HISTÓRIA E EDUCAÇÃO HISTÓRICA Sadraque Micael Alves de Carvalho (Discente do PPGH-UFRN) RESUMO Nos últimos anos, as pesquisas em educação histórica têm ganhado grande visibilidade no Brasil. De modo geral, essa linha de pesquisa é vista com bons olhos pelos historiadores - a despeito da sempre denunciada dicotomia entre “historiadores” e “historiadores do ensino” – talvez pelo embasamento dos pesquisadores em educação histórica na própria teoria da história. Nosso objetivo é fazer uma discussão do que é a pesquisa em educação histórica e apontar alguns desdobramentos para o campo da história, em especial as reflexões sobre o papel do professor/historiador na sala de aula. Palavras-chave: educação histórica, teoria da história, aprendizagem, ensino. A pesquisa em educação histórica consiste numa reflexão sobre a cognição histórica, partindo do esforço em identificar os sentidos que alunos e professores atribuem à história. É notório como esta linha de pesquisa ultrapassa a reflexão prescritiva do “como ensinar história?” – no mais das vezes sem fundamentos empíricos - para pensar nos sentidos que são atribuídos à história. De acordo com Isabel Barca – uma das principais pesquisadoras em educação histórica – o crescente interesse por este tipo de estudo é fruto de uma tendência que se verifica há mais ou menos 30 anos. Desde a década de 1980 o enfoque investigativo da pesquisa educacional tem passado de questões mais genéricas, do tipo “como se desenvolve a aprendizagem?” para questões que requerem um enfoque disciplinar, como do tipo “como são compreendidos os conceitos da área de saber X?” (BARCA, 2007 p.24). Em razão desse enfoque disciplinar, se faz necessário refletir sobre a natureza do conhecimento histórico, de modo que um traço marcante desta linha de investigação está na sua fundamentação na própria teoria da história. Um dos principais intelectuais, que refletem sobre a teoria da história, e são utilizados por esses pesquisadores é o historiador alemão Jörn Rüsen. Este autor realiza uma interessante discussão sobre os fundamentos da ciência da história. Para Rüsen, os fundamentos mais genéricos e elementares da ciência da história estão enraizados na vida prática, ou mais precisamente na consciência histórica (RÜSEN, 2001 p.30). Existe uma necessidade humana de estabelecer significados para o grupo do qual se participa, significados construídos a partir das experiências do passado, do presente e das expectativas que se imagina para o futuro da coletividade. A expressão consciência histórica designa esses significados que são construídos em grupo e pelo grupo sobre si próprio, caracterizando-se pela a ação do tempo e do espaço. Essa concepção é diferente daquela proposta por Gadamer, na qual a consciência histórica seria algo restrito, uma espécie de estágio atingindo por alguns seres os subgrupos humanos. Seria uma espécie de posição crítica ao que é transmitido pela tradição. Seu contrário seria talvez uma inconsciência histórica (CERRI, 2002). É por meio da consciência histórica que os grupos elaboram um sentido histórico para suas experiências no tempo, a partir do qual podem orientar-se temporalmente. Num arremate, podemos dizer que a ciência da história é também produto da consciência história. Não obstante, não se trata de sinonímia entre ciência da história e consciência histórica, uma vez que esta constitui uma resposta regulada metodicamente para as carências de orientação temporal, que fomentaram o interesse inicial que levou à pesquisa historiográfica. A história, na sua forma de ciência ou estudo, possui uma especificidade e uma racionalidade que difere da noção mais abrangente de consciência histórica. Sinteticamente, são estas noções que pautam os estudos em educação histórica. A pesquisa nessa área abriga pesquisadores que centram seu foco na necessidade de se conhecer e analisar questões relacionadas à tarefa do ensino de história na formação da consciência histórica. A pesquisa em educação histórica é tributária em grande medida de uma necessidade de fundamentar um ensino de história capaz de promover aprendizagens significativas. Por que estudar as idéias que alunos e professores possuem acerca da história é importante? Porque só podemos mudar conscientemente aquilo que conhecemos. Nesses estudos, é patente a preocupação com a aprendizagem histórica, no sentido mesmo de que há uma intenção de atuar mais significativamente no processo de aprendizagem, identificando as idéias sobre determinado conteúdo histórico e daí tentar construir conhecimento a partir do que os sujeitos já sabem previamente. Nesta tarefa é dada atenção aos valores, representações e sentidos que os sujeitos atribuem à história, sendo necessário um levantamento preliminar de idéias substantivas (como cidadania, democracia, revolução industrial, etc.) e/ou sobre a natureza da História (como explicação, evidência, significância, temporalidade). A partir disso é que se podem comparar as mudanças que ocorrem no processo de ensino aprendizagem, através de uma avaliação dos níveis que se encontram os conhecimentos. No geral, esses trabalhos visam realizar uma interferência no processo de ensino aprendizagem. Outro aspecto importante que é defendido por esses pesquisadores – Isabel Barca, Peter Lee, Martin Booth e no Brasil Maria Auxiliadora Shimidt, Marlene Cainelle, entre outros – é a superação da concepção de aprendizagem fundamentada tão somente no desenvolvimento da maturidade biológica. Estes observam que o grau de consistência e de elaboração das idéias históricas dos jovens parece relacionar-se, sobretudo com a qualidade das situações de aprendizagem do que com o amadurecimento biológico. Por isso também a preocupação com o contexto concreto das experiências dos sujeitos, atentando para a verbalização e escrita das idéias de cada um e ao tipo (e nível) cognitivo de partilhas interpessoais constitui-se como um princípio de atuação relevante. (BARCA, p 24). A forma de contar evidencia a relação que o sujeito estabelece com o passado na busca de sentido para sua experiência no tempo. E a história escolar deve ajudar a formar estruturas cognitivas que permitam aos alunos pensarem o mundo historicamente. O que se ensina – e o desdobramento disso, o que se aprende – sobre história pode se configurar como uma questão de grande relevância. Por que estudar a construção de representações da história a partir do ensino de história? Os pesquisadores do ensino de história concordam que é no âmbito desse ensino que se sedimentam concepções e valores que se apresentam como verdades para a maior parte da população. A história conhecida pela maioria é tributária do que se aprende na escola. Como dimensão desse processo de construção de representações, temos o campo sinuoso das apropriações que ocorrem no ensino da história, que devem ser observados pelo pesquisador. No caso do trabalho com alunos, deve-se ter em mente que as reflexões desses sujeitos sobre elementos da história são construções pessoais, mas também estão vinculadas a uma rede de interdependências na qual se constituem. Ou seja, os conhecimentos prévios dos alunos são construções realizadas na dimensão das relações socioculturais. E de acordo com Ivo Mattozzi, são variados os fatores que podem conformar a concepção prévia das crianças, esta poderá ter a participação da ação pedagógica escolar como elemento desestabilizador ou não, além, evidentemente, do que trazem de outros contextos para a escola, que também podem ajudar, ou não, a atuar numa perspectiva crítica. (MATTOZZI p.8) A crítica que advém desses estudos é bastante pertinente. A preocupação em identificar o papel que o ensino de história apresenta na formação das consciências históricas e na formação das identidades, tem se limitado fundamentalmente a analisar os veículos e práticas de produção e disseminação de memórias - o que não é de menor importância. Pouco sabemos a respeito dos efeitos que o ensino de história e a exposição à história tem sobre a formação das consciências e das identidades – incluindo aqui a história que veicula nas festas cívicas, monumentos, museus, filmes, televisão, imprensa, etc. A questão fica clara nas palavras de Lana Mara de Castro Siman: Identificar as representações que os estudantes fazem a respeito de determinados temas históricos poderá contribuir tanto para elucidar as bases sobre as quais vêm se estruturando seus imaginários e suas identidades sociais, quanto para identificar as relações que essas guardam com o ensino de História e com seus universos sócioculturais (SIMAN, 2001 p.151). O interesse em investigar os efeitos do ensino de história – ou como a história ensinada é consumida por alunos e professores, utilizando o conceito de consumo de Certeau (CERTEAU, 1994) – parte de uma compreensão de que o espaço escolar é dinâmico, inventivo. É sintomático o predomínio de uma visão de senso comum acerca da escola, mesmo na academia. A escola costuma ser vista como um espaço eminentemente disciplinar. Talvez seja válido dizer que a escola não é uma instituição toda poderosa, onde não há diferenças entre intenções e resultados, bem como ela não reproduz o que lhe é determinado de fora, pelos currículos e programas oficiais, como se nela não existissem sujeitos que podem impor resistências de inúmeras formas, inclusive a indiferença. Isso pode parecer estranho, como aponta Ivo Mattozzi: Em todos os regimes políticos, tanto autoritários como democráticos, tem-se reconhecido ao ensino da história um papel de educação moral, uma capacidade de transmitir modelos de comportamento cívico e político, uma finalidade de educação social e cívica.[...] A idéia de que o ensino da história na escola teria o poder de educar para valores e comportamentos é, na minha opinião, fruto de uma ilusão, de uma falácia que induz a pensar que existiria uma continuidade entre a história dos historiadores e a história escolar (MATTOZZI p.1). É válido ressaltar que investigar os efeitos da história que é ensinada nas escolas, nas festas, nos museus, nos meios de comunicação, é sintomático de uma migração da pesquisa em ensino de história da externalidade para a internalidade da sala de aula (OLIVEIRA, 2007. p.155), ultrapassando a análise de currículos, de programas, de livros didáticos – o que não é de modo algum menos importante. Embora essas fontes sejam imprescindíveis para se entender as formas e os conteúdos que são disseminados, elas não permitem perscrutar – ao menos não efetivamente – as formas de aprendizagem e de consumo dessas histórias. Pessoalmente, acredito que os pesquisadores que se debruçam sobre a esfera da aprendizagem histórica, (levando em conta demandas conceituais como as idéias de consumo e apropriação de Michel de Certeau), cumprem um papel importante no sentido de que podem oferecer subsídios para entendermos a formação histórica – entendida como processo de aprendizagem da história, e de constituição de memórias, ex. ensino de história nas escolas, influências dos meios de comunicação (RÜSEN, p.48) – haja vista que a ciência da história também pode refletir sobre a consciência histórica e sua função de orientação temporal, levando em conta que o ensino de história tem um papel a cumprir nesse processo. Isabel Barca assinala para a necessidade do professor em ser um investigador social, devendo está atento aos saberes dos seus alunos, e problematizando seu próprio pensamento e ação. (BARCA, p.31) Essa postura contribui para (re)significar a atuação do professor historiador na sala de aula, uma vez este é efetivamente um agente educativo organizador de atividades desafiadoras. REFERÊNCIAS BARCA, Isabel. Investigação em Educação Histórica: fundamentos, percursos e perspectivas. In. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Et. Ali. Ensino de história: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal, EDUFRN, 2008. CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Nação na Propaganda do “Milagre Econômico”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.22, n°43, 2002. pp. 195224. CERTEU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. MATTOZZI, Ivo. A história ensinada: educação cívica, educação social ou formação cognitiva. (conferência para o congresso) OLIVEIRA, Margarida Maria Dias. O ensino de história como objeto de pesquisa no Brasil: no aniversário de 50 anos de uma área de pesquisa, notícias do que virá. In. SAECULUM- Revista de História [16]; João Pessoa, jan./jun. 2007. RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, Brasília, 2001. SIMAN, Lana Mara de Castro. (Org.) Inaugurando a História e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.