Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) A partir da didática da história, pensar o ensino de “história e cultura afrobrasileira”. 1 Wilson de Sousa Gomes Resumo: Propomos com essa comunicação discutir a temática da “História e Cultura Afro Brasileira” a partir da didática da história. O trabalho é uma pesquisa em vias de desenvolvimento. Discute o conceito de ensino de história e dialoga com a historiografia na tentativa de compreender a lógica das significações e sentidos temporais. Dessa forma, a relação entre passado e presente, define a forma de educação do sujeito histórico. Compreender esse processo se faz nossa tarefa nesse debate. Palavras-Chave: História, Ensino de História, História e Cultura Afro-brasileira Abstract: We propose in this communication to discuss the theme of "History and Afro Brazilian" from the teaching of history. The work is a search for the developing world. Discusses the concept of history teaching and dialogue with historiography in trying to understand the logic of meanings and temporal senses. Thus, the relationship between past and present, defines education historical subject. Understanding this process makes our task in this debate. Keywords: History, Teaching History, History and Afro-Brazilian INTRODUÇÃO2 Percebendo a importância de se pensar a História enquanto conhecimento para o agir temporal, entende-se que “como não podemos viver sem o passado, este tem de estar, ao serviço da vida” (RÜSEN, 2011: 260). Refletir e compreender as relações entre o passado e o presente, se faz uma necessidade para entender as permanências e mudanças das relações sociais e históricas que caracterizam o cotidiano dos sujeitos. Estudar o passado segundo Ranke apud Rüsen nos possibilita a 1 Parte desse texto foi apresentado em forma de comunicação na XII Semana de História da UFG em Goiânia GO, sob o titulo: Didática da história: o ensino de “história e cultura afro brasileira” pensado a partir da perspectiva de identidade, sendo o mesmo publicado nos anais do evento. Graduado em História pela Universidade Estadual de Goiás Unidade Universitária de Jussara. Mestrando em História pela PUC/GO e (Bolsista CAPES). Email: [email protected] 2 Este texto é proposto a parti de duas experiências. Uma é o projeto de pesquisa em desenvolvimento na Universidade Estadual de Goiás Unidade Universitária de Jussara com o titulo: História e Didática da História: o ensino de “História e Cultura Afro - Brasileira”, em uma perspectiva da cultura e identidade no âmbito educacional de Jussara, sob minha coordenação. E a outra é uma ação em forma de Projeto de Extensão aprovado pela PrE da Universidade Estadual de Goiás intitulado: A cultura e a Identidade: a capoeira na escola. Deferido em setembro de 2012, com vigência de 01/10/2012 a 30/09/2013. 1 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) “Alcançar um entendimento muito mais vivo do acontecimento histórico” Da desgraças, da opressão e da violência, emergem, pois a liberdade e a força do espírito (Geist) humano; o olhar histórico revela assim ao observador a profundidade temporal da sua identidade a qual é simultaneamente nacional e humana (RÜSEN, 2011: 269). A construção de um saber passa pela necessidade de entender o geral e o particular ou vice-versa. Instrumentalizando definições e conceitos na intenção de obter algumas respostas para as nossas indagações referentes ao Ensino de História e a temática da “História e Cultura Afro Brasileira” entende-se que estudar o passado é atribuir “ao pensamento histórico o poder de traduzir o lamento do passado numa compreensão libertadora: “o que foi anteriormente júbilo e lamento agora torna-se conhecimento”” (RÜSEN, 2011: 267). Construir um espaço de discussão é de fundamental importância para desvelar os processos de exclusão e discriminação que são praticadas nas realidades sociais. Na prática docente3, notamos que grande parte dos alunos que entram para o ensino superior, não possuem conhecimentos referentes à História e cultura afro brasileira. Ao trabalhar com as disciplinas teóricas e específicas, confirmamos a carência no que diz respeito a esse déficit histórico. Isso reflete a necessidade de construir um campo de debate que contribua para as dúvidas subjacentes a essa carência. Então, nossa motivação se localiza em entender e discutir o motivo da falta de conhecimento fundamentados no passado e cultura nacional. Para se construir um conceito do eu, do nós e do outro, precisa-se entender o eu dentro da natureza social e cultural. Para que isso seja possível, recorrer à concepção que o sujeito faz do seu tempo e espaço no diálogo com as relações passadas, presente e futuras constituem uma necessidade vital. Nesse sentido, considerar os elementos que fragmentam a identidade histórica do sujeito, reflete sobre a importância do conhecimento histórico e a sua função de, através do conhecimento orientar e dar significado a experiência histórica. Sendo o conhecimento histórico o alimento substantivo para entender as permanências de construções temporais, percebemos um passado cultural que contempla as grandes nações e feitos dos grandes homens em omissão do que há de mais próximo. Localizar a “didática da história a partir do desenvolvimento da consciência histórica” (RÜSEN, 2010: 14), permite 3 Professor de Ensino Superior do quadro temporário da UEG do Curso de História da UnU Jussara com as disciplina: Temas da Antropologia, Metodologia da Pesquisa Histórica I e II, Teoria da Historia I e II, Historia do Brasil III e História e Cultura Afro Brasileira entre os anos de 2007 a 2013. 2 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) coloca o enigma do passado-presente aos olhos da compreensão de que o ensino de História tem maior importância do que o se tem dado em sala de aula. Não estamos justificando que o ocorrido no presente seja culpa do passado. Não compartilhamos dessa interpretação e ela não nos serve para a perspectiva que pretendemos apresentar ao longo do texto. Nossa defesa é a busca de entender uma História crítica que contribua para a elevação do espírito humano no que concerne à liberdade de igualdade na diversidade cultural. Levando em referência um “aprendizado capenga, unilateral, autocentrado, discriminante”. Reconhecemos as contribuições de Jörn Rüsen para se pensar o ensino de História e didática da História no processo de formação da consciência histórica. Dessa forma, nosso texto vai à contra mão de uma perspectiva que vê o ensino de história enquanto neutro. O ensino de história reflete as dimensões do tempo vivido pelos sujeitos nos tempos e espaços e traduzem os processos de grande peso do passado sobre o dia-a-dia dos indivíduos na constituição de sua identidade. A didática da história, em Rüsen fomenta os “processos de aprendizado, formadores da subjetividade empiricamente preenchida pela experiência do tempo, no tempo e sobre o tempo” (RÜSEN, 2010: 08). Sendo o ambiente escolar responsável por uma das dimensões de contato com o tempo histórico, percebemos a necessidade de uma investigação que apresente fatores condicionantes dos discursos e práticas da formação da identidade histórica do sujeito em relação a sua história. Por essa via, trabalhar com a temática da História e cultura afro brasileira, nos ajuda a pensar a história e a cultura como dimensões duplamente qualificadas para se compreender o mundo vivido nas experiências sociais e educacionais. Desafios e Práticas: a Consciência Histórica4 Ao buscar uma discussão crítica e analítica para entender os aspectos que formalizam a aplicação do ensino de História e cultura afro brasileira no contexto educacional, percebemos que diversos fatores se apresentam a nós por via das fontes consultadas. 4 Partes das ideias deste texto já foram trabalhadas na revista Guanicus -2012, conforme referências em notas de rodapé. Outro fator é que há parte do texto que foi enviado para a Revista Brasileira de Extensão e Inovação sob a condição de avaliação para se aprovado ser publicado na mesma. Então esse trabalho não constitui ideias inéditas, fazem parte de um conjunto de debates e discussão que venho desenvolvendo na tentativa de ampliar o horizonte de entendimento e compreensão sobre o tema da Didática da História, Ensino de Historia e a temática da História e Cultura Afro Brasileira. 3 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Heuristicamente as informações percebíveis nas fontes, qualificam significados e representações que tornam pertinentes nossas discussões por revelar que “o processo de ensino de história e aprendizado na sala de aula é governado por uma estrutura da consciência histórica não reconhecida pelos próprios participantes” (RÜSEN, 2010: 34). Segundo Rüsen (2007)5 lançar da operação procedimental e substancial é um procedimento que nos ajuda a produzir algo que entenda a realidade. Com isso, nossa proposta visa uma discussão pertinente a História e Cultura afro brasileira, entendendo a cultura afro brasileira enquanto constituinte da identidade do sujeito histórico6. Explicitar a carência de orientação temporal do sujeito histórico apresenta a consciência histórica como suporte para o exercício da identidade. Nós podemos aprender que a consciência histórica pode exercer um papel importante naquelas operações mentais que dão forma à identidade humana, capacitando os seres humanos, por meio da comunicação com os outros, a preservarem a si mesmos. Focando essa questão de identidade histórica, a didática da história enfatiza um elemento crucial na estrutura interna do pensamento e da argumentação histórica, bem como suas funções na vida humana (RÜSEN, 2010: 08). Ancorados nessa via, percebemos as representações das relações humanas produzidas através do choque entre culturas, ou seja, a herança europeia e a herança afro e a partir disso, o reconhecimento da cultura nacional7, torna-se um processo histórico e educacional que está estruturado em nossas escolas. Sabendo que a miscigenação específica em nossa nação, levantamos a seguinte problemática: Como as pessoas veem a miscigenação? É algo bom ou negativo? E até que ponto a História e Cultura afro brasileira têm sido ensinados dentro das instituições de ensino do país? Pois, no passado encontram-se situações em que a escravidão negra no Brasil, transforma o outro em objeto, e nesse caso, é negando ao negro sua própria humanidade8. Traduzir situações vividas no contexto das escolas que denunciam os aspectos de continuidade ou rupturas dos processos históricos, delimitam as identidades sociais e culturais dos indivíduos. Dessa forma, o tema nos conduz a discursos, discussões e situações, que envolvem ações pré-conceituosas de modo velado e sutil segundo Schwarcz (2001)9. 5 RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Brasília: UBN, 2007. Ver RÜSEN Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba – PR: UFPR, 2010. 7 Ver HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia da Letras, 1995. 8 Ver GORENDER, Jacob. O escravismo Colonial. 5º Ed. São Paulo: Atica, 1988. 9 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz, Raça como Negociação: sobre teorias raciais em finais do século XIX no Brasil. IN: Brasil Afro-brasileiro. 2° ed. Bela Horizonte: Autêntica, 2001. 6 4 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Existindo uma relação histórica que define lugares específicos para os tipos sociais e raciais, percebemos que dialogar com a realidade para entendê-la e compreendê-la, interliga o nosso fazer com a proposta de uma didática da história que possibilita revelar situações e demonstrar as ações de exclusão cultural e social. Segundo Schwarcz apud Gomes (2011), essa situação está estruturada10 dentro das relações cotidianas, no contexto da nossa cultura, identidade e história. Os autores nos falam que tal elemento se faz uma herança do passado colonial, onde as relações sociais do nosso país se ancoram na lógica da cor e do status. Logo, discutir o ensino de história11 em relação à temática da História e cultura afro brasileira, se justifica nos aspectos da nossa identidade que estão sendo formalizados no contexto educacional12. Seguindo esse pensamento, temos meios que nos possibilita compreendermos a lógica das significações que estão contidas em tempos e espaços variados na relação entre passado e presente. Conforme Rüsen (2007, p: 140) analisar é dirigir o olhar histórico para os elementos que “representam a cultura de uma época” e com isso, entender até que ponto existe uma ruptura ou uma continuidade de ações e práticas dos agentes históricos. A história enquanto conhecimento da vida humana é formadora de múltiplas possibilidades. Então o homem, mas do que fazedor e formador é capaz de estabelecer múltiplos eventos além de dar diversos significados as suas experiências de vida. As indagações que fazemos se situa nos processos relacionados entre o agir, pensar, imaginar, sonhar e sentir, isso porque, o homem cria o mundo e orienta-se nele a partir da busca de sentido para sua orientação temporal segundo Rüsen apud Gomes (2011). Seguindo esse pressuposto, busca-se uma discussão no sentido de orientar a significação para a experiência humana. Percebendo a cultura afro brasileira como algo constituinte da nossa identidade, refletimos se de fato vencemos o preconceito, ou vivemos “um preconceito de ter preconceito”, na qual a concepção que as pessoas têm sobre a cultura afro brasileira, está 10 Ver ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. Historia da Educação no Brasil: (1930\1973). Petrópolis – RJ: Vozes, 2010. 11 Firmando nisso temos com as definições de Rüsen (2010) uma perspectiva de uma didática da historia que ofereça ao aluno/sujeito histórico meios para se identificar enquanto sujeito integrante da historia e construtor dela. 12 Ver CAETANO, Marciêne das Dores; GOMES, Wilson de Sousa e RODRIGUES Fernando Rocha. Ensino de “Historia e Cultura Afro Brasileira: breve discussão”. IN: Revista Guanicus. Vol. 07, Nº 11, 2012, p. 43-44. (Faculdade Anicuns - GO) 5 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) ligada a um passado marcado pela lógica da cor e do status13. A História do Brasil nos apresenta evidências onde o outro é transformado em um objeto, negando-lhe sua própria humanidade segundo Gorender (1988). Assim, somos levados a pensar o processo histórico carregado de marcas da exclusão, que reflete uma estrutura de ações pré-conceituosas e discriminatórias do passado em relação com o presente. A problemática apontada reflete elementos da contemporaneidade notando que a história enquanto experiência dos homens14 no tempo dá as conotações de formação de identidade e orientação dos indivíduos na sua formação, temos uma temática de urgente necessidade de discussão e ampliação dos debates e pesquisas. Assim, discutir sobre História cultura afro brasileira é entender os aspectos que representam a nacionalidade, e isso, possibilita compreendermos a lógica das significações que estão contidas em tempos e espaços variados na relação entre passado e presente. Conceitos e concepções: a questão da educação e cultura Conforme Rüsen (2007: 140) dirigir o olhar histórico para os elementos do cotidiano que “representam a cultura de uma época” possibilita entendermos a tradição. Seguindo esse pressuposto, entender até que ponto há uma ruptura e uma continuidade de ações e práticas que representam exclusão e preconceito é estar em consonância com as relações entre o passado – presente, que se manifesta na tradição e cultura que são negadas devido ao seu processo de exclusão que se baseia numa estrutura de dominação. Por mais que a lei 10.639/03 determine a aplicação dos elementos da História e Cultura Afro-brasileira nas instituições de ensino do país, notamos que uma coisa é a lei, a outra é a realidade, conforme Gomes (2011). Assim, temos alguns fatores que reforça a importância dessa discussão no âmbito da educação e da universidade. Pois, debater, discutir e conhecer, também é pesquisar e preservar. Logo, discutir questões referentes à nossa educação, cultura, tradição, identidade e história nos direciona para respostas que satisfazem nossa sede de saber sobre a realidade social, cultural e educacional. 13 14 Idem Ver RÜSEN Jörn. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba – PR: UFPR, 2010. 6 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) A partir disso, podemos compreender a cultura como sendo uma manifestação universal na existência humana. Embasados na perspectiva teórica de Geertz (1978), percebemos que “as teias” de significação e do sentido das práticas humanas estão relacionadas ao que elas tomam como certo ou errado. Tomando essa perspectiva teórica, estabelecemos uma crítica para perceber os fundamentos das concepções preconceituosas e discriminatórias que existem em nosso país. Em função disto, entendemos que a lei 10639/03 tem efeito direto no âmbito escolar e que um estudo sobre o processo histórico, seguido de uma relação prática e objetiva, possibilita compreendermos até onde estão estruturadas as ações pré-conceituais e discriminatórias do nosso passado em relação com o presente, e assim, motivar novas práticas e atitudes frente a nossa cultura que não legitimem a exclusão de culturas e manifestações de cunho afro brasileiro. Logo, analisar, definir e conceituar é uma tarefa complexa, e envolve vários focos epistemológicos segundo Chartier (1995), mas a tarefa da ciência é justamente isso, perceber e debater os vários enunciados dentro da construção conceitual, para encontrar as significações que damos ao nosso mundo social. Pois, a percepção do social representam as lutas e os “mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores, que são seus, e o seu domínio”15, a outro grupo. Compreendemos que a ausência que manifestações da cultura afro no meio educacional se configura como sendo um problema de ordem política e cultural, reflete os contrastes de superioridade e inferioridade que caracterizavam o processo de exclusão do nosso passado. A marca visível é a escravidão e suas marcas traumáticas em nossa História. Segundo Marrou (1978: 56), a produção do conhecimento em História, se faz de acordo com a documentação disponível, pois “a história se faz com documentos”. Com isso, o historiador lida com os vestígios do passado para entender as relações do presente - passado e se orientar enquanto ser temporal, ou seja, ser histórico segundo Rüsen (2010). Frente a isso, nossa pesquisa desenvolve um trabalho de coleta de dados que evidenciam o que é discutido e priorizado dentro do âmbito escolar. Visamos produzir um “diagnóstico” que aponte os tratamentos dados a questão de História e Cultura afro-brasileira. Pois, a História e o seu ensino, tem que ser vista como um elemento de transformação, 15 Ver CHARTIE, Roger. A História Cultural: Entre Práticas E Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 7 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Somente quando a história deixar de ser aprendida como a mera absorção de um bloco de conhecimentos positivos, e surgir diretamente da elaboração de respostas a perguntas que se façam ao acervo de conhecimentos acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo aprendizado e se tornar fator de determinação cultural da vida prática humana (RÜSEN, 2010: 44). Seguindo essa perspectiva, centramos nossa pesquisa em escolas de Ensino Fundamental de Jussara especificamente as de 6ª a 9ª ano. A partir da permissão dos gestores educacionais, analisamos os Cadernos de Orientação Curricular, o Projeto Político Pedagógico, o Plano Anual do Professor da disciplina de História, o Livro Didático e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN. Contando com a colaboração de professores, pais e alunos, desenvolvemos questionários para colher dados relativos a perspectivas da temática da História e cultura afro brasileira no contexto educacional. Assim, o trabalho se dividiu em catalogar os livros didáticos de História, depois, comparar os Projetos Políticos Pedagógicos das diferentes escolas e a sua relação com as orientações dos Cadernos de Orientação Curricular e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN. Após isso, perceber como que o Plano Anual de Aula do Professor aponta a temática da cultura afro para posteriormente, confrontar o debate histórico contidos nos livros didáticos, em relação à lei 10639/03 e sua aplicabilidade dentro do contexto escolar, na intenção de perceber a atitude de professores e alunos diante dos conteúdos que discutem a questão da cultura afro brasileira. Dessa forma, a construção da identidade em uma base sólida, precisa entender o processo horripilante de um passado de sofrimento, em um presente contrário a esse sentido 16. O indivíduo para se sentir pertencente a uma realidade, tem de identificar-se com ela de forma a ter consciência acerca das suas amarras, projetando “conceitos de mudança temporal” por via de reivindicações de verdade. Assim, a “consciência histórica abre a relação ao futuro” 17 aproximando o individuo da cognição. Entender a permanência do fluxo de eventos políticos que estruturam a identidade histórica é ter a possibilidade de mudança. Afinal, a consciência histórica, Se caracteriza pela “competência de orientação”. Essa competência supõe ser capaz de utilizar o todo temporal, com seu conteúdo de experiência, para os propósitos de orientação da vida. Implica guiar a ação por meio das noções de mudança temporal, 16 Ver RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. IN: História da Historiografia. Nº 02, 2009, p. 163 a 209. 17 Idem 8 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) articulando a identidade humana com o conhecimento, mesclando a identidade no enredo e na própria trama do conhecimento histórico (RÜSEN, 2010: 61). Seguindo esse raciocínio, compreendemos que em uma realidade onde o indivíduo não se encontra ou não se percebe enquanto sujeito –histórico, tende a sofre uma crise de identidade. Pois, uma realidade que não comporta ações e representação de uma cultura demonstra lugares historicamente determinados onde à cultura da elite abafa as outras18. Assim, livros didáticos, músicas, histórias e etc., que apresenta a trajetória apenas dos grandes heróis, brancos, colonizadores, cristãos e etc., carrega o estigma do vencido. Se o pensamento histórico é um meio de expressar a identidade, logo, é tarefa do historiador dar ferramentas que possam construir as identidades reforçando a consciência histórica dos sujeitos por via de instrumentos teóricos que superem a crise conceitual e real. Considerações finais Almejamos com essa produção uma discussão que venha ampliar os debates acadêmicos, científico e historiográfico no que se refere à Didática da História, o Ensino de História e a temática da História e Cultura Afro Brasileira. Se o propósito básico da didática da história é “investigar o aprendizado histórico”, defendemos que a “narrativa histórica pode ser vista como operação mental constitutiva” (RÜSEN, 2010: 43). Uma vez aprendida os conhecimentos históricos, o sujeito se orienta no tempo espaço, tendo um reforço da sua identidade cultural. Assim, Aprender é um processo dinâmico em que a pessoa que aprende é transformada. Algo é ganho, algo é adquirido – conhecimento, habilidade ou uma mistura de ambos. Na aprendizagem histórica, “história” é adquirida: os fatos, objetivos, coisas que aconteceram no tempo, tornam-se um assunto de conhecimento consciente – tornamse subjetivos (RÜSEN, 2010: 82). Dessa forma, compreender o sentido que reina na mentalidade ou quais os sentidos produzidos na mentalidade educacional é algo complexo, exige do historiador um modo sistemático de lidar com as bases de ações e representações do nosso mundo, pois as realidades são sempre produzidas por sujeitos em condições sociais e históricas determinadas. 18 Ver ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil: (1930\1973). Petrópolis – RJ: Vozes, 2010. 9 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Portanto, muito mais que apenas olhar para a realidade, faz – se necessário, antes conhecer a realidade e compreender os mecanismos que promovem as atitudes que comumente não damos conta de perceber, ou seja, entender os indivíduos produtores da realidade como sugere E. H. Carr (1981), para a partir daí, promover ações que possam resultar em atitudes que amenizem os processos de exclusão e discriminação. A importância dessa discussão sobre História e cultura afro brasileira é o primeiro passo para uma longa caminhada. Contudo, a questão central é: conhecer o passado e entendêlo na sua complexidade. Agir de forma a não condenar os agentes históricos do tempo passado. O ponto “xis” da problemática, é apresentar que a realidade presente e futura, se faz com a possibilidade de racionalizar as práticas culturais diversas, em uma realidade social que abarque “certas formas de vida, certo “sistema de crenças”19, tendo a diversidade e multiculturalidade como forma legítima de necessidade de respeito por parte de todos. É uma atitude e ação que não se dá da noite para o dia, contudo, projetos, cursos, discussões, etc., já são a primeira ação para a mudança e transformação de uma realidade que carrega princípios velados de preconceito e discriminação. REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 10.639 de 09 de Janeiro de 2003. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 12° ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. CARR, Edward Hallet. O que é história? São Paulo: Paz e Terra, 1981. _____________. A História Cultural: Entre Práticas E Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. MARROU, Henri-Irenné. Sobre o conhecimento histórico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. RÜSEN, Jörn. Razão histórica: fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2001. 19 Ver RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. IN: História da Historiografia. Nº 02, 2009, p. 163 a 209. 10 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) ____________. História Viva: teoria da historia: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília:UNB, 2007. ____________. Pode-se melhorar o ontem? Sobre a transformação do passado em história. In: SALOMON, Marlon (Org.) História, verdade e tempo. Chapecó-SC: Argos, 2011, p. 259290. (Grandes Temas; 14). SCHAFF, Adam. História e Verdade. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1997. 11