A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO
PÚBLICO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL*
LIABILITY OF CONCESSIONAIRES PUBLIC SERVICE: A CRITICAL
ANALYSIS OF UNDERSTANDING SIGNED BY THE FEDERAL SUPREME
COURT
Helena Telino Monteiro
RESUMO
O presente artigo faz uma análise crítica do entendimento do Supremo Tribunal Federal
acerca da responsabilidade civil das concessionárias de serviço público perante terceiros
não usuários do serviço através de um contraponto com os artigos constitucionais
correlatos à matéria. Tais considerações vão desde um breve histórico da
responsabilização do Estado, a análise da transferência do serviço para o particular
através da concessão e sua responsabilidade, a aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor e culminam com o estudo da responsabilidade do ente estatal quando do
inadimplemento das suas contratadas, a fim de verificar se, mesmo diante do contrato de
concessão remanesce alguma responsabilidade para a Administração que delegou o
serviço.
PALAVRAS-CHAVES: RESPONSABILIDADE. ESTADO. CONCESSIONÁRIAS
SERVIÇO PÚBLICO. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
ABSTRACT
This article makes a critical understanding of the Supreme Court poin of view on the
civil liability of public service concession to third parties who did not use the service
and also offers a review to the constitutional articles related to the matter. Such
considerations range from a brief history of the accountability of the state, the analysis
of transfer of public service for particular through the issue and their responsibility, the
applicability of the Code of Consumer Rights and ending with the study by the state
entity when the default of its contractors to verify that, even with the concession
contract remains some responsibility for the administration to be delegated the service.
KEYWORDS: RESPONSIBILITY.
SUPREME COURT.
STATE.
DEALERS
PUBLIC
SERVICE.
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
7927
Introdução
A temática da responsabilidade civil das concessionárias de serviços públicos é bastante
rica pois envolve o estudo da responsabilidade civil do Estado (que lhe dá embasamento
e sustentáculo), da responsabilidade civil presente no Código de Defesa do Consumidor,
na Constituição Federal e na Lei 8.987/95, noções de privatização e reflexões sobre
responsabilidade solidária e subsidiária do Poder Público nas atividades delegadas.
Longe de pensar em esgotar o tema, o presente trabalho tem a pretensão de trazer um
estudo integrado do assunto, sempre com a reflexão acerca das decisões dos tribunais
pátrios e da doutrina mais atualizada na matéria, aproximando as discussões das
situações do dia-a-dia forense.
Dessa forma, abrange este artigo a discussão acerca da evolução da responsabilidade
civil do Estado, da responsabilidade civil das concessionárias de serviço público e, por
fim, da responsabilidade do Poder Público frente aos danos causados pelas
concessionárias.
Na expectativa de contribuir para uma reflexão mais aprofundada do tema, o presente
trabalho dá especial enfoque a decisão proferida no Recurso extraordinário n°
262651/SP em que foi Relator o Ministro Carlos Velloso, que abre importante
precedente diferenciando as formas de colocação da responsabilidade das
concessionárias de serviço público diante de seus usuários e de terceiros. Estudo que
está a depender de maiores reflexões por parte do Supremo Tribunal Federal e da
doutrina como um todo.
1. Breves considerações acerca da teoria da responsabilidade civil e o panorama
atual com enfoque na jurisprudência pátria
Para introduzir a discussão, é imprescindível que se inicie pela responsabilidade
extracontratual da Administração Pública, pois daí decorrerá o fundamento para a
consolidação da teoria da responsabilidade civil das concessionárias de serviço público
perante terceiros.
Rui Stoco, afirma que: “não há responsabilidade sem prejuízo advindo de dano”
(STOCO, 1999). Orlando Soares, por sua vez, assevera, “a reparação exprime o
ressarcimento, a indenização ou retribuição pecuniária – de natureza econômica –
devida pelo agente que causou o dano a terceiro” (SOARES, 1999).
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Para Orlando Soares, a responsabilidade civil pode ser dividida em dois tipos básicos:
Responsabilidade civil contratual, decorrente do inadimplemento contratual que segue a
norma do art. 389 do Código Civil, e a responsabilidade civil extracontratual ou
aquiliana, ou seja, aquela em que o agente causador do dano não está ligado ao
ofendido/vítima por laços contratuais.
O estudo da responsabilidade civil extracontratual do Estado passou, assim como a
maioria dos institutos de direito contemporâneo, por profundas alterações no decorrer de
sua aplicação. Desde uma afirmativa geral de irresponsabilidade estatal até a acepção de
que o Estado deveria suportar as indenizações reparando danos pela teoria do risco
integral, vários foram os doutrinadores que se debruçaram sobre o tema.
Em verdade, a teoria da irresponsabilidade encontra-se atualmente superada já que
Estados Unidos e Inglaterra (as duas últimas nações que a sustentavam) abandonaramna em 1946 e 1947 (MEIRELES, 2006), respectivamente.
A teoria da culpa civil comum vem perdendo adeptos (ao menos no que toca à
responsabilidade por atos comissivos) e, pela atual Carta Constitucional, a obrigação do
Estado em reparar danos está baseada na teoria da responsabilidade sem culpa, ou, em
outras palavras, teoria objetiva da responsabilidade civil, com lastro no art. 37, §6º da
Constituição Federal.
O Código Civil, na mesma linha da Constituição Federal, abandonou a orientação
subjetivista contida na codificação anterior e trouxe em seu art. 43 o seguinte comando:
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por
atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Para Kiyoshi Harada:
Pela teoria da culpa administrativa a obrigação de o Estado indenizar decorre da
ausência objetiva do serviço público em si. Não se trata de culpa do agente público, mas
de culpa especial do Poder Público, caracterizado pela falta de serviço púbico. Cabe à
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vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu
retardamento. Representa o estágio de transição entre a doutrina da responsabilidade
civilística e a tese objetiva do risco administrativo (HARADA, 2000, in jus navigandi).
A jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, caminha no seguinte sentido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ESTADO DO
PARANÁ.
ALIENAÇÃO
DE
TERRAS
DEVOLUTAS
DA
UNIÃO.
IRREGULARIDADE.
ANULAÇÃO
DOS
TÍTULOS
DOMINIAIS.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. LEGITIMIDADE ATIVA DO ÚLTIMO
ADQUIRENTE DO IMÓVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Ação declaratória de nulidade de título dominial cumulada com indenização e perdas
e danos proposta por GERDELINA JUVINA MAROCHI contra o ESTADO DO
PARANÁ, em que se requer a condenação do Estado do Paraná ao pagamento dos
prejuízos experimentados pela autora e a declaração de nulidade dos títulos expedidos
originariamente pelo réu. Sentença julgando parcialmente procedente o pedido,
declarando nulos os títulos dominiais nominados na inicial e condenando o Estado ao
pagamento de indenização por perdas e danos. Interpostas apelações pelas duas partes, o
TJPR proveu o reexame necessário e a apelação da ré, julgando prejudicado o apelo da
autora por entender que o STF firmou entendimento no sentido de que, em casos como
o presente, por tratar-se de responsabilidade contratual, o Estado só responde perante
aquele a quem conferiu o título de domínio pleno do imóvel; havendo, no caso de
revendas sucessivas, ausência de nexo causal para que o último adquirente, abstraindo
compradores que o antecederam, possa voltar-se contra quem expedira o título de
domínio. Dessa forma, falece tanto à autora apelante como ao Estado do Paraná
legitimação para figurarem, respectivamente, no pólo ativo e passivo da relação
processual, acolhendo-se a preliminar de carência de ação por ilegitimidade das partes.
No recurso especial, alega-se violação dos arts. 15 e 1.107 do Código Civil de 1916,
além de dissídio jurisprudencial, sob o fundamento de que a linha central da análise
jurídica, em hipóteses como a dos autos, é a culpa anônima do serviço público e não a
responsabilidade contratual balizada pelo instituto da evicção, havendo responsabilidade
objetiva do Estado, fundada na teoria do risco administrativo, que impõe a obrigação de
indenizar sem cogitar sobre a identificação do causador do dano, porque a indagação de
culpa ou dolo do agente da autoridade é justificável apenas em se tratando de ação de
regresso contra o responsável (art. 37, § 6°, CF). Em suas contra-razões, sustenta o
Estado do Paraná que a questão discutida foi resolvida exclusivamente à luz do art. 107
da Constituição anterior, vigente à época dos fatos ensejadores do pedido indenizatório,
sendo incabível o recurso especial. Afirma, ainda, que não foi interposto simultâneo
recurso extraordinário e que os acórdãos paradigmas trazem hipótese fática distinta da
dos autos ou orientação já superada do STF pelo Plenário daquele Tribunal.
2. A responsabilidade de o Estado reparar o dano que tenha causado, por si,
diretamente, ou por seus agentes, é objetiva, leitura que se faz do artigo 15 do
Estatuto Civil de 1916, da Constituição de 1967 e, também, da vigente Carta
Federal, que assim dispõe em seu artigo 37, § 6º.
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3. Na hipótese, o Estado do Paraná alienou a particulares, indevidamente, terras
devolutas da UNIÃO. No momento seguinte buscou a anulação de seu próprio ato
administrativo, mas não deixou, assim, de causar prejuízo à parte que, situada na última
posição da cadeia dominial, foi desapossada do imóvel e teve o título de propriedade
desconstituído.
4. Comprovada nos autos a existência do nexo de causalidade entre a atuação do
Estado e o prejuízo experimentado pela recorrente, impõe-se reconhecer a
responsabilidade do Poder Público pela reparação do prejuízo que, nessa
qualidade, inflingiu à recorrente. Precedentes.
5. Recurso especial conhecido e provido com a finalidade de que, desconstituído o
acórdão impugnado, sejam reeditados os termos lançados na sentença de fls. 588/590,
caracterizado o dever de indenizar que se impõe ao Estado do Paraná.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 175.287-PR, Relator: Min.
José Delgado. Brasília, DF 21.02.2006, Diário da Justiça da União, 13 mar. 2006.).
No que pertine à indenização por atos omissivos do Estado, há dupla possibilidade de
condenação, a primeira pela teoria do risco administrativo, naqueles casos em que o
Estado tem o dever de guarda e vigilância, fica obrigado a responder
independentemente de perquirição de culpa (ou faute du service dos franceses) são os
casos de danos que ocorrem em estabelecimentos prisionais e escolas públicas; por
outro lado, quando o Estado não estava na obrigação direta de zelar pela vida e
segurança do sujeito lesado, especificamente, responde pelos seus atos omissivos
mediante aferição de culpa. Esse é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello,
capitaneado pelos seguintes arestos exemplificadores:
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem.
Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado.
Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do
nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX).
Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a
ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega
provimento. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 272839MT, Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Diário da Justiça da União 08 abr.
2005 (Grifos de agora).
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. FAUTE DU SERVICE PUBLIC CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR
PRESIDIÁRIO, FUGITIVO CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME
PRISIONAL COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado
submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as
autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional
aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou
ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade,
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justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de
causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o
condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto),
e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro
crime de estupro. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 409203-RS, Relator:
Min. Carlos Velloso. Brasília, DF. Diário da Justiça da União, 20 abr. 2007(Grifos de agora).
Feita uma breve análise dos recentes posicionamentos das Cortes Superiores acerca da
responsabilidade civil estatal, passa-se a analisar a responsabilidade civil das
concessionárias de serviço público, tema deste trabalho.
2. A responsabilidade civil das concessionárias de serviço público
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a concessão de serviços públicos está inserida num
conceito amplo de privatização, veja-se:
Isto se justifica porque ela é um dos instrumentos de que o Poder Público pode utilizarse para diminuir o tamanho do Estado, pela transferência de atribuições para o setor
privado. Ainda que a concessão se faça por contrato administrativo, portanto, regido
pelo direito público, e, ainda uqe o Pode Público conserve a plena disponibilidade sobre
o serviço, exerça a fiscalização e cobre tarifa, a execução do serviço estará entregue a
uma empresa privada, que atuará pelos moldes das empresas privadas, livre de
procedimentos como concursos públicos, licitação, controle pelo Tribunal de Contas e
outros formalismos que emperram hoje a atuação da Administração Pública Direta e
Indireta (DI PIETRO, 2002)
A concessão de serviços públicos tem previsão constitucional em diversos dispositivos
constitucionais, especialmente no art. 175, verbis:
Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo
único: A lei disporá sobre: I – regime das empresas concessionárias e permissionárias
de serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os
direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – obrigação de manter serviço adequado.
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Por determinação constitucional, foi editada a Lei 8.987/95 que estabeleceu as normas
gerais sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Posteriormente, a
Lei 9.074/95 alterou alguns dispositivos da anterior e regulou a concessão dos serviços
de energia elétrica e, por último, veio a Lei 9.648/98 que, por seu turno, alterou
dispositivos das anteriores.
É importante ressaltar que se aplica subsidiariamente, naquilo em que não contrariar
essas leis, os dispositivos da lei 8.666/93, ex vi do seu art. 124. É, portanto, a lei de
licitações a base para a solução das omissões da legislação anterior, integrando a
interpretação do sistema de concessões e permissões administrativas.
Feitas essas breves observações, interessa, mais de perto, o detalhamento da natureza
das concessões administrativas e sua distinção perante outras formas de contrato entre
Administração e particulares. Na definição de Hely Lopes Meireles, as concessões
administrativas se enquadram dentre os atos negociais da administração que:
são praticados contendo uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a
pretensão do particular, visando à concretização de negócios jurídicos públicos ou à
atribuição de certas vantagens ao interessado. (MEIRELES, 2006)
Dentre outros atos negociais, têm-se as permissões e autorizações que diferem
basicamente das concessões uma vez que a permissão é “ato unilateral e precário,
intuito personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de
um serviço de sua alçada” (TEPEDINO, 2004) e a autorização, por sua vez: é o ato
unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de
atividade material, tendo como regra, caráter precário” (TEPEDINO, 2004).
Há, ainda, outra distinção predominantemente no que toca ao interesse prevalecente, já
que nas autorizações o interesse é predominantemente particular e, nas permissões,
público.
Assim, e tendo em vista que a delegação de serviços públicos e realização de obras
públicas fazem-se, basicamente, por meio de concessões, ganha maior importância o
estudo da responsabilidade civil das concessionárias.
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Alexandre de Moraes assevera que: “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito público ou privado, quando prestadoras de serviços públicos, baseia-se no risco
administrativo, sendo desta forma objetiva”. Para o mesmo autor, são exigidos os
seguintes requisitos para se configurar a responsabilidade objetiva, quais sejam: “a
ocorrência do dano, a ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre
o dano e a ação ou omissão administrativa e a ausência de causa excludente da
responsabilização estatal” (MORAES, 2002).
É assente na doutrina que a responsabilidade das concessionárias de serviço público é
objetiva e decorre do mesmo comando constitucional aplicável ao Estado (art. 37, §6°
da Constituição Federal). Esse é o texto constitucional:
“Art. 37. §6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa”.
Como se pode observar a lógica da responsabilidade objetiva do Estado perpassa as
pessoas jurídicas de direito público e atinge as pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público, sempre que o dano for decorrente da prestação de
serviço público.
No caso de responsabilidade civil das concessionárias de serviço público há um
precedente muito interessante do Supremo Tribunal Federal que distingue os casos em
que os danos foram causados aos usuários dos que os que o foram a terceiros. O
entendimento atual é o seguinte:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
CIVIL.
RESPONSABILIDADE
CIVIL
DO
ESTADO:
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS
DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO
SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. - A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo
a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º,
da C.F. II. - R.E. conhecido e provido. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso
Extraordinário n° 262651-SP, Relator: Min. CARLOS VELLOSO. Brasília.Diário da
Justiça da União 06 mai. 2005.
7934
Pelo direcionamento acima esposado, as concessionárias só seguem a regra do art. 37,
§6º da Constituição Federal quando o lesado for usuário do serviço público, nos casos
em que o prejudicado não for usuário, haveria a necessidade de perquirição de culpa.
Em outras palavras, a responsabilidade das concessionárias de serviço público só seria
objetiva frente aos seus usuários, uma vez que, relativamente a terceiros, a sua
responsabilização dependeria da verificação da culpa. Nesse sentido foi o voto do
relator do recurso extraordinário:
Essa me parece, na verdade, a melhor interpretação do dispositivo constitucional, no
concernente às pessoas privadas prestadoras de serviço público: o usuário do serviço
público que sofreu um dano, causado pelo prestador do serviço, não precisa comprovar
a culpa deste. Ao prestador do serviço é que compete, para o fim de mitigar ou elidir a
sua responsabilidade, provar que o usuário procedeu com culpa, culpa em sentido largo.
É que, conforme lição de Romeu Bacellar, “é o usuário detentor do direito subjetivo de
receber um serviço público ideal”. A ratio do dispositivo constitucional que estamos
interpretando parece-me mesmo esta: porque o “usuário é detentor do direito subjetivo
de receber um serviço público ideal”, não se deve exigir que, tendo sofrido dano em
razão do serviço, tivesse de provar a culpa do prestador desse serviço.
Fora daí, vale dizer, estender a não-usuários do serviço público prestado pela
concessionária ou permissionária a responsabilidade objetiva —— CF, art. 37, § 6º
—— seria ir além da ratio legis. Grifos de agora
Outro fato inédito, e relevante no estudo do entendimento acima é o de que, neste voto,
o Min. Carlos Velloso afirma que, ante a omissão da doutrina sobre o tema, enviou carta
a Celso Antônio Bandeira de Mello, pedindo que se manifestasse sobre o termo
“terceiros” mencionado no art. 37, §6º, da Constituição Federal e expressasse seu
entendimento quanto ao assunto. Em resposta ao pedido, o Ministro afirma que Celso
Antônio Bandeira de Mello teve entendimento divergente do seu:
Celso Antônio Bandeira de Mello, conforme acima mencionado, não chega a cuidar do
tema no seu “Curso de Direito Administrativo”. Dirigi-lhe carta, pedindo o seu
pronunciamento a respeito. Celso Antônio, gentilmente, respondeu-me:
“(...) Quando o Texto Constitucional, no § 6º do art. 37, diz que as pessoas ‘de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes
nesta qualidade causarem a terceiros’, de fora parte a indispensável causação do dano,
nada mais exige senão dois requisitos para que se firme dita responsabilidade: (1) que
se trate de pessoa prestadora de serviço público; (b) que seus agentes (causadores do
dano) estejam a atuar na qualidade de prestadores de serviços públicos. Ou seja: nada
se exige quanto à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não se exige que
sejam usuários, nesta qualidade atingidos pelo dano. Com efeito, o que importa, a meu
ver, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a
titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo
7935
desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço público. Logo, se
alguém, para poder circular com ônibus transportador de passageiros do serviço
público de transporte coletivo necessita ser prestadora de serviço público e causa dano
a quem quer que seja, tal dano foi causado na qualidade de prestadora dele. Donde,
sua responsabilidade é a que está configurada no § 6º do art. 37.”
José Cretella Júnior dissertou a respeito. Sua opinião parece-me coincidente com a de
Celso Antônio, ao escrever, comentando o § 6º do art. 37 da CF: “326. Terceiros. No
texto, ‘terceiros’ são as pessoas que sofrem dano, causado por agente de pessoa
jurídica pública, ou privada, esta última prestando serviços públicos.” (Comentários à
Constituição Brasileira de 1988”, Forense Universitária, 2ª ed., vol. IV, pág. 2.352).
Dessa forma, fica claro que, Celso Antônio Bandeira de Melo, ao ser questionado sobre
o alcance e significado da palavra terceiros constante da redação do §6º do art. 37, da
Constituição Federal, firma o posicionamento de que a responsabilidade civil das
concessionárias de serviço público é sempre objetiva, uma vez que a norma
constitucional, ao disciplinar a matéria, não faz qualquer distinção entre usuário e não
usuário, não exigindo nenhuma qualificação do sujeito passivo do dano.
Ainda assim, Carlos Velloso não se convenceu e acabou entendendo que, quando a
Constituição Federal, no art. 37, §6° fala “terceiros”, estaria na verdade querendo dizer
“usuários”. A posição vencedora no Supremo não parece acertada e tendo em vista que
foi dada por maioria, dentre os divergentes, cite-se o voto do Min. Joaquim Barbosa
nesse recurso extraordinário, seguindo a linha contrária da exposta no voto vencedor:
Daí vem a indagação crucial que faço: quando o Estado, mediante contrato
administrativo, transfere ao particular uma parcela das suas múltiplas atividades, ocorre
uma transformação substancial na natureza dessas atividades? Seria essa transformação
de tal monta, a ponto de extirpar do serviço prestado pelo particular as características
que lhe são próprias, ou seja, as de um típico serviço público, do qual a coletividade
como um todo se beneficia? Penso que não. Em primeiro lugar, porque o serviço
público, quando delegado ao particular, não deixa de ser público. A Administração
continua a deter sua titularidade. Tanto que nas hipóteses de falência ou eventual
insolvência do concessionário, vem à tona a responsabilidade subsidiária do poder
concedente. Entendo que a primeira e incontornável reflexão que se impõe, quando
postulada uma reparação por danos causados por concessionários de serviço público, é a
seguinte: nas mesmas circunstâncias em que produzido o dano, caso estivesse envolvida
não uma concessionária, mas a própria Administração, estaria a vítima legitimada a
receber indenização? Se positiva a resposta, o dever de indenizar é imperativo. Isso
porque, como já dito, é a natureza da atividade causadora do dano, isto é, o fato de
que ela é exercida em prol da coletividade, que conduz à obrigação de indenizar o
particular. Ora, o fato de a prestação do serviço ser transferida temporariamente a
uma empresa privada concessionária não tira da atividade sua natureza eminente
público-estatal. Na concessão, é bom não esquecer, o particular concessionário
7936
apenas “faz as vezes do Estado”, isto é, ele “agit pour le compte de l’Etat”, como bem
diz René Chapus. Portanto, Senhor Presidente, discordo respeitosamente do ilustre
relator quando S. Exa. diz o seguinte: “A responsabilidade objetiva das pessoas
privadas prestadoras de serviço público ocorre em relação ao usuário do serviço e não
relativamente a pessoas não integrantes dessa relação.” Penso ser incabível tal
distinção em matéria de responsabilidade civil do Estado. Para fins de fixação dessa
responsabilidade, é inteiramente irrelevante uma ou outra qualidade ou condição
pessoal da vítima dos danos. Penso, pois, que introduzir uma distinção adicional
entre usuários e não-usuários do serviço significa um perigoso enfraquecimento do
princípio da responsabilidade objetiva, cujo alcance o constituinte de 1988 quis o
mais amplo possível. Note-se que, para boa parcela da doutrina nacional, a natureza das
atividades administrativas não se altera pela simples delegação ao particular de certos
serviços públicos. Os professores Mário Masagão5, Celso Antônio Bandeira de Mello6
e Ruth Helena Pimentel de Oliveira7 assim abordam a questão: “(...) quanto aos
serviços concedidos, o princípio da responsabilidade civil é o mesmo, porque o serviço
público, embora executado de forma indireta, conserva seu caráter. Apenas, o poder
concedente não é o responsável e sim o cessionário, pois a este competem os riscos da
exploração.”8 “(...) a prestação indireta de serviços não pode ser meio transverso de
exonerar o Estado da responsabilidade objetiva a que se submeteria se os
desempenhasse diretamente. Por isso, quem quer que exerça serviço público equiparase a um agente do Estado e deve, por tal razão, submeter-se ao mesmo regime de
responsabilidade do Estado, sob pena de fraudar-se o princípio da responsabilidade
objetiva.”9 “Assim a responsabilidade do concessionário e do permissionário de
serviço público é regida por normas e princípios de direito público, pois, esses entes
desempenham serviços públicos, estão investidos de poderes próprios do Poder
concedente e a atividade objetiva atender às necessidades da coletividade. Se a
prestação do serviço público é transferida ao concessionário e ao permissionário,
naturalmente acompanha-a a responsabilidade por atos decorrentes dessa prestação e
segue a mesma natureza. Logo, a responsabilidade de tais entes delegados de serviços
públicos é a mesma imposta ao Poder Público, caso realizasse a atividade
diretamente.”10 “No entanto, para que seja instaurada a responsabilidade objetiva dos
entes prestadores de serviço público, é necessário que o dano esteja ligado a uma
atividade de desempenho ou de prestação do serviço concedido. Qualquer prejuízo
provocado por atividade do concessionário desvinculada da prestação do serviço não é
informado pela responsabilidade objetiva, nos moldes do mencionado dispositivo
constitucional, mas rege-se pelas normas de responsabilidade do direito privado. Nesse
sentido, Odete Medauar afirma que em relação às pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público incide a responsabilização objetiva somente nas
atividades vinculadas ao serviço público prestado, ficando sob a égide do direito
privado os danos advindos de outras atividades.”11 “Essa hipótese, portanto, não se
refere a prejuízos decorrentes da execução do serviço, mas àqueles que se tenham
originado das relações privadas entre o concessionário e terceiros. Nesse caso incidem
as regras que regulam o direito privado. A contratação entre o concessionário ou o
permissionário e terceiro, tendo como objeto atividades acessórias, não configurará
contrato administrativo, mas negócio jurídico sujeito ao direito privado, constituindo
relação jurídica estranha ao Poder concedente e, portanto, não produz efeitos perante
o concedente, salvo naquilo que tenha ligação com o serviço público em suas
manifestações com os usuários. O art. 25 da Lei nº 8987/95 estabelece a
responsabilidade do concessionário de serviço público pelos danos ocasionados em
decorrência da execução do serviço concedido ao Poder concedente, aos usuários ou
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a terceiros, e que a fiscalização exercida pelo Poder concedente não exclui nem
atenua essa responsabilidade.”12 Em síntese, minha divergência decorre dos
seguintes fundamentos: Tendo a Constituição brasileira optado por um sistema de
responsabilidade objetiva baseado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do
que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, no qual a
simples demonstração do nexo causal entre a conduta do agente público e o dano
sofrido pelo administrado é suficiente para desencadear a obrigação do Estado de
indenizar o particular que sofre o dano, deve a sociedade como um todo
compartilhar os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade
administrativa, em face do princípio da isonomia de todos perante os encargos
públicos. Dessa forma, parece-me imprópria a indagação acerca dessa ou daquela
qualidade intrínseca da vítima para se averiguar se no caso concreto está ou não
está configurada hipótese de responsabilidade objetiva, já que esta decorre da
natureza da atividade administrativa, a qual não se modifica em razão da simples
transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares
concessionárias do serviço. Grifos de agora
O Ministro Joaquim Barbosa, em algumas linhas, conseguiu demonstrar, acertadamente
que, se a Administração, ao executar aquele mesmo serviço tem a obrigação de
indenizar objetivamente um terceiro, não é lógico que pelo simples fato do serviço ter
sido concedido a um particular, ele se exima de também assim o fazê-lo. É um
raciocínio simples que, levado à última análise, traduz que quem tem o bônus, também
deve suportar o ônus.
Outrossim, o voto divergente adota o entendimento que a delegação do serviço não o
desnatura, permanecendo, pois, em sua essência, público. Por sua vez, também releva a
importância da teoria do risco na proteção da parte mais fraca quando em confronto com
o Poder Público.
Em outras palavras, e seguindo a linha adotada por Celso Antônio Bandeira de Melo
exposta acima, o Ministro Joaquim Barbosa afirma a ausência de norma constitucional
que qualifique o sujeito passivo, tendo em vista a abrangência gramatical do termo
terceiros – qualquer pessoa, inclusive usuários – e, ressalta, ainda, a aplicação da lei
8987/95 às prestadoras de serviço público.
Ademais, interpretação diversa vai de encontro à interpretação literal da Constituição
que estabelece, verbis:
“Art. 37. §6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa”. Grifos de agora.
7938
Outrossim, a responsabilidade da concessionária de serviços públicos em relação aos
seus usuários é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei 8.987/95.
Pelo CDC, a responsabilidade por danos causados ao consumidor já é objetiva, o que
esvaziaria o conteúdo da norma constitucional, caso estivesse se referindo apenas a
usuários dos serviços.
Nesse sentido, é de se refletir que os usuários do serviço público delegados são, em sua
essência, consumidores, e a eles se aplicam todas as normas da legislação consumerista,
em especial a que trata da responsabilidade do fornecedor perante seus clientes.
Afinal, as concessionárias de serviço público estão englobadas pelo conceito de
fornecedor do referido código, verbis:
Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Grifos de agora
E pelo regramento consumerista, tem-se que:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos
à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos”. Grifos de agora.
Pelo disciplinamento acima, tem-se que as concessionárias, enquanto fornecedoras,
respondem objetivamente frente aos usuários pelo simples fato de estar, no caso,
configurada a relação de consumo e de ser aplicada a legislação protetiva do
consumidor, com todas as suas nuances. Destarte, a jurisprudência pátria entende,desde
há muito, que se aplica o CDC aos consumidores dos serviços públicos concedidos,
como o de fornecimento de água, energia, telefonia, entre outros.
Na esteira do entendimento de que a concessão de serviços caracteriza relação de
consumo frente aos seus usuários com aplicação de todas as regras consumeristas, a
jurisprudência deixou assentado que:
7939
ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO – ENERGIA ELÉTRICA
– INADIMPLÊNCIA.
1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação
dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais
como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e
individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso
específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.
2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração
pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São
regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços
público.
3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo
facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta,
remuneração do serviço público próprio.
4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por
concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como
previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja
antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão.
5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade
das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71
do CDC, em interpretação conjunta).
6. Hipótese em que não há respaldo legal para a suspensão do serviço, pois tem por
objetivo compelir o usuário a pagar diferença de consumo apurada unilateralmente pela
Cia de Energia.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 914.828-RS, Relatora:
Min. ELIANA CALMON. Brasília.Diário da Justiça da União, 17 mai. 2007). Grifos
de agora.
Dessa forma, entendendo-se por aplicável o CDC à espécie é de se lembrar que mesmo
relativamente a terceiros, algumas vezes, o fornecedor responderá pelos danos também
na forma objetiva, ou seja, sem perquirição da existência de culpa ou falta do serviço. É
o caso do conceito de “consumidor por equiparação” encontrado no art. 17 do Código
de Defesa do Consumidor, verbis: “Art. 17. Para os efeitos dessa seção, equiparam-se
aos consumidores todas as vítimas do evento.” A seção, a que o artigo se refere é
intitulada: “Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”.
7940
Por todo o exposto, é de se concluir que a concessionária, perante seus
usuários/consumidores já tem sua responsabilidade objetiva fixada pelo Código de
Defesa do Consumidor que traz em favor do hipossuficiente várias outras benesses,
como a inversão do ônus da prova, por exemplo. Outrossim, mesmo diante de terceiros,
a responsabilidade da concessionária, pelo CDC ainda será objetiva, nos casos em que
se tem o conceito de “consumidor equiparado”, o que demonstra o desacerto do
precedente do STF ao interpretar a Carta Magna contrariando o seu texto expresso.
Noutro pórtico, a própria lei 8.987/95, em seu art. 25, como mencionou o Min. Joaquim
Barbosa em seu voto divergente, estabelece a responsabilidade do concessionário de
serviço público pelos danos ocasionados em decorrência da execução do serviço
concedido ao Poder concedente, aos usuários ou a terceiros, e que a fiscalização
exercida pelo Poder concedente não exclui nem atenua essa responsabilidade. Ademais,
pelo próprio conceito de concessão de serviço público, tem-se que o fornecimento se dá
por conta e risco da concessionária, o que reforça a idéia de que juntamente com o
bônus do contrato de concessão, vem o ônus de arcar com as responsabilidades nos
mesmos moldes da responsabilidade estatal. Veja-se:
Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e
risco e por prazo determinado. Grifos de agora.
Portanto, a lei 8.987/95 também estabelece a responsabilidade objetiva das
concessionárias de serviço público perante usuários e não-usuários, prescindindo-se da
análise do mau funcionamento do serviço, os requisitos contemplados na averiguação
da possibilidade de indenização restringem-se ao nexo causal, ação e dano
experimentado.
É claro que o Código de Defesa do Consumidor, a lei 8.987/95 e tampouco a
Constituição Federal em seu art. 37, §6º não adotaram a teoria do risco integral, o que
torna sempre possível a aferição de causas excludentes como a culpa exclusiva da
vítima e a inexistência de defeito no serviço prestado. Nesse sentido, o art. 14, §3° do
CDC: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I –que,
tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro”.
7941
Vê-se, portanto, que nem a culpa concorrente do consumidor é suficiente para afastar o
dever de indenizar. Nesta seara, resta, ainda, a discussão acerca da possibilidade de
redução do quantum ante a concorrência de culpas. O Código Civil, em seu art. 945
autoriza: “Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a
sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano”.
De fato, ao que parece, esse artigo pode ser aplicado para atenuar o valor da indenização
na culpa concorrente por ser medida de melhor justiça, apesar da ausência de qualquer
disciplinamento nesse sentido dentre as normas de direito de consumidor.
É importante frisar que o art. 56, VIII do Código de Defesa do Consumidor dispõe que
eventuais infrações das normas referentes à defesa do consumidor ficam sujeitas à
sanção administrativa de revogação de concessão ou permissão de uso, sem prejuízo das
de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas. O art. 59, §1° acrescenta
que: “A pena de cassação será aplicada à concessionária de serviço público, quando
violar obrigação legal ou contratual”.
Pelo exposto, conclui-se que, diferentemente do precedente aberto pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 262651/SP, a melhor interpretação e integração perante o
sistema de responsabilidade adotado no país é a de que a responsabilidade objetiva
aplicada às concessionárias de serviço público abrange a usuários e não-usuários,
deixando-se apenas a ressalva de que aos usuários também serão aplicadas as normas do
Código de Defesa do Consumidor, em toda sua amplitude.
3. A responsabilidade do Poder Público frente aos danos causados pela
concessionária
O tema é bastante controvertido e a doutrina diverge no tocante ao grau de
responsabilidade do Poder Público e forma de responder pelos danos causados: solidária
ou subsidiariamente.
Celso Antônio Bandeira de Mello defende a tese da responsabilidade subsidiária do
Estado, porém distingue duas situações: 1) danos resultantes da atividade ligada ao
serviço concedido, caso em que incide a responsabilização subsidiária do Estado e 2)
danos no patrimônio de terceiros oriundo de comportamento da concessionária alheio à
prestação do serviço em si, caso em que o Estado não responderia sequer
subsidiariamente. Para elucidar o raciocino, transcreve-se:
7942
Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a
encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal,
conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio
exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar
poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi
possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que
arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade
subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs –
em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo
concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.
É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente
constitutiva do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo faltoso, acarretam,
no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder
concedente.
O fundamento dela está em que o dano foi efetuado por quem agia no lugar do Estado e
só pôde ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e poderes
incumbentes ao concedente.
Exauridas as forças do concessionário, desaparece o intermediário que, por ato do
concedente, se impunha entre o terceiro prejudicado e o próprio concedente. Este, por
conseguinte, emerge espontaneamente na arena jurídica, defrontando-se diretamente
com o lesado, para saldar compromissos derivados do exercício de atuação que lhe
competiria.
Já os prejuízos de terceiros oriundos de comportamentos do concessionário alheios à
própria prestação do serviço – ainda que assumidos a fim de se instrumentar para a
prestação dele – não são suportáveis pelo concedente no caso de insolvência do
concessionário. Quem contrata ou se relaciona com este, tanto como em suas relações
com qualquer outra pessoa, deve acautelar-se com respeito às condições de solvência da
outra parte. Não pode, em suma, contar antecipadamente com que o Estado respalde
economicamente o concessionário, pois tal não se dá. O concessionário, pessoa jurídica
de Direito Privado, de objetivos econômicos, está, ao agir nesta qualidade, sujeito, como
qualquer empresa, aos percalços naturais da atividade empresarial; terceiros não podem
deixar de levar em consideração este fato (MELLO, 2004)
Do mesmo entendimento compartilha Sérgio Cavalieri Filho, ainda que por argumentos
diversos, pois também defende a responsabilidade subsidiária do Estado, entretanto,
alerta para o fato de que a solidariedade não se presume, mas, sim, decorre da lei ou do
contrato veja-se:
Essas entidades de Direito Privado, prestadoras de serviços públicos, respondem em
nome próprio com o seu patrimônio, e não o Estado por elas e nem com elas. E assim é
pelas seguintes razões: 1) o objetivo da norma constitucional, como visto, foi estender
aos prestadores de serviços públicos a responsabilidade objetiva idêntica a do Estado,
atendendo reclamo da doutrina ainda sob o regime constitucional anterior. Quem tem os
bônus deve suportar os ônus; 2) as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos
7943
têm personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios. São seres distintos do
Estado, sujeitos de direitos e obrigações, pelo que agem por sua conta e risco, devendo
responder por suas próprias obrigações; 3) nem mesmo de responsabilidade solidária é
possível falar neste caso, porque a solidariedade só pode advir da lei ou do contrato,
inexistindo norma legal atribuindo solidariedade ao Estado com os prestadores de
serviços públicos. Antes pelo contrário, o art. 25 da Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre o
regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, estabelece
responsabilidade direta e pessoal da concessionária por todos os prejuízos causados ao
poder concedente, aos usuários ou a terceiros; 4) no máximo, poder-se-ia falar em
responsabilidade subsidiária do Estado à luz do art. 242 da Lei das Sociedades por
Ações, que, expressamente, diz que a pessoa jurídica controladora da sociedade de
economia mista responde subsidiariamente pelas suas obrigações.
Em conclusão, o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez exauridos os
recursos da entidade prestadora de serviços públicos. Se o Estado escolheu mal aquele a
quem atribuiu a execução de serviços públicos, deve responder subsidiariamente caso o
mesmo se torne insolvente(CAVALIERI FILHO , 2005)
Dentre os opositores da tese da subsidiariedade do Estado, pode-se citar: Gustavo
Tepedino e Yussef Said Cahali, cada qual com argumentos diversos, uma vez que
Gustavo Tepedino parte do pressuposto do Código de Defesa do Consumidor, em seu
art. 18, ao disciplinar a responsabilidade solidária entre fornecedores, determina:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem
solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinamou lhes diminuam o valor, assim como por
aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da
embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes
de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Tepedino assim se posiciona:
A responsabilidade subsidiária vem sendo sustentada com base na regra geral da não
presunção de solidariedade no direito civil (art. 896, caput, CC) ou a partir da
independência patrimonial entre as pessoas física e jurídica: (...) - reproduz trecho do
livro do Sergio Cavalieri acima transcrito -.
O argumento, entretanto, em que pese o respeito de que é merecedor, não se mostra
convincente. A uma, porque o fato de serem pessoas distintas, antes de afastar a
solidariedade, constitui-se no seu pressuposto: só há solidariedade porque há pessoas
jurídicas distintas e independentes, não se podendo cogitar de co-responsabilidade –
conjunta ou solidária – em se tratando de uma única pessoa. Demais disso – e mais
importante –, a responsabilidade subsidiária em razão da má escolha equivaleria, do
7944
ponto de vista técnico, à reinserção da culpa in vigilando no âmbito da responsabilidade
objetiva, com o quê, definitivamente, não se pode concordar.
Assim é que, sem desconhecer a complexidade da matéria, há de se considerar solidária
a responsabilidade dos entes público e privado, no caso do art. 37, §6º, não
prevalecendo, nesta hipótese, a regra geral do art. 896 do Código Civil. Parece, ao revés,
haver previsão legislativa expressa aplicável à espécie: o Código de Defesa do
Consumidor admite, como fornecedor, "toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira" (art. 3º, Lei nº 8.078/90). A prestação de serviços
públicos constitui, portanto, relação de consumo, sendo a vítima dos danos provocados
pela Administração Pública o consumidor final ou equiparado (art. 17, Lei nº 8.078/90),
o que atrai para tais hipóteses a disciplina dos acidentes de consumo, de modo a gerar a
solidariedade dos diversos entes públicos e privados que se apresentem como
fornecedores dos respectivos serviços, prestados (direta ou indiretamente) pela atividade
estatal.
Yussef Said Cahali, por sua vez, atribui responsabilidade solidária ao Estado
fundamentando-se na presunção absoluta de culpa, por falha na escolha da
concessionária, ou falta da fiscalização devida e, no tocante, aos danos oriundos de
comportamentos alheios ao contrato de cessão de serviço público, estar-se-ia diante de
responsabilidade subsidiária, em face da omissão culposa na fiscalização da atividade.
Esse é o entendimento abaixo transcrito:
Quanto ao primeiro aspecto – danos causados por força do próprio exercício da
atividade delegada – algumas pontuações devem ser registradas. Assim:
a) A exclusão da responsabilidade objetiva e direta do Estado (da regra constitucional)
em reparar os danos causados a terceiros pelo concessionário (como também o
permissionário ou o autorizatário), assim admitida em princípio, não afasta a
possibilidade do reconhecimento de sua responsabilidade indireta (por fato de outrem) e
solidária, se, em razão da má escolha do concessionário a quem a atividade diretamente
constitutiva do desempenho do serviço foi concedida, ou de desídia na fiscalização da
maneira como este estaria sendo prestado à coletividade, vem a concorrer por esse modo
para a verificação do evento danoso.
A questão insere-se em contexto mais amplo, de perquirição da "responsabilidade do
Estado por omissão na fiscalização"; aqui, a responsabilidade do Poder Público é de ser
deduzida em função da omissão de fiscalização na execução pela empresa privada de
serviço concedido, autorizado ou permitido, sujeito a fiscalização.
Examinada a questão sob o enfoque da responsabilidade subjetiva, as soluções
jurisprudenciais têm-se revelado contraditórias, embora mais adequadamente devesse
ser examinada sob o princípio da causação adequada, posto na base da responsabilidade
objetiva.
(...)
Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do
disposto no art. 37, §6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde
objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da
7945
presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de
suas atividades, desde que a concessão tenha por objeto a prestação de serviço público,
atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço público; responsabilidade
direta e solidária, desde que demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização
possa ser identificada como a causa do evento danoso.
b) Tratando-se de danos oriundos de comportamentos alheios à própria prestação do
serviço público (ou privado autorizado), a responsabilidade do Poder Público reveste-se
de caráter subsidiário ou complementar, porém não em função de uma eventual
insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa na
fiscalização da atividade da mesma.
Admissível, portanto, a responsabilidade da Administração pelos danos oriundos de
comportamentos até mesmo alheios à própria prestação do serviço público, desde que
demonstrado o nexo de causalidade entre o fato danoso e a conduta omissiva culposa do
ente público, na fiscalização que lhe compete exercer (CAHALI , 1995).
Mesmo diante do cenário de divergência entre os estudiosos, parece que a
jurisprudência já firmou o entendimento pela atribuição de subsidiariedade da
responsabilidade estatal em casos tais. Citem-se:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇOS PÚBLICOS. PODER CONCEDENTE. RESPONSABILIDADE
SUBSIDIARIA. ACIDENTE DE TRANSITO COM VÍTIMA FATAL. DANOS
MATERIAIS E MORAIS.
Comprovado que o preposto da concessionária prestava o serviço público no momento
da ocorrência do dano, não há como se afastar o nexo causal e, conseqüentemente, a
responsabilidade objetiva do mesmo. Cumpre ao julgador analisar todo o contexto
probatório, partindo do fato em si e extraindo da prova o que ela mantém de coerente
com o evento, caso em que deve ser afastada a alegação de "error in judicando". (...)
Responsabilidade civil de natureza objetiva, nos termos do art. 37, par. 6., da CF,
sendo primária em relação a concessionária e subsidiária em relação ao Poder
Público, caso a primeira não possa adimplir a obrigação. Recurso improvido. (RIO
DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2001.001.24871. Relator: Des.
Jose C. Figueiredo, Rio de Janeiro, Julgamento: 22 mai. 2002). Grifos de agora
RESPONSABILIDADE CIVIL DE MUNICÍPIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
RESPONSABILIDADE CIVIL DE CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PUBLICO.
FATO CAUSADO POR EMPREGADO DE CONCESSIONÁRIA NO USO DE BEM
PUBLICO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO.
É da índole dos contratos de concessão de serviços públicos que sejam eles prestados
por conta e risco do concessionário, razão que inspirou o legislador a equiparar-lhe a
responsabilidade civil a do poder concedente. Tem o concessionário responsabilidade
civil primária pela reparação do dano causado por empregado seu quando no uso
de bem público de domínio do poder concedente cuja posse lhe foi cedida por forca
do contrato de concessão e para execução dos serviços concedidos.
Responsabilidade apenas subsidiária do poder concedente. Ilegitimidade passiva
7946
reconhecida para responder a ação de ressarcimento de danos. Recurso voluntário
provido. Sentença reformada em reexame, necessário para extinguir-se o processo sem
exame do mérito. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº
1999.001.08937. Relator: Des. Carlos Raymundo Cardoso, Rio de Janeiro, Julgamento:
31 ago.1999) Grifos de agora.
PROTESTO INDEVIDO DE TITULO. APONTE DO NOME COMO DEVEDOR
INADIMPLENTE. DÍVIDA JÁ PAGA. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE
SUBSIDIARIA DO ESTADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA
Ação de indenização por danos morais. Protesto de título e nome da empresa no
cadastro de inadimplentes, após a quitação da dívida. Responsabilidade objetiva do
oficial de registro e subsidiária do Estado. Ilegitimidade passiva do Estado
reconhecida. A responsabilidade do Estado é subsidiária e não solidária pelos
danos causados a terceiros pelos notários e registradores e só deve responder em
casos de insolvência do delegatário. Assim, tendo a empresa Autora alegado ter
sofrido danos por atos do titular do cartório de notas, somente após exauridos os
recursos da entidade prestadora de serviços públicos, pode buscar do Estado a
indenização que afirma fazer jus. Recurso provido.( RIO DE JANEIRO. Tribunal de
Justiça. Apelação Cível nº 2003.001.10272. Relator: Des. Elisabete Filizzola, Rio de
Janeiro, Julgamento: 08 out. 2003). Grifos de agora
RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO
ESTADO. INOCORRÊNCIA. ERRO DO OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS.
DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA AFASTADA.
Inobstante o serviço notarial seja exercido em caráter privado, trata-se de
atividade pública explorada por delegação do agente público, no caso o Estado do
Rio Grande do Sul, resultando daí sua legitimidade subsidiária para responder por
eventuais danos causados pelos agentes privados prestadores de serviços públicos.
Trata-se de ação de indenização movida contra o Estado do Rio Grande do Sul e contra
o Oficial do Registro de Imóveis de Caxias do Sul pelo fato de que o último teria
emitido certidões equivocadas acerca de determinado devedor do autor, causando-lhe
prejuízos de ordem material. Situação em que, embora tenha sido demonstrado o erro
cartorário no fornecimento de certidão, tal fato ocorreu depois dos alegados prejuízos, o
que exclui o nexo causal entre a conduta do Oficial e o dano sofrido, o que leva à
improcedência da ação. APELOS PROVIDOS, PRELIMINAR REJEITADA. (RIO
GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70008453367, Relator: Des.
Luiz Ary Vessini De Lima, Julgado em 07 out. 2004) Grifos de agora.
De fato, aqui, mais uma vez, vale o brocardo de que quem tem o bônus, deve arcar com
o ônus. Não é justo que a concessionária, que recebe pagamento pelo contrato que
possui junto ao Estado se exima de responder em primeiro plano e se impute
diretamente ao Estado a indenização que decorre de ato praticado diretamente por
outrem – concessionárias de serviço público.
7947
Ademais, qual seria o interesse em delegar se a Administração continuasse diretamente
responsável pelos ônus da concessão, de forma direta e solidária? Pragmaticamente
ainda há outra questão a ser posta: Não há qualquer vantagem em demandar diretamente
o Poder Público tendo em vista a imensa dificuldade de recebimento pela fila dos
precatórios, com exceção, por óbvio, dos casos em que a concessionária é insolvente,
mas, como visto, em casos tais, o Estado já poderia ser responsabilizado
subsidiariamente, o que enfraquece a tese de responsabilidade solidária, ao menos na
prática forense.
4. Conclusão
Por todo o exposto, e como dito anteriormente, o presente trabalho tem a pretensão
apenas de aguçar o debate sobre o tema, trazendo a lume considerações sobre a
responsabilidade civil do Estado e suas influências sobre a responsabilidade civil das
concessionárias de serviço público.
Tendo em vista a riqueza do debate, algumas considerações foram feitas a partir da
legislação infraconstitucional, da doutrina e dos julgados mais recentes e relevantes para
melhor apreciação da matéria.
A idéia foi enfatizar a diferenciação que foi feita em precedente importante julgado pelo
Supremo Tribunal Federal e trabalhar na desconstrução da tese posta, igualando a
responsabilidade objetiva das concessionárias tanto perante seus usuários, quanto
perante terceiros. Faz-se a ressalva, entretanto, de que perante seus usuários, também
considerados consumidores, aplica-se, em tudo, o Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, vale ressaltar que o presente trabalho partiu do estudo da responsabilidade civil
do Estado e a ela voltou ao se posicionar favoravelmente à tese da subsidiariedade da
responsabilidade estatal pelos atos causados pelas concessionárias de serviço público,
fechando, assim, o ciclo de estudo sobre a temática abrangida.
Referências
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Malheiros, 1995;
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo:
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São
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7948
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7949
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O referido entendimento possui divergência na doutrina, podendo-se citar, dentre os
opositores dessa tese : TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 210/212
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