Responsabilidade Civil do Estado de Indenizar os Erros Judiciários
Larissa Meneguzzi (1); Natalí Bernieri (2); Orientador Fernando Tonet (3)
(1) IMED, Brasil. E-mail: [email protected]
(2) IMED, Brasil. E-mail: [email protected]
(3) Evolução dos modelos constitucionais sistêmicos autopoiéticos na pós-modernidade –
IMED, Brasil. E-mail: [email protected]
Resumo: O presente artigo tem por objetivo o estudo da responsabilidade civil do Estado, bem
como seu dever de indenizar os casos de prisões ilegais, que será feito com base na apresentação
de três casos ocorridos em diferentes épocas no meio jurídico brasileiro e interpretado conforme
a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Código Civil e o Código Penal
atuais. Os casos apresentados serão: O caso dos Irmãos Naves, o caso de Marcos Mariano e o do
Tales Xavier de Souza, que foram selecionados por se tratarem de acontecimentos que geraram
grande repercussão no país. O primeiro conhecido como o maior erro judiciário do Brasil
ocorrido em 1937, o segundo é o caso de um cidadão preso injustamente por ter o mesmo nome
de um homicida no ano de 1976, e o último e mais recente dos casos se trata de um caminhoneiro
que foi preso indevidamente por um erro do sistema informatizado do DETRAN. Esse estudo se
dá através de uma pesquisa teórica, que visa entender a aplicação dos princípios constitucionais
nos casos concretos, e através dele, é possível concluir que, mesmo que o Estado cumpra com sua
responsabilidade indenizando as vítimas pelos erros cometidos por seus servidores, as marcas
deixadas pela privação de liberdade e os danos gerados pela mesma, jamais serão superadas.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Indenização; Prisão; Ilegal.
Abstract: This article aims to study the liability civil state, as well as its duty to indemnify cases
Illegal prisons, which will be done based on the presented behind cases occurred in different
epochs in the middle Brazilian legal and construed in accordance with the Constitution of the
Federative Republic of Brazil 1988, the Civil Code and the current Penal Code. the cases will be
presented: The Case of the Naves Brothers, the case of Mark Mariano and the Tales Xavier de
Souza, who were selected by they refer to events that generated great repercussion in parents. The
first known as the biggest mistake judicial branches of Brazil occurred in 1937, and the second
case of a citizen arrested unfairly by having the same name as a murderer in 1976, and last and
most recent of the cases it is a truck driver who was wrongly arrested by a computerized system
error the DETRAN. This study is a survey through the theoretical, which aims to understand the
purpose of applying constitutional principles in concrete cases, and through him, and possibly
conclude that even that the state fulfills its responsibility to indemnify the victims for the mistakes
committed by their servants, the marks left by deprivation of liberty and damage generated by
same, never will be surpassed.
Keywords: Liability; Indemnification; Illegal Prison.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como intuito estudar e analisar a responsabilidade civil do Estado sob a
égide das indenizações por prisões ilegais. Utilizando, portanto, da Constituição da República
Federativa do Brasil e de doutrinas do Direito Civil e do Direito Penal e estruturando o texto
conforme seus fundamentos.
Para isso, ele será dividido em itens, apresentando, assim, três exemplos ocorridos no
Brasil em épocas distintas: o caso dos Irmãos Naves, que é considerado o maior erro judiciário do
país pela grande injustiça cometida e pelo abuso do uso de tortura contra as vítimas e seus
familiares; o caso de Marco Mariano da Silva, que foi preso injustamente duas vezes, sendo a
primeira delas por ser confundido com o verdadeiro criminoso que possuía o mesmo nome que o
seu; e, por último, o caso do gaúcho Xavier, o mais recente dos três, que foi preso injustamente
por um erro no sistema da autoridade competente.
Por fim, busca-se analisar criticamente os fatos ocorridos pelos erros judiciários de acordo
com os fundamentos das doutrinas citadas acima, apontando, assim, os princípios e garantias
constitucionais e, de uma forma geral, os direitos que são feridos pela inércia do Poder
competente.
2. Indenização do Estado por Erros Judiciários em Casos Verídicos:
Em análise à responsabilidade civil do Estado em dever de indenizar os erros judiciários
encontram-se várias situações reais ocorridas no Brasil, o que deveria ser raro de ser encontrado,
pois é preocupante ocorrer erros de tal gravidade por uma incompetência do Poder Público em um
país regido por uma Constituição interna democrática de direito, que assegura princípios e
garantias aos cidadãos, que serão tratados no decorrer deste artigo.
Ao serem, injustamente, privadas de suas liberdades, as vítimas privam-se, também, de
outros direitos fundamentais pela situação carcerária atual brasileira, que se encontra em estado
degradante. A indenização, porém, não tem um cálculo exato, seu valor é fixado conforme pedido
da vítima e entendimento do juiz através dos fatos ocorridos e das perdas de tais direitos.
Acrescenta SENA DE FIGUEIREDO MEIRELLES, 2013, p.5:
A prisão ilegal, de certo, atinge o status dignitatis e libertatis do cidadão,
primeiramente em virtude da ilegal constrição ao direito de locomoção – ir e
vir, tolhendo a liberdade física, fato que por si só autoriza a indenização. Além
disso, não se deve desconhecer que outros prejuízos advindos do
encarceramento ilegal subsistem, como as injúrias físicas perpetradas contra o
preso, dentro das celas dos presídios ou dos distritos policiais, colocando em
risco sua integridade física e moral, causando-lhe constrangimento, humilhação
e diminuição em sua auto-estima. Ademais, as horas, dias ou meses que se
passam no presídio significam verdadeira eternidade, prolongando a angústia
do preso.
Sendo assim, apesar de as vítimas serem indenizadas, não há uma maneira exata de
avaliar a quantia paga perante o erro cometido buscando-se chegar a uma conclusão justa ou não.
E também, ao analisar os danos morais sofridos, entende-se que não há valor necessário para
ressarcir tal dano, sendo a indenização apenas uma forma de o Estado desculpar-se pelo erro, e
não de ressarci-lo.
A partir deste ponto do artigo, apresentar-se-á casos verídicos e, em seguida, será feita
uma análise crítica sucinta do dever do Estado de indenizar os erros do Poder Judiciário.
2.1 O caso dos Irmãos Naves:
O caso dos irmãos Naves foi o maior erro cometido pela justiça brasileira, que diz respeito
à prisão de dois homens inocentes: Joaquim e Sebastião Naves, dois irmãos que trabalhavam com
grãos, sendo que o primeiro era sócio de Benedito Caetano, primo de ambos, que foi morar um
tempo com os irmãos Naves, com o intuito de melhorar sua vida.
Na madrugada do dia vinte e nove de novembro de mil novecentos e trinta e sete Benedito
desapareceu com grande quantidade de dinheiro, proveniente da venda do arroz, após ter ido a
uma festa na cidade. Ao perceberem seu sumiço, os irmãos Naves noticiaram o desaparecimento
ao Delegado de Polícia Francisco Vieira dos Santos, que ficou encarregado do caso.
No decorrer das investigações, o delegado chega à conclusão de que os irmãos Naves
eram os culpados pelo desaparecimento de Benedito, com o fim de ficarem com a grande quantia
em dinheiro que o mesmo levava consigo. Porém, o delegado não possuía prova material do
crime, sendo assim, submeteu não só os irmãos, mas também sua família a sessões de tortura para
que assumissem o crime de latrocínio, ferindo (em análise à Constituição vigente atualmente) o
Princípio Fundamental expresso no artigo 1º, III da Constituição Federal: dignidade da pessoa
humana, como também seu artigo 5º, III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante.”, a Lei de Tortura, nº 9.455/1997 e também a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis
Desumanas ou Degradantes, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e o
Pacto São José da Costa Rica.
Após serem torturados com seus de dentes e unhas arrancados com alicate, e vários
ferimentos pelo corpo, inclusive com arma de fogo, os irmãos presenciam o estupramento de sua
própria mãe. Diante de tamanho sofrimento, assumem um crime que não cometeram.
No dia do julgamento, a defesa dos acusados foi feita pelo advogado João Alamy Filho
que não mediu esforços para provar a inocência dos irmãos, pois sabia o quão grave seria a
injustiça se o fosse determinado o contrário. O júri resultou em seis votos a favor da absolvição e
um contra.
A promotoria pediu a anulação de tal resultado, havendo, portanto, um novo julgamento,
que acabou com o mesmo resultado favorável para os Neves. Porém, naquela época, o tribunal do
júri não era soberano e o juiz acabou por condenar os irmãos a vinte e cinco anos e seis meses de
reclusão. A pena foi cumprida por oito anos, oito meses e treze dias, devido às suas condições
para a diminuição da pena.
Em agosto de mil novecentos e quarenta e seis os irmãos são soltos e Joaquim morre no
ano seguinte. Sebastião continua na luta para provar sua inocência e de seu irmão. Somente em
mil novecentos e cinquenta e dois Benedito reaparece alegando não saber da situação de seus
primos. Em decorrência deste fato a justiça considerou os irmãos Naves inocentes. A partir de mil
novecentos e cinquenta e três começa o processo de indenização com a decisão do Supremo
Tribunal Federal para garantir este direito à Sebastião e os herdeiros de Joaquim. Em entrevista ao
programa de televisão Linha Direta Justiça, da Rede Globo1, o filho de Joaquim afirma que o
pagamento em dinheiro aos herdeiros pela injustiça cometida com seu ascendente não foi
suficiente nem para comprar uma casa, pois a justiça não considerou os juros que deveriam ser
inclusos, resultando assim, em um valor inferior ao esperado e principalmente se for comparado
ao dano causado.
2.2 O caso de Marco Mariano da Silva:
Marco Mariano da Silva foi um brasileiro preso em mil novecentos e setenta e seis por
suspeita de assassinato, sendo que, durante seis anos ficou preso no Presídio Professor Aníbal
Bruno sem sequer ser julgado. Em mil novecentos e oitenta e dois o verdadeiro culpado do crime
apresenta-se na delegacia, identificando-se, portanto, que o criminoso possuía o mesmo nome de
Marco Mariano, motivo principal pelo qual o erro foi cometido.
Ao conseguir sua liberdade novamente, Marco Mariano sai da prisão, porém, não teria
para aonde ir, pois sua esposa pediu a separação após sua prisão e seus onze filhos haviam
mudado de estado e perderam o laço afetivo com o pai por acreditarem na suspeita em que ele foi
acusado, perdendo assim, total respeito por ele.
Em mil novecentos e oitenta e cinco, Marco Mariano foi preso novamente, desta vez
acusado de violação de liberdade condicional, ficando preso por mais doze anos. Neste tempo,
Marco Mariano contraiu a doença de tuberculose e perdeu a visão dos dois olhos por uma
intoxicação de gás lacrimogêneo, que a polícia usou para tentar deter uma rebelião ocorrida no
presídio.
Em mil novecentos e noventa e oito conseguiu sua liberdade, através da ajuda de um
advogado que foi o primeiro a ouvi-lo nestes dezoito anos preso, pois em nenhum momento houve
julgamento ou processo, ferindo, em análise à Constituição atual, a garantia constitucional de
Contraditório e Ampla Defesa, assegurada no artigo 5º, LV da Constituição e também a Presunção
de Não Culpabilidade do Acusado, prevista no mesmo artigo, inciso LVIII.
A ação contra o estado de Pernambuco foi fixada em dois milhões de reais, fundamentada
na garantia expressa no artigo 5º, LXXV da Constituição: “O Estado indenizará o condenado por
erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
Marco Mariano tentou recomeçar sua vida sem visão, sem sua família biológica e com
todos os traumas imagináveis que possam resultar após dezoito anos preso injustamente. Ele
morreu em dois mil e onze por causas naturais, após receber a notícia de que iria receber a
segunda parte de sua indenização, que foi dividida em duas partes pela grande quantia à ser paga.
1
Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=MmQZ5ropk5I,http://www.youtube.com/watch?v=K5Yv2dDofps,http://
www.youtube.com/watch?v=_fkMElsOJyw,http://www.youtube.com/watch?v=TqrErhzbW1w Acesso em
31/08/2013.
2.3 O Caso do gaúcho Xavier:
Tales Xavier de Souza, caminhoneiro, foi detido sob a acusação de não portar a CNH
(Carteira Nacional de Habilitação), após consulta no sistema informatizado do DETRAN
(Departamento Estadual de Trânsito), durante uma blitz realizada pela Brigada Militar do Estado
do Rio Grande do Sul na cidade de Cachoeirinha. Preso em flagrante, foi encaminhado para a
delegacia de polícia e posteriormente para o Presídio Central de Porto Alegre.
O inocente ficou preso por vinte e quatro horas, tempo suficiente para traumatizar alguém que não
cometeu nenhum ato ilícito e, mesmo assim, fica submetido às péssimas e degradantes condições
de um presídio brasileiro, principalmente o Presídio Central de Porto Alegre, que é considerado o
pior presídio da América Latina. Conforme CARNELUTTI, 2006, p. 8:
[...] as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é
verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e
não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina
nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.
Um Procurador da República verificou que o erro estava no cadastro do DETRAN e não
na CNH do motorista, sendo assim, seu inquérito foi liberado e arquivado. Mesmo conseguindo
sua liberdade, ficou impossibilitado de exercer sua profissão por vinte e um dias por estar com sua
CNH apreendida, e ficando, portanto, sem sustento financeiro durante tal período.
O caminhoneiro entrou com uma ação por danos morais no ano de dois mil e quatro, para
tentar, de alguma forma, ressarcir o trauma e o prejuízo que sofreu. Segundo o Juiz Relator do
processo, Dr. Antonio Vinicius Amaro da Silveira:
Os prepostos do Estado agiram de modo temerário e negligente ao efetuar o
flagrante, pois sequer certificaram se as informações do homem eram verídicas.
A prisão ilícita, por evidente, caracteriza dano moral. Houve violação às mais
elementares garantias constitucionais. (nº: 70009150376).
Tais garantias de que o autor fala sãos as presentes no artigo 5ª da Constituição da
República Federativa do Brasil nos seus incisos: LIV, que se refere ao princípio do Devido
Processo Legal; LV, que se refere ao princípio do Contraditório e Ampla Defesa; e LVII, que se
refere ao princípio da Presunção de Inocência.
Os danos de Tales foram calculados em R$ 720,00, pela multa, guincho e diárias do
veículo no depósito da cidade. Mas o que realmente mais causou danos para o motorista foi a
situação a que foi exposto, envergonhando-o e desonrando-o.
A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que o Estado
deveria indenizar Tales Xavier de Souza pela sua prisão ilegal, indenização esta que resultou em
R$ 28,8 mil, valor bem inferior ao pedido pelo motorista que era de R$ 90 mil.
2.4 A Responsabilidade Civil do Estado em Indenizar:
O Poder Jurídico faz parte de um todo (Poder Executivo, Legislativo e Judiciário) que
constitui o Estado, sendo assim é este que deve responder por seus atos, já que o Estado tem
responsabilidade objetiva (desde mil novecentos e quarenta e sete), não discutindo-se, assim, a
existência de dolo ou culpa, bastando o dano causado ao cidadão. Para LOPES MEIRELLES,
2012, p. 712: “(...), fixa-se que responsabilidade civil é a que traduz na obrigação de reparar
danos patrimoniais e se exaure com a indenização (...)”, e como complementa de ZANELLA DI
PIETRO, 2003, p. 535: “(...) É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão
imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário”.
A Constituição brasileira garante o direito de indenização pelo erro judiciário e pela prisão
que supere limites da condenação, fundamentada no artigo 5º, LXXV: “o Estado indenizará o
condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
Também, no seu artigo 37, § 6º, disciplina a responsabilidade do Estado:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
No âmbito do Direito Administrativo, fala-se no descumprimento do dever profissional, sendo
assim, no princípio da Legalidade, que é ferido quando há este descumprimento. Ocasionando,
portanto, danos morais e/ou patrimoniais, por uma contradição à legislação. MAZZA, 2013, p.
325, explica o artigo supratranscrito:
[...] as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus
agentes causarem a terceiros: União, Estados, Distrito Federal, Territórios,
Municípios, autarquias, fundações e associações públicas são pessoas jurídicas
de direito público e, por ostentarem natureza pública, respondem objetivamente
pelos danos que seus agentes causem a particulares. Importante notar que o
Texto Constitucional, quanto às referidas pessoas jurídicas de direito público,
não condiciona a responsabilidade objetiva ao tipo de atividade exercida. Por
isso, a responsabilidade objetiva decorre da responsabilidade pública e será
objetiva independentemente da atividade desempenhada: prestação de serviço
público, exercício do poder de polícia [...].
O dano moral é tão importante quanto o dano patrimonial, apesar de não poder ser
mensurado e valorado como este. Enquanto o dano patrimonial é facilmente calculado conforme o
prejuízo da vítima, o dano moral não possui um cálculo exato, para tanto busca-se, apenas um
ressarcimento pelo dano causado moralmente, baseado no transtorno sofrido.
[...] Luiz Antônio Soares Hentz fala que além do dano moral e patrimonial, a
prisão indevida gera um prejuízo especial e diferenciado, denominado de dano
pessoal. Argumenta o referido autor que: Ao lado do dano patrimonial e do
dano moral, suscetíveis de serem provocados por atividade pública ou privada
em geral, existe outra espécie de dano, ante o previsto no art. 5º, LXXV, da
Constituição brasileira de 1988. (SENA DE FIGUEIREDO MEIRELLES apud
HENTZ, 2004, p.5).
Complementando a diferença e a ligação de dano moral e material, FACURY SCAFF,
2001, p. 122 afirma:
[...] O fato da moral ser algo inatingível não quer dizer que ela não seja
patrimonial. O patrimônio pode ser material ou imaterial, e a moral faz parte do
patrimônio imaterial da pessoa, da mesma forma que quaisquer inventos,
registros de marca, patentes, etc. Desta forma, a indenização por dano moral é
uma forma de indenização decorrente de uma infração ao patrimônio imaterial
da pessoa. O Superior Tribunal Federal já sumulou a possibilidade de
cumulação do dano material com o dano moral, demonstrando assim o
enquadramento deste segundo tipo como uma espécie de dano patrimonial,
apenas que imaterial (Súmula 37). No mesmo sentido, já reconheceu também a
possibilidade de ser indenizado o dano “moral” cometido contra a pessoa
jurídica (Súmula 277.). Obviamente, este entendimento decorre de expresso
preceito constitucional (CF/88, art. 5º V) que criou uma espécie de “autonomia”
do dano moral, anteriormente apenas respaldado na jurisprudência.
2.5 Análise dos casos verídicos perante fundamentos legais:
Nos exemplos citados de casos verídicos, onde houve o dever de o Estado indenizar erros
judiciários, vê-se claramente a inércia do Poder Judiciário e sua desmoralização perante a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por não respeitar os direitos assegurados
às vitimas e por não cumprir seus deveres, como o de assegurar os princípios e garantias expressos
no seu artigo 5º, LIV (Devido Processo Legal), LV (Contraditório e Ampla Defesa) e LVIII
(Presunção de Não Culpabilidade do Acusado). Uma vez que, nos três exemplos, as vítimas não
tiveram a possibilidade de desfrutar de tais direitos.
Analisando os casos desde as acusações sem provas, iniciando pelo Caso dos Irmãos
Naves (item 2.1), vê-se que a confissão dos Irmãos - conseguida através de tortura – fere
completamente o artigo 5º, III da Constituição: “ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”. Como também as garantias e princípios citados no
parágrafo anterior, pois Sebastião e Joaquim não tiveram inicialmente o direito de defesa,
impossibilitando, assim, que o processo ocorresse de maneira justa, seguindo as regras do Devido
Processo Legal. Constituindo, então em uma falha indesculpável do poder competente aos devidos
meios de regularização dos processos, e, complementa o inciso LVIII do mesmo artigo: “a lei
considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura (...)”,
afirmando, portanto, que este tipo de prática é inafiançável. Assim, surge a questão de como o
Estado poderá responder por um crime classificado como tal. Também, percebe-se que a
indenização não foi fixada em um valor justo, pois é necessário analisar todas as perdas que os
Irmãos Naves tiveram e também os traumas que contraíram após as praticas de tortura e quase
nove anos de prisão sendo ambos inocentes.
Em análise no caso de Marco Mariano Da Silva (item 2.2), percebe-se que ao ser preso
sem julgamento, ou sequer processo, os princípios e garantias constitucionais do Devido Processo
Legal, Contraditório e Ampla Defesa, Presunção de Não Culpabilidade do Acusado e, também o
de Acesso à Jurisdição foram totalmente feridos por uma não obediência do poder competente à
suas normas, degradando, assim, a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III da
Constituição Federal. Percebe-se também, a gravidade do fato de haver duas prisões indevidas
com um mesmo cidadão, pois este, nos totais dezoito anos preso, perdeu grande parte de sua vida,
sua a família, sua honra e, ainda, contraiu uma doença incurável e perdeu a visão. Por todos estes
fatos que sua indenização foi fixada em um valor elevado, que na verdade, nada mais é do que um
valor justo analisando os danos enunciados anteriormente. Sendo assim, comparando a
indenização paga a Marco Mariano com a indenização paga a Sebastião e aos herdeiros de
Joaquim, vê-se uma enorme diferença de valores, e o injusto valor pago a Sebastião e os herdeiros
de Joaquim, afinal mesmo que Marco Mariano tenha ficado em torno de dez anos a mais na
cadeia, os Irmãos Naves foram friamente torturados. Como relata BECCARIA , 2012, p.35: “(...) é
monstruoso e absurdo exigir que um homem acuse a si mesmo, e procurar fazer nascer a verdade
por meio dos tormentos, como se essa verdade estivesse nos músculos e nas fibras do infeliz!”. De
maneira alguma compara-se um caso com o outro com o intuito de identificar qual indenização
deveria ser mais onerosa por uma compreensão de caso mais grave, apenas observa-se a diferença
no cálculo indenizatório de ambos.
No caso do gaúcho Tales Xavier de Souza, o mais recente de todos, também é visível a
incompetência profissional, neste caso do sistema informatizado do DETRAN e de seus
funcionários.
Deve-se constar o dano moral do trabalhador de ser preso indevidamente e também a sua
impossibilidade de trabalho durante o tempo em que sua CNH ficou apreendida. Como explica
LOPES MEIRELLES, 2012, p.724,
A indenização do dano moral deve abranger o que a vitima efetivamente perde,
o que despendeu e o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata
do ato lesivo da Administração, ou seja, em linguagem civil, o dano emergente
e os lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e
juros de mora, se houver atraso no pagamento [...].
O dano moral começa a ser analisado pelo pavor que o caminhoneiro sentiu ao ser levado
injustamente para ao presídio, e permanecer durante vinte e quatro horas lá. Posteriormente entrase na questão da desmoralização da dignidade de um cidadão inocente passar por tal fato. E então,
analisa-se os dias de trabalho perdidos, constatando, assim, o dever de acréscimo de lucros
cessantes no valor de sua indenização, sendo estes “[...] a frustração da expectativa de lucro. É a
perda de um ganho esperado”, conforme GONÇALVES, 2013, p. 397.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do estudo deste artigo, conclui-se que o Estado deve indenizar as prisões
indevidas, conforme artigo 5º, LXXV da Constituição da República Federativa do Brasil/88, por
possuir responsabilidade total perante estes fatos pela característica objetiva de sua
responsabilidade, devendo, portanto, indenizar pelos danos morais e patrimoniais sofridos pelas
vítimas sem discutição de dolo ou culpa.
Porém, percebe-se que, mesmo o Estado cumprindo seu dever, as marcas físicas e,
principalmente, as psicológicas permanecem nos indivíduos que foram indevidamente acusados e
privados de sua liberdade, quando, além disso, não forem privados de mais direitos pelas péssimas
condições prisionais brasileiras, que ocorre em quase todos os casos pelo Brasil não possuir abrigo
específico para os indivíduos até o trânsito em julgado do processo. Assim, é possível verificar a
falta de estrutura física (presídios) e profissional no país, o que contribui para que erros como os
citados no presente artigo ocorram. Também vê-se que há uma grande lacuna entre a teoria
Constitucional e sua aplicação, justamente pela falha do poder competente, que é ocasionada,
também, uma falta de estrutura capacitada.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2012.
CARNELUTTI, Francesco: As Misérias do Processo Penal. São Paulo: Pillares, 2006.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
FACURY SCAFF, Fernando. Responsabilidade Civil do Estado Internvencionista. 2ª ed. São
Paulo: Renovar, 2001.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
LOPES MEIRELLES, Helly: Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2012.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Processo nº. 70009150376, disponível em <www.tjrs.jus.br>, acesso em 29/09/2013.
SENA DE FIGUEIREDO MEIRELLES, Lenilma Cristina: Responsabilidade civil do Estado por
prisão ilegal. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº. 505, 24 nov. 2004. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/5961>. Acesso em: 12 ago. 2013.
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Linha Direta Justiça, Rede Globo. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=MmQZ5ropk5I,
http://www.youtube.com/watch?v=K5Yv2dDofps,
http://www.youtube.com/watch?v=_fkMElsOJyw,
http://www.youtube.com/watch?v=TqrErhzbW1w. Acesso em 31/08/2013.
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