AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.435.928 - SP (2014⁄0036227-3)
AGRAVANTE
: J U O
ADVOGADO
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AGRAVADO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática (fls. 673 a 677) que negou seguimento ao recurso especial da defesa, mantendo a pena privativa de liberdade de 8 anos e 2 meses de reclusão aplicada ao ora agravante na instância a quo pela prática do crime de tráfico internacional de drogas.
Defende, de início, a impossibilidade de exame monocrático da matéria suscitada no apelo nobre, entendendo tratar-se de questão controversa no STJ.
Sustenta, ademais, que a natureza e quantidade da droga, na espécie, não justificam a exasperação da pena-base, tampouco a fixação do regime inicial de cumprimento fechado, por não excederem o ordinário.
Aponta, outrossim, a ausência nos autos de que o agravante se dedica a atividade criminosas, tratando-se em verdade de conduta esporádica, de sorte que de rigor a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.11.343⁄2006, em seu patamar máximo.
Requer, assim, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão da questão ao colegiado.
É o relatório.
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.435.928 - SP (2014⁄0036227-3)
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): A decisão agravada não merece reparos.
Inicialmente, no que tange à impossibilidade de teses meritórias serem decididas na via monocrática, é relevante indicar que o art. 557, caput, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente à causas penais, permite ao relator negar seguimento ao recurso que estiver em confronto com a jurisprudência dominante da Corte Suprema ou de Tribunal Superior, não havendo, pois, qualquer óbice à análise singular do presente recurso especial.
Em se tratando de crime de tráfico de drogas, como ocorre na espécie, é pacífico no âmbito deste Sodalício o entendimento de que a fixação da reprimenda básica deve valorar, com preponderância sobre as demais circunstâncias judiciais, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, conforme o disposto no art. 42 da Lei n. 11.343⁄2006.
Nessa norte, o seguinte precedente:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 1. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343⁄2006. NÃO IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA182⁄STJ. 2. PENABASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. ART. 42 DO CP. POSSIBILIDADE. 3. RECONHECIMENTO DA DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356⁄STF. 4. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTAS NOS ARTS. 14 DA LEI N. 9.807⁄1999 E 41 DA LEI N.11.343⁄06. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 5. AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO EFETIVA. 6. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. REPRIMENDA SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. 7. AGRAVO IMPROVIDO. [...]
2. A quantidade e a qualidade da droga são circunstâncias preponderantes
na dosimetria da pena, nos termos do que disciplina o art. 42 da Lei n.
11.343⁄06. Assim, a majoração da pena-base encontra-se devidamente
justificada, diante da apreensão, com a agravante, de 2,135 kg (dois quilos e
cento e trinta e cinco gramas) de cocaína. [...]
6. Mantidos os termos da sentença condenatória, fica superado o pleito de substituição da pena segregatória por medidas restritivas de direitos, visto que a quantidade de pena fixada, acima de 4 (quatro) anos de reclusão, não comporta a concessão do benefício, conforme descrito no art. 44, I, do Código Penal.
7. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1317120⁄SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 14⁄6⁄2013)
Nesse sentido, considerando a apreensão, na espécie, de 11,976kg de cocaína, assim como que a ponderação das circunstâncias do crime não é operação aritmética, em que se dá pesos absolutos a cada uma delas, evidencia-se justificada a majoração realizada no caso dos autos, pois demonstrada a maior reprovabilidade da conduta do agravante, notadamente em face da internacionalidade do delito.
Aliás, também a fixação do regime inicial de desconto corporal deve se pautar no exame das circunstâncias judiciais, consoante os arts. 33, § 3º e 59 do CP e 42 da Lei de Drogas, pelo que justificado o modo inicial fechado na espécie.
A esse respeito, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. OBRIGATORIEDADE DE REGIME INICIAL FECHADO AFASTADA.
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. QUALIDADE E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA (2.735G DE CRACK). CABÍVEL O REGIME MAIS RIGOROSO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.
IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA QUE NÃO SE MOSTRA SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com o art. 544, § 4.º, inciso II, alínea b, do Código de Processo Civil, c.c. o art. 3.º do Código de Processo Penal, é possível o Relator conhecer do agravo para negar seguimento ao recurso especial quando o recurso for manifestamente inadmissível, prejudicado ou estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.
2. O regime inicial fechado foi fixado com expressa menção às circunstâncias
judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, sendo de especial
relevo a quantidade e a qualidade da droga encontrada na posse do
Agravante - 2.735g (dois mil setecentos e trinta e cinco gramas) de
crack -, fator suficiente para demonstrar que a gravidade da conduta
extravasa a normalidade do tipo penal em apreço, a teor do art. 42 da Lei
n.º 11.343⁄2006. [...]
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 413.137⁄PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 3⁄6⁄2014, DJe 11⁄6⁄2014)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. REGIME INICIAL FECHADO IMPOSTO EM RAZÃO DA QUALIDADE E DA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. ILEGALIDADEINEXISTENTE.
1. Não é cabível a utilização do habeas corpus como substitutivo do recurso adequado. Precedentes.
2. É possível o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que
o cabível em razão da sanção imposta, desde que com base em elementos
concretos contidos nos autos. Na espécie, o regime inicial fechado foi
mantido levando-se em consideração a qualidade e a quantidade de droga
apreendida, a saber, 510 g de crack. Ilegalidade inexistente.
3. Habeas corpus não conhecido.
(HC 257.327⁄ES, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06⁄06⁄2013, DJe 21⁄06⁄2013)
Cumpre consignar, ainda, por oportuno, que a alteração da análise das circunstâncias judicias realizada na origem demandaria necessariamente o reexame de provas, o que é vedado na via especial, a teor do verbete n. 7 da Súmula do STJ.
Por fim, quanto ao pleito de aplicação do redutor do art. 33, § 4º da Lei n.11.343⁄2006, as instâncias ordinárias afastaram a aludida causa de diminuição de pena destacando que o ora agravante integra organização criminosa, de tal maneira que não satisfeitos os requisitos legais para a incidência da benesse.
Com efeito, extrai-se da sentença, neste particular, litteris:
Não há como negar que efetivamente integra a organização criminosa a pessoa que transporta entorpecente para o exterior, nas condições do acusado, ou seja, mediante contratação prévia para a realização de uma viagem internacional de grandes proporções, a país desconhecido e sem qualquer laço ou vínculo prévio, providenciada por terceiros, com despesas totalmente pagas e custeadas previamente. [...]
O fato é que no caso das mulas, é evidente que elas integram a organização criminosa na medida em que seu "trabalho" é condição sine qua non para a narcotraficância internacional, as mulas têm justamente a função de transportar o entorpecente para o exterior e, salvo raríssimas exceções, elas sabem disso desde sempre. [...]
Pensa este Juízo que a causa de diminuição em tela não esteja voltada àquele que pratica o tráfico com uma autêntica estrutura logística voltada à remessa de grandes quantidades de droga para o exterior a partir do Brasil, estrutura essa que começa por recrutar pessoas economicamente desfavorecidas no exterior muitas vezes longínquo (Ásia, Tailândia, Turquia, Leste Europeu, países africanos, todos em condições econômicas sabidamente deploráveis), para vir ao Brasil, aqui permanecer hospedados em Hotéis, recebendo grandes quantias em dinheiro (para o padrão do homo medius brasileiro), telefones celulares locais e internacionais, roupas, passaportes (às vezes falsos até), às vezes até acompanhantes (talvez "olheiros"), unicamente para transportar o entorpecente conforme previamente contratado. [...]
Com efeito, para integrar a organização criminosa" não e necessária vinculação perene ou prolongada, muito menos saber quem são os donos do entorpecente; os produtores e fabricantes; os pilotos que trouxeram de avião; os gerentes; os preparadores e artesãos que confeccionam os artefatos de dissimulação; basta ter contato com o "aliciador e o eventual "olheiro"; essa é a forma como ocorre esse tipo de contratação, com a evidente e imprescindível compartimentação de informações, visando justamente a preservar primeiramente a segurança da organização; não saber quem é quem numa organização criminosa é uma medida de segurança para a organização e para o indivíduo que a integra, tanto para afastar riscos de delação, quanto para se esquivar da chamada "queima de arquivo". Por isso, a mula que pensar um pouco, nem mesmo vai querer saber quem são os chefes, os envolvidos no fato, para não correr mais riscos do que ser presa e processada, para cumprir alguns anos de prisão e depois retornar ao seu País. [...]
A prova produzida neste processo, portanto, revela a inequívoca prática do
narcotráfico transnacional patrocinado por organização criminosa a que o
acusado aderiu, integrando-a, unicamente, para realizar o transporte da
droga que foi apreendida consigo [...]. (fls. 339 a 346)
Na mesma direção caminhou o Tribunal Regional recorrido, in verbis:
Quanto à causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343⁄2006, este relator vinha entendendo que, tratando-se de mero transportador, comumente denominado de "mula", o agente não perde o direito ao benefício, devendo, todavia, ser agraciado na fração mínima.
Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm precedentes no sentido de sua inaplicabilidade em favor de tais pessoas, que se dispõem a transportar drogas, desempenhando função essencial ao bom êxito da empreitada criminosa. (fls. 520)
Ora, como é sabido, a revisão das premissas do aresto a quo quanto à participação do apenado em organização criminosa exige o revolvimento de material fático-probatório, o que desafia o já mencionado enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
Ademais, cabe referir que tanto o STJ quanto o STF possuem julgados reiterados no sentido de que o indivíduo, enquanto no exercício da função de "mula", indiscutivelmente integra organização criminosa, o que impede a redução com apoio no § 4º do art. 33 da Nova Lei de Drogas.
A propósito, colhe-se:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. REQUISITOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ. DENOMINADAS "MULAS". PARTICIPAÇÃO INDISPENSÁVEL NO TRÁFICO INTERNACIONAL ORGANIZADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. PRETENSÃO PREJUDICADA. [...]
2. A alegação de que a minorante trazida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006 deve sempre ser aplicada às denominadas mulas foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do writ nº 101.265⁄SP, tendo, ao contrário, se assentado que a "mula" integra a organização criminosa, na medida em que seu trabalho é condição "sine qua non" para o tráfico internacional (AgRg no HC 226.549⁄SP, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 23⁄8⁄2012).
3. Uma vez que não foi acolhida a pretensão de incidência da causa especial de diminuição de pena, fica prejudicado o pedido de substituição, em razão do descumprimento do requisito objetivo, já que a pena privativa de liberdade é superior a 4 anos.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1410625⁄SP, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 4⁄2⁄2014, DJe 20⁄2⁄2014)
Diante do exposto, nega-se provimento ao agravo regimental.
É o voto.
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AgRg REsp 1.435.928