UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CCEN – DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA EXAME DE QUALIFICAÇÃO PARA O MESTRADO EM MATEMÁTICA PRIMEIRO SEMESTRE DE 2015 13 de Fevereiro de 2015 Parte I Álgebra Linear 1a Questão: Sejam V um espaço vetorial sobre o corpo K, S ⊂ V um subconjunto qualquer de V e F (S, K) o espaço vetorial de todas as funções de S em K. Prove que se S é finito, então F (S, K) tem dimensão finita e dim F (S, K) = #S, onde # indica o número de elementos do conjunto. Prova: Suponhamos que S = {p1 , . . . , pn } é um conjunto finito. Sejam fi : S → K, i = 1, . . . , n, funções definidas por fi (pj ) = δij , i = 1, . . . , n, onde δij é o delta de Kronecker. Se f ∈ F (S, K), então f = f (p1 )f1 + · · · + f (pn )fn , ou seja, {fi }ni=1 é um conjunto gerador de F (S, K). Além disso, se λ1 f1 + · · · + λn fn = 0, então para cada i = 1, . . . , n, λ1 f1 (pi ) + · · · + λn fn (pi ) = 0 ⇒ λi = 0, ou seja, {fi }ni=1 é um conjunto LI e portanto uma base de F (S, K). 2a Questão: Sejam V e W espaços vetoriais de mesma dimensão finita sobre o corpo K. Dada uma transformação linear T : V → W são equivalentes: a) T é invertı́vel; b) T é injetora; c) T é sobrejetora; d) T manda base de V em base de W ; e) Existe uma base {v1 , . . . , vn } de V tal que {T (v1 ), . . . , T (vn )} é uma base de W. Prova: a) ⇒ b) Segue da definição de função invertı́vel. b) ⇒ c) Primeiramente seja {v1 , . . . , vn } uma base de V. Como {v1 , . . . , vn } é LI e T é injetiva, segue que {T (v1 ), . . . , T (vn )} é LI. Como dim V = dim W = n, temos que este conjunto é uma base de W. Agora mostremos que T é sobrejetora: tome w ∈ W. Existem λ1 , . . . , λn ∈ K tais que w = λ1 T (v1 ) + · · · + λn T (vn ) = T (λ1 v1 + · · · + λn vn ). Assim, w = T (v), onde v = λ1 v1 + · · · + λn vn . c) ⇒ d) Seja {v1 , . . . , vn } uma base de V. Como T (V ) = W, dado w ∈ W existe v ∈ V tal que T (v) = w. Sejam λ1 , . . . , λn ∈ K tais que v = λ1 v1 + · · · + λn vn . Então w = T (v) = T (λ1 v1 + · · · + λn vn ) = λ1 T (v1 ) + · · · + λn T (vn ). Logo, {T (v1 ), . . . , T (vn )} é um conjunto gerador de W. Como dim W = n, segue que é uma base. d) ⇒ e) Óbvio. e) ⇒ a) Seja {v1 , . . . , vn } uma base de V tal que {T (v1 ), . . . , T (vn )} é uma base de W. Dado w ∈ W, existem λ1 , . . . , λn ∈ K tais que w = λ1 T (v1 ) + · · · + λn T (vn ) = T (λ1 v1 + · · · + λn vn ). Assim, w = T (v), onde v = λ1 v1 + · · · + λn vn , ou seja, T é sobrejetora. Agora seja v ∈ V tal que T (v) = 0. Existem λ1 , . . . , λn ∈ K tais que v = λ1 v1 +· · ·+λn vn . Daı́ T (v) = 0 ⇒ λ1 T (v1 ) + · · · + λn T (vn ) = 0. Como {T (v1 ), . . . , T (vn )} é uma base de W, temos que λ1 = · · · = λn = 0, e portanto v = 0. Assim, T é injetora. Como T é injetora e sobrejetora, T é invertı́vel. 3a Questão: Seja V um espaço vetorial de dimensão finita. Dado S ⊂ V, o anulador de S é o subespaço vetorial de V ∗ , o espaço dual de V, definido por S 0 = {f ∈ V ∗ : f (v) = 0, ∀v ∈ S}. Prove que se W é um subespaço de V, então dim V = dim W + dim W 0 . Prova: Seja {v1 , . . . , vk } uma base de W e sejam vk+1 , . . . , vn vetores de V tais que B = {v1 , . . . , vk , vk+1 , . . . , vn } seja uma base de V. Seja {f1 , · · · , fn } a base de V ∗ dual de B. Vamos mostrar que {fk+1 , . . . , fn } é uma base de W 0 . Segue da definição de base dual que se j ≥ k + 1, então fj (v) = 0, para todo v ∈ W. Portanto fj ∈ W 0 , para todo j ≥ k + 1. Uma vez que {fk+1 , . . . , fn } é LI, resta mostrar que este conjunto gera W 0 . Primeiramente note que se f ∈ V ∗ , então n X f= f (vi )fi . i=1 Logo, se f ∈ W 0 , temos que f (vi ) = 0, para i = 1, . . . , k, donde f= n X f (vi )fi . i=k+1 4a Questão: Sejam V um espaço vetorial sobre o corpo K de dimensão finita e T : V → V uma transformação linear tal que todo vetor não nulo de V é um autovetor de T. Mostre que existe c ∈ K tal que T (v) = c v para todo v ∈ V. Prova: Se n = dim V = 1, então é óbvio. Suponha n > 1 e seja B = {v1 , . . . , vn } uma base de V. Para cada i 6= 1, os vetores v1 e vi são LI. Temos que T (v1 ) = c1 v1 e T (vi ) = ci vi pois todo vetor não nulo é autovetor de T. Como v1 + vi também deve ser um autovetor de T, temos T (v1 + vi ) = c(v1 + vi ) = cv1 + cvi . Por outro lado, pela linearidade de T, T (v1 + vi ) = T (v1 ) + T (vi ) = c1 v1 + ci vi . Subtraindo estas duas últimas igualdades obtemos 0 = (c − c1 )v1 + (c − ci )vi , donde c = c1 = ci , i = 2, . . . , n. Assim, T (vi ) = cvi para todo i = 1, . . . , n. Agora, dado v ∈ V, escreva v = λ1 v1 + · · · + λn vn . Daı́, T (v) = T (λ1 v1 + · · · + λn vn ) = λ1 T (v1 ) + · · · + λn T (vn ) = λ1 cv1 + · · · + λn cvn = c(λ1 v1 + · · · + λn vn ) = cv 5a Questão: Dada a matriz −3 4 , A= −1 2 calcule A2015 . Prova: Considere a transformação linear A : R2 → R2 cuja matriz da base canônica para a base canônica de R2 seja (por abuso de notação) dada por A. Calculemos inicialmente o polinômio caracterı́stico de A: t + 3 −4 det(tI − A) = det = (t − 1)(t + 2). 1 t−2 Assim, A possui autovalores t = −2 e t = 1. Para t = −2 o autoespaço associado é o Ker(−2I − A), donde obtemos o vetor (4, 1) como gerador, isto é Ker(−2I − A) = [(4, 1)]. Para t = 1 o autoespaço associado é o Ker(I − A), donde obtemos o vetor (1, 1) como gerador, isto é Ker(I − A) = [(1, 1)]. Logo, com relação a base de autovetores B = {(4, 1), (1, 1)}, o operador A tem representação matricial −2 0 [A]B = . B 0 1 A matriz de mudança de base, da base B para a 4 B PC = 1 base canônica C é 1 , 1 e sua inversa, a matriz de mudança de base, da base canônica para a base B é 1 1 −1 C B −1 PB = [PC ] = . 3 −1 4 C Da relação, A = PCB · [A]B B · PB , obtemos A2015 = = = = = C 2015 PCB · [A]B B · PB 2015 PCB · [A]B · PBC B 2015 1 4 1 −2 0 1 −1 · · 0 1 −1 4 3 1 1 2015 1 4 1 1 −1 −2 0 · · −1 4 0 1 3 1 1 1 −1 − 22017 4 + 22017 3 −1 − 22015 4 + 22015 Parte II Análise na Reta 1a Questão: Prove as seguintes equivalências a respeito de um conjunto X ⊂ R: a) X é limitado; b) Todo subconjunto infinito de X possui ponto de acumulação (que pode não pertencer a X); c) Toda sequência de pontos de X possui uma subsequênia convergente. Prova: Provaremos (A) ⇒ (B), (B) ⇒ (C) e (C) ⇒ (A). (A) ⇒ (B) : Seja Z um subconjunto infinito de X e seja {xn }n∈N ⊂ Z uma sequência de elementos de Z. Como, em particular, {xn }n∈N ⊂ X e X é um conjunto limitado em R temos, pelo teorema de Bolzano-Weierstrass, que {xn }n∈N possui um subsequência convergente. Assim, existe c ∈ R e uma subsequencia {xnk }k∈N tal que xnk → c. Claramente c é um ponto de acumulação de Z. (B) ⇒ (C) : Seja {xn }n∈N ⊂ X uma sequência. Se {xn }n∈N possui uma quantidade finita de elementos, então é uma sequência limitada. Pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass, possui uma subsequência convergente. Suponha agora que {xn }n∈N possui uma quantidade infinita de elementos. Por (B), {xn }n∈N possui um ponto de acumulação. Desta forma, dado k = 1/k, com k ∈ N, existe xnk ∈ {xn }n∈N tal que xnk ∈ ( k1 − c, k1 + c). Em particular, a sequência {xnk }k∈N converge para c. (C) ⇒ (A) : Suponha que X é ilimitado. Para todo k ∈ N, existe xk ∈ X tal que |xk | > k. (1) Como {xk }k∈N é uma sequência de pontos de X, temos por (C) que essa sequência possui uma subsequência {xkl }l∈N convergente. Em particular, essa subsequência é limitada e assim, existe N ∈ N tal que |xkl | ≤ N, para todo l ∈ N. (2) Considere kl0 > N . Por (1) segue que |xkl0 | > kl0 e por (2) temos |xkl0 | ≤ N < kl0 . Este fato configura um absurdo e portanto X deve ser limitado. 2a Questão: Seja f : R → R contı́nua e com a seguinte propriedade: para todo aberto A ⊂ R, f (A) é um conjunto aberto em R. Prove que f é injetora. Prova: Suponha que f não é injetora. Existem a, b ∈ R distintos tal que f (a) = f (b). A restrição de f ao intervalo [a, b], f : [a, b] → R, é contı́nua e seu domı́nio de definição é um conjunto compacto. Desta forma f assume seus máximos em mı́nimos em [a, b], ou seja, existem c0 , c1 ∈ [a, b] tal que f (c0 ) ≤ f (x) ≤ f (c1 ) para todo x ∈ [a, b]. Neste caso, se A = (a, b), então f (A) só pode assumir alguma das formas {f (c0 )}, [f (c0 ), f (c1 )), (f (c0 ), f (c1 )] ou [f (c0 ), f (c1 )] e em nenhum dos casos f (A) é aberto. Portanto f deve ser injetora. 3a Questão: Seja f : R → R uma função diferenciável com a propriedade: exite um único x0 ∈ R tal que f 0 (x0 ) = 0. Prove que se f 00 (x0 ) > 0 (resp. f 00 (x0 ) < 0 ), então x0 é ponto de mı́nimo (resp. máximo) global da função f . Prova: Provaremos o caso mı́ximo global. A outra situação é inteiramente análoga. Divideremos a prova em duas partes: a) Provemos que x0 é mı́nimo local. Realizando uma expansão de Taylor para f obtemos: 1 f (x0 + h) − f (x0 ) = f 0 (x0 )h + f 00 (x0 )h2 + r(h), 2 com lim r(h) = 0. h→0 Assim, por hipótese, f (x0 + h) − f (x0 ) > r(h) e portanto obtemos que f (x0 + h) > f (x0 ) para h suficientemente pequeno. Desta forma x0 é mı́nimo local. b) Provemos que x0 é mı́nimo global. Suponha que x0 não seja mı́nimo global. Desta forma, existe x1 ∈ R (por exemplo x1 > x0 ) tal que f (x1 ) < f (x0 ). Pelo item a), exite h0 suficientemente pequeno tal que x0 < x0 + h0 < x1 e ainda f (x1 ) < f (x0 ) < f (x0 + h0 ). Pelo teorema do valor intermediário, existe x2 ∈ (x0 + h0 , x1 ) tal que f (x2 ) = f (x0 ) e assim, pelo teorema do valor médio segue que existe c ∈ (x0 , x2 ) tal que 0 = f (x2 ) − f (x1 ) = f 0 (c)(x2 − x1 ). Desta maneira, f 0 (c) = 0 o que contradiz o fato de x0 ser o único ponto crı́tico de f . Assim x0 é mı́nimo global. 4a Questão: Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua e α : I → [a, b] uma função derivável tal que a está na imagem de α. Defina φ : I → R por Z α(x) φ(x) = f (t) dt. a Prove que a) φ é derivável e φ0 (x) = f (α(x))α0 (x); b) Use este resultado para calcular F 0 (x), onde F é dada por: Z x2 t F (x) = dt 1 + t3 0 Prova: (A) Como a ∈ Im(α), existe x0 ∈ I tal que α(x0 ) = a. Desta forma, pelo teorema de mudança de variável, temos que Z α(x) Z x φ(x) = f (t) dt = f (α(u))α0 (u) du. α(x0 ) x0 Pelo teorema fundamental do cálculo, segue que φ é derivável e que φ0 (x) = f (α(x))α0 (x). (B) Com a notação do item (A), temos que f (t) = t/(1 + t3 ), α(x) = x2 e que x0 = 0. Desta maneira, 2x3 F 0 (x) = f (α(x))α0 (x) = . 1 + x6 5a Questão: Seja f : [a, b] → R contı́nua. Prove que existe c ∈ (a, b) tal que b Z f (x) dx = f (c)(b − a). a Use este fato para provar que se f, g : [a, b] → R são funções reais contı́nuas tais que Rb Rb a f (x) dx = a g(x) dx, então existe c ∈ (a, b) tal que f (c) = g(c). Prova: Primeiro método: Pelo Teorema fundamental do cálculo, f possui uma primitiva F (F’=f) e, mais ainda b Z f (x) dx = F (b) − F (a). (3) a Usando o Teorema do valor médio e o fato de F ser uma primitiva de f , temos que existe c ∈ (a, b) tal que F (b) − F (a) = F 0 (c)(b − a) = f (c)(b − a). (4) Combinando (3) e (4) segue que Z b f (x) dx = f (c)(b − a). a Segundo método: Como f é contı́nua, assume seus máximos e mı́nimos em [a, b], ou seja, existem c0 e c1 tal que f (c0 ) ≤ f (x) ≤ f (c1 ) para todo x ∈ [a, b]. Desta forma, é claro que Z f (c0 )(b − a) ≤ b f (x) dx ≤ f (c1 )(b − a). a Defina ζ : [c0 , c1 ] → R por ζ(x) = f (x)(b − a). Temos que ζ é contı́nua e portanto assume todos os valores no intervalo [ζ(c0 ), ζ(c1 )]. Isto quer dizer que existe c ∈ [c0 , c1 ] tal que Z ζ(c) = f (c)(b − a) = b f (x) dx. a Rb Rb Rb Para finalizar, se a f (x) dx = a g(x) dx, então a (f − g)(x) dx = 0. Então, existe c tal que (f − g)(c) = 0, ou seja, f (c) = g(c). BOA PROVA!!!