223 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e Cuidados Psicossociais em Saúde Mental Mental Health Matrix Support in Family Health Strategy: Psychosocial Care and Mental Health Care Maria Lidiany Tributino de Sousa1 Luís Fernando Tófoli2 Resumo O presente artigo surgiu de um estudo maior que objetivou avaliar o Apoio Matricial em Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde de Sobral, Ceará, na perspectiva da Integralidade. Considerou-se a fala dos gestores, profissionais das equipes locais e das equipes multiprofissionais, apoiadores matriciais, usuários e agentes comunitários de oito Centros de Saúde da Família. A pesquisa envolveu análise documental, observação sistemática, entrevistas e grupos focais, resultando em categorias como implantação, percepções, organicidade, desafios e potencial desse arranjo. Este artigo destaca a relevância da temática que aborda o Apoio Matricial em Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família com seu potencial de atenção na perspectiva do Modelo Psicossocial do Cuidado, aproximando esse arranjo dos aspectos da integralidade da atenção, participação social e das propostas de ampliação do conceito de saúde-doença, interdisciplinaridade no cuidado e territorialização das ações. Palavras-chave: saúde mental; Estratégia Saúde da Família; sofrimento psíquico. Abstract This article comes from a larger study aimed at assessing the Matrix Support in Mental Health in the Primary Health Care of the town of Sobral, Ceará, Brazil, from the perspective of Integrality. The speech of managers, professionals from the local teams and from the multiprofessional teams, matrix supporters, users, and community agents from eight Family Health Care Centers was taken into account. The research involved documentary analysis, systematic observation, interviews, and focal groups, resulting in categories such as implantation, perceptions, organicity, challenges, and potential of this arrangement. This article highlights the relevance of the theme which approaches the Matrix Support in Mental Health in the Family Health Strategy with its potential for care from the perspective of the Psychosocial Model of Care, approximating this arrangement of the aspects of the integrality of care, social participation, and the proposals for enlargement of the concept of health-disease, interdisciplinarity in the care and territorialization of actions. Keywords: mental health; Family Health Program; mental suffering. 1 Psicóloga, mestre em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará (UFC-Campus Sobral). Tutora da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia - EFSFVS. Endereço para correspondência: EFSFVS, Av. Jonh Sanford, 1320, Junco, Sobral, CE, CEP: 62.030-000. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Psiquiatra, doutor em Medicina (Psiquiatria) pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto do Curso de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família da Universidade Federal do Ceará, Campus de Sobral, CE. Endereço eletrônico: [email protected] Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 224 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental Introdução A mudança de um modelo centrado no hospital para a criação de serviços territoriais possibilitou o encontro entre Saúde Mental e Estratégia Saúde da Família (ESF), possuindo aspectos de confluência com o paradigma do Modelo Psicossocial de Cuidado, contrapondo-se ao “modo asilar”. O denominado “modo asilar” pressupõe um foco no orgânico, fazendo a utilização de métodos medicamentosos e negando a existência do sujeito no processo como participante, sendo este apenas um depositário do saber e do poder dos agentes da instituição. As formas de organização institucional são piramidais ou verticais e o cuidado visa à supressão dos sintomas. Dessa forma, este modelo prioriza o orgânico da situação, deixando de lado as possibilidades psicossociais do processo (CostaRosa, 2000). O “modo psicossocial” de atenção e cuidado em saúde mental engloba fatores políticos e biopsicosocioculturais no entendimento das doenças, pressupõe um entendimento integral do sujeito, considerando sua subjetividade, assim como implica que ele seja participante na mobilização da sua terapêutica. A estratégia de intervenção estende-se a um grupo mais ampliado e a forma de organização institucional consiste na horizontalização das relações de poder (Costa-Rosa, 2000). Vê-se que este modelo busca a superação da racionalidade subentendida no modelo médico hegemônico, a inseparabilidade entre produção de saúde e produção de subjetividade que conduz a uma possível superação do modo capitalístico do processo de produção marcado pela divisão do trabalho, assim como a destituição do imaginário institucional autoritário e repressor do modo asilar (Yasui & Costa-Rosa, 2008). Desse modo, o paradigma do Modelo Psicossocial de Cuidado baseia-se em princípios comuns que orientam a ESF, sendo eles, integralidade da atenção, participação social e, nas suas propostas de ampliação do conceito de saúdedoença, interdisciplinaridade no cuidado e territorialização das ações. De acordo com Murray e Lopez (1996), os transtornos mentais estão entre as dez condições mais expressivas na Carga Global de Doença no planeta (estimada mediante anos de vida perdidos por incapacidade). No Brasil, os transtornos mentais são o problema de Saúde Pública de maior importância, aproximando-se do câncer, das doenças cardiovasculares e das doenças infecto contagiosas (Reichenheim, Souza, Moraes, Mello Jorge, Silva, Souza Minayo, 2011). Segundo monitoramento realizado pelo Ministério da Saúde em 2001 e 2002, 51% das equipes saúde da família realizam algum atendimento em saúde mental, havendo uma alta prevalência de sofrimento mental na rede primária (Ministério da Saúde, 2002). De acordo com levantamento da Organização Pan-americana de Saúde [OPAS], a relação entre atenção em saúde mental e cuidado na rede primária oferece vantagens como triagem e tratamento precoces, especialmente, detecção de usuários que apresentam queixas somáticas mal definidas, potencial de tratamento dos aspectos mentais associados com problemas “físicos”, atenção mais qualificada, dentre outras (OPAS, 2001). A partir dessa realidade, pode-se perceber que a saúde mental está inserida na saúde geral e que a rede primária deve ser porta de entrada para essa demanda e espaço de construção de práticas de atenção e cuidado em saúde mental. Porém a complexidade do processo saúde-doença mental aponta para a necessidade de uma rede interligada de serviços que possibilite troca de saberes e práticas. Dentro desse contexto de possibilidades, Gastão Wagner Campos pensou a reordenação das organizações de saúde, objetivando a criação de um arranjo - o Apoio Matricial - que passa a ser operacionalizado em Campinas a partir de 1989 (Cunha & Campos, 2011). Este dispositivo é proposto como forma de produzir uma ruptura no modelo assistencial dominante, calcado na lógica da especialização e da fragmentação do trabalho, através da interlocução entre os equipamentos de saúde mental de modo a tornar horizontais as especialidades e estas permearem todo o campo das equipes de saúde locais, estimulando a corresponsabilização pelo cuidado em saúde (Campos, 1999). Esse trabalho é parte de uma dissertação que objetivou avaliar o Apoio Matricial em sua capacidade de integralidade no cuidado em saúde mental na rede de atenção primária, imprescindível para a construção de um modelo teórico referente ao Apoio Matricial em Sobral, lócus da pesquisa. A temática do Apoio Matricial em Saúde Mental na ESF ganha relevância pelo seu potencial de atenção, na perspectiva do “modo psicossocial” do cuidado e da atenção. Metodologia Este trabalho, no intento de atingir os objetivos expostos, apresenta-se como uma pesquisa de Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 225 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental natureza qualitativa (Minayo, 1999), do tipo avaliativa (Pinheiro & Silva, 2008) e de caráter formativo (Filho, 2009). O lócus do estudo foi o município de Sobral que vem apresentando alguns destaques em nível nacional pela sua adesão aos princípios da Reforma Psiquiátrica e sua articulação entre Saúde Mental e Atenção Primária a partir da sua organização em rede e da utilização de diversos arranjos organizacionais, dentre eles o Apoio Matricial. Sobral é sede da macrorregião e microrregião do norte do Estado cearense e, desde 1997, vem organizando seu Sistema Municipal de Saúde com o desenvolvimento de ações intersetoriais, iniciando seu processo de Reforma Psiquiátrica mediante o rompimento com o sistema manicomial e a implantação da Rede de Atenção Integral à Saúde Mental em 2000 (Barros, 2008). O estudo contemplou oito Centros de Saúde da Família (CSF) da sede do município, escolhidos a partir de uma amostragem intencional, prezando o julgamento e a diversidade de critérios como: apoiador matricial (dois CSF de cada apoiador), localização (CSF das diferentes zonas urbanas de Sobral), população cadastrada na ESF (variando de 6.370 a 18.787 habitantes) e composição da equipe. A pesquisa foi desenvolvida em diversas etapas inter-relacionadas, envolvendo análise documental, observação sistemática, entrevistas e grupos focais, sendo participantes os diferentes grupos de interesses implicados na operacionalização do Apoio Matricial de saúde mental em Sobral, tais como gestores, profissionais de saúde, agentes comunitários e usuários. Desse modo, a pesquisa considerou áreas de tensão e interesses sociais conflitantes encarnados pelos diferentes atores que fazem parte da gestão, atenção e cuidado da saúde mental no cotidiano da ESF a partir deste arranjo organizacional. Optou-se por trabalhar com: Apoiadores matriciais da sede dos CSF, escolhendo todos; Profissionais das equipes saúde da família com maior tempo de serviço, disponibilidade para participar da pesquisa e assiduidade nos momentos das Preceptorias de Psiquiatria; Profissionais de diferentes categorias das equipes multiprofissionais da Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) e do Núcleo de Apoio em Saúde da Família (NASF), envolvidos nos momentos das Preceptorias de Psiquiatria. Em relação aos usuários, utilizou-se como critério de inclusão os que tivessem uma demanda por cuidado complexo, ou seja, que envolvesse profissionais de diferentes níveis de atenção. Em relação aos ACS, foram incluídos os indicados pela equipe com mais tempo no serviço, maior envolvimento com as ações e com os casos de saúde mental no intuito de trazerem informações de como funciona a atenção à saúde mental no território. Quadro 1- Sistematização dos grupos e sujeitos da pesquisa, número de participantes e procedimentos de coletas. Grupos de pesquisa Grupo de Gestores Sujeitos Coordenadores (coordenador da Saúde Mental e da Atenção Primária à Saúde) Gerentes Apoiadores matriciais Equipe Local Grupo de Profissionais de saúde Número de participantes Procedimento de coleta 2 Entrevistas individuais 8 8 18 enfermeiros 5 médicos 3 psicólogas (RMSF) Grupo focal Grupo focal Grupo focal com cada equipe dos CSF escolhidos 1 terapeuta ocupacional (RMSF) envolvendo equipe local e multiprofissional 1 assistente social (RMSF) 1 educadora física (RMSF) Equipes Multiprofissionais (RMSF e NASF) 1 terapeuta ocupacional (NASF) Grupo de ACS e Usuários ACS Usuários 3 psicólogas (NASF) 8 ACS 8 Usuários Entrevistas individuais Fonte: Sousa, 2012. Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 226 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental Com os apoiadores matriciais foi realizado um grupo focal separado, pois se percebeu, em estudo anterior (Sousa, 2010), que a equipe local não se sentia confortável para fazer algumas considerações com a presença dos apoiadores. As Preceptorias de Psiquiatria foram escolhidas como momentos de coletas de dados por serem, no município de Sobral, compreendidas como espaço de troca de saber entre a equipe interdisciplinar de saúde da ESF e a equipe de Apoio Matricial da atenção secundária a fim de discutir os casos mais complexos de saúde mental do território e propor intervenções. Foi utilizada a técnica de anotações de campo para registro das observações sistemáticas dos momentos de Preceptorias de Psiquiatria dos CSF selecionados e análise documental onde foram anotados os fatos ocorridos, objetivando análise das formas de acolhimento, tipo de demanda, encaminhamentos, relações de poder, formas de interações com incentivo a participação e ao diálogo. Para o tratamento dos dados, considerou-se o objeto de análise como práxis social, buscando-se como sentido a afirmação ético-política do pensamento dada pela articulação do discurso com a observação das condutas e a análise das instituições de onde se fala. Esta análise consistiu de duas fases, uma exploratória e uma interpretativa, operacionalizadas nas etapas de ordenação dos dados, classificação de dados, análise e relatório (Minayo, 1999). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Acaraú com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE (0061.0.039040-11). Resultados Histórico do Apoio Matricial No encontro com os discursos acerca do Apoio Matricial, os gestores e os apoiadores matriciais (destes, somente os com maior tempo de atuação) conseguiram traçar o histórico de implantação e implementação desse arranjo na ESF em Sobral. A gestão colocou o início do Apoio Matricial como um ensaio de aproximação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com os profissionais da ESF, na tentativa de organizar o fluxo da atenção primária à secundária, possibilitando, através de momentos mensais ou quinzenais, a discussão dos casos e os encaminhamentos. Então em termos de primórdios, de como começou este processo, foi mediante este processo de organização do CAPS. Já existia obviamente o início desse diálogo do CAPS e PSF, mas nós sentimos a necessidade, em princípio do profissional do CAPS sair do CAPS, e ir lá pro território, para atenção primária, pouco a pouco, organizando esta questão da atenção em saúde mental e fomentando nos profissionais esta questão voltada para o atendimento em saúde mental no PSF, para os casos de transtornos mentais leves, moderados, e os casos efetivamente graves para que eles pudessem ficar somente no CAPS. (Gestora) O trabalho foi se estruturando, em agosto de 2004, a partir das triagens dos casos pela equipe da ESF junto com os psiquiatras da atenção secundária. Assim, através de momentos mensais ou quinzenais, os profissionais da atenção secundária e primária começaram a se encontrar para acolher e discutir quais casos seriam de responsabilidade da esfera secundária e quais permaneceriam acompanhados pela ESF, promovendo uma articulação entre os níveis de atenção (Tófoli, 2007). Na fala de um dos apoiadores, o Apoio Matricial foi se estruturando desde 1999 com a figura do preceptor de especialidades em Sobral, a partir da proposta da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia (EFSFVS) através da Residência em Saúde da Família (RSF), primeiramente com as preceptorias de Pediatria, Clínica Médica e de Gineco‐Obstetrícia (GO), tornando o termo “Preceptoria” mais característico da realidade sobralense. Sobre estes termos preceptoria e Apoio Matricial, de onde surgiu em Sobral, surgir de 99 pra 2000 que foi a primeira turma de residência multiprofissional, que na época incluía até médico e enfermeiros, depois desmembrada em medicina de família e residência multiprofissional. Aí foi criado os que seriam os preceptores dessa residência, foi criado a preceptoria de psiquiatria, GO, clínica, daí pegou. Por isso que este nome está tão arraigado. Tinha preceptores de território e de especialidade. (Apoiador Matricial) A Preceptoria de especialidades e território surgiu em Sobral no intento de garantir formação para os profissionais de medicina e enfermagem da primeira turma da RSF acerca dos processos de trabalho do profissional, objetivando construir conhecimentos e práticas de um novo modelo de atenção à saúde e de formação, dentro do contexto Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 227 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental organizador alcunhado de Tenda Invertida, pelo o qual o território, local de atuação do residente, é visto como lócus de aprendizagem, espaço onde efetivamente deve-se organizar o processo educativo (Andrade, Barreto, Martins Jr, Amaral, & Parreiras, 2004). Quando eu comecei a trabalhar, o Apoio Matricial já estava consolidado, tive essa convivência ainda na minha época de estudante. O conhecimento que tenho é de literatura, é de observar que foi uma ideia inicial do gestor municipal da saúde anterior e que compreendia a história da educação permanente. Ele usava muito o termo tenda invertida, compreendia que ela só se faz sentido se voltada para o processo de trabalho, pras necessidades apresentadas no processo de trabalho, então não fazia sentido que os profissionais se deslocassem até os especialistas, enfim os preceptores, e que o mais interessante seria que eles fossem até a prática para observar não só de que forma teoricamente ia suprir essas necessidades, mas também fazer essa associação com a prática, vendo a realidade, vendo as dificuldades do dia-adia. Então eu me recordo bem, já era bem fortalecida a de pediatria e a de gineco-obstetrícia. Confesso que a de saúde mental eu já tive contato quando profissional. (Gestora) Desse modo, o Apoio Matricial em Sobral é reconhecido como tendo seu nascedouro também atrelado a uma gestão municipal e, principalmente, à ideia de Educação Permanente, compreendendo uma nova abordagem dos processos educativos, na qual a formação estabelece conexão com a realidade vivida no cotidiano do trabalho. O Apoio Matricial não é só visto como organizador do fluxo entre atenção primária e secundária, mas também como um encontro de ordem pedagógicoassistencial entre os profissionais. Desse modo, não só o CAPS é reconhecido como impulsionador desse arranjo, mas também a EFSFVS, percebida na perspectiva da Educação Permanente. Percepções acerca do Apoio Matricial Aparece, na fala dos profissionais e ACS, uma falta de conhecimento ou clareza da proposta do Apoio Matricial. Os ACS, principalmente, revelaram que não sabiam do que se tratava, os profissionais e ACS mostraram-se confusos entre Apoio Matricial e Preceptoria, e alguns solicitaram esclarecimentos, ressaltando a pouca apropriação da temática. Eu acho que é uma avaliação do psiquiatra, pelo menos o primeiro momento, não sei se o que eu tô dizendo é o certo, mas acho que é uma avaliação do paciente pelo psiquiatra. (ACS) Eu acho muito parecido com a preceptoria, eu acho que matriciamento confunde um pouco com preceptoria, aí eu não sei diferenciar, é meio que parecido. Eu sempre achei que matriciamento é o acompanhamento do paciente de saúde mental no território. Não sei se só pelo psiquiatra ou pela equipe toda. (Enfermeira) Esta confusão conceitual pode estar relacionada a uma apropriação recente em relação a esta tecnologia de cuidado em saúde mental, fazendo com que alguns discursos tragam a nomenclatura sem a devida clareza e muito menos sem embasamento teórico. Em alguns discursos, o Apoio Matricial compreende somente os momentos de Preceptoria, o que se torna um reflexo do que acontece no dia-adia dos CSF em Sobral, onde o cuidado de saúde mental é balizado por estas experiências denominadas Preceptorias de Psiquiatria. Logo, as ações de saúde mental neste município estão marcadas pela história do modelo de formação da RSF, gestada em 1999 com a presença dos preceptores. Nesse contexto, as definições expostas identificam o Apoio Matricial como um trabalho solitário de avaliação e atendimento de uma categoria profissional. Dessa forma, acontece uma simplificação das Preceptorias de Psiquiatria de modo a frequentemente se tornarem atendimentos ambulatoriais, compostos pela formulação de diagnósticos e a realização de encaminhamentos, descaracterizando o arranjo organizacional matricial. Quando isso acontece, os momentos de Preceptorias não são vistos como potenciais formadores de vínculos, mas como visitas pontuais dos psiquiatras para condução medicamentosa dos casos. Esta visão e a dificuldade de acompanhamento dos casos pela equipe local, devido às agendas atreladas aos programas, repercutem em atendimentos esporádicos aos usuários e no retorno desses. A ideia de Apoio Matricial vai sendo usada vinculada a de Preceptoria e quando há uma necessidade de se “desvencilhar” da palavra Preceptoria - que indica supervisão, orientação e que para alguns passou, devido ao fazer diário permeado de desafios, a se constituir em momentos de atendimentos especializados - opta-se por fazer uso da palavra matriciamento. Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 228 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental Quando a gente pensa em matriciamento, a gente pensa em preceptoria, mas a preceptoria faz parte do matriciamento. Ter um especialista que a gente pode recorrer para o cuidado de alguns casos. Matriciamento é o processo, é o todo. É a questão do aprendizado e da responsabilização em relação aos casos é um apoio à equipe em todos os sentidos, na resolutividade, no aprendizado, até na montagem dos planos de cuidado. Eu penso que matriciamento seja todo este sistema. (Gestora) O Apoio Matricial carrega o sentido de ser um lugar matriz de geração de saber, imbuído da ideia de diálogo, de aprendizado para construção de planos terapêuticos e responsabilização dos casos, que se aproxima da concepção trazida por Campos e Domitti (2007). O Apoio Matricial é compreendido pelos profissionais de saúde como a relação entre o especialista com as equipes da ESF no intuito de conceder suporte técnico, pedagógico para os casos que apresentam maiores complexidades, que trazem dúvidas, angústias e receios. ... o apoio que vem das especialidades, do que a gente conhece muito superficialmente, mas que a gente precisa ter um entendimento maior. E esse apoio vem para somar as nossas dúvidas, as nossas angústias, os nossos receios, a nossa falta de entendimento de um determinado assunto que não sabemos abordar. Então vem mais para somar conhecimentos com a gente e discutir os casos. (Enfermeira) Organicidade do Apoio Matricial Os sujeitos expuseram o funcionamento do Apoio Matricial apontando para uma diversidade nas formas de organização desse arranjo nos territórios, mostrando que elas se reproduzem numa composição não rígida, possibilitando diferentes combinações, específicas dos territórios. O matriciamento que acontece em cada PSF tem um diferencial, vai depender das características daquele PSF, da equipe, da disponibilidade dos profissionais, da forma como o matriciador concebe este matriciamento. (Gestora) Apesar de consentirem com a existência de formas heterogêneas de funcionamento do Apoio Matricial, apresentam na definição elos que conferem certas sínteses, ou seja, um traçado que pode ser perceptível na organicidade desse arranjo. Na maioria dos casos, nota-se que os usuários chegam ao CSF por demanda espontânea ou encaminhados de outros serviços e são recebidos pela equipe de referência, residentes ou profissionais do NASF. Os casos mais complexos e que muitas vezes exigem atenção em outro nível são atendidos e discutidos nas denominadas Preceptorias de Psiquiatria. Os profissionais e gestores compreendem que fazem parte das ações de saúde mental: visitas mensais ou quinzenais dos preceptores, a depender do número de equipes do CSF para atendimentos e intervenções conjuntas, assim como para a atenção individualizada; visitas domiciliares da equipe referenciada; elaboração de projetos terapêuticos; reuniões de troca de conhecimento; avaliação de casos e/ou reorientação de condutas. Desafios Considera-se a importância das especialidades em saúde mental no cuidado de muitos casos, porém um dos grandes desafios que o Apoio Matricial vem procurando enfrentar é o compromisso com uma abordagem integral do sujeito a partir do conhecimento, pelos profissionais da ESF, de algumas propostas para além da medicação e que busquem a utilização de outros dispositivos de atenção presentes no território. A dificuldade mais destacada é a falta de médico e medicamentos, evidenciando um centramento nas questões priorizadas por uma racionalidade biomédica, na qual o escopo são as ações especialísticas e medicamentalizadoras. A essa necessidade, coloca-se outra, como um contraponto, que é o reconhecimento de outras categorias profissionais como artífices e colaboradores do processo de aprendizagem do Apoio Matricial. O perfil dos profissionais matriciadores é problematizado e colocado como algo que merece atenção pela gestão, não para retirada deste sujeito já que sua visão é importante para oferecer alternativas, outros pontos de vista nos processos de cuidado, assim como para facilitar a condução dos casos por estarem trabalhando na rede - mas no sentido de também cuidar do processo educativo de quem está estimulando os momentos de Apoio Matricial nos territórios. Outro desafio muito presente nos discursos foi a ausência dos profissionais da equipe local nos momentos de Preceptoria, justificada pelo número insuficiente de trabalhadores, pela demanda excessiva nos serviços de saúde e pelo foco da ESF nas ações programáticas. As falas dos gerentes e profissionais trazem como dificuldades no fluxo a indefinição e a falta Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 229 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental de estrutura comunicativa dos sistemas de referência e contrarreferência no âmbito do município, o desconhecimento e a burocratização das formas de encaminhamentos para o nível de atenção secundária. Constata-se, entretanto, que tal dificuldade para realização de encaminhamentos parece atrelada a um relativo desconhecimento dos casos, frequentemente expresso nas dificuldades de identificação e acompanhamento das pessoas com transtorno mental. Os profissionais colocam que essa dificuldade não se apresenta em todas as Preceptorias, mas, principalmente, na de saúde mental. Na prática, percebe-se que os profissionais de saúde e ACS sentem-se inseguros em acompanhar os casos, assim como em fazer encaminhamentos orientados por critérios de riscos, dificuldade que, na maioria dos discursos, é atribuída à fragilidade nos processos formativos desses profissionais. Os apoiadores matriciais e residentes colocam também que a equipe de referência se esquiva das atividades de saúde mental, atitude muitas vezes associada à sensação de impotência. Asseveram também que o despreparo desses profissionais, que é frequente, leva-os a fazer uso de discursos moralizantes e repressivos, o que cria uma dificuldade destes para discutir e trabalhar os casos de saúde mental. Tal dificuldade pode ocorrer pelo fato de a loucura ser um objeto obscuro e evasivo, atravessado por uma gama de significados e valores, como afirma Sampaio (1998), mas também pelo estigma que esta palavra carrega, trazendo ainda receios nas tentativas de aproximação. É importante saber que múltiplos são os desafios, como diz um enfermeiro: “os problemas do matriciamento são multifatoriais, é o matriciador, os profissionais, a demanda, falta de tempo, é a estrutura em geral”, mas diversas também são as potencialidades. Potencialidades do Apoio Matricial: aproximações com a ESF e o Modelo Psicossocial de Cuidado Territorialização das ações Para Santos (2004), o território é muito mais que uma extensão geográfica, é também o espaço onde a vida social, política, econômica, cultural e ambiental acontece submetida a certas interrelações e normas. Desse modo, território é um lugar construído socialmente, um lugar filosófico onde se encarnam os devires que apontam para a ideia de movimento, de territorialização, um pressuposto básico da ESF. Com a institucionalização da ESF, a rede básica de saúde foi incitada a produzir arranjos para desenvolver a integralidade da atenção com grupos de saúde mental, considerando que os cuidados primários integrados possibilitam a redução da carga que as perturbações mentais impõem se não forem detectadas e tratadas (Organização Mundial de Saúde [OMS] & World Organization of National Clinical Associations [WONCA], 2009). Os momentos de Apoio Matricial na ESF constituem-se estratégicos para a melhoria do acesso, devido à proximidade com as pessoas nos domicílios e comunidade, incluindo uma vivência contínua com a cultura local que favorece o sentimento de pertencimento do profissional ao território, sobretudo com a presença dos agentes comunitários que moram e vivenciam o mesmo território dos usuários (Vieira Filho, 2006). Nas falas, há um reconhecimento da importância do ACS na questão de possibilitar um acesso mais rápido, destacando-se como elo de contato nos casos de pessoas com transtornos mentais, demonstrando conhecimento dessa problemática na sua realidade pela habilidade de identificar os mesmos, assim como tornando pedagógico o encontro, desmistificando a questão da loucura. Desse modo, os saberes do ACS acerca do território e seu poder de ser ponte entre usuário e o serviço de saúde são imprescindíveis, podendo influenciar na implicação dele, família, equipe de referência e usuário no cuidado em saúde mental. Aqui eu esperei menos que nos CAPS, a ACS é gente fina demais, ela acompanha a gente, não deixa a gente de lado. Ela sempre está do lado da gente para o que der e vier. (Usuário) O Apoio Matricial e os princípios da integralidade, vinculação e corresponsabilização são apresentados como estratégias e conceitos inovadores, potentes nas mudanças das práticas de saúde que demandam, para sua concretização, um trabalho em equipe interdisciplinar, assim como são alternativas para mudança na tradição gerencial fortemente marcada pela especialidade e baseada na visão fragmentada dos processos de trabalho. Interdisciplinaridade no cuidado e ampliação do conceito de saúde-doença O Apoio Matricial é visto como possibilitador do olhar compartilhado entre diferentes profissionais e do aumento da capacidade de identificação dos recursos comunitários para apoiar os casos em questão, prevenindo atitudes Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 230 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental patológicas e favorecendo uma corresponsabilização pelo cuidado. Os profissionais e a gestão percebem que o trabalho interdisciplinar facilita o respeito às especificidades e se contrapõem à lógica da fragmentação, diminuindo os encaminhamentos, de tal modo que a corresponsabilização é apresentada como uma possibilidade de se sobrepor à lógica dos encaminhamentos desenfreados, fazendo com que a demanda de sofrimento psíquico deixe de ser responsabilidade exclusiva da saúde mental ou das categorias “psis” (psicólogos, psiquiatras, psicanalistas) e passe a ser percebida como algo que deve ser cuidada pela equipe saúde da família. Tem as especificidades, mas eu acho que, quando a gente teve a participação de diferentes profissionais, é impressionante como os encaminhamentos caíram entre a gente. Eu acho que, com o matriciamento, melhorou o diálogo, a gente começa a se apropriar da abordagem e fazer um acompanhamento mais qualificado, consegue triar o que realmente é um encaminhamento para psicologia, psiquiatria, terapia ocupacional. A saúde mental pra mim é muito transversal. (Enfermeira) É importante o entendimento de que fazer saúde de uma forma ampliada só se torna possível se considerarmos que o sujeito possui diferentes facetas e pela colaboração de múltiplos olhares que, mesmo apresentando fronteiras ainda bem marcadas, não negam a evidência de que o saber de um pode complementar o saber do outro numa interdisciplinaridade possível. A gente está procurando trabalhar a participação de profissionais não médicos no matriciamento de saúde mental. Eu acho que isso é uma coisa boa, vai trazer um olhar diferenciado. Não só aquele olhar clínico, aquele olhar médico, que muitas vezes é o que a equipe demanda, mas a presença de um profissional não médico vai tensionar a equipe a trazer outras questões que não sejam exclusivamente clínicas, farmacológicas, de resolução de crises, outras questões. (Apoiador Matricial) O retorno da presença de matriciadores de outras categorias profissionais e o trabalho do NASF na lógica do Apoio Matricial são vistos como uma tentativa de ampliar as ações de cuidado da saúde mental na atenção primária a partir do Apoio Matricial, assim como de qualificação e complementaridade do trabalho das equipes locais, de revisão das práticas de encaminhamentos. Pelas observações das preceptorias e conversas que se anteciparam a esses momentos, percebeu-se que as práticas em saúde mental, mesmo envolvendo diferentes autores, constituem-se em processos de cuidado fragmentados e integralizados por um simples somatório de fazeres e saberes que não permite, ao profissional, desenvolver competências para construção de um projeto de cuidado integral. A proposta da inclusão de outras categorias profissionais da rede, além da Psiquiatria, ainda não efetuada de forma extensa, poderá ser um novo elemento interessante a ser incentivado neste cenário. O trabalho interdisciplinar não é simplesmente um conjunto de encontros eventuais entre diferentes profissionais, mas a construção de um espaço de abertura para o diálogo com o diferente, de articulação de diferentes saberes e de compartilhamento de responsabilidades. O Apoio Matricial é um dispositivo que se propõe a modificar o foco da orientação da assistência, repensando o processo de produção da saúde e os processos de trabalho não somente centrado no médico, mas em todos os profissionais atuando de forma interdisciplinar, implicados com a realidade dos sujeitos, das famílias e da comunidade no território. Como conceito ampliado de saúde, traz uma compreensão do processo saúde e doença mental como sendo multideterminado, surgindo, a partir dessa ideia, o entendimento de que promover saúde envolve outros setores para além da saúde, o que traz a noção de intersetorialidade, mas também a de articulação, pois não só se reconhece a importância da existência desses âmbitos, mas sua articulação para resolutividade dos problemas de saúde. Então esta integralidade, ela demanda uma necessidade permanente de uma busca por integração dos diversos serviços que compõem a rede, eu não digo só a rede de saúde mental, mas a rede assistencial. É importante que o trabalhador de saúde tenha o entendimento de que o usuário não é do CAPS, CAPS AD, somente do hospital, ele está no sistema de saúde e precisa ser assistido de maneira ampla. Antes dele ter um transtorno mental, ele é uma pessoa, um ser humano, e precisa ser assistido de maneira integrada. (Gestora) Participação Para os profissionais e ACS, a participação e a satisfação dos usuários que procuram o atendimento de saúde mental se dão pela solicitação de remédios, mesmo que seu sofrimento psíquico tenha diversos nexos causais. Salientam ainda que o Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 231 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental serviço oferecido pelo CSF indica certa priorização dos cuidados medicamentosos. técnico (Delgado, 2011; Illchi citado por Gaudenzi & Ortega, 2012). Existem muitas demandas pra saúde mental que acabam concentrando um pouco na figura do médico, que é questão prescritiva, medicamentosa, que a gente tem uma dificuldade. A questão das terapias alternativas, as pessoas não conseguem visualizar isso como uma prática integrativa que é terapêutica e que tem uma boa repercussão. (Enfermeira) Eu, se eu não tiver o remédio, eu nem sei do que sou capaz. Eu já comprei três vezes remédio para sair desta vida, mas Deus é tão bom pra mim que me tirou isso. Mas eu faço análise com o doutor lá no outro CAPS, e o doutor do posto me ajuda muito também. O doutor do posto disse que um dos meus maiores problemas é financeiro. Quando o aluguel chega, eu fico preocupada, se é pra eu tomar um remédio, eu tomo dois. (Usuária) Porém, há também uma consideração de que a terapêutica não se resume aos medicamentos e que é necessária uma ampliação do olhar do profissional para outras formas de cuidado. A gente sabe que o paciente não sai dali com o remédio e acabou-se a história. Há muitos outros aspectos que estão envolvidos no tratamento, principalmente, psiquiátrico. Então eu acho que seria interessante a discussão entre enfermeiro, médico, agente comunitário de saúde, porque a gente sabe que cada profissional desses é importante na evolução do paciente (Gestora). O termo medicalização é compreendido como o excesso de intervencionismo médico sobre os corpos e a vida das pessoas, assim como a expansão do consumo de bens e serviços de saúde, fruto de um processo social através do qual a medicina foi sendo legitimada como ciência responsável por um crescente número de aspectos da vida social (Costa, 2004; Delgado, 2011; Mattos, 2006). Para Foucault (2002), com a biopolítica, a preocupação não é com o corpo individual que deve ser adestrado, mas como a gestão da vida que incide sobre a multiplicidade de homens, na medida em que forma uma população, uma espécie através da qual a técnica é o gerenciamento de saúde a partir das políticas de higiene pública, controle de natalidade, organização urbana de distribuição das famílias, ou seja, do treinamento ortopédico dos corpos pelo controle da espécie humana. Dessa forma, gerindo a vida normal, incidindo seu poder sobre inúmeras experiências diárias, a Psiquiatria controla o corpo molar trazendo o risco do encarceramento dos sintomas, colocando-os potencialmente em uma perspectiva química, o que reduz a autonomia dos sujeitos, transferindo o cuidado de sua saúde ao saber de especialistas, transformando o significado da dor em problema Existe um modelo amplamente defendido que é caracterizado pela busca de ausência da dor e do sofrimento e pelo uso do medicamento como recurso eficaz para essa intenção, mas também existem movimentos que apontam para importância do vínculo, da atenção e do olhar para outros aspectos da vida dos sujeitos que não seja só a doença. O medicamento, para gente entender, é só uma auxílio, a pessoa tem que fazer a parte dela, tem que mudar o sentido, tem que passear. Os profissionais sempre dão muitos conselhos. Ajuda muito o acompanhamento. O acompanhamento está sendo ótimo. (Usuário) Segundo Tesser e Luz (2008), o que interessa para o usuário é uma resolução favorável de seus sofrimentos que será tanto melhor se acompanhada por empatia emocional e por uma reorganização simbólica a partir de crenças ou práticas que se aproximem do universo cultural dos usuários. Para romper com uma lógica dominante de trabalho em saúde com famílias, os documentos revelam a importância da produção de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) que favoreçam uma posição comprometida e sensível do usuário, assim como a necessária aproximação entre sujeito, família e profissionais de saúde (Campos, 1999; Figueiredo & Onocko Campos, 2009). No entanto, a construção dos PTS, mesmo sendo a partir da integração dos diferentes olhares dos profissionais de saúde, tem pouco avançado no sentido de ver o indivíduo e sua família como sujeitos participativos através do direito à voz, no intuito de favorecer sua capacidade de discernimento e de intervenção no seu processo de cuidado. Outro potencial é que o Apoio Matricial também é reconhecido como espaço de aprendizagem e, por isso, político, pois tem a Pesquisas e Práticas Psicossociais 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012 232 Sousa, M. L. T. de; & Tófoli, L. F. Apoio Matricial na Estratégia Saúde da Família: Atenção e cuidados psicossociais em Saúde Mental possibilidade de fomentar a análise da realidade e de recriá-la por parte dos profissionais, ou seja, de analisar o ordenamento das realidades e de ativar vetores de potência contrários àqueles que existem e se quer modificar. Integralidade da atenção A integralidade constitui um tensionamento à racionalidade biomédica cujo saber fragmenta o sujeito doente e centra sua ação na busca excessiva pela cura e na utilização de cuidados especializados e medicamentosos. Este tensionamento, segundo Tesser e Luz (2008), passa pela periferia dos círculos especializados, ou seja, pela atenção primária e pelo trabalho em equipes multidisciplinares. O Apoio Matricial aparece nas falas como possibilidade de integralidade pelo intercâmbio de saberes, pelo desenvolvimento de competências técnicas e maior segurança quanto à avaliação de risco e distinção dos recursos terapêuticos específicos, pelo ganho de maior autonomia dos profissionais em relação ao acompanhamento e dos usuários com relação ao seu cuidado. [O matriciamento] possibilita com que haja uma interação entre o profissional da área especializada e da atenção primária. Esse encontro por si só, ao meu ver, é importante para que se comece a desmistificar que saúde mental tem que se deixar a cargo do especialista. O matriciamento pode se configurar como organizador da demanda de saúde mental de um determinado território e é um eixo que pode contribuir bastante para integralidade do cuidado. Eu vejo o matriciamento como uma ferramenta, como um dispositivo fundamental para promover esta integração do serviço especializado com a atenção primária. (Gestora) Agora a gente não pode esquecer o potencial enorme que a tecnologia tem, um coisa que propõe um link entre atenção primária e secundária, que propõe a disseminação do conhecimento acerca da saúde mental pros profissionais e um empoderamento do paciente. (Enfermeiro) O Apoio Matricial aponta para um trabalho de atenção à Saúde Mental que deve extrapolar as barreiras das especialidades e os muros dos consultórios, sendo um campo transversal, tecido no diálogo. Conclusão O Apoio Matricial surge em Sobral atrelado a uma organização do fluxo entre a atenção primária e secundária compreendendo uma nova abordagem dos processos pedagógico-assistenciais, sendo reconhecido como um espaço privilegiado de integração dos serviços e ações de saúde que aproxima o cuidado da vida dos sujeitos. Percebe-se que este arranjo nasce no município de Sobral sem diretrizes e estratégias bem definidas, permeado por contradições e lacunas, não havendo uma compreensão única sobre a sua implantação, sendo seu início vinculado ao surgimento das preceptorias (1999) e também à triagem para a atenção secundária realizada pelos CSF (2004), assim como se nota que o conhecimento sobre este arranjo não é tão claro e apresenta-se atrelado ao termo Preceptoria. Muitos dos profissionais da ESF desconhecem até o funcionamento do Apoio Matricial, não se sentem capacitados para cuidar da demanda de saúde mental, e o cotidiano dos CSF mostra que há ações em saúde mental na APS que acontecem de forma fragmentada e compartimentada. Porém sabe-se que as equipes que trabalham na ESF são percebidas como recursos estratégicos por sua proximidade com as famílias e as comunidades, bem como se compreende que a saúde mental está inserida na saúde geral. Logo, este trabalho aponta para a importância do Apoio Matricial como espaço de Educação Permanente, como integração das diferentes intervenções, com vistas a superar a atual concepção fragmentada de sujeito e cuidado. O Apoio Matricial é um dispositivo que apresenta aproximações com a ESF e o Modelo Psicossocial de cuidado já que possibilita a integralidade da atenção, participação social, ampliação do conceito de saúde-doença, interdisciplinaridade no cuidado e territorialização das ações. A experiência do Apoio Matricial em Sobral apresenta-se como cenário de possibilidades ao cuidado integral em saúde mental, considerando sua composição por diferentes atores e diferentes modos de se promover saúde, mas sua incipiência o torna aberto a possibilidades de descobertas e inovações e de futuras linhas favorecendo sua potencialidade de agenciar mudanças nas práticas hegemônicas da saúde. Referências Andrade, L. O. M., Barreto, I. C. H. C., Martins Jr, T., Amaral. M. I. 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