MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: REPERCUSSÕES NA GESTÃO ESCOLAR Neila Pedrotti Drabach [email protected] Mestranda em Educação – PPGE/UFSM Nascida sob a égide dos princípios liberais burgueses, a relação entre a função social da escola e as demandas do sistema capitalista cada vez mais se estreitam. A complexidade de que se enredam e estão imbricadas as relações de reprodução social e reprodução capitalista, torna ainda mais tênue as lacunas para a construção de alternativas a um processo educativo mais voltado à produção em detrimento da reprodução. Refletir sobre a educação no contexto atual reporta­nos ao esforço de compreender os desdobramentos das mudanças nas esferas econômica, política e social no campo educacional. Em função de este campo representar expressiva função no desenvolvimento de projetos de sociedade, a sua gestão é alvo de alterações, à medida que se modificam os quadros de referências da sociedade. Sendo a política educacional o cerne do sistema de ensino público, é aí que se instalam e definem os rumos e funções da educação, de acordo com os interesses e projetos político­econômicos predominantes na sociedade. No contexto de reabertura política do Brasil, marcado pelo fim da ditadura militar, enquanto regime político, é assegurado na Constituição Federal de 1988, no Art. 206 § VI, a gestão democrática do ensino público, na forma da lei. Segundo Vieira (2006), a Gestão Democrática, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma conquista da forças civil­ democráticas, marcada pelas lutas dos movimentos populares e protestos pela abertura política do Brasil nos anos 80, coincide com um contexto em que assolava no país os “raios” de um projeto político­econômico­ideológico globalizado: o neoliberalismo. O projeto neoliberal de sociedade tem como um de seus fundamentos a descentralização das funções do Estado, através do repasse destas funções à sociedade civil. Sendo assim, pode­se indagar se esta abertura à democracia, ou seja, a descentralização, não está também atrelada à operacionalização deste projeto político­ econômico. A implantação do projeto neoliberal de sociedade, em âmbito global, trouxe dilemas para o Brasil. Dagnino (2004), aponta para o momento histórico atual, como um
2 período perverso de confluência entre o projeto neoliberal e o projeto democrático. A perversidade 1 é decorrente do fato de que ambos os projetos, embora apontando para direções opostas, requerem uma “sociedade civil ativa e propositiva”: A disputa política entre projetos políticos distintos assume então o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. Nessa disputa, onde os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política se constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao campo adversário. Aí a perversidade e o dilema que ela coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil (Id. Ibid. p. 97). Frente a isso, este trabalho objetiva discutir de que forma a gestão democrática está atrelada a uma nova estratégia regulatória do sistema de ensino, com vistas a atender ao projeto neoliberal de sociedade. Ancorada em uma perspectiva dialética de compreensão dos fatos, parte­se, inicialmente, para algumas considerações sobre a função e o caráter das políticas públicas. Posteriormente, aponta­se algumas formas de redimensionamento das políticas públicas a partir da ideologia neoliberal, quando estas passam a ser guiadas pelo poder regulatório do mercado. Por fim, investe­se em uma aproximação crítica entre alguns dos conceitos que configuram o processo de gestão Democrática e Gestão Gerencial. Ressalta­se que em um tempo marcado pelo estreitamento das possibilidades de avanço do social e do político, através do cerceamento do mercado pelas políticas neoliberais globais, é desejável o trabalho de abertura de espaços nestes campos, a fim de construir novos significados e sentidos frente ao quadro que se apresenta. Políticas Públicas educacionais e neoliberalismo: redimensionamentos no campo educacional A educação configura­se como um campo social marcado pela tensão decorrente dos diversos interesses e projetos em disputa, uma vez que se constitui em um espaço de luta privilegiado no processo de conquista da hegemonia política e cultural na sociedade. Dessa forma, questionarmo­nos frente ao quadro que as políticas públicas educacionais nos apresentam é imprescindível a fim de que possamos partilhar dos rumos e perspectivas do sistema educacional, tendo condições de explicitar nossos desejos e ações enquanto profissionais da educação. 1 Por perversidade, Dagnino (2004, p. 96) entende como “fenômeno cujas conseqüências contrariam sua aparência, cujos efeitos não são imediatamente evidentes e se revelam distintos do que se poderia esperar”.
3 Revisitando os campos de estudo e pesquisas em Políticas Públicas, depreende­se que estas têm sido o resultado da ação do Estado em relação às demandas “que emergem da sociedade e de seu próprio interior, sendo a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo” (CUNHA & CUNHA, p.12, 2002). Às áreas de atendimento das políticas públicas são, comumente, entendidas como educação, saúde, previdência, habitação, saneamento, etc. No entanto, nos marcos de uma sociedade de conflitos, desigualdades sociais e de poder, o “pano de fundo” das políticas públicas ultrapassa as demandas sociais, sendo o resultado de uma gama maior de fatores de diferentes naturezas. Segundo Ahlert (2004, p. 48), “elas são o resultado do jogo de poder determinado por leis, normas, métodos e conteúdos que são produzidos pela interação de agentes de pressão que disputam o Estado”. Identificados como agentes de disputa, estão os políticos, os partidos políticos, os empresários, os sindicatos, as organizações sociais e civis. Esta situação permite­nos compreender as vicissitudes dos caminhos na construção de políticas públicas que emanam das demandas do campo educacional. A década de 90 tornou­se um campo fértil na proposição de mudanças para o campo educacional. A luta da sociedade civil e dos setores organizados do campo da educação ganhou força a partir da redemocratização do país, na década de 80. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, guiada por princípios de democratização da sociedade como um todo, os atores escolares viram traduzida a possibilidade de mudanças para os rumos da educação nacional. Estas possibilidades estariam garantidas com a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Base para a Educação Nacional, do Plano Nacional de Educação e da elaboração de Leis de Gestão Democrática, em nível Estadual e Municipal, ambos assegurados na Constituição. No entanto, também se torna fértil neste momento a possibilidade de adentramento da ideologia neoliberal na política de governo do país. O governo Fernando Collor de Mello (1990­1992) inaugura esta política, dando continuidade o governo Itamar Franco (1992­1994) e os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995­2002), às ações neoliberais nos diferentes setores da sociedade. Neste contexto, novo elemento entra na disputa das ações do Estado em relação às políticas púbicas, com forte expressão. O neoliberalismo trouxe para o campo educacional certa desvinculação do Estado de suas funções com este, ao mesmo tempo em que
4 imprimiu novas demandas a esta esfera social, tendo como princípio orientador as necessidades do mercado. Neste sentido, os movimentos de mudança e de proposição de políticas públicas para a educação acabam por definir­se a partir de novos contornos, não mais aqueles desejados pela sociedade civil. No caso do Plano Nacional de Educação 2 , Lei 10.172/01, a proposta coletiva elaborada pela sociedade, a partir da realização dos I e II Congressos Nacionais da Educação (CONEDs), tomou outros rumos quando de sua efetivação enquanto Lei, após passar pelo Congresso Nacional. No seu processo de aprovação entraram em disputa dois projetos de Plano: o da sociedade civil e o do governo FHC. Para Valente & Romano (2002, p. 98) as duas propostas traduziam dois projetos conflitantes de país. De um lado, tínhamos o projeto democrático e popular, expresso na proposta da sociedade. De outro, enfrentávamos um plano que expressava a política do capital financeiro internacional e a ideologia das classes dominantes, devidamente refletido nas diretrizes e metas do governo. Enquanto o projeto da sociedade reivindicava o fortalecimento da escola pública estatal e a democratização da gestão educacional, o projeto do governo defendia a permanência de uma política educacional assentada em dois pilares principais: “máxima centralização da formulação e da gestão política educacional, com o progressivo abandono, pelo Estado, das tarefas de manter e desenvolver o ensino, transferindo­as, sempre que possível para a sociedade” (VALENTE & ROMANO, 2002, p. 99). Em meio à sociedade atual, caracterizada pela política e ideologia neoliberal, o Estado não se encontra apenas sob a atuação dos governos nacionais, mas está inserido dentro de um processo de governação mais amplo. O neoliberalismo surge como um projeto político­ideológico globalizado, configurando­se como estratégia para enfrentar a crise do capitalismo, na década de 70. Aliado a isso, não só a economia passa a ser determinada globalmente, mas também as proposições para as diferentes esferas da sociedade, dentre elas a educação – uma vez que, para o neoliberalismo, a educação 2 O Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação deu entrada na Câmara dos Deputados em 10 de fevereiro de 1998, apenas em 2001 o Presidente Fernando Henrique Cardoso sanciona a Lei.
5 cumpre um papel estratégico no desenvolvimento da economia, através da produção do “Capital Humano 3 ”. No campo educacional, cumprem decisivo papel na formulação das políticas públicas nacionais os organismos internacionais, de caráter intergovernamental (Fundo Monetário Internacional ­ FMI, Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, Organização das Nações Unidas – ONU, Organização Mundial do Comércio – OMC, Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura – UNESCO, Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF), que possuem estreita ligação aos interesses do mercado. Tais organismos “produzem” sua participação nos sistemas nacionais de ensino através da promoção de conferências internacionais (Conferência Internacional de Educação para Todos, Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, etc) para a discussão dos problemas ligados à humanidade, dentre eles os concernentes à educação, sob a ótica capitalista. Tais conferências se intitulam altamente democráticas, pois se compõe por representantes de todos os países, criando, assim, uma atmosfera de maior legitimidade social. Estes empreendimentos internacionais, resultam na formulação de leis gerais, que compõe uma agenda fixa para a educação (TEODORO, 2001), ou, nas palavras de Dale (2001), uma agenda globalmente estruturada . A partir disso, A formulação de políticas educativas, particularmente nos países de periferia (e da semiperiferia) do sistema mundial, começou a depender, cada vez mais da legitimação e da assistência técnica das organizações internacionais, o que permitiu, nos anos sessenta, uma rápida difusão das teorias do capital humano e da planificação educacional, núcleo duro das teorias da modernização, tão em voga neste período de euforia , em que a educação se tornou um instrumento obrigatório da auto­realização individual, do progresso social e da prosperidade econômica (HUSÉN, 1979 apud TEODORO, 2001 p. 127). No campo educacional, os constantes empreendimentos, estudos e publicações das organizações internacionais cumprem 3 A teoria do Capital Humano “incorpora em seus fundamentos a lógica do mercado e a função da escola se reduz a formação dos “recursos humanos” para a estrutura da produção. Nessa lógica, a articulação do sistema educativo com o sistema produtivo deve ser necessária. O primeiro deve responder de maneira direta à demanda do segundo” (BIANCHETTI, 1999, p. 94).
6 (...) um decisivo papel na normalização das políticas educativas nacionais, estabelecendo uma agenda que fixa não apenas as prioridades, mas igualmente as formas como os problemas se colocam e equacionam, e que constituem uma forma de fixação de um mandato, mais ou menos explícito, conforme a centralidade dos países (TEODORO, 2001 p. 128). Um exemplo da ação dos organismos internacionais no campo educacional é o próprio Plano Nacional de Educação. Segundo Valente & Romano (2002, p. 99) O fundamento da Lei nº 10.172/2001 encontra­se na política educacional imposta pelo Banco Mundial ao MEC. O texto assume, como fio condutor, o conhecido e esperto modo de legislar das elites: no que interessa aos “de cima” (no caso, a política do governo) temos uma lei com comandos precisos, num estilo criterioso, detalhista e, regra geral, auto­aplicável. No que interessa aos “de baixo” e que eventualmente não tenha sido possível ou conveniente suprimir, recorre­se à redação “genérica”, no mais das vezes, sujeita a uma regulamentação sempre postergada. Deste campo de disputa de interesses econômicos e projetos de sociedade, resultam textos legais produzidos a partir de uma linguagem ambígua e híbrida, no qual está contido tanto o discurso oficial, quanto o alternativo. Sandra Corazza, apesar de estar falando do tema do currículo, expressa uma idéia que vem ao encontro do que vimos presenciando no contexto da formulação de políticas públicas educacionais: Este é o nosso “horror” político: descobrir que aqueles currículos, que considerávamos “nossos”, estão também “capitalizados”, “globalizados”, “neoliberalizados”. Que eles dizem a mesma coisa que aqueles currículos contra os quais lutamos. Que, talvez, já tenha chegado o tempo em que a dissipação das diferenças nos leva a não saber mais quem somos, o que queremos, o que propomos. Em que a dispersão dos limites nos leva a não identificar mais pelo que educamos e estudamos, pesquisamos e escrevemos, lutamos e vivemos (2001, p.106). O caminho percorrido até então neste texto, teve o intuito de apontar para os percursos na construção das políticas públicas educacionais, ou seja, o planejamento educacional, no contexto da sociedade guiada pelo neoliberalismo. Deparamo­nos com o hibridismo do discurso presente nos textos que legitimam as políticas educacionais, ferindo a luta por um projeto democrático de sociedade, uma vez que o resultado mascara os reais anseios da sociedade. Os discursos alternativos são cooptados pelo ideário neoliberal, promovendo uma hibridização que dissimula a pluralidade dos sentidos em disputa, o que se torna um obstáculo na proposição e edificação de práticas realmente democráticas.
7 Mudanças no mundo do tr abalho e Gestão Democr ática do Ensino Público: entr e os pr ojetos democrático e neoliberal Nesse contexto, marcado pela supremacia do mercado, a educação emerge como um dos principais elementos nessa etapa de mudança. Encontra­se no campo educacional a possibilidade de aumento da produtividade e eficiência dos trabalhadores, por isso o grande empreendimento em reformas educacionais, as quais visam traduzir estes interesses econômicos e promover a garantia de subsistência do modo de produção capitalista. Neste sentido, elucida­se como um dos principais desafios desvelar o hibridismo dos discursos produzidos e veiculados no meio educacional, a fim de distinguir a racionalidade e os interesses que lhes subjazem. Para compreender os fundamentos que configuram este cenário, é necessário que reportemo­nos ao contexto histórico, o qual retrata os dinamismos de sobrevivência do modo de produção capitalista. Na década de 70, o modo de produção capitalista vive uma crise político­econômica. Dentre os fatores apontados como causas: estava seu regime de acumulação, o fordismo, e o modelo de Estado de Bem­Estar Social. O modelo produtivo – idealizado pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863­1947) – assentava­se em uma escala de rígida hierarquia e especialização de tarefas, tendo como pressuposto a idéia de que “a produtividade do trabalho podia ser aumentada por meio da decomposição e fragmentação dos processos de trabalho, a partir do conjunto rigoroso de práticas de controle do trabalho, assim como de tecnologias e hábitos de consumo” (MARQUES, 2006, p. 508). O Estado de Bem­Estar Social – teoria econômica desenvolvida por Keynes – por sua vez, traduzia­se na proposta de um Estado interventor na economia, a fim de “regularizar o ciclo econômico e evitar assim as flutuações dramáticas no processo de acumulação do capital” (INSUANI, 1991, apud BIANCHETI, 1999, p. 24), garantindo o crescimento da produção, o consumo, o emprego e a provisão pública das políticas sociais (BIANCHETTI, 1999). Em meio à crise destes modelos – de acumulação capitalista e de política Estatal, devido à sua fragilidade em conter as contradições intrínsecas ao capitalismo, surgem, nos países centrais, novas formas de arranjo da produção e de Estado, fortalecendo­se aí as
8 características do modelo econômico de produção toyotista , ou pós­fordista 4 , e do Estado Neoliberal. Ao atuar como organizador das relações no mundo do trabalho, o toyotismo trouxe para este meio os princípios da flexibilização, o trabalho em equipe, a participação, a autogestão (autonomia), entre outros. A reformulação no modelo Estatal é decorrente destas mudanças na base produtiva, uma vez que enquanto no fordismo necessitava­se de uma base estatal forte na economia, com o toyotismo, o Estado deve afastar­se, descentralizando suas funções para o mercado e a sociedade civil – teoria neoliberal. Assim, de um modelo hierárquico de produção e um Estado centralizador, passamos a ter ênfase no trabalho coletivo, na participação, na autonomia e na descentralização. Tais vocábulos, identificados, historicamente, com um projeto democrático de sociedade passam a ser cooptados, adquirindo novos sentidos no âmago do projeto neoliberal. De acordo com Lima (2002, p.31), no contexto do neoliberalismo: autonomia (mitigada) é um instrumento fundamental de construção de um espírito e de uma cultura da organização­empresa; a descentralização é congruente com a ‘ordem espontânea’ do mercado; respeitadora da liberdade individual e garante a eficiência econômica; a participação é essencialmente uma técnica de gestão, um fator de coesão e consenso”. Assim, nesta perspectiva, “conceitos como ‘autonomia’, ‘comunidade educativa’, ‘projecto educativo’, continuarão a ser convocados, e até com maior freqüência, mas como instrumentos essenciais de uma política de modernização e racionalização, como metáforas capazes de dissimularem os conflitos, de acentuarem a igualdade, o consenso e a harmonia, como resultados ou artefactos, e não como processos e construções colectivas. Neste cenário, a desejada Gestão Democrática do Ensino Público surge multifacetada. De um lado, guardadora de um projeto democrático com vistas à ampliação dos espaços de cidadania e construção de uma educação de qualidade, de outro, como estratégia do gerencialismo econômico global, que tem por objetivo atrelar o ensino ao desenvolvimento da economia. De acordo com Marques (2006, p. 511), A gestão democrática das Unidades Escolares públicas brasileiras ganha terreno institucional quando passa a ser defendida pelo Estado neoliberal, como forma de garantir a eficiência e eficácia do sistema público de ensino. Por isso, não tem 4 Embora já concebido na década de 50, no Japão, apenas na década de 70 o toyotismo adquire maior projeção, em virtude de sua adaptação às necessidades produtivas.
9 significado, muitas vezes, avanços na construção de uma escola pública de qualidade, que atenda aos interesses da maioria da população brasileira. A perversidade no campo educacional parece estar situada nos ideais da democratização da gestão, no qual é possível identificar a confluência de dois projetos, oriundos dos projetos democrático e neoliberal de sociedade: a Gestão Democrática e a Gestão Gerencial 5 . Enquanto para o projeto democrático a participação tem fins mais amplos, como “contribuir para que instituições educacionais articuladas com outras organizações da comunidade, possam participar da construção de uma sociedade fundada na justiça social, na igualdade e na democracia” (PNE, Proposta da Sociedade Brasileira, 1997, p. 50), para o projeto neoliberal, a gestão gerencial, embora fazendo uso dos mesmos propósitos democratizantes, valoriza a participação de forma funcional, ou seja, apenas técnica de gestão e é utilizada muito mais como forma de atenuar conflitos e/ou divergências do que como espaço de tomada de decisões, negociações (LIMA, 2001). Baseada nas configurações do modelo de produção toyotista , a gestão gerencial baseia­se em práticas de avaliação a posteriori, como forma de monitoramento da organização e funcionamento interno de instituições ou organizações sociais. No caso das instituições educacionais ao invés de um controle rígido interno, como no caso da administração baseada no modelo fordista, os inúmeros índices de avaliação cumprem a função de um controle externo mascarado, justificado em função da garantia de um padrão mínimo de “qualidade”, atuando como uma estratégia de regulação do sistema de ensino. A visão neoliberal prevalece nas políticas públicas de modo geral e particularmente na gestão da educação, de forma a mantê­las atreladas ao desenvolvimento econômico. A luta da sociedade civil pela participação/controle social das ações voltadas ao campo educacional, parece hoje traduzir­se em regulação social. De acordo com Mousquer (2003, p. 42), Atualmente, as políticas públicas estão enraizadas na concepção do domínio da razão instrumental, em que o próprio homem, na sua dinâmica constitutiva, apropria­se dos interesses dessa mesma racionalidade, obedecendo a critérios definidos pelos interesses materiais e sociais da vida moderna. Esse interesse 5 Modelo de administração empresarial resultante do regime de produção toyotista , que se fundamenta na busca por maior eficiência na produção.
10 está sendo cada vez mais identificado com a lógica de uma racionalidade econômica resultante do sistema capitalista. O ritmo de valorização é de uma velocidade ímpar e impede que as questões relativas à justiça social e à autoridade política do mundo da vida transcendam para a vivência cotidiana. È necessário a compreensão de que a luta pela democratização da Gestão Escolar não se circunscreve apenas em nível legal, seu processo histórico é complexo, envolvendo uma gama de fatores que compõem um campo de disputa entre interesses sociais, políticos e econômicos. Estar atento aos movimentos que configuram essa tensão político­ econômica no campo educacional permite identificar até que ponto os ideais democráticos estão sendo traduzidos em práticas sociais democráticas ou estão sendo cooptados pelo ideário econômico neoliberal, tornando­se apenas uma democracia de livre mercado. Frente a estas mudanças, a escola encontra­se diante de tantas exigências que, contraditoriamente, encontra­se em crise. Isto é, precarizada em sua concepção de integração ou de recusa às determinações capitalistas. Talvez esteja nessas incertezas das práticas escolares que resida as bases de uma educação que atenda os interesses da maioria, aproveitando as experiências que se manifestam diariamente em todas as escolas. Admitindo a concepção dialética da história, considera­se que tal situação não está pré­determinada, podendo adquirir contornos diferenciados. Embora a Gestão Democrática contenha pressupostos de identificação com os interesses econômicos atuais, ressalta­se que este processo resguarda possibilidades de construção de um espaço público democrático, uma vez que a concretização das políticas públicas só é possível no momento em que se traduz em de práticas sociais. Refer ências: AHLERT, A. Políticas Públicas e Educação na Construção de uma Cidadania Participativa no Contexto do Debate Sobre Ciência e Tecnologia. In: Revista Guairacá: Guarapuava, n° 20, p. 47­70, 2004. BIANCHETTI. R. G. Modelo Neoliberal e Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Feder ativa do Br asil. Brasília, DF: Senado, 1988. ___. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases para Educação Nacional. CORAZZA, S. M. Currículos alternativos/oficiais:o(s) risco(s) do hibridismo. In: Revista Brasileir a de Educação, n° 17, Maio/Jun/Jul/Ago, 2001.
11 CUNHA, E. de P.; CUNHA, E. S. M.. Políticas públicas e sociais. In: CARVALHO, A.; SALES, F. (Orgs.) Políticas públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. DAGNINO, E. Sociedade Civil, Participação e Cidadania: de que estamos falando? In: MATO, D. (org.) Políticas de Ciudadanía y Sociedad Civil en tiempos de globalización. Caracas: FaCES, Universidad Central de Venezuela, 2004. DALE, R. Globalização e Educação: demonstrando a existência de uma “Cultura Educacional Mundial Comum” ou localizando uma “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação”? In: Revista Educação & Sociedade. Campinas, vol. 25, n° 87, p. 423­ 460, maio/ago. 2004. LEITÃO, C. F. Buscando caminhos nos processos de formação/autoformação. In: Revista Brasileir a de Educação, n. 27, Set/Out/Nov/Dez 2004, p. 25­39. LIMA, L. C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo. Cortez, 2001. MARQUES, L. R. Caminhos da democracia nas políticas de descentralização da gestão escolar. In: Ensaio: avaliação, políticas públicas e Educação, Rio de Janeiro, v.14, n.53, out./dez. 2006, p. 507­526. MOUSQUER, M. E. L. Paradoxos da Democracia: um estudo sobre normatividade e possibilidade no campo da gestão democrática do ensino público. URGS, 2003. 246f. Tese de Doutorado em Educação. Programa de Pós­Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. LIMA, L. Modernização, racionalização e optimização: perspectivas neotayloristas na organização e administração da educação. In: LIMA, L.; AFONSO, A. J. Reformas da educação pública: democratização, moder nização, neoliberalismo. Porto: Afrontamento, 2002. TEODORO, A. Organizações internacionais e políticas educativas nacionais: a emergência de novas formas de regulação transnacional, ou uma globalização de baixa intensidade. In: STOER, S. R.; CORTESÃO, L.; CORREIA, J. A. (orgs.). Tr ansnacionalização da Educação: da crise da educação à “educação” da crise. Porto, Portugal: Edições Afrontamento, 2001. VALENTE, I. ROMANO, R. PNE: plano nacional de educação ou carta de intenção? In: Revista Educação e Sociedade: Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 96­107. VIEIRA, S. L. Educação e Gestão: extraindo significados de sua base legal. In: LUCE, M. B.; MEDEIROS, I. L. P. de. Gestão Escolar Democrática: concepções e vivências. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
Download

AC10