à influência exercida pelo mercado de açúcar sobre o mercado deste combustível. Da mesma forma que os consumidores podem optar pelo tipo de combustível na hora de abastecer, os usineiros podem escolher, ao menos parcialmente, entre direcionar sua produção para o açúcar ou para o etanol com relativa simplicidade. Assim, os preços do açúcar no mercado interno e externo poderiam afetar a quantidade ofertada de etanol, o que traz maior complexidade à analise do mercado deste combustível no Brasil. Contudo, a análise do mercado internacional de açúcar apresenta grande complexidade devido às políticas de subsídios e cotas de importação utilizadas na União Européia e nos EUA. Tal fato dificulta consideravelmente a análise das transações de açúcar entre países. Também são observadas distorções nos preços deste produto no mercado brasileiro. Segundo Rodrigues, Burnquist e Silveira (2004), apesar do Brasil ser o maior exportador mundial, não há paridade de preços entre o mercado externo e o interno, sendo que este último apresenta, com relativa frequência, cotações superiores. Com isso, há maior dificuldade para relacionar movimentos no consumo mundial de açúcar com o preço pago ao produtor no Brasil, que, por sua vez, poderia afetar a oferta de açúcar e, consequentemente, a oferta de etanol no mercado interno. Alguns estudos brasileiros também analisaram a elasticidade renda da gasolina e do álcool hidratado. Bacchi (2005) apresenta resultados interessantes por meio de estimações utilizando um VAR (vetor auto-regressivo), no qual foram consideradas as seguintes variáveis: preço de álcool hidratado ao consumidor; preço de álcool hidratado ao produtor; preço de gasolina C para o consumidor; preço de álcool anidro ao produtor; preço de açúcar no mercado interno; preço de açúcar no mercado internacional e; renda. Este estudo concluiu que a elasticidade renda da gasolina é bem superior a do álcool, o que leva a autora a afirmar a existência de um efeito negativo do aumento da renda sobre o consumo deste combustível. Ainda segundo a autora, o álcool hidratado seria um bem inferior, pois é parcialmente substituído pela gasolina quando há elevação do poder aquisitivo. 5 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Tal resultado é bastante intrigante ao considerar que este estudo já conta com os carros flex em sua amostra. Contudo, a autora conclui que ainda existe uma preferência dos consumidores pela gasolina e, por isso, quando dispõem de poder aquisitivo maior, optam por abastecer com uma proporção menor de álcool. Outra possível explicação é o fato deste trabalho considerar em sua amostra um período muito curto após a introdução da tecnologia flex (julho de 2001 a agosto de 2004). Além das conclusões sobre a elasticidade renda de cada um desses combustíveis, Bacchi (2005) estimou os mecanismos de transmissão de preços entre gasolina e álcool, trazendo algumas reflexões sobre a relação de substituição destes combustíveis. A autora verifica que variações no preço da gasolina têm efeito imediato e de grande magnitude sobre o preço do álcool hidratado, o que evidencia o elevado grau de substituição do primeiro pelo segundo. Segundo a autora, tal resultado indica que a prática de mistura gasolina-alcool hidratado já estava bastante disseminada no período analisado. Porém, vale ressaltar que este resultado já havia sido encontrado por Alves e Bueno (2003) utilizando dados anteriores a introdução dos veículos flex. Mais recentemente, com a grande expansão da frota de flex no parque automotivo brasileiro, foram feitos estudos nos quais foi investigado o impacto desta tecnologia sobre as elasticidades-preço e cruzada da demanda entre o álcool hidratado e a gasolina. Tais análises buscam entender o grau de substituição entre estes combustíveis antes e depois da introdução dos carros flex. Nessa linha, destaca-se o trabalho de Nappo (2007) que analisou o efeito da introdução dos flex sobre as elasticidades-preço, renda e cruzada no Brasil. As estimações foram feitas assumindo o consumo de gasolina como variável dependente e considerando as seguintes variáveis explicativas: preço real mensal da gasolina; renda real mensal per capita; preço real mensal do álcool hidratado e; variável binária de inclinação associada ao preço da gasolina. Esta ultima variável permitiu que fossem observadas as variações nas elasticidades com a inserção da tecnologia flex. Contudo, o autor não considerou o preço e a quantidade de açúcar em suas estimações. Nappo (2007) verifica um aumento da elasticidade-preço da gasolina após 2003, fato que sugere um maior poder dos consumidores na escolha de combustíveis. Como o preço do álcool hidratado não se mostrou significativo na equação de demanda da gasolina, não foi possível obter a elasticidade cruzada entre álcool hidratado e gasolina. Por fim, o autor lembra que a elevação da elasticidade-preço da gasolina indica a maior existência de substitutos similares no mercado. Portanto, este resultado sugere que o álcool tenha se tornado um substituto mais perfeito da gasolina após a introdução dos carros flex. Outro estudo recente caminhou na mesma direção. Schünemann (2008) segue o método proposto por Nappo (2007) ao inserir uma dummy para capturar a mudança de inclinação devido à inserção dos carros flex. A autora utilizou o método de co-integração com freqüência mensal e anual, inserindo outras variáveis explicativas para estimar o consumo da gasolina. A autora fez várias regressões separadas com diferentes especificações de forma a captar vários efeitos distintos. As principais variáveis utilizadas nestas estimações são: consumo mensal per capita de gasolina C; produção industrial física mensal; preço médio mensal da gasolina; frota de veículos; idade da frota; eficiência da frota; preço médio mensal do álcool hidratado; preço médio mensal do GNV e; uma variável binária para captar o 6 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural impacto do carro flex (inicio em janeiro de 2003). Além disso, acrescentou uma série de variáveis dummies referentes aos meses do ano, de forma a captar questões de sazonalidade. De forma geral, os resultados de Schünemann (2008) se mostraram coerentes com o estudo de Nappo (2007) no que se refere ao impacto dos carros flex na relação de substituição entre álcool hidratado e gasolina. A variável binária foi significativa nas regressões utilizando dados mensais. Apesar de trazerem grande contribuição para o entendimento do efeito da tecnologia flex sobre o consumo da gasolina e do etanol, os trabalhos de Nappo (2007) e Schünemann (2008) não consideram os impactos do mercado de açúcar sobre o mercado de combustíveis. Considerando a hipótese de que a oferta de álcool hidratado pode ser impactada pelo mercado de açúcar e vice-versa, surge o problema de equações simultâneas que precisa ser corrigido a fim de garantir consistência das estimativas. Com este objetivo, o presente artigo tratará o impacto do açúcar na oferta de álcool hidratado como endógeno, utilizando algumas variáveis pré-determinadas para controlar o efeito que choques na demanda de açúcar poderiam ter sobre a oferta deste combustível. 3. Descrição do modelo e das variáveis utilizadas A estimação da elasticidade-preço da demanda por etanol e da elasticidade cruzada da gasolina foi feita por meio da estimação dos parâmetros da equação de demanda por etanol. Caso a estimação fosse feita por mínimos quadrados ordinários (OLS), a estimativa seria inconsistente devido ao reconhecido problema de viés de simultaneidade. Tal problema é resultado da dificuldade de distinguir a quantidade de oferta da quantidade da demanda, ou seja, nos dados é observada a seguinte relação: Qoferta = Qdemanda Uma conseqüência do problema de viés de seleção é a impossibilidade de identificação dos parâmetros, afinal, como a quantidade observada é uma representação da quantidade de equilíbrio (para cada preço), não é possível distinguir os choques de oferta dos choques de demanda. Por fim, os parâmetros estimados por OLS não teriam interpretação econômica alguma. Para estimar consistentemente os parâmetros é necessário isolar os choques da demanda dos choques de oferta. Isto é feito por meio da regressão em dois estágios (2SLS), a qual torna os parâmetros identificáveis ao utilizar variáveis que sejam deslocadores da oferta e deslocadores de demanda. Deslocadores de demanda representam as variáveis que estão correlacionadas com a quantidade demandada e não correlacionadas com a quantidade de oferta, enquanto os deslocadores de oferta estão correlacionados somente com a quantidade ofertada. Os deslocadores também são chamados de variáveis pré-determinadas, ou variáveis exógenas, e a estimação por 2SLS é possível somente quando existem mais variáveis exógenas do que variáveis endógenas. 7 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Outra forma de estimar consistentemente a elasticidade se dá por meio de uma regressão em 3 estágios (3SLS), cuja técnica é semelhante à regressão em dois estágios, mas oferece o atrativo de utilizar a estimação da correlação dos resíduos entre as equações no cálculo da variância dos coeficientes. Para estimar os parâmetros da equação de demanda por álcool hidratado é necessário descrever a equação de oferta do álcool hidratado. Como existe a hipótese de correlação entre a oferta de hidratado e o preço do açúcar, será necessária a estimação de um sistema com as três equações: • Equação de oferta de álcool hidratado; • Equação de demanda por álcool hidratado; • Equação de demanda por açúcar. No problema em questão existem três variáveis endógenas (preço de álcool hidratado, quantidade de álcool hidratado e preço do açúcar). Para tornar possível a estimação consistente dos parâmetros é necessário ter no mínimo três variáveis exógenas (uma para cada equação), o que representaria que o problema está exatamente identificável (um deslocador para cada variável endógena), e caso houver mais de uma variável exógena por equação, o problema passa a ser sobre-identificado. A seguir, são descritas cada uma das equações do sistema e as variáveis prédeterminadas escolhidas como deslocadores de cada curva: Equação de oferta de etanol Q hidrat = α 0 + α 1Phidrat + α 2 Psug + α 3 X 3 + α 4 X 4 + α 5 X 5 + α 6 X 6 + α 7 X 7 + α 8 X 8 + ε 1 Sendo: • Qhidrat = Quantidade de álcool hidratado • Phidrat = Preço de etanol • Psug = Preço do açúcar • X3 = Quantidade de álcool anidro; • X4 = Proporção de carros flex e carros movidos a álcool; • X5 = Preço de cana-de-açúcar recebido pelo produtor; • X6 = Preço de cloreto de potássio; • X7 = Preço de uréia; • X8 = Preço de sulfato de amônia. Equação de demanda por álcool hidratado Phidrat = β 0 + β 1Q hidrat + β 2 Pgas + β 3 Z 3 + β 4 Z 4 + β 5 D × Q hidrat + β 6 D × Pgas + ε 2 Sendo: • Pgas = Preço da gasolina • Z3 = Proporção de carros flex e carros movidos a álcool; • Z4 = Consumo de energia elétrica (proxy para renda); • D = Dummy (“0” período pré flex; “1” no período pós flex). 8 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Foi adicionada uma variável dummy interada com a quantidade de álcool anidro e outra com o preço da gasolina, para estimar se há diferença entre as elasticidades-preço e cruzada da demanda, respectivamente, após a introdução dos carros flex no mercado brasileiro. Os coeficientes destas variáveis representarão a diferença das respectivas elasticidades dos dois períodos. Equação de demanda por açúcar Psug = γ 0 + γ 1Phidrat + γ 2W2 + γ 3W3 + ε 3 Sendo: • W2 = Produção industrial de açúcar; • W3 = Importação de açúcar dos EUA. A seguir serão apresentados os processos pelos quais foram construídas as variáveis utilizadas no modelo, todas elas com periodicidade mensal entre julho de 2001 e abril de 2009: Preço do álcool hidratado e da gasolina São os preços médios mensais (R$/l) fornecidos na bomba ao consumidor divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em seu ‘Levantamento de preços’. Quantidade vendida de álcool hidratado e gasolina É o volume (milhões m³) total de gasolina e etanol vendidos no Brasil pelas distribuidoras de acordo com os dados da ANP. Devido à forte sazonalidade, a série foi dessazonalida utilizando o filtro de Kalman com um componente de sazonalidade trigonométrica. Proporção de carros flex e a álcool A proporção de carros flex e a álcool hidratado foi calculada a partir dos dados fornecidos pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que divulga mensalmente o número de veículos automotores vendidos por tipo de veículo (automóveis e comerciais leves) e de combustível (gasolina, álcool e flex-fuel). Como está disponível o número de veículos vendidos anualmente desde 1957 e mensalmente desde 1999, foi possível calcular o estoque de veículos em circulação por tipo de combustível. A partir da função de sucateamento – que determina o número de veículos sucateados em função de sua idade – e dos parâmetros fornecidos por MCT (2006), calculouse a curva de depreciação para automóveis e para comerciais leves. Ao impor 480 meses (40 anos) como o limite médio máximo de vida útil de um veículo e ao determinar que a curva de sucateamento (St) assume a forma de uma curva de Gompertz, adaptou-se os parâmetros fornecidos por MCT (2006) a uma periodicidade mensal e calculou-se o número total de veículos em circulação por: 9 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 480 EVt = ∑ NVt ⋅ (1 − St ) t =0 Sendo: 0,137 t , a curva de sucateamento para automóveis St = 1 − exp − exp1,798 − 12 • St = 1 − exp − exp1,618 − 0,141 t , a curva de sucateamento para comerciais leves 12 • EVt é o número de automóveis em circulação por tipo de combustível e; • NVt o número de veículos novos vendidos no mês t. Preço da cana-de-açúcar recebido pelo produtor O preço (R$/ton) recebido pelo produtor por cada tonelada de cana-de-açúcar foi fornecido pela FGV/agronalysis. Consumo de energia elétrica Como proxy para renda, foi utilizado o consumo de energia elétrica (Gwh) mensal total (comercial + industrial + residencial + outros) fornecido pela Eletrobrás. Produção industrial de açúcar Como um dos deslocadores da demanda por açúcar, foi utilizada a série mensal dessazonalizada da Fabricação e Refino Industrial de Açúcar, um dos subsetores disponibilizados pela Pesquisa Mensal IndustriaL do IBGE. Preço dos principais insumos agrícolas para a produção de cana-de-açúcar De acordo com Rossetto et alli (2008), dentre os principais insumos agrícolas tradicionais utilizados no plantio de cana-de-açúcar, destacam-se o sulfato de amônio, o cloreto de potássio e a uréia. Os preços (R$/ton) mensais destes insumos foram obtidos no banco de dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA). Rossetto et alli (2008) também cita o NPK 2005-20 com um importante insumo, mas como seu preço é correlacionado com o preço do petróleo, não foi possível considerá-lo um deslocador de oferta por problemas de endogeneidade. Preço do açúcar A variável preço do açúcar reflete os preços (R$) da tonelada do açúcar no varejo de acordo com o banco de dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Importação norte-americana de açúcar O volume (tonelada) de açúcar industrial importado pelos EUA de acordo com os dados fornecidos pelo U.S. Department of Commerce e pelo U.S. International Trade 10 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Commission (USITC). Devido a forte sazonalidade, esta série também foi dessazonalida utilizando o filtro de Kalman com um componente de sazonalidade trigonométrica. Quantidade de álcool anidro Como o principal destino do álcool anidro combustível comercializado se dá sob a forma de aditivo adicionado à gasolina, a quantidade total de anidro ofertado é calculada por meio da proporção de anidro obrigatório – determinada pelas resoluções do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool – multiplicada pela quantidade total de gasolina vendida. A seguir (Tabela 1) serão apresentadas as principais estatísticas descritivas das variáveis utilizados nos modelos: Tabela 1 - Principais estatísticas descritivas das variáveis utilizadas Variável Qtde hidratado Obs 94 Média 0,55 D. Padrão 0,32 Mín 0,24 Máx 1,34 Preço hidratado Preço internacional do açúcar Preço doméstico do açúcar Qtde anidro Proporção de carros flex e álcool Preço recebido pelo produtor de cana 94 94 94 94 94 94 1,36 9,83 1,18 0,47 0,21 31,74 0,24 2,64 0,23 0,05 0,08 4,76 0,91 6,17 0,79 0,33 0,14 24,80 1,99 15,20 1,61 0,54 0,40 43,57 Preço do cloreto de potássio Preço de uréia Preço de sulfato de amônia Preço gasolina Consumo de energia elétrica Produção industral de açúcar Importação de açúcar dos EUA 94 94 94 94 94 94 94 1153,36 1198,03 806,67 2,23 27816,47 98,24 233,84 461,08 324,05 214,45 0,31 3408,42 16,46 66,87 648,08 625,15 475,85 1,51 20447,00 36,88 108,84 2545,85 2130,00 1343,17 2,58 34022,00 129,55 471,14 4. Apresentação dos resultados Com o objetivo de calcular a elasticidade-preço da demanda e a elasticidade-cruzada da demanda entre álcool hidratado e gasolina, foram estimados por 3SLS quatro modelos que serão descritos na sequência. Conforme foi discutido na seção anterior, este artigo trabalha com o caso de mais variáveis exógenas do que variáveis endógenas, o que significa que os modelos estão sobre-identificados. Primeiramente, foi assumido que o preço do açúcar é exógeno a oferta de álcool hidratado, por ser determinado no mercado internacional. Isto é, que o preço do açúcar afeta a oferta de álcool hidratado, mas este último não afeta o primeiro. A partir da suposição desta exogeneidade, foram estimados dois modelos. O primeiro (Tabela e 3) conta com o preço internacional do açúcar na equação de oferta de álcool hidratado e o segundo (Tabela 4 e 5) conta com o preço doméstico de açúcar. Posteriormente, estimou-se um sistema de equações que torna endógeno o preço do açúcar. 11 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 4.1 Resultados considerando preço internacional do açúcar exógeno Tabela 2 – Equação da oferta de álcool hidratado Variável Preço etanol Qtde anidro Preço açúcar (inter) Proporção flex-álcool Preço recebido Cloreto de potássio Uréia Sulfato de amônio constante Coef. 0,58 0,83 -0,27 5,18 0,74 -0,13 -0,92 1,16 -3,66 D.P. 0,19 0,14 0,12 0,31 0,19 0,10 0,20 0,16 0,96 N R² p-valor 0,00 0,00 0,03 0,00 0,00 0,22 0,00 0,00 0,00 94 0,97 Tabela 3 – Equação da demanda por álcool hidratado Variável Qtde de hidratado Preço gasolina Proporção flex-álcool Consumo de energia elétrica Q_hidrat x dummy P_gasolina x dummy constante Coef. -0,78 1,03 1,44 0,69 0,32 0,51 -8,68 D.P. 0,15 0,19 0,31 0,24 0,11 0,19 2,49 N R² 4.2 p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,00 94 0,90 Resultados considerando preço nacional do açúcar exógeno Tabela 4 - Equação da oferta de álcool hidratado Variável Preço etanol Qtde anidro Preço açúcar (domes) Proporção flex-álcool Preço recebido Cloreto de potássio Uréia Sulfato de amônio constante Coef. 1,83 1,18 -1,31 4,23 0,61 0,02 -0,11 0,06 -2,97 D.P. 0,46 0,22 0,35 0,38 0,21 0,15 0,27 0,32 1,32 N R² p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,87 0,69 0,86 0,02 94 0,94 12 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Tabela 5 - Equação da demanda por álcool hidratado Variável Qtde de hidratado Preço gasolina Proporção flex-álcool Consumo de energia elétrica Q_hidrat x dummy P_gasolina x dummy constante Coef. -1,04 0,77 1,65 1,03 0,49 0,80 -12,24 D.P. 0,18 0,22 0,34 0,27 0,13 0,22 2,85 N R² p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 94 0,87 Estes resultados foram obtidos assumindo que o preço de açúcar, tanto internacional quanto doméstico, é exógeno à oferta de álcool hidratado. No entanto, acredita-se que esta hipótese não seja muito segura, uma vez que os usineiros comparam o preço do álcool hidratado ao preço do açúcar antes de tomar a decisão de quanto será produzido de cada bem. Ao assumir, portanto, que o preço do açúcar não é exógeno, ou seja, que a quantidade ofertada de hidratado afeta a quantidade ofertada de açúcar que, por sua vez, afeta o preço do açúcar, há a necessidade de modelar o mercado (oferta e demanda) do açúcar. Para superar o problema de endogeneidade entre preço de açúcar e oferta de hidratado, o ideal seria estimar um sistema com quatro equações: oferta e demanda de álcool hidratado e oferta e demanda de açúcar. No entanto, não é possível estimar a curva de oferta do açúcar simultaneamente com a curva de oferta de hidratado, pois ambos compartilham os mesmos deslocadores de oferta, uma vez que sua principal matéria-prima (cana-de-açúcar) é a mesma e que são, com grande frequência, produzidos na mesma unidade (usina). Desta forma, foram estimados sistemas com três equações: oferta e demanda de hidratado e demanda por açúcar. 4.3 Resultados considerando preço internacional do açúcar endógeno Os sistemas com três equações seguem o mesmo padrão dos modelos com o preço do açúcar exógeno. O primeiro sistema (Tabelas 6, 7 e 8) é modelado usando o preço internacional do açúcar enquanto o segundo (Tabelas 9, 10 e 11) usa o preço doméstico. Ambos foram estimados por 3SLS e os resultados são apresentados na sequência. Tabela 6 - Equação da oferta de álcool hidratado Variável Preço etanol Qtde anidro Preço açúcar (inter) Proporção flex-álcool Preço recebido Cloreto de potássio Uréia Sulfato de amônio constante Coef. 0,54 1,01 0,17 4,53 0,12 -0,24 -0,55 0,91 -2,41 D.P. 0,19 0,16 0,22 0,40 0,31 0,12 0,25 0,19 1,09 N R² p-valor 0,01 0,00 0,45 0,00 0,70 0,04 0,03 0,00 0,03 94 0,96 13 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Tabela 7 - Equação da demanda por álcool hidratado Variável Qtde de hidratado Preço gasolina Proporção flex-álcool Consumo de energia elétrica Q_hidrat x dummy P_gasolina x dummy constante Coef. -0,77 0,98 1,35 0,60 0,36 0,57 -7,73 D.P. 0,17 0,20 0,30 0,25 0,12 0,21 2,60 N R² p-valor 0,00 0,00 0,00 0,02 0,00 0,01 0,00 94 0,89 N R² p-valor 0,00 0,03 0,00 0,03 94 0,66 Tabela 8 - Equação da demanda por açúcar Variável Preço etanol Produção industrial de açúcar Import. açúcar dos EUA constante 4.4 Coef. 0,98 -0,18 0,27 1,33 D.P. 0,15 0,08 0,08 0,61 Resultados considerando preço nacional do açúcar endógeno Tabela 9 - Equação da oferta de álcool hidratado Variável Preço etanol Qtde anidro Preço açúcar (domes) Proporção flex-álcool Preço recebido Cloreto de potássio Uréia Sulfato de amônio constante Coef. 1,83 1,18 -1,31 4,23 0,61 0,02 -0,11 0,06 -2,97 D.P. 0,46 0,22 0,35 0,38 0,21 0,15 0,27 0,32 1,32 N R² p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,87 0,69 0,86 0,02 94 0,94 14 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Tabela 10 - Equação da demanda por álcool hidratado Variável Qtde de hidratado Preço gasolina Proporção flex-álcool Consumo de energia elétrica Q_hidrat x dummy P_gasolina x dummy constante Coef. -1,04 0,77 1,65 1,03 0,49 0,80 -12,24 D.P. 0,18 0,22 0,34 0,27 0,13 0,22 2,85 N R² p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 94 0,87 N R² p-valor 0,00 0,07 0,02 0,86 94 0,83 Tabela 11 - Equação da demanda por açúcar Variável Preço etanol Produção industrial de açúcar Import. açúcar dos EUA constante • • • • Coef. 1,22 0,08 -0,09 -0,06 D.P. 0,08 0,04 0,04 0,31 Como referência, cada modelo será tratado da seguinte forma: Modelo 1 – Preço do açúcar internacional exógeno; Modelo 2 – Preço do açúcar nacional exógeno; Modelo 3 – Preço do açúcar internacional endógeno; Modelo 4 – Preço do açúcar nacional endógeno. Como pode ser observado nas Tabelas acima, em todos os modelos, os principais resultados esperados foram encontrados. Nas curvas de oferta, a quantidade ofertada de álcool hidratado varia: a) positivamente com o preço do álcool hidratado na bomba; b) negativamente com o preço (doméstico ou internacional) do açúcar; d) positivamente com a proporção de carro flex e a álcool em circulação; e) positivamente com preço pago ao produtor de cana-de-açúcar. Nas curvas de demanda, o preço do álcool hidratado na bomba varia: a) negativamente com a quantidade de álcool hidratado ofertada; b) positivamente com o preço da gasolina na bomba; c) positivamente com a proporção de carro flex e a álcool em circulação; e d) positivamente com a proxy de renda (consumo de energia elétrica). Apenas alguns insumos necessários ao plantio de cana-de-açúcar não apresentaram os sinais esperados, notadamente o preço do sulfato de amônia. Outro resultado esperado que não se confirmou foi o sinal negativo para a quantidade de álcool anidro nas curvas de oferta de álcool hidratado. Os modelos 3 e 4 tratam o preço do açúcar como variável endógena. Assim, contam com uma terceira equação: a curva de demanda por açúcar. Em ambos os modelos, também são observados os resultados esperados. No modelo 3, o preço internacional do açúcar se mostra: a) positivamente correlacionado com o preço do álcool hidratado; b) negativamente correlacionado com a produção industrial de açúcar; e c) positivamente correlacionado com importação de açúcar dos EUA. No modelo 4, o preço doméstico de açúcar se apresenta 15 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural positivamente correlacionado com o preço do álcool hidratado. A contribuição da produção nacional industrial de açúcar e do volume de açúcar importado pelos EUA se mostrou praticamente nula, porém significativa. As dummies interadas em todos os modelos se mostraram significativas em todos os modelos, o que sugere que, de fato, houve mudança nas elasticidades-preço e cruzada da demanda do álcool hidratado após a introdução dos carros flex no mercado nacional. A forma pela qual foram calculadas as elasticidades está descrita no apêndice. Os valores calculados para as elasticidades são apresentados na Tabela 12. De acordo com estes resultados, todos os modelos sugerem que a introdução de carros flex aumentou a elasticidade-preço da demanda do álcool hidratado e a elasticidade-cruzada da demanda entre o álcool hidratado e a gasolina. Tabela 12 - Cálculo das elasticidades Pré-flex Elasticidade-preço Elasticidade-cruzada Pós-flex Elasticidade-preço Elasticidade-cruzada Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 -1,28 1,33 -0,96 0,74 -1,30 1,27 -1,33 1,47 -2,18 1,98 -1,81 1,50 -2,42 2,01 -2,02 -2,00 Como os modelos foram estimando usando uma amostra razoavelmente grande (n=94) e algumas variáveis apresentam comportamento de séries temporais, foi necessário averiguar se as series co-integravam. Como os resíduos de todas as equações, de todos os modelos, de acordo com os testes Augmented Dickey-Fuller (ADF), Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin (KPSS) e Elliott-Rothenberg-Stock DF-GLS (ADF-GLS) se mostraram estacionários, é possível afirmar que as séries são co-integradas. Por fim, por meio do teste de Jarque-Bera, não é possível rejeitar a hipótese de que os resíduos tenham distribuição normal. Os resultados dos testes de raiz unitária e de normalidade dos resíduos, bem como seus respectivos valores críticos, são apresentados no apêndice. 5. Discussão dos resultados e conclusão Ao todo foram estimados quatro modelos: nos dois primeiros o preço do açúcar é considerado exógeno enquanto nos dois últimos é considerado endógeno. Embora os modelos 3 e 4 tratem a endogeneidade do preço do açúcar sobre equilibro no mercado de álcool hidratado, as elasticidades calculadas por esta especificação não apresentam grandes mudanças quando comparadas com os resultados dos dois primeiros modelos. Os demais resultados também não apresentaram mudanças significativas com a mudança no tratamento do preço do açúcar. Em todas as especificações estimadas, observa-se um significativo aumento tanto da elasticidade-preço quanto da elasticidade-cruzada. Com exceção do modelo 2, todos os outros modelos sugerem que a elasticidade-cruzada entre álcool hidratado e gasolina após a 16 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural introdução dos carros flex é de aproximadamente 2, ou seja, um aumento de 1% no preço da gasolina, leva a um aumento de 2% na quantidade vendida de álcool hidratado. No entanto, os resultados obtidos por todos os modelos, mais uma vez com exceção do modelo 2, para as elasticidades-preço e cruzada chamam atenção pois sugerem que, mesmo antes da chegada dos flex ao mercado nacional, a quantidade vendida de álcool hidratado já era elástica com relação a variações no preço da gasolina, bem como a variações no preço do álcool hidratado. Como este resultado difere daquele que era esperado, foi realizado um teste de Wald para avaliar se é possível afirmar que estas elasticidades-preço e cruzadas são estaticamente unitárias. Os resultados destes testes apresentados na Tabela 13, não permitem fazer esta afirmação. Portanto, de acordo com os resultados obtidos pelos modelos 1, 3 e 4, as elasticidades-preço e cruzada da demanda já eram elásticas antes mesmo da introdução dos flex. Tabela 13 - Teste de Wald para elasticidade unitária Elasticidade-preço (B1=1) Estatítica Qui-Quadrado p-valor Elasticidade-cruzada (B1=B2) Estatítica Qui-Quadrado p-valor Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo4 135,86 0,00 126,79 0,00 109,20 0,00 115,90 0,00 218,91 0,00 184,08 0,00 221,62 0,00 263,26 0,00 O modelo 2, que considera exógeno o preço doméstico do açúcar, foi o único a gerar o resultado esperado, a saber: antes, a elasticidade entre os dois combustíveis era inelástica e, após a introdução dos flex, passou a ser elástica. De qualquer forma, independente dos valores iniciais das elasticidades, todos os modelos sugerem que, com a entrada dos flex no mercado e devido ao maior poder de arbitragem dos consumidores, houve significativas mudanças na relação entre gasolina e álcool hidratado, bem como entre o preço deste último combustível e sua quantidade vendida. Embora o foco principal deste trabalho seja a análise as elasticidades entre álcool hidratado e gasolina, antes e depois da introdução dos carros flex, as estimações realizadas também produziram outros resultados interessantes e comuns a todos os modelos. Os modelos sugerem que a oferta de álcool hidratado é inelástica em relação a variações no seu preço. O tempo de resposta necessário para alterar a produção, que no caso de produtos agrícolas leva pelo menos uma safra (aumentar a área plantada, por exemplo), pode explicar este resultado. Como defasagens não são consideradas nos modelos especificados, não é possível controlar este tipo de efeito. Também chama atenção o fato do preço internacional do açúcar ter pouco impacto sobre a quantidade ofertada de álcool hidratado. Esperava-se que um aumento no preço do açúcar elevasse a quantidade ofertada de açúcar e, assim, reduzisse a oferta de etanol. Este resultado pode ser explicado devido às cotas e demais barreiras encontradas no mercado internacional do açúcar, o que limita o acesso dos produtores nacionais ao mercado internacional. Rodrigues, Burnquist e Silveira (2004) encontram evidência de que é baixa a resposta das exportações brasileiras de açúcar devido a mudanças na relação de preços no mercado doméstico e internacional. Enfim, como o modelo não testa efeitos defasados, e a oferta de açúcar no mercado internacional é razoavelmente inelástica no curto prazo, é de se 17 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural esperar que a variação de preço do açúcar no mercado internacional não afete decisivamente a quantidade ofertada (mas já produzida) de álcool hidratado. A proporção de carros flex e a álcool teve efeito bastante significativo sobre a oferta de álcool hidratado. Também chama atenção que esta variável teve impacto maior sobre a quantidade vendida de hidratado do que sobre o preço deste combustível. No entanto, é importante ressaltar que os valores encontrados para esta variável dependem fundamentalmente da forma como é construído o estoque de veículos em circulação2. Os modelos 3 e 4, que tratam o preço do açúcar como endógeno, também fornecem resultados interessantes sobre a relação entre os mercados de açúcar e de etanol. No modelo 3, que considerou o preço internacional do açúcar, encontrou uma relação positiva e unitária do preço do hidratado sobre o preço do açúcar, resultado em concordância com a hipótese de que há interdependência entre estes dois mercados. No modelo 4, que trata como endógeno o preço doméstico de açúcar, observou-se que um aumento no preço do hidratado impacta positivamente e de forma elástica o preço do açúcar no mercado doméstico. Este resultado também era esperado, já que se acredita que um aumento no preço do hidratado leva a um maior direcionamento da produção de cana-deaçúcar para a produção de etanol e, consequentemente, a uma redução da oferta de açúcar. De forma geral, as estimações apontam que houve aumento da elasticidade-preço da demanda por álcool hidratado e da elasticidade-cruzada da demanda entre o álcool hidratado e o preço da gasolina. Tal resultado está de acordo com a literatura existente e reflete o maior grau de substituição entre os combustíveis após a introdução dos veículos flex. Esta conclusão se mantém tanto nos modelos que consideraram o açúcar como exógeno ou como endógeno. Contudo, o fato dos resultados se manterem em ambas as especificações não permite afirmar que a hipótese de endogeneidade considerada neste estudo não seja verdadeira. Este estudo conclui apenas que há pequena, porém estatisticamente significante, influência do preço internacional do açúcar sobre a decisão do volume de álcool hidratado a ser produzido. Assim, abre-se uma agenda de pesquisa buscando investigar os impactos do mercado de açúcar sobre a decisão de usineiros em produzir etanol ou açúcar, tal qual Shikida et alli (2007). Outra sugestão seria replicar este modelo com dados em painel (por unidade da federação) considerando efeitos defasados. 6. Referências Bibliográficas ALVES, D., BUENO, R. L. S. 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Reparametrizando a equação da demanda, chega-se em Phidrat = β 0 + β1Q hidrat + β 2 Pgas + β 3 Z 3 + β 4 Z 4 + β 5 D × Q hidrat + β 6 D × Pgas + ε 2 ⇔ ln (Q hidrat ) = − β0 1 β β β + ln (Phidrat ) − 2 ln (Pgas ) − 3 D3ln (Q hidrat ) − 4 D 4 ln (Pgas ) β1 β1 β1 β1 β1 O que resulta nas seguintes elasticidades: 1 β1 • Elasticidade-preço da demanda = • Elasticidade-cruzada da demanda = − • Elasticidade-preço pós flex = • β2+ β4 Elasticidade cruzada pós flex = − β1 β2 β1 1 β1 + β 3 20 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural A2 - Tabela com os resultados dos testes de raiz unitária e de normalidade dos resíduos Tabela 14 - Estatísticas dos resíduos Jarque bera valor calculado p-valor ADF KPSS ADF-GLS Preço internacional de açúcar exógeno Oferta de etanol Demanda de etanol -4.980 -4.942 0.053 0.050 -4.920 -4.860 0.878 0.247 0.645 0.884 Preço doméstico de açúcar exógeno Oferta de etanol Demanda de etanol -3.803 -4.924 0.045 0.068 -3.744 -4.830 1.634 0.943 0.442 0.624 Preço internacional de açúcar endógeno Oferta de etanol Demanda de etanol Demanda de açúcar -4.143 -4.699 -3.650 0.053 0.100 0.406 -3.320 -4.697 -2.491 1.941 0.107 2.678 0.379 0.948 0.262 Preço doméstico do açúcar endógeno Oferta de etanol Demanda de etanol Demanda de açúcar -3.625 -5.077 -4.210 0.058 0.040 0.185 -3.557 -4.977 -3.905 2.909 0.233 1.851 0.234 0.890 0.396 Valores críticos do ADF Valores críticos do KPSS Valores críticos do ADF-GLS 1% -2.590 0.739 -2.590 5% -1.944 0.463 -1.944 10% -1.614 0.347 -1.614 21 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural