UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM EXISTE CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS? Por: Leandro Santos Campos de Azevedo Orientador Prof. Anselmo Souza Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES 2 PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM EXISTE CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS? Apresentação Candido de Mendes monografia como à requisito Universidade parcial para obtenção do Grau de Especialista em Direito Público e Tributário Por: Leandro Santos Campos de Azevedo 3 AGRADECIMENTOS A minha esposa. Aos meus pais e irmãos. 4 DEDICATÓRIA Dedica-se a minha esposa Márcia, pelo amor, incentivo e ajuda. A minha mãe Delma, pela educação e apoio. Ao meu irmão Christiano, pela amizade e companheirismo. 5 6 RESUMO A discricionariedade sempre foi um instituto dinâmico, envolvendo a atenção dos estudiosos, ainda mais porque a Administração Pública exerce seu poder discricionário todos os dias no âmbito de sua gestão. Nesse ínterim, sabe-se que não há possibilidade de se fazer um controle sobre tal discricionariedade, até porque envolve o mérito do ato administrativo, na percepção da oportunidade e conveniência do mesmo. Contudo, nas últimas décadas, o Brasil acompanhou o nascimento das Agências Reguladoras nas mais diversas áreas de atuação, o que deu surgimento ao conceito de discricionariedade técnica, que veio somar-se à discricionariedade administrativa que já existia, decorrente da atribuição que essas agências tem de elaborar normas específicas para cada área de atuação. A partir daí, a doutrina e a jurisprudência vem debatendo várias questões em torno dessa referida discricionariedade técnica, sendo que uma delas envolve a possibilidade de o Poder Judiciário exercer um controle sobre a mesma. No entanto, o problema não é tão facilmente resolvido, tendo em vista as dificuldades desse controle diante do sistema constitucional brasileiro, que é diverso dos outros países, os quais serviram de modelo para o nosso. 7 8 METODOLOGIA Os métodos utilizados passam, basicamente, pela leitura de livros e revistas especializadas sobre o tema. Alguns dos livros estudados são de propriedade do próprio pósgraduando, e outros retirados da biblioteca do Ministério Público Federal, da Procuradoria Regional da Capital do Rio de Janeiro. A revista especializada é periódico de livre disposição na internet, sendo vedada sua reprodução no presente espaço. 9 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I – AS AGÊNCIAS REGULADORAS 10 CAPÍTULO II - A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA 22 CAPÍTULO III – O CONTROLE JUDICIAL 32 CONCLUSÃO 43 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 44 ÍNDICE 45 11 INTRODUÇÃO O surgimento das agências reguladoras é um fenômeno que ocorrer não apenas nos Estados Unidos da América, mas também na Europa e Brasil, países que possuem um sólido direito administrativo, a contrário do primeiro citado. Não há de se negar que as agências reguladoras estão atuantes no dia-a-dia da sociedade brasileira, desde que o cidadão acorda de manhã e consome produtos com selo da Anvisa, se locomovendo por veículos terrestres de massa regulados pela Antt, inclusive ao cuidar de sua saúde, onde a ANS tem braço firme na regulação, sobretudo, das operadoras de saúde. Enfim, estamos rodeados pelas agências, e seus atos devem ser também controlados, à guisa de um bordão sobre quem regula as agências reguladoras. O tema será tratado analisando, inicialmente, as principais características das agências reguladoras. Posteriormente, examinaremos os tópicos mais importantes acerca da discricionariedade técnica. É certo que as agências reguladoras, no cenário nacional, são as que exercem discricionariedade técnica, daí a sua correlação. Ambos os temas mencionaods serão trazidos sem amiúdes, mas apenas o necessário para a boa compreensão do que se pretende, que é, finalmente, o controle judicial da discricionariedade técnica das agências reguladoras. 12 CAPÍTULO I AS AGÊNCIAS REGULADORAS 1) O NASCIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL O Estado brasileiro atual é fruto de uma constante transformação, quer no ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista econômico, tudo ocorrido através da mudança da sociedade através dos tempos. Na primeira metade do século XX, houve um processo contínuo de inchamento do Estado no campo econômico, tenda em vista a ainda frágil iniciativa privada nesse terreno. Desse tempo em diante, ocorreu o surgimento de grandes empresas estatais, entre elas a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Eletrobrás, etc, o que foi aumentando ainda mais, e gradativamente, a participação do Estado na economia. Quando da criação da Constituição da República Federativa do Brasil, ocorrida em 1988, o Estado brasileiro encontrava-se extremamente gordo e ineficiente no que tange à sua atuação econômica, devido exatamente a grande quantidade de empresas estatais que consumiam grande parte do orçamento público, além de não ser bem geridas, até porque o Estado é um péssimo empresário. 13 A isso sucedeu-se um processo de reforma mediante privatizações dessas referidas estatais, bem como a proceder-se numa parceria com a iniciativa privada, tais como as concessões. Com isso, a função do Estado passou a ser de regulamentação e de fiscalização dos serviços públicos, surgindo, assim, as agências reguladoras como peças fundamentais para realizarar tão importante função. Nasce, portanto, o Estado gestor, também denominado Estado gerencial. O termo agências reguladoras advém da tradução direta da expressão regulatory agencies (ou regulatory commissions), surgida na Inglaterra em 1834 e nos Estados Unidos em 1887 com a criação da Interstate Commerce Commission. No Brasil, mesmo a partir da década de 1930, já houve o surgimento de alguns órgãos públicos que possuíam função de regular, entre eles, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), além do próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica, surgida nos idos da década de 1970. Contudo, esses órgãos tinham estruturas diferentes das agências reguladoras que existem hoje, como aponta o Mestre Luis Roberto Barroso no livro “Agências Reguladoras, organizado pelo não menos grandioso Alexandre de Moraes, nos seguintes termos: “Esses órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua efetiva atuação reguladora, porque, à exceção do CADE, nasceram subordinados, descisória e financeiramente, ao Poder Executivo, fosse à Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério.” (MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. p. 117. São Paulo: Atlas, 2002) 14 Foi após a confecção da Constituição da República em 1988 que as agências reguladoras tomaram corpo nas diversas áreas de atuação, além de possuirem estrturas dotadas de autonomia em relação aos entes criadores. Dentre as agências reguladoras criadas após a Constituição da República de 1988, e que atuam fortemente na regulação e fiscalização da atividade econômica do país, bem como o dia-a-dia da sociedade brasileira, podemos citar, dentre outras: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada pela Lei 9.427, de 26.12.1996; Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), criada pela Lei 9.472, de 16.7.1997; Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), ambas criadas pela Lei 10.233, de 5.6.2001; Agência Nacional de Aviação Civil, criada pela Lei 11.182, de 27.9.2005; Agência Nacional de Cinema (ANCINE), criada pela Medida Provisória 2.281-1, de 6.9.2001; Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), criada pela Lei 9.478, de 6.8.1997; Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), criada pela 9.782, de 26.1.1999; Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada pela Lei 9.961, de 28.1.2000; Agência Nacional de Águas (ANA), criada pela Lei 9.984, de 17.7.2000. No âmbito estadual, alguns Estados-Membros também criaram suas próprias agências reguladoras, dentre elas, podemos citar, dentre outros: Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro (ASEP-RJ), criada pela lei estadual fluminense nº 2.686, de 13.12.1997; Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), criada pela lei estadual cearense nº 12.786, de 30.12.1997; Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS), criada pela lei estadual gaúcha nº 10.931, de 9.1.1997; Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), criada pela lei complementar estadual bandeirante nº 833, de 17.10.1997. 15 2) MODELO BRASILEIRO O Direito brasileiro é comumente inspirado pelo Direito europeu, notadamente o romano-germânico, o que não impede, porém, que o Direito norte-americano deixe de ser fonte de criação para institutos jurídicos nacionais. O sistema administrativo europeu é composto por uma complexa rede de órgãos e entidades que formam a administração pública direta e indireta. Por sua vez, no sistema homólogo norte-americano, toda a sua organização administrativa é disposta através de agências, as quais exercem função quase-legislativa, até porque editam normas. Tal sistema norte-americano, no entanto, não é imune a críticas e discussões, tendo em vista a existência do rígido Princípio da Separação dos Poderes. O Brasil tem praticamente todo o seu Direito Administrativo influenciado pelo Direito euroupeu. Contudo, o sistema administrativo nacional se baseou no Direito norte-americano para criar as agências reguladoras Tanto aqui quanto na nação estadunidense, a função reguladora dessas mencionadas agências é o que vem causando maiores controvérsias, uma vez que é dado o poder de editar normas, baseados em conceitos jurídicos indeterminados, e com a mesma força de lei. 3) CARACTERÍSTICAS 16 As agências reguladoras tem natureza autárquica, porém, como diz parte da doutrina nacional, não uma autarquia com características comuns, mas sim com características de regime especial. O dito regime especial, segundo alguns, decorre da outorga legal de certas prerrogativas que estão a possuir as agências reguladoras, prerrogativas essas que não existem na grande parte das demais autarquias. O autor Edmir Netto de Araújo, ao citar as palavras de Manoel Alves Ferreira Filho, menciona as tais prerrogativas decorrentes do regime especial, quais sejam: “Segundo alguns doutrinadores, suas características podem envolver: (1) serem constituídas como autarquias de regime especial, afastando-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta influência política do Governo, com acentuado grau de independência; (2) serem dotadas de autonomia financeira, administrativa e, especialmente, de poderes normativos complementares à legislação própria do setor; (3) possuírem poderes amplos de fiscalização, operar como instância administrativa final nos litígios sobre matéria de sua competência; (4) possuírem controle de metas de desempenho fixadas para as atividades dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do Governo e em defesa da coletividade, as quais se acrescentam; (5) possuírem direção colegiada, sendo os mebros nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal; (6) seus direigentes possuírem mandato com prazo de duração determinado; (7) após cumprido o mandato, seus dirigentes ficarem impedidos, por um prazo certo e determinado, de atuar no setor atribuído à agência, sob pena de incidirem em crime de advocacia administrativa e outras penalidades.” (MORAES. Alexandre de. Agências Reguladoras. p. 42. São Paulo: Atlas, 2002) 17 Por outro lado, o grande Mestre Celso Antonio Bandeira de Mello, na sua constante autoridade em temas de Direito Administrativo, menciona que não faz sentido classificar as agências reguladoras com características de regime especial. Diz ele que entre as agências reguladoras e as autarquias ditas “comuns” não há maiores diferenças, afirmando que as prerrogativas que calssificam as agências reguladoras como autarquias de regime especial são atinentes a toda e qualquer autarquia, com exceção de apenas uma delas. Vale a pena transcrever suas pelavras, para uma melhor elucidação: “ É o que se fará em seguida, registrando-se, por ora, que a única particularidade marcante do tal regime especial é a nomeação pelo Presidente da República, sob aprovação do Senado, dos dirigentes da autarquia, com garantia, em prol destes, de mandato a prazo certo? ?Os demais traços que são apontados nas leis disciplinadoras de algumas das agências reguladoras para caracterizar o regime especial nada lhes agregam de peculiar em relação a quaisquer outras autarquias.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25º edição. p. 169. São Paulo: Malheiros, 2008) A nosso ver, com mais razão o segundo autor citado, tanto assim que a própria Comissão de Valores Mobiliários, que desde a sua criação, em 1976, sempre foi tratada como autarquia “comum”, e atualmente já se discute sua natureza regilatória, o que se faz sem modificar uma linha de sua lei criadora, ou seja, mantendo a mesma estrutura quando da época se achava autarquia “comum”. 18 Ademais disso, não resta no cenário administrativo nacional outras autarquias que não sejam agências reguladoras ou agências executivas, o que está a se embaralharem as características comuns e especiais das autarquias ainda vigentes. Nesse caso, se impossibilita a classificação de uma ou de outra em características estanques, a se diferenciarem as comuns das especiais. Discussões doutrinárias a parte com relação às características das agências reguladoras, bem como, consequentemente, da sua natureza jurídica, o fato é que as agências reguladoras estão a regular e fiscalizar como autoridades administrativas que são. 4) FUNÇÃO REGULADORA Historicamente, a Teoria da Separação dos Poderes deu como função ao Poder Legislativo a criação e elaboração das normas legais, Teoria essa aprofundada por Montesquieu nos idos da Revolução Francesa. Nesse sentido, o povo depositou ao Parlamento a representação da sua vontade, manifestada através da lei. No decorrer dos tempos, com o abandono do Estado de Bem-Estar Social e a adoção do Neo-Liberalismo, o estado adotou um novo papel na gestão dos serviços públicos, exigindo-se uma maior descentralização na prestação dos mesmos, mediante concessões, delegações e autorizações. Tal descentralização decorreu, exatamente, da ineficiência na prestação de serviços públicos que eram feitos unicamente pelo Estado, que assim o era na época do Wellfare State. 19 Diante da referida descentralização, o Poder Público foi desatrelado da execução do serviço público, passando a assumir a política regulatória nos diversos setores da economia. Nesse contexto, o Brasil incorporou do Direito norteamericano a idéia do gerencimento e fiscalização dos serviços públicos através das agências reguladoras, onde essas poderão receber do Poder Legislativo uma delegação legislativa com a finalidade de exercerem o poder normativo regulatório. Não obstante a isso, a Teoria da Separação dos Poderes não perdeu sua magnitude, devendo ser feita, apenas, uma releitura do mesmo. Com efeito, o Parlamento continua na sua função legiferante, representando a vontade do povo, decidindo sobre a delegação e seus limites às agências reguladoras, exercendo essa seu poder normativo apenas para a consecução das metas traçadas na própria lei delegante. Como destaca Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “Essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é a chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas e dos complexos debates congressuais em que preponderam as escolhas abstratas político-partidárias, que são a arena de ação dos Parlamentos, e que depois se prolongam nas escolhas administrativas discricionárias concretas e abstratas, que prevalecem na ação dos órgãos burocráticos da Administração direta.” 20 (MOREIRA NETO, Diogo de Fiqueiredo. Mutações do Direito Administrativo. p. 162. Rio de Janeiro: Renovar, 2000) Assim, seguindo o modelo norte-americano, o legislativo estabelece os parâmetros da atuação das agências reguladoras, que será fixada através de uma lei, a qual atribui competência normativa às ditas agências, dentro daquilo que for definida nessa legislação. Com efeito, repita-se, a Teoria da Separação dos Poderes permanece na sua plenitude, posto que as agências reguladoras somente poderão regulamentar matérias que o povo diz que pode, manifestada através de uma lei criada pelo representante desse, que é o Parlamento. A lei instituidora, por sua vez, usa conceitos jurídicos indeterminados, os quais são interpretados, definidos, explicitados, por órgãos técnicos especializados que compõem as agências reguladoras. Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro exemplifica uma dessas situações: “Por exemplo, a Lei nº 9.782,99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, dá a ela competência para estabelecer normas e padrões sobre ‘limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde’ art. 7º, IV): a Agência, dentro de seus conhecimentos técnicos, vai poder, licitamente, sem inovar na ordem jurídica, baixar ato normativo definindo os ‘contaminantes’, os ‘resíduos técnicos’, os ‘desinfetantes’ etc., e estabelecendo os respectivos padrões e limites. Trata-se de conceitos jurídicos indeterminados que a agência vai tornar determinados.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª edição. p. 447/448. São Paulo: Atlas, 2008) 21 Por óbvio, tudo aquilo que a agência reguladora normatizar e que não estiver contido na previsão legal, estará indo em contrariedade com o Principio da Legalidade. 22 CAPÍTULO II A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA 1) ORIGEM A idéia de discricionariedade está umbilicalmente atrelada à legalidade, tendo em vista estarem previstas na lei todas as possíveis atuações que o administrador pode traçar. Nesse ínterim, importante salientar a Revolução Francesa ocorrida em 1789, em que houve a ruptura do sistema social e político aristocrático do Antigo Regime, no qual o Estado se encontrava legalmente incondicionado, passando-se a adotar um sistema baseado na legalidade, onde os atos governamentais estariam agora fulcrados na legitimidade. Assim, os atos estatais passaram a ser regidos pela previsão legal, deixando de serem praticados ao alvedrio do monarca absolutista. Em meados do século XIX, na Alemanha, percebeu-se a necessidade da criação de uma atuação discricionária das autoridades, onde a lei deixou a esses a escolha os detalhes e as circunstâncias peculiares de cada atuação. No início do século XX, com o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, onde o Estado passa a regulamentar toda a vida social, política e econômica, a discricionariedade continuou existindo, porque necessária diante da impossibilidade do Estado regulamentar esgotando todas as situações possíveis. 23 Atualmente, com o advento do Neo-Liberalismo, e ainda diante das inúmeras situações impossíveis de serem exauridas na norma, a discricionariedade exerce importante função, principalmente com a dinâmica vida social contemporânea, a exigir praticidade e rapidez nas alterações. Para tanto, entra o conceito de discricionariedade e dos conceitos jurídicos indeterminados, especialmente os ministrados pelas agências reguladoras, foco do presente estudo. 2) CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE Todos os poderes exercidos pelo Poder Público são alicerçados pelo Princípio da Legalidade, a qual garante o equilíbrio entre a autoridade da Administração Pública e os direitos individuais garantidos pela norma. Diante disso, existem duas formas diversas em que os poderes administrativos são expressos em lei. Na primeira delas, a lei prevê que as várias situações em que a Administração Pública deverá agir e modo pelo qual o Estado irá agir. Nessa primeira situação, diz-se que haverá um poder vinculado. Numa segunda situação, é fácil imaginar que a lei não terá capacidade de prever todas as situações possíveis, de forma exaustiva, não havendo como definir todas as hipóteses de atuação do Poder Público. Nesse caso, a lei deixa uma margem de liberalidade para atuação da Administração Pública a definir que atuação tomará diante do caso concreto, atuações essas que serão definidias pela norma, deixando a escolha ao administrador. 24 Por isso se diz que, em tais casos, há o poder discricionário da Administração Pública, posto que a adoção de qualquer uma das opções previstas na lei será válida perante o direito. Considera-se que a avaliação a ser feita pelo Poder Público será tomada em critérios de oportunidade e conveniência a ser determinada pelo momento qual a melhor escolha, o que se convenciona chamar de mérito administrativo. Diante de tudo isso, cumpre destacar o conceito de discricionariedade administrativa dado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. p. 67. São Paulo: Atlas, 2001) Por sua vez, a não menos ilustre Odete Medauar, ao fazer menção ao mérito administrativo, não deixa de convencionar acerca da discricionariedade: “A margem livre sobre a qual incide a escolha inerente à discricionariedade corresponde ao aspecto de mérito do ato administrativo. tal aspecto expressa o juízo de conveniência e oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo esse efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário.” (MEDAUAR. Odete. Direito Administrativo Moderno. 14º edição. p. 155. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010) Em suma, a atuação da Administração Pública será vinculada quando a lei prever uma única solução possível diante de uma situação concreta; e a atuação da Administração Pública será discricionária quando a lei prever mais 25 de uma solução possível diante do caso concreto, a ser escolhida mediante critérios de oportunidade e conveniência. 3) DISCRICIONARIEDADE E LEGALIDADE A Administração Pública como a concebemos hoje é fruto de uma evolução histórica, na qual, em épocas anteriores, a mesma tinha uma concepção diferente. Desde que existe Estado, existe, também, a Administração Pública através de órgãos imbuídos de alguma função administrativa. Na Idade Média, havia a concentração de poder nas mãos do Príncipe, onde se imaginava, à época, que esse era o escolhido por Deus para reinar, fruto, ainda, de uma presença forte da igreja nos assuntos estatais. Assim, se o Príncipe era o representante de Deus na Terra, e se Deus não erra nunca, consequentemente, era dado ao Príncipe poderes absolutos para reinar. A vontade de Rei era a vontade de Deus. Com a criação do Estado Moderno, sobretudo após a Revolução Francesa, passou-se a limitar o poder do monarca, e por assim dizer do próprio Estado, através da edição de leis que regulasse a atuação. Com isso, o Estado somente poderia fazer aquilo que a lei permitisse, sendo essa fruto da manifestação da vontade do povo. Portanto, o Estado somente faz aquilo que é da vontade popular. Com efeito, no início, a fonte de todo o Direito era a vontade do Rei, posto que representante de Deus, onde, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma ser a exata qualificação de “ato discricionário”, como diz a seguir: 26 “A Administração Pública, em especial na fase inicial, não estava vinculada a qualquer tipo de norma que limitasse sua atividade, senão àquela que proviesse do monarca. Era o império do arbítrio, não no sentido de injusto, mas no sentido de ausência de limitações legais. Segundo Fiorini (La discrecionalidad en la administración pública, 1952:47-48), só nessa forma de Estado pode-se aceitar como denominação exata a qualificação de ‘ato discricionário’, que tanto podia significar um ato arbitrário como um ato oportuno e justo.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. p. 19. São Paulo: Atlas, 2001) Atualmente, no Estado de Direito, o ato arbitrário é aquele praticado fora do permissivo legal, sendo o ato discricionário permitido em lei, dando essa as possibilidades de atuação da Administração Pública, de acordo com a oportunidade e conveniência. 4) CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO Tal expressão é utilizada para designar aqueles conceitos que não tem uma precisão exata no direito, que não possui um sentido preciso. Com efeito, isso ocorre não apenas no Direito Administrativo, mas em todo e qualquer ramo do Direito, encontrados, inclusive, com bastante frequencia. Como exemplo de conceitos jurídicos indeterminados, podemos citar os termos “boa-fé”, “diligência normal”, “relevante valor social ou moral”, “justa causa”, “ordem pública”, entre outros. 27 Torna-se importante ressaltar, entretanto, um dos conceitos indeterminados mais utilizados no Direito Administrativo, qual seja a própria noção de interesse público. Nesse diapasão, o que pode ser de interesse público numa determinada época, pode não ser em outra. No mesmo sentido, o que é interesse público em dada região do país Brasil, pode não ser em outra localidade. Dado a isso, uma outra função importante do conceito jurídico indeterminado é a sua mutabilidade, o que favorece largamente evitar a sempre dificultosa alteração legislativa em cada situação em que a sociedade for se modificando conforme o tempo, por exemplo. Essa valorização é realçada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Quando o Direito Administrativo estabalece normas que impõem à Administração o dever de atender ao interesse público, ao bem comum, à conveniência do serviço e outros semelhantes, está deixando as portas abertas para a flexibilidade das decisões, em função da infinita gama de situações concretas a atender, na dinâmica sempre crescente das relações sociais que a Administração Pública tem que regular e fiscalizar.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. p. 98. São Paulo: Atlas, 2001) A atuação das agências reguladoras também acontece nesses tipos de conceitos, uma vez que normarizam e objetivam as indeterminações do texto legislativo, através dos conhecimentos de seus órgãos técnicos. Assim, como exemplo já citado alhures, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) pode regular o que seja o termo legal “Desinfetante”, nomeando detidamente os componentes químicos que o 28 compõem ou quais produtos comerciais podem ser qulificados como desinfetantes. Posteriormente, com o advento de novos estudos científicos, pode ser que determinada composição química não é mais considerada como efeiciente a desinfetar ambientes, ou, talvez, possa causar riscos à saúde do ser humano. Nesse caso, a ANVISA pode regular novamente retirando da sua normatização determinado componente químico que corresponde ao termo legal “Desinfetante”, e, o mais importante, sem necessitar de exaustiva atuação legislativa do Parlamento. 5) DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA A discricionariedade técnica é tema que tomou conta das discussões acadêmicas no Brasil, tendo em vista a grande atuação das agências reguladoras no nosso país, nos últimos anos. Com efeito, toda a discricionariedade com sempre a concebemos atualmente é denomionada como Discricionariedade Administrativa, sendo aquela que a norma coloca duas ou mais soluções possíveis ao administrador fazer sua opção no caso concreto, mediante análise de sua conveniência e oportunidade. Já a Discricionariedade Técnica diz respeito a uma única solução possível, através de análise técnica qualificada da situação, o que se confunde com o ato vinculado, daí gerando as maiores contestações, inclusive, sobre o seu controle judicial. O termo Discricionariedade Técnica foi utilizado pela primeira vez no ano de 1864 por Bernatzik, jurista da Escola de Viena. 29 Para o autor português António Francisco de Sousa, citado por Zanella Di Pietro, Bernatzik pretendia: “Englobar todo aquele tipo de decisões que, não sendo discricionárias, deveriam contudo ser, pela sua alta complexidade técnica, retiradas do controlo jurisdicional, porque, como ele dizia, de administração percebem os administradores, e só eles, pela sua formação técnica. Acresceria que, pela sua experiência e pelo seu contacto directo com a realidade do dia-a-dia, estariam os administradores em melhores condições para reagir, eficazmente e com oportunidade, às circunstâncias mais variadas com que se defrontavam. Por isso, não poderiam os juízes, com outra função, outra preparação e distanciados das realidades da vida administrativa, fazer substituir a sua opinião, tardiamente, à da autoridade administrativa.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.4. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007) Em outras palavras, o que Bernatzik se referia era relacionar a discricionariedade técnica fora do controle judicial, tendo em vista que apenas o administrador público teria condições de apreciar de fomar coerente a realidade do dia-a-dia. É certo, porém, que a idéia de discricionariedade técnica se diferencia de país a país. Nesse diapasão, o Direito italiano foi carreado pelo autor Renato Alessi a uma idéia própria acerca da discricionariede técnica, na qual a apreciação do interesse público exige a utilização de critérios técnicos, e não apenas critérios administrativos, sendo esses últimos relacionados para a discricionariedade administrativa. 30 Assim, no Direito itlaiano, não se diferencia a discricionariedade técnica da administrativa tão somente em função do controle judicial, mas sim pela decisão a ser tomada no caso concreto, se é uma decisão que exige maiores rigores técnicos ou não. Para sua melhor compreensão, Di Pietro é quem melhor traz o conceito ventilado por Alessi, em seu artigo já mencionado sob o título “Discricionariedade Técnica”, inclusive tecendo exemplos ilustrativos: “No direito italiano, um dos autores que melhor colocaram o tema foi Renato Alessi (Instituciones de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Bosch, 1970, t.I, p.195-198). Segundo suas lições, existem casos em que a apreciação do interesse público exige exclusivamente a utilização de critérios administrativos, hipótese em que se tem a discricionariedade administrativa, que se dá, por exemplo, quando se tenha que conceder uma licença para uso de armas, uma licença comercial, um certificado de boa conduta, aplicar uma sanção disciplinar, etc. e, ao contrário, existem casos em que a referida apreciação exige a utilização de critérios técnicos e a solução de questões que devem realizar-se conforme as regras e os conhecimentos técnicos, como, por exemplo, quando se trata de ordenar o fechamento de locais insalubres, oredenar a matança de animais atacados de enfermidades infecciosas, ordenar o fechamento de um estabelecimento em que se exerça uma atividade perigosa sem meios suficientes de proteção, ordenar a construção de uma ponte, adotar certo tipo de aeronave, etc.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.5. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007) No Direito norte-americano, a idéia de discriconariedade técnica foi atrelada ao de agências reguladoras, especificamente na sua função reguladora, mas também a possibilidade de controle judicial 31 Nesse sentido, pelo fato de as agências norte-americanas possuírem enorme grau de especialidade no setor a elas atribuído, além da sua função regulatória, conseidera-se a ela a discricionariedade técnica de uma determinada situação concreta. Ademais, em decorrência do grau técnico elevado dado a agência norte-americana, a decisão que decorresse da sua discriconáriedade técnica estava fora da revisão judicial, exceto se a mesma fosse arbitrária. A partir da década de 1960, o Direito norte-americano passou a atribuir o controle judicial à discricionariedade técnica, tendo em vista a aplicação, dentre outros, do Princípio da Razoabilidade, no qual, para que a agência reguladora norte-americana possa elaborar determinada norma, a mesma deve ter correlação com os fatos que lhe deu ensejo, e aí cabendo ao judiciário examinar tal correlação. Por sua vez, no Direito brasileiro, vislumbramos a diferenciação entre a discricionariedade administrativa e a discricionariedade técnica, onde, na primeira, o Executivo fará a escolha da decisão a ser tomada diante de possibilidades pré-determinadas no ordenamento, e, na segunda delas, a qual essa possibilidade de alternativas não existe, posto que a decisão a ser tomada deve ser aquela única em consonância com os estudos técnicos que o caso exige. Daí reguladoras. decorre o grau técnico de conhecimento das agências 32 CAPÍTULO III O CONTROLE JUDICIAL 1) CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Desde Aristóteles na Grécia antiga, passando por Montesquieu na França do século, até chegar nos dias atuais, a Teoria da Separação dos Poderes. Nela, diferencia-se bem claramente as funções de legislar, administrar e julgar, conforme os poderes constituídos. É certo, porém, que existe, ainda, o sistema de freios e contrapesos, no qual, sem amiúdes, consiste no controle existente entre os poderes, até para a melhor atuação de cada um deles, de acordo com os critérios já estabelecidos. Nesse ínterim, surge um desses controles, qual seja o do judiciário sobre os atos do executivo, o que gera uma sistemática toda própria, a considerar, nesse estudo, sobre os atos discricionários, sempre fonte de acaloradas discussões, e que não se termina, a toda certeza, sendo constantemente alterado e acrescentado com novas idéias a enriquecer o cenário jurídico e do dia-a-dia da sociedade. Semprese falou que no ato discricionário não existe controle do judiciário. Essa premissa deve ser tomada com grão de sal, tendo em vista os perigos que ela contém a se admitir na sua inteireza. 33 Segundo os entendimentos abalizados sobre o tema, podemos subdividir o ato discricionário em duas partes, dentre elas, legalidade e mérito. O controle judicial sobre a legalidade do ato discricionário é fácil compreender a sua existência, no qual o magistrado analisa friamente os atributos do ato administrativos, mormente se obedece os critérios legais de sua existência, como exemplo, se o administrador público é competente para a edição daquele determinado ato, ou, ainda, se adotou a forma pré-definida em lei para tanto. Por outro lado, no mérito do ato administrativo discricionário é que residem as maiores contestações, posto que fruto da oportunidade e conveniência do administrador público, de, naquela determinada situação concreta, praticar aquele tipo de ato, dentre da conformidade legal. Nesse ponto é que o controle do judiciário não deve intervir, pois, do contrário, o judiciário estaria se intrometendo nos assuntos internos inerentes ao executivo, e que dizem respeito à propria convicção do administrador público. Notadamente, muitas vozes de peso já vem admitindo o controle judicial sobre o ato discricionário, a citar, dentre outros, Celso Antonio Bandeira de Mello. Esse autor afirma em seus estudos ser possível o judiciário controlar o ato discricionário, como nota, pelo exame dos seus motivos, a extrapolar aquilo que o limite do ato discricionário permitir. A seguir, suas palavras para melhor elucidação: “Assim como ao judiciário compete fulminar todo comportamento ilegiítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem 34 jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 25º edição. p. 963. Malheiros: São Paulo, 2008) É certo que os princípios administrativos trazidos pelo art. 37 da Constituição da República são os grandes balizadores deste controle efetivado pelo Judiciário para que se evite às arbitrariedades e atrocidades praticadas pelos administradores públicos. O nosso ordenamento jurídico determina que a toda atuação seja balizada por princípios, os quais podem ser específicos, isto é, aplicados a determinadas áreas do Direito, ou, ainda serem aplicados de forma genérica a mais de um ramo, ou a todos esses. Deve, portanto, a atuação discricionária da Administração ser balizada não só por normas, mas pelas diretrizes principiológicas. Nesse diapasão, necessitam-se obedecer agora não mais apenas as normas, mas sim as normas e os princípios. Com isso, o campo de discricionariedade fica ainda mais restrito, na medida que tem que obedecer aos limites impostos. Diante de tudo isso, o que se deseja demonstrar é que, cada vez mais, o mérito administrativo não apenas pode como também deve ser controlado pelos princípios constituicionais, devendo ser feito da mesma forma que o controle legal, com o fito de por fim na atividade ilimitada exercida pelos gestores da coisa pública, em prejuízo da sociedade, a contribuir para 35 solucionar muitos problemas existentes no dia-a-dia da sociedade brasileira, e que saltam aos olhos nos noticiários correntes. Didaticamente, tudo o que se afirmou até o presente momento nesse capítulo diz respeito à legalidade e ao mérito da discricionariedade administrativa, sendo que nos é pretenso analisar no presente estudo é o controle judicial da discricionariedade técnica. 2) CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA No Brasil, o entendimento acerca do controle judicial da discricionariedade técnica passa por duas correntes de pensamento entre a doutrina, não existindo uma uniformidade nesse sentido. O primeiro desses referidos entendimentos afirma que, uma vez empreago conceitos jurídicos indeterminados, a Administração Pública pode fazer um trabalho de interpretação, no qual apenas haverá uma única saída a ser possível, cabendo, assim, ao Judiciário rever e corrigir tal interpretação. Por sua vez, no tocante ao segundo entendimento, que afirma ser possível, diante dos conceitos jurídicos indeterminados, gerar ou não discricionariedade, a depender, logicamente, do tipo de conceito e sua destinação na situação concreta. Importa-nos, assim, distinguirmos os tipos de conceitos existentes no nosso ordenamento jurídico. Existe um conceito denominado ‘técnico’, o qual não gera discricionariedade, uma vez que a solução acertada há de ser manifestada por órgão técnico, imbuído de conhecimentos científicos aplicados ao caso concreto a ser aplicado. 36 Existe, também, um outro conceito a qual se deu o nome ‘de experiência’ ou ‘empírico’, onde também não deve existir qualquer discricionariedade, posto que retirados da experiência comum, no seu sentido mais utilizado, e, assim, extrair de si uma única interpretação possível. Como exemplo desses conceitos de experiência ou empíricos, podemos mencionar a expressão força maior, qual seja aquela que extrapola do conhecimento do agente, ou seja, aquilo que está, de toda forma, fora do seu controle, sendoa essa uma única interpretação possível, não havendo qualquer discricionariedade para tanto. Por último, existem, ainda, os chamados conceitos ‘de valor’, sendo esse aquele que pode gerar discricionariedade no caso concreto, podendo existir mais de uma interpretaçao possível. Como exemplo do conceito de valor, retornaremos a já mencionada expressão ‘interesse público’, que pode denotar, a depender de uma série de questões, de diversas interpretações possíveis. Com efeito, aquilo que era de interesse comum há dez ou vinte anos atrás pode não ser o interesse comum de hoje, ou, ainda, na mesma época, o interesse comum pode variar a depender da região dentro do mesmo país, isto é, várias interpretações possíveis. Retornando à questão da discricionariedade técnica, o Brasil já adota a sistemática de deixar para órgãos e entidades da Administração Pública a definição dos conceitos jurídicos indeterminados, como podemos citar o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários, entes já criados de longa data. 37 No entando, com o surgimento das agências reguladoras é que a questão da discricionariedade técnica veio à tona, uma vez que tais autarquias exercem função normativa. Para lembrarmos, tal sistemática de definir os conceitos jurídicos indeterminados exercido pela Administração Pública é o método adotado pelo Direito norte-americano, sendo que nesse país do norte continental, as agências reguladoras expedem regulamentos, que pode ser, consequentemente, atacado pelo Poder Judiciário, se tal regulamento contrariar a lei hierarquicamente superior. Contudo, no Brasil, os regulamentos somente são expedidos pelo Chefe do Executivo, como determinado pela regra constitucional esculpida no art. 84, IV da Carta Magna. Com efeito, a Constituição da República confere aos Ministérios e alguns órgãos reguladores a participação na função de regulamentar normativa, podendo baixar instruções para executar as leis, decretos e, também, os regulamentos (art 87, II; art. 21, XI; e art 177, § 2º; todos da Caonstituição Federal). Di Pietro, uma das melhores vozes no assunto, comenta acerca da função normativa da agência reguladora em contraposição à atribuição constitucional do Chefe do Executivo para expedir regulamentos: “Afora essas possibilidades que decorrem da Constituição, a única maneira de defender validamente a discricionariedade técnica aplicada à função normativa das agências reguladoras (e de outros órgãos administrativos que exercem função semelhante) é a de reduzir (se é que isso é possível) o conceito de regulamento, para dele exclur as normas que apenas definem conceitos técnicos contidos na lei. E isto pelo fato de que a discricionariedade técnica não constitui verdadeira 38 discricionariedade, não envolve decisão política, porque não dá liberdade de escolha para a administração. O órgão regulador limita-se a definir um conceito que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas explicitado na norma infra legal.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.5. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007) O que se tem é a idéia de que o regulamento só se justifica quando o Poder Público exerce sua discricionariedade, o que ocorrerá quando a lei hierarquicamente superior deixar uma brecha para tanto, e tal discricionariedade é caracterizada a partir da escolha do procedimento, suas formas, etc, significando que o Executivo pode exercer opções entre alternativas legalmente previstas. Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, lembrando que os regulamentos existem: “para que se disponha sobre o modo de agir dos órgãos administrativos, tanto no que concerne aos aspectos procedimentais de seu comportamento quanto no que diz respeitos aos critérios que devem obedecer em questões de fundo, como condição para cumprir os objetivos da lei. Em face do quanto doi dito, já se pode assinalar e enfatizar que: a) Onde não houver espacço para uma atuação administrativa, não haverá cabida para regulamento??. b) Onde não houver liberdade administrativa alguma a ser exercitada (discricionariedade) – por estar prefigurado na lei o único modo e o único possivel comportamento da Administração ante a hipóteses igualmente estabelecidas em termos de objetividade absoluta – não haverá lugar para regulamento que não seja mera repetição da lei ou desdobramento do que nela se disse sinteticamente. 39 É esta segunda conclusão que abre passo para uma terceira, a saber: o regulamento executivo, único existente no sistema brasileiro, é um meio de disciplinar a discrição administrativa, vale dizer, de regular a liberdade relativa que viceje no interior das balizas legais, quando a Administração esteja posta na contingência de executar lei que demande ulteriores precisões. Com efeito, salvo quando têm em mira a especificidade de situações redutíveis e reduzidas a um padrão objetivo predeterminado, a generalidade da lei e seu caráter abstrato ensacham particularização normativa ulterior. Daí que o regulamento discricionariamente os procede e, assim, cerceia a liberdade de comportamentos dos órgãos e agentes administrativos para além dos cerceios da lei, impondo, destarte, padrões de conduta que correspondem aos critérios administrativos a serem obrigatoriamente observados na aplicação da lei aos casos particulares.” (DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.14. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007) O fato principal a ser encarado, nesse contexto, é de que nos casos de de discricionariedade técnica, a doutrina afirma que não há discricionariedade propriamente dita, porque não há opções a serem feitas pelo gestor público, como a que se faz por critérios de conveniência e opotunidade nas hipóteses de discricionariedade administrativa. A solução a ser determinada pelo administrador público ao caso concreto, em se tratando de discricionariedade técnica, é apenas uma e somente essa, uma vez que é proveniente dos estudos técnicos-científicos de órgãos especializados para tanto. Assim, não haverá escolhas para se determinar qual decisão irá corresponder da melhor maneira para o atingimento do interesse público, sendo que esse somente será atingido por um único meio, a ser determinado pela ciência, em se tratando de discricionariedade técnica. 40 E o dado a ser enfatizado é sobre o controle judicial dessa discricionariedade técnica. Di Pietro admite existir essa possibilidade, porém faz algumas ressalvas. Argumenta que, tendo em vista que o judiciário brasileiro não tem a mesma função do judiciário norte-americano de criar o direito, tal como o seguimento posterior da sua jurispredência, nos leading cases, de certo que o controle judicial da discricionariedade técnica resta dificultada no Brasil. Segundo a autora, a sentença judicial no Brasil, uma vez decretada, não constitui fonte do direito, assim como nos Estados Unidos, lugar onde se exigiu a motivação das decisões das agências, construindo-se princípios, tais como o devido processo legal substantivo, razoabilidade e racionalidade das decisões diante dos fatos, tudo o que permite ao magistrado rever a validade dos regulamentos das agências reguladoras diante dos conceitos jurídicos indeterminados. O que a autora alega é que no Brasil nada disso existe, não possuindo nosso Poder Judiciário a funçãon de criar direito tal como no norte, além de ser pouco aplicado no Brasil o Princípio do Devido Legal Substantivo, o qual permite a invalidação de atpos normativos por infringirem valores constitucionais ou legais. Em suma, o posicionamento de Di Pietro é no sentido de existir o controle judicial da discricionariedade técnica, o que, no entanto, é dificultado, quiçá impossibilitado, disso existir no Brasil, país que adota uma sistemática diferente dos Estados Unidos da América, país onde as agências são numerosas, local onde o homólogo controle é feito em função de uma estrutura diversa no seu Judiciário, conforme já anotado. 41 Outro autor que podemos citar, é Luis Manuel Fonseca Pires, na sua tese de doutoramento publicado sob o título “Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa Dos Conceitos Jurídicos Indeterminados às Poíticas Públicas”, onde afirma o seguinte: “Recusamos a suposta categoria de ‘discricionariedade técnica’. Cuida-se, em nosso entender, de meras apreciações técnicas ou científicas, sem um regime jurídico específico, e por isso irrestritivamente submetidas ao controle judicial” (FONSECA PIRES, Luis Manuel. Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa. p. 330. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009) Em suas palavras, o citado autor não vai tão longe quanto a primeira autora para admitir o controle judicial da discricionariedade técnica, mas simplesmente a considera existente em razão da natureza de ato vinculado que tal discricionariedade se reveste, contudo, não faz ressalvas quanto à estrutura do Judiciário. Em nossa opinião, o controle judicial da discricionariedade técnica deve existir sempre, por admitirmos que essa espécie de discricionariedade é fruto de uma construção interessante, porém, de efeitos práticos idênticos a um ato vinculado. Explica-se. A razão de existir da discricionariedade técnica é válida, na visão do seu criador Bernatzik, entretanto, a função que a mesma exerce é a mesma que de um ato vonculado. Não vamos tão a fundo a ponto de não considerarmos a existência da discriconariedade técnica, como faz Fonseca Pires, mas a erigimos à categoria de discricionariedade, porém de efeitos práticos de um ato vinculado. 42 Em suma, é um ato discricionario na sua essência, mas de finalidade vinculativa. Logicamente, a não admissão do seu controle por parte do judiciário seria uma carta branca ao administrador público, pelo simples fato de ser uma questão técnica. Ademais, nosso Poder Judiciário é disposto de extensa fase probatória, com a função de aprofundar a análise do mérito discutido judicialmente, mediante a participação de profissionais técnicos da respectiva área, além, sobretudo, do Princípio do Contraditório, sem o quê, é inválida a decisão judicial. Por fim, admitimos o controle judicial da discricionariedade técnica, expedida essa, atualmente, pelas agências reguladoras, por se tratar de um ato discricionário na sua criação, porém, um ato vinculado na sua determinação, possuindo o atual Poder Judiciário nacional as ferramentas essenciais para se fazer esse referido controle. 43 CONCLUSÃO Por certo que a discriconariedade técnica é tema antigo, desde o século XIX, porém, introduzido recentemente no nosso ordenamento por conta da criação das agências reguladoras. Não é de se imiscuir ao seu controle por parte do Judiciário, diante da Teoria da Separação dos Poderes, sendo que tal controle não vai de encontro com tal Teoria. A discricionariedade técnica é, a nosso ver, um instituto híbrido, no qual há corpo de ato discricionário, na sua formação, mas que porém, não deixa opções aos adminstradores públicos para adoção de medidas, agindo, nesse caso, de forma idêntica ao ato vinculado. Por isso mesmo, o importante que se diga em respeito ao seu controle exatamente tal característica de não deixar alternativas ao legislador, havendo um mérito administrativo apenas no nome, mas que ato vinculado no seu fim. Não vamos aalém disso, como alguns autores em não considerar a existência da discricionariedade técnica, nem, ainda, entendemos ser o Judiciário desprovido de ferramentas para sua análise e efetivo controle. Finalmente, ato munido de discricionariedade técnica pode (e deve) ser controlado pelo Judiciário. 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e Controle Judicial. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21ª edição. São Paulo: Atlas, 2008 DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2001 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007 FONSECA PIRES, Luis Manuel. Controle Judicialda Discricionariedade Administrativa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª edição. São Paulo: RT, 2010 MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002 45 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTO 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 06 METODOLOGIA 08 SUMÁRIO 09 INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO I AGÊNCIAS REGULADORAS 11 1 – Nascimento das agências reguladoras no Brasil 12 2 – Modelo brasileiro 15 3 – Características 15 4 – Função reguladora 18 CAPÍTULO II DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA 22 1 – Origem 22 2 – Conceito de discricionariedade 23 3 – Discricionariedade e legalidade 25 4 – Conceito jurídico indeterminado 26 5 – Discricionariedade técnica 28 CAPÍTULO III CONTROLE JUDICIAL 32 1 – Controle judicial dos atos administrativos 32 2 – Controle judicial da discricionariedade técnica 35 CONCLUSÃO 43 46 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 44 ÍNDICE 45