UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
EXISTE CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE
TÉCNICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS?
Por: Leandro Santos Campos de Azevedo
Orientador
Prof. Anselmo Souza
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
2
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
EXISTE CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE
TÉCNICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS?
Apresentação
Candido
de
Mendes
monografia
como
à
requisito
Universidade
parcial
para
obtenção do Grau de Especialista em Direito Público
e Tributário
Por: Leandro Santos Campos de Azevedo
3
AGRADECIMENTOS
A minha esposa. Aos meus pais e
irmãos.
4
DEDICATÓRIA
Dedica-se a minha esposa Márcia, pelo
amor, incentivo e ajuda.
A minha mãe Delma, pela educação e
apoio.
Ao meu irmão Christiano, pela amizade e
companheirismo.
5
6
RESUMO
A discricionariedade sempre foi um instituto dinâmico, envolvendo a
atenção dos estudiosos, ainda mais porque a Administração Pública exerce
seu poder discricionário todos os dias no âmbito de sua gestão.
Nesse ínterim, sabe-se que não há possibilidade de se fazer um controle
sobre tal discricionariedade, até porque envolve o mérito do ato administrativo,
na percepção da oportunidade e conveniência do mesmo.
Contudo, nas últimas décadas, o Brasil acompanhou o nascimento das
Agências Reguladoras nas mais diversas áreas de atuação, o que deu
surgimento ao conceito de discricionariedade técnica, que veio somar-se à
discricionariedade administrativa que já existia, decorrente da atribuição que
essas agências tem de elaborar normas específicas para cada área de
atuação.
A partir daí, a doutrina e a jurisprudência vem debatendo várias
questões em torno dessa referida discricionariedade técnica, sendo que uma
delas envolve a possibilidade de o Poder Judiciário exercer um controle sobre a
mesma.
No entanto, o problema não é tão facilmente resolvido, tendo em vista as
dificuldades desse controle diante do sistema constitucional brasileiro, que é
diverso dos outros países, os quais serviram de modelo para o nosso.
7
8
METODOLOGIA
Os métodos utilizados passam, basicamente, pela leitura de livros e
revistas especializadas sobre o tema.
Alguns dos livros estudados são de propriedade do próprio pósgraduando, e outros retirados da biblioteca do Ministério Público Federal, da
Procuradoria Regional da Capital do Rio de Janeiro.
A revista especializada é periódico de livre disposição na internet, sendo
vedada sua reprodução no presente espaço.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
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CAPÍTULO I – AS AGÊNCIAS REGULADORAS
10
CAPÍTULO II - A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
22
CAPÍTULO III – O CONTROLE JUDICIAL
32
CONCLUSÃO
43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
44
ÍNDICE
45
11
INTRODUÇÃO
O surgimento das agências reguladoras é um fenômeno que
ocorrer não apenas nos Estados Unidos da América, mas também na
Europa e Brasil, países que possuem um sólido direito administrativo, a
contrário do primeiro citado.
Não há de se negar que as agências reguladoras estão
atuantes no dia-a-dia da sociedade brasileira, desde que o cidadão acorda
de manhã e consome produtos com selo da Anvisa, se locomovendo por
veículos terrestres de massa regulados pela Antt, inclusive ao cuidar de sua
saúde, onde a ANS tem braço firme na regulação, sobretudo, das
operadoras de saúde.
Enfim, estamos rodeados pelas agências, e seus atos
devem ser também controlados, à guisa de um bordão sobre quem regula as
agências reguladoras.
O tema será tratado analisando, inicialmente, as principais
características das agências reguladoras. Posteriormente, examinaremos os
tópicos mais importantes acerca da discricionariedade técnica.
É certo que as agências reguladoras, no cenário nacional,
são as que exercem discricionariedade técnica, daí a sua correlação.
Ambos os temas mencionaods serão trazidos sem amiúdes,
mas apenas o necessário para a boa compreensão do que se pretende, que
é, finalmente, o controle judicial da discricionariedade técnica das agências
reguladoras.
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CAPÍTULO I
AS AGÊNCIAS REGULADORAS
1) O NASCIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO
BRASIL
O Estado brasileiro atual é fruto de uma constante
transformação, quer no ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista
econômico, tudo ocorrido através da mudança da sociedade através dos
tempos.
Na primeira metade do século XX, houve um processo
contínuo de inchamento do Estado no campo econômico, tenda em vista a
ainda frágil iniciativa privada nesse terreno.
Desse tempo em diante, ocorreu o surgimento de grandes
empresas estatais, entre elas a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a
Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Eletrobrás, etc, o que foi
aumentando ainda mais, e gradativamente, a participação do Estado na
economia.
Quando da criação da Constituição da República Federativa
do Brasil, ocorrida em 1988, o Estado brasileiro encontrava-se extremamente
gordo e ineficiente no que tange à sua atuação econômica, devido exatamente
a grande quantidade de empresas estatais que consumiam grande parte do
orçamento público, além de não ser bem geridas, até porque o Estado é um
péssimo empresário.
13
A isso sucedeu-se um processo de reforma mediante
privatizações dessas referidas estatais, bem como a proceder-se numa
parceria com a iniciativa privada, tais como as concessões.
Com isso, a função do Estado passou a ser de
regulamentação e de fiscalização dos serviços públicos, surgindo, assim, as
agências reguladoras como peças fundamentais para realizarar tão importante
função. Nasce, portanto, o Estado gestor, também denominado Estado
gerencial.
O termo agências reguladoras advém da tradução direta da
expressão regulatory agencies (ou regulatory commissions), surgida na
Inglaterra em 1834 e nos Estados Unidos em 1887 com a criação da Interstate
Commerce Commission.
No Brasil, mesmo a partir da década de 1930, já houve o
surgimento de alguns órgãos públicos que possuíam função de regular, entre
eles, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), além do próprio
Conselho Administrativo de Defesa Econômica, surgida nos idos da década de
1970.
Contudo, esses órgãos tinham estruturas diferentes das
agências reguladoras que existem hoje, como aponta o Mestre Luis Roberto
Barroso no livro “Agências Reguladoras, organizado pelo não menos grandioso
Alexandre de Moraes, nos seguintes termos:
“Esses órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua
efetiva atuação reguladora, porque, à exceção do CADE, nasceram
subordinados, descisória e financeiramente, ao Poder Executivo, fosse à
Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério.”
(MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. p. 117. São Paulo:
Atlas, 2002)
14
Foi após a confecção da Constituição da República em 1988
que as agências reguladoras tomaram corpo nas diversas áreas de atuação,
além de possuirem estrturas dotadas de autonomia em relação aos entes
criadores.
Dentre as agências reguladoras criadas após a Constituição
da República de 1988, e que atuam fortemente na regulação e fiscalização da
atividade econômica do país, bem como o dia-a-dia da sociedade brasileira,
podemos citar, dentre outras: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),
criada pela Lei 9.427, de 26.12.1996; Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL), criada pela Lei 9.472, de 16.7.1997; Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) e Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(ANTAQ), ambas criadas pela Lei 10.233, de 5.6.2001; Agência Nacional de
Aviação Civil, criada pela Lei 11.182, de 27.9.2005; Agência Nacional de
Cinema (ANCINE), criada pela Medida Provisória 2.281-1, de 6.9.2001;
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), criada
pela Lei 9.478, de 6.8.1997; Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), criada pela 9.782, de 26.1.1999; Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), criada pela Lei 9.961, de 28.1.2000; Agência Nacional de
Águas (ANA), criada pela Lei 9.984, de 17.7.2000.
No âmbito estadual, alguns Estados-Membros também
criaram suas próprias agências reguladoras, dentre elas, podemos citar, dentre
outros: Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do
Rio de Janeiro (ASEP-RJ), criada pela lei estadual fluminense nº 2.686, de
13.12.1997; Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do
Ceará (ARCE), criada pela lei estadual cearense nº 12.786, de 30.12.1997;
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio
Grande do Sul (AGERGS), criada pela lei estadual gaúcha nº 10.931, de
9.1.1997; Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), criada pela lei
complementar estadual bandeirante nº 833, de 17.10.1997.
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2) MODELO BRASILEIRO
O Direito brasileiro é comumente inspirado pelo Direito
europeu, notadamente o romano-germânico, o que não impede, porém, que o
Direito norte-americano deixe de ser fonte de criação para institutos jurídicos
nacionais.
O sistema administrativo europeu é composto por uma
complexa rede de órgãos e entidades que formam a administração pública
direta e indireta.
Por sua vez, no sistema homólogo norte-americano, toda a
sua organização administrativa é disposta através de agências, as quais
exercem função quase-legislativa, até porque editam normas.
Tal sistema norte-americano, no entanto, não é imune a
críticas e discussões, tendo em vista a existência do rígido Princípio da
Separação dos Poderes.
O Brasil tem praticamente todo o seu Direito Administrativo
influenciado pelo Direito euroupeu. Contudo, o sistema administrativo nacional
se baseou no Direito norte-americano para criar as agências reguladoras
Tanto aqui quanto na nação estadunidense, a função
reguladora dessas mencionadas agências é o que vem causando maiores
controvérsias, uma vez que é dado o poder de editar normas, baseados em
conceitos jurídicos indeterminados, e com a mesma força de lei.
3) CARACTERÍSTICAS
16
As agências reguladoras tem natureza autárquica, porém,
como diz parte da doutrina nacional, não uma autarquia com características
comuns, mas sim com características de regime especial.
O dito regime especial, segundo alguns, decorre da outorga
legal de certas prerrogativas que estão a possuir as agências reguladoras,
prerrogativas essas que não existem na grande parte das demais autarquias.
O autor Edmir Netto de Araújo, ao citar as palavras de
Manoel Alves Ferreira Filho, menciona as tais prerrogativas decorrentes do
regime especial, quais sejam:
“Segundo
alguns
doutrinadores,
suas
características
podem
envolver: (1) serem constituídas como autarquias de regime especial,
afastando-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta
influência política do Governo, com acentuado grau de independência; (2)
serem dotadas de autonomia financeira, administrativa e, especialmente,
de poderes normativos complementares à legislação própria do setor; (3)
possuírem poderes amplos de fiscalização, operar como instância
administrativa final nos litígios sobre matéria de sua competência; (4)
possuírem controle de metas de desempenho fixadas para as atividades
dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do Governo e em
defesa da coletividade, as quais se acrescentam; (5) possuírem direção
colegiada, sendo os mebros nomeados pelo Presidente da República,
com aprovação do Senado Federal; (6) seus direigentes possuírem
mandato com prazo de duração determinado; (7) após cumprido o
mandato, seus dirigentes ficarem impedidos, por um prazo certo e
determinado, de atuar no setor atribuído à agência, sob pena de incidirem
em crime de advocacia administrativa e outras penalidades.”
(MORAES. Alexandre de. Agências Reguladoras. p. 42. São Paulo:
Atlas, 2002)
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Por outro lado, o grande Mestre Celso Antonio Bandeira de
Mello, na sua constante autoridade em temas de Direito Administrativo,
menciona que não faz sentido classificar as agências reguladoras com
características de regime especial.
Diz ele que entre as agências reguladoras e as autarquias
ditas “comuns” não há maiores diferenças, afirmando que as prerrogativas que
calssificam as agências reguladoras como autarquias de regime especial são
atinentes a toda e qualquer autarquia, com exceção de apenas uma delas.
Vale a pena transcrever suas pelavras, para uma melhor
elucidação:
“ É o que se fará em seguida, registrando-se, por ora, que a única
particularidade marcante do tal regime especial é a nomeação pelo
Presidente da República, sob aprovação do Senado, dos dirigentes da
autarquia, com garantia, em prol destes, de mandato a prazo certo?
?Os demais traços que são apontados nas leis disciplinadoras de
algumas das agências reguladoras para caracterizar o regime especial
nada lhes agregam de peculiar em relação a quaisquer outras
autarquias.”
(MELLO,
Celso
Antonio
Bandeira
de.
Curso
de
Direito
Administrativo. 25º edição. p. 169. São Paulo: Malheiros, 2008)
A nosso ver, com mais razão o segundo autor citado, tanto
assim que a própria Comissão de Valores Mobiliários, que desde a sua criação,
em 1976, sempre foi tratada como autarquia “comum”, e atualmente já se
discute sua natureza regilatória, o que se faz sem modificar uma linha de sua
lei criadora, ou seja, mantendo a mesma estrutura quando da época se achava
autarquia “comum”.
18
Ademais disso, não resta no cenário administrativo nacional
outras autarquias que não sejam agências reguladoras ou agências executivas,
o que está a se embaralharem as características comuns e especiais das
autarquias ainda vigentes.
Nesse caso, se impossibilita a classificação de uma ou de
outra em características estanques, a se diferenciarem as comuns das
especiais.
Discussões
doutrinárias
a
parte
com
relação
às
características das agências reguladoras, bem como, consequentemente, da
sua natureza jurídica, o fato é que as agências reguladoras estão a regular e
fiscalizar como autoridades administrativas que são.
4) FUNÇÃO REGULADORA
Historicamente, a Teoria da Separação dos Poderes deu
como função ao Poder Legislativo a criação e elaboração das normas legais,
Teoria essa aprofundada por Montesquieu nos idos da Revolução Francesa.
Nesse
sentido,
o povo
depositou
ao Parlamento a
representação da sua vontade, manifestada através da lei.
No decorrer dos tempos, com o abandono do Estado de
Bem-Estar Social e a adoção do Neo-Liberalismo, o estado adotou um novo
papel na gestão dos serviços públicos, exigindo-se uma maior descentralização
na prestação dos mesmos, mediante concessões, delegações e autorizações.
Tal descentralização decorreu, exatamente, da ineficiência
na prestação de serviços públicos que eram feitos unicamente pelo Estado,
que assim o era na época do Wellfare State.
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Diante da referida descentralização, o Poder Público foi
desatrelado da execução do serviço público, passando a assumir a política
regulatória nos diversos setores da economia.
Nesse contexto, o Brasil incorporou do Direito norteamericano a idéia do gerencimento e fiscalização dos serviços públicos através
das agências reguladoras, onde essas poderão receber do Poder Legislativo
uma delegação legislativa com a finalidade de exercerem o poder normativo
regulatório.
Não obstante a isso, a Teoria da Separação dos Poderes
não perdeu sua magnitude, devendo ser feita, apenas, uma releitura do
mesmo.
Com
efeito,
o
Parlamento
continua
na
sua
função
legiferante, representando a vontade do povo, decidindo sobre a delegação e
seus limites às agências reguladoras, exercendo essa seu poder normativo
apenas para a consecução das metas traçadas na própria lei delegante.
Como destaca Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
“Essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é a
chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em
abstrato e em concreto, de questões em que predomine a escolha
técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas e dos
complexos debates congressuais em que preponderam as escolhas
abstratas político-partidárias, que são a arena de ação dos Parlamentos,
e que depois se prolongam nas escolhas administrativas discricionárias
concretas e abstratas, que prevalecem na ação dos órgãos burocráticos
da Administração direta.”
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(MOREIRA NETO, Diogo de Fiqueiredo. Mutações do Direito
Administrativo. p. 162. Rio de Janeiro: Renovar, 2000)
Assim, seguindo o modelo norte-americano, o legislativo
estabelece os parâmetros da atuação das agências reguladoras, que será
fixada através de uma lei, a qual atribui competência normativa às ditas
agências, dentro daquilo que for definida nessa legislação.
Com efeito, repita-se, a Teoria da Separação dos Poderes
permanece na sua plenitude, posto que as agências reguladoras somente
poderão regulamentar matérias que o povo diz que pode, manifestada através
de uma lei criada pelo representante desse, que é o Parlamento.
A lei instituidora, por sua vez, usa conceitos jurídicos
indeterminados, os quais são interpretados, definidos, explicitados, por órgãos
técnicos especializados que compõem as agências reguladoras.
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro exemplifica
uma dessas situações:
“Por exemplo, a Lei nº 9.782,99, que criou a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, dá a ela competência para estabelecer normas e
padrões sobre ‘limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes,
metais pesados e outros que envolvam risco à saúde’ art. 7º, IV): a
Agência, dentro de seus conhecimentos técnicos, vai poder, licitamente,
sem inovar na ordem jurídica, baixar ato normativo definindo os
‘contaminantes’, os ‘resíduos técnicos’, os ‘desinfetantes’ etc., e
estabelecendo os respectivos padrões e limites. Trata-se de conceitos
jurídicos indeterminados que a agência vai tornar determinados.”
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª edição.
p. 447/448. São Paulo: Atlas, 2008)
21
Por óbvio, tudo aquilo que a agência reguladora normatizar e
que não estiver contido na previsão legal, estará indo em contrariedade com o
Principio da Legalidade.
22
CAPÍTULO II
A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
1) ORIGEM
A
idéia
de
discricionariedade
está umbilicalmente
atrelada
à
legalidade, tendo em vista estarem previstas na lei todas as possíveis atuações
que o administrador pode traçar.
Nesse ínterim, importante salientar a Revolução Francesa ocorrida em
1789, em que houve a ruptura do sistema social e político aristocrático do
Antigo Regime, no qual o Estado se encontrava legalmente incondicionado,
passando-se a adotar um sistema baseado na legalidade, onde os atos
governamentais estariam agora fulcrados na legitimidade.
Assim, os atos estatais passaram a ser regidos pela previsão legal,
deixando de serem praticados ao alvedrio do monarca absolutista.
Em meados do século XIX, na Alemanha, percebeu-se a necessidade
da criação de uma atuação discricionária das autoridades, onde a lei deixou a
esses a escolha os detalhes e as circunstâncias peculiares de cada atuação.
No início do século XX, com o surgimento do Estado de Bem-Estar
Social, onde o Estado passa a regulamentar toda a vida social, política e
econômica, a discricionariedade continuou existindo, porque necessária diante
da impossibilidade do Estado regulamentar esgotando todas as situações
possíveis.
23
Atualmente, com o advento do Neo-Liberalismo, e ainda diante das
inúmeras
situações
impossíveis
de
serem
exauridas
na
norma,
a
discricionariedade exerce importante função, principalmente com a dinâmica
vida social contemporânea, a exigir praticidade e rapidez nas alterações.
Para tanto, entra o conceito de discricionariedade e dos conceitos
jurídicos indeterminados, especialmente os ministrados pelas agências
reguladoras, foco do presente estudo.
2) CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE
Todos os poderes exercidos pelo Poder Público são alicerçados pelo
Princípio da Legalidade, a qual garante o equilíbrio entre a autoridade da
Administração Pública e os direitos individuais garantidos pela norma.
Diante disso, existem duas formas diversas em que os poderes
administrativos são expressos em lei.
Na primeira delas, a lei prevê que as várias situações em que a
Administração Pública deverá agir e modo pelo qual o Estado irá agir. Nessa
primeira situação, diz-se que haverá um poder vinculado.
Numa segunda situação, é fácil imaginar que a lei não terá capacidade
de prever todas as situações possíveis, de forma exaustiva, não havendo como
definir todas as hipóteses de atuação do Poder Público.
Nesse caso, a lei deixa uma margem de liberalidade para atuação da
Administração Pública a definir que atuação tomará diante do caso concreto,
atuações essas que serão definidias pela norma, deixando a escolha ao
administrador.
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Por isso se diz que, em tais casos, há o poder discricionário da
Administração Pública, posto que a adoção de qualquer uma das opções
previstas na lei será válida perante o direito.
Considera-se que a avaliação a ser feita pelo Poder Público será
tomada em critérios de oportunidade e conveniência a ser determinada pelo
momento qual a melhor escolha, o que se convenciona chamar de mérito
administrativo.
Diante de tudo isso, cumpre destacar o conceito de discricionariedade
administrativa dado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso
concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher
uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa
na Constituição de 1988. p. 67. São Paulo: Atlas, 2001)
Por sua vez, a não menos ilustre Odete Medauar, ao fazer menção ao
mérito administrativo, não deixa de convencionar acerca da discricionariedade:
“A margem livre sobre a qual incide a escolha inerente à
discricionariedade
corresponde
ao
aspecto
de
mérito
do
ato
administrativo. tal aspecto expressa o juízo de conveniência e
oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo esse
efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário.”
(MEDAUAR. Odete. Direito Administrativo Moderno. 14º edição. p.
155. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010)
Em suma, a atuação da Administração Pública será vinculada quando
a lei prever uma única solução possível diante de uma situação concreta; e a
atuação da Administração Pública será discricionária quando a lei prever mais
25
de uma solução possível diante do caso concreto, a ser escolhida mediante
critérios de oportunidade e conveniência.
3) DISCRICIONARIEDADE E LEGALIDADE
A Administração Pública como a concebemos hoje é fruto de uma
evolução histórica, na qual, em épocas anteriores, a mesma tinha uma
concepção diferente.
Desde que existe Estado, existe, também, a Administração Pública
através de órgãos imbuídos de alguma função administrativa.
Na Idade Média, havia a concentração de poder nas mãos do Príncipe,
onde se imaginava, à época, que esse era o escolhido por Deus para reinar,
fruto, ainda, de uma presença forte da igreja nos assuntos estatais.
Assim, se o Príncipe era o representante de Deus na Terra, e se Deus
não erra nunca, consequentemente, era dado ao Príncipe poderes absolutos
para reinar. A vontade de Rei era a vontade de Deus.
Com a criação do Estado Moderno, sobretudo após a Revolução
Francesa, passou-se a limitar o poder do monarca, e por assim dizer do próprio
Estado, através da edição de leis que regulasse a atuação.
Com isso, o Estado somente poderia fazer aquilo que a lei permitisse,
sendo essa fruto da manifestação da vontade do povo. Portanto, o Estado
somente faz aquilo que é da vontade popular.
Com efeito, no início, a fonte de todo o Direito era a vontade do Rei,
posto que representante de Deus, onde, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro
afirma ser a exata qualificação de “ato discricionário”, como diz a seguir:
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“A Administração Pública, em especial na fase inicial, não estava
vinculada a qualquer tipo de norma que limitasse sua atividade, senão
àquela que proviesse do monarca. Era o império do arbítrio, não no
sentido de injusto, mas no sentido de ausência de limitações legais.
Segundo Fiorini (La discrecionalidad en la administración pública,
1952:47-48), só nessa forma de Estado pode-se aceitar como
denominação exata a qualificação de ‘ato discricionário’, que tanto podia
significar um ato arbitrário como um ato oportuno e justo.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa
na Constituição de 1988. p. 19. São Paulo: Atlas, 2001)
Atualmente, no Estado de Direito, o ato arbitrário é aquele praticado
fora do permissivo legal, sendo o ato discricionário permitido em lei, dando
essa as possibilidades de atuação da Administração Pública, de acordo com a
oportunidade e conveniência.
4) CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO
Tal expressão é utilizada para designar aqueles conceitos que não tem
uma precisão exata no direito, que não possui um sentido preciso.
Com efeito, isso ocorre não apenas no Direito Administrativo, mas em
todo e qualquer ramo do Direito, encontrados, inclusive, com bastante
frequencia.
Como exemplo de conceitos jurídicos indeterminados, podemos citar
os termos “boa-fé”, “diligência normal”, “relevante valor social ou moral”, “justa
causa”, “ordem pública”, entre outros.
27
Torna-se
importante
ressaltar,
entretanto,
um
dos
conceitos
indeterminados mais utilizados no Direito Administrativo, qual seja a própria
noção de interesse público.
Nesse diapasão, o que pode ser de interesse público numa
determinada época, pode não ser em outra. No mesmo sentido, o que é
interesse público em dada região do país Brasil, pode não ser em outra
localidade.
Dado a isso, uma outra função importante do conceito jurídico
indeterminado é a sua mutabilidade, o que favorece largamente evitar a
sempre dificultosa alteração legislativa em cada situação em que a sociedade
for se modificando conforme o tempo, por exemplo.
Essa valorização é realçada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Quando o Direito Administrativo estabalece normas que impõem à
Administração o dever de atender ao interesse público, ao bem comum, à
conveniência do serviço e outros semelhantes, está deixando as portas
abertas para a flexibilidade das decisões, em função da infinita gama de
situações concretas a atender, na dinâmica sempre crescente das
relações sociais que a Administração Pública tem que regular e fiscalizar.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa
na Constituição de 1988. p. 98. São Paulo: Atlas, 2001)
A atuação das agências reguladoras também acontece nesses tipos
de conceitos, uma vez que normarizam e objetivam as indeterminações do
texto legislativo, através dos conhecimentos de seus órgãos técnicos.
Assim, como exemplo já citado alhures, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) pode regular o que seja o termo legal
“Desinfetante”, nomeando detidamente os componentes químicos que o
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compõem ou quais produtos comerciais podem ser qulificados como
desinfetantes.
Posteriormente, com o advento de novos estudos científicos, pode ser
que determinada composição química não é mais considerada como efeiciente
a desinfetar ambientes, ou, talvez, possa causar riscos à saúde do ser humano.
Nesse caso, a ANVISA pode regular novamente retirando da sua
normatização determinado componente químico que corresponde ao termo
legal “Desinfetante”, e, o mais importante, sem necessitar de exaustiva atuação
legislativa do Parlamento.
5) DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
A discricionariedade técnica é tema que tomou conta das discussões
acadêmicas no Brasil, tendo em vista a grande atuação das agências
reguladoras no nosso país, nos últimos anos.
Com efeito, toda a discricionariedade com sempre a concebemos
atualmente é denomionada como Discricionariedade Administrativa, sendo
aquela que a norma coloca duas ou mais soluções possíveis ao administrador
fazer sua opção no caso concreto, mediante análise de sua conveniência e
oportunidade.
Já a Discricionariedade Técnica diz respeito a uma única solução
possível, através de análise técnica qualificada da situação, o que se confunde
com o ato vinculado, daí gerando as maiores contestações, inclusive, sobre o
seu controle judicial.
O termo Discricionariedade Técnica foi utilizado pela primeira vez no
ano de 1864 por Bernatzik, jurista da Escola de Viena.
29
Para o autor português António Francisco de Sousa, citado por Zanella
Di Pietro, Bernatzik pretendia:
“Englobar
todo
aquele
tipo
de
decisões
que,
não
sendo
discricionárias, deveriam contudo ser, pela sua alta complexidade técnica,
retiradas
do
controlo
jurisdicional,
porque,
como
ele
dizia,
de
administração percebem os administradores, e só eles, pela sua formação
técnica. Acresceria que, pela sua experiência e pelo seu contacto directo
com a realidade do dia-a-dia, estariam os administradores em melhores
condições para reagir, eficazmente e com oportunidade, às circunstâncias
mais variadas com que se defrontavam. Por isso, não poderiam os juízes,
com outra função, outra preparação e distanciados das realidades da vida
administrativa, fazer substituir a sua opinião, tardiamente, à da autoridade
administrativa.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.4.
Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007)
Em outras palavras, o que Bernatzik se referia era relacionar a
discricionariedade técnica fora do controle judicial, tendo em vista que apenas
o administrador público teria condições de apreciar de fomar coerente a
realidade do dia-a-dia.
É certo, porém, que a idéia de discricionariedade técnica se diferencia
de país a país.
Nesse diapasão, o Direito italiano foi carreado pelo autor Renato Alessi
a uma idéia própria acerca da discricionariede técnica, na qual a apreciação do
interesse público exige a utilização de critérios técnicos, e não apenas critérios
administrativos, sendo esses últimos relacionados para a discricionariedade
administrativa.
30
Assim, no Direito itlaiano, não se diferencia a discricionariedade
técnica da administrativa tão somente em função do controle judicial, mas sim
pela decisão a ser tomada no caso concreto, se é uma decisão que exige
maiores rigores técnicos ou não.
Para sua melhor compreensão, Di Pietro é quem melhor traz o
conceito ventilado por Alessi, em seu artigo já mencionado sob o título
“Discricionariedade Técnica”, inclusive tecendo exemplos ilustrativos:
“No direito italiano, um dos autores que melhor colocaram o tema foi
Renato Alessi (Instituciones de Derecho Administrativo. Buenos Aires:
Bosch, 1970, t.I, p.195-198). Segundo suas lições, existem casos em que
a apreciação do interesse público exige exclusivamente a utilização de
critérios administrativos, hipótese em que se tem a discricionariedade
administrativa, que se dá, por exemplo, quando se tenha que conceder
uma licença para uso de armas, uma licença comercial, um certificado de
boa conduta, aplicar uma sanção disciplinar, etc. e, ao contrário, existem
casos em que a referida apreciação exige a utilização de critérios técnicos
e a solução de questões que devem realizar-se conforme as regras e os
conhecimentos técnicos, como, por exemplo, quando se trata de ordenar
o fechamento de locais insalubres, oredenar a matança de animais
atacados de enfermidades infecciosas, ordenar o fechamento de um
estabelecimento em que se exerça uma atividade perigosa sem meios
suficientes de proteção, ordenar a construção de uma ponte, adotar certo
tipo de aeronave, etc.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.5.
Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007)
No Direito norte-americano, a idéia de discriconariedade técnica foi
atrelada ao de agências reguladoras, especificamente na sua função
reguladora, mas também a possibilidade de controle judicial
31
Nesse sentido, pelo fato de as agências norte-americanas possuírem
enorme grau de especialidade no setor a elas atribuído, além da sua função
regulatória, conseidera-se a ela a discricionariedade técnica de uma
determinada situação concreta.
Ademais, em decorrência do grau técnico elevado dado a agência
norte-americana, a decisão que decorresse da sua discriconáriedade técnica
estava fora da revisão judicial, exceto se a mesma fosse arbitrária.
A partir da década de 1960, o Direito norte-americano passou a atribuir
o controle judicial à discricionariedade técnica, tendo em vista a aplicação,
dentre outros, do Princípio da Razoabilidade, no qual, para que a agência
reguladora norte-americana possa elaborar determinada norma, a mesma deve
ter correlação com os fatos que lhe deu ensejo, e aí cabendo ao judiciário
examinar tal correlação.
Por sua vez, no Direito brasileiro, vislumbramos a diferenciação entre a
discricionariedade administrativa e a discricionariedade técnica, onde, na
primeira, o Executivo fará a escolha da decisão a ser tomada diante de
possibilidades pré-determinadas no ordenamento, e, na segunda delas, a qual
essa possibilidade de alternativas não existe, posto que a decisão a ser tomada
deve ser aquela única em consonância com os estudos técnicos que o caso
exige.
Daí
reguladoras.
decorre
o
grau
técnico
de
conhecimento
das
agências
32
CAPÍTULO III
O CONTROLE JUDICIAL
1) CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Desde Aristóteles na Grécia antiga, passando por Montesquieu na
França do século, até chegar nos dias atuais, a Teoria da Separação dos
Poderes.
Nela, diferencia-se bem claramente as funções de legislar, administrar
e julgar, conforme os poderes constituídos.
É certo, porém, que existe, ainda, o sistema de freios e contrapesos, no
qual, sem amiúdes, consiste no controle existente entre os poderes, até para a
melhor atuação de cada um deles, de acordo com os critérios já estabelecidos.
Nesse ínterim, surge um desses controles, qual seja o do judiciário
sobre os atos do executivo, o que gera uma sistemática toda própria, a
considerar, nesse estudo, sobre os atos discricionários, sempre fonte de
acaloradas discussões, e que não se termina, a toda certeza, sendo
constantemente alterado e acrescentado com novas idéias a enriquecer o
cenário jurídico e do dia-a-dia da sociedade.
Semprese falou que no ato discricionário não existe controle do
judiciário.
Essa premissa deve ser tomada com grão de sal, tendo em vista os
perigos que ela contém a se admitir na sua inteireza.
33
Segundo os entendimentos abalizados sobre o tema, podemos
subdividir o ato discricionário em duas partes, dentre elas, legalidade e mérito.
O controle judicial sobre a legalidade do ato discricionário é fácil
compreender a sua existência, no qual o magistrado analisa friamente os
atributos do ato administrativos, mormente se obedece os critérios legais de
sua existência, como exemplo, se o administrador público é competente para a
edição daquele determinado ato, ou, ainda, se adotou a forma pré-definida em
lei para tanto.
Por outro lado, no mérito do ato administrativo discricionário é que
residem as maiores contestações, posto que fruto da oportunidade e
conveniência do administrador público, de, naquela determinada situação
concreta, praticar aquele tipo de ato, dentre da conformidade legal.
Nesse ponto é que o controle do judiciário não deve intervir, pois, do
contrário, o judiciário estaria se intrometendo nos assuntos internos inerentes
ao executivo, e que dizem respeito à propria convicção do administrador
público.
Notadamente, muitas vozes de peso já vem admitindo o controle
judicial sobre o ato discricionário, a citar, dentre outros, Celso Antonio Bandeira
de Mello.
Esse autor afirma em seus estudos ser possível o judiciário controlar o
ato discricionário, como nota, pelo exame dos seus motivos, a extrapolar aquilo
que o limite do ato discricionário permitir.
A seguir, suas palavras para melhor elucidação:
“Assim como ao judiciário compete fulminar todo comportamento
ilegiítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem
34
jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento
administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão
discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites
de liberdade que lhe assistam, violando, por tal modo, os ditames
normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária.”
(BANDEIRA
DE
MELLO,
Celso
Antonio.
Curso
de
Direito
Administrativo. 25º edição. p. 963. Malheiros: São Paulo, 2008)
É certo que os princípios administrativos trazidos pelo art. 37 da
Constituição da República são os grandes balizadores deste controle efetivado
pelo Judiciário para que se evite às arbitrariedades e atrocidades praticadas
pelos administradores públicos.
O nosso ordenamento jurídico determina que a toda atuação seja
balizada por princípios, os quais podem ser específicos, isto é, aplicados a
determinadas áreas do Direito, ou, ainda serem aplicados de forma genérica a
mais de um ramo, ou a todos esses.
Deve, portanto, a atuação discricionária da Administração ser balizada
não só por normas, mas pelas diretrizes principiológicas.
Nesse diapasão, necessitam-se obedecer agora não mais apenas as
normas, mas sim as normas e os princípios.
Com isso, o campo de discricionariedade fica ainda mais restrito, na
medida que tem que obedecer aos limites impostos.
Diante de tudo isso, o que se deseja demonstrar é que, cada vez mais,
o mérito administrativo não apenas pode como também deve ser controlado
pelos princípios constituicionais, devendo ser feito da mesma forma que o
controle legal, com o fito de por fim na atividade ilimitada exercida pelos
gestores da coisa pública, em prejuízo da sociedade, a contribuir para
35
solucionar muitos problemas existentes no dia-a-dia da sociedade brasileira, e
que saltam aos olhos nos noticiários correntes.
Didaticamente, tudo o que se afirmou até o presente momento nesse
capítulo diz respeito à legalidade e ao mérito da discricionariedade
administrativa, sendo que nos é pretenso analisar no presente estudo é o
controle judicial da discricionariedade técnica.
2) CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
No
Brasil,
o
entendimento
acerca
do
controle
judicial
da
discricionariedade técnica passa por duas correntes de pensamento entre a
doutrina, não existindo uma uniformidade nesse sentido.
O primeiro desses referidos entendimentos afirma que, uma vez
empreago conceitos jurídicos indeterminados, a Administração Pública pode
fazer um trabalho de interpretação, no qual apenas haverá uma única saída a
ser possível, cabendo, assim, ao Judiciário rever e corrigir tal interpretação.
Por sua vez, no tocante ao segundo entendimento, que afirma ser
possível, diante dos conceitos jurídicos indeterminados, gerar ou não
discricionariedade, a depender, logicamente, do tipo de conceito e sua
destinação na situação concreta.
Importa-nos, assim, distinguirmos os tipos de conceitos existentes no
nosso ordenamento jurídico.
Existe
um
conceito
denominado
‘técnico’,
o
qual
não
gera
discricionariedade, uma vez que a solução acertada há de ser manifestada por
órgão técnico, imbuído de conhecimentos científicos aplicados ao caso
concreto a ser aplicado.
36
Existe, também, um outro conceito a qual se deu o nome ‘de
experiência’
ou
‘empírico’,
onde
também
não
deve
existir
qualquer
discricionariedade, posto que retirados da experiência comum, no seu sentido
mais utilizado, e, assim, extrair de si uma única interpretação possível.
Como exemplo desses conceitos de experiência ou empíricos,
podemos mencionar a expressão força maior, qual seja aquela que extrapola
do conhecimento do agente, ou seja, aquilo que está, de toda forma, fora do
seu controle, sendoa essa uma única interpretação possível, não havendo
qualquer discricionariedade para tanto.
Por último, existem, ainda, os chamados conceitos ‘de valor’, sendo
esse aquele que pode gerar discricionariedade no caso concreto, podendo
existir mais de uma interpretaçao possível.
Como exemplo do conceito de valor, retornaremos a já mencionada
expressão ‘interesse público’, que pode denotar, a depender de uma série de
questões, de diversas interpretações possíveis.
Com efeito, aquilo que era de interesse comum há dez ou vinte anos
atrás pode não ser o interesse comum de hoje, ou, ainda, na mesma época, o
interesse comum pode variar a depender da região dentro do mesmo país, isto
é, várias interpretações possíveis.
Retornando à questão da discricionariedade técnica, o Brasil já adota a
sistemática de deixar para órgãos e entidades da Administração Pública a
definição dos conceitos jurídicos indeterminados, como podemos citar o Banco
Central e a Comissão de Valores Mobiliários, entes já criados de longa data.
37
No entando, com o surgimento das agências reguladoras é que a
questão da discricionariedade técnica veio à tona, uma vez que tais autarquias
exercem função normativa.
Para lembrarmos, tal sistemática de definir os conceitos jurídicos
indeterminados exercido pela Administração Pública é o método adotado pelo
Direito norte-americano, sendo que nesse país do norte continental, as
agências
reguladoras
expedem
regulamentos,
que
pode
ser,
consequentemente, atacado pelo Poder Judiciário, se tal regulamento
contrariar a lei hierarquicamente superior.
Contudo, no Brasil, os regulamentos somente são expedidos pelo
Chefe do Executivo, como determinado pela regra constitucional esculpida no
art. 84, IV da Carta Magna.
Com efeito, a Constituição da República confere aos Ministérios e
alguns órgãos reguladores a participação na função de regulamentar
normativa, podendo baixar instruções para executar as leis, decretos e,
também, os regulamentos (art 87, II; art. 21, XI; e art 177, § 2º; todos da
Caonstituição Federal).
Di Pietro, uma das melhores vozes no assunto, comenta acerca da
função normativa da agência reguladora em contraposição à atribuição
constitucional do Chefe do Executivo para expedir regulamentos:
“Afora essas possibilidades que decorrem da Constituição, a única
maneira de defender validamente a discricionariedade técnica aplicada à
função normativa das agências reguladoras (e de outros órgãos
administrativos que exercem função semelhante) é a de reduzir (se é que
isso é possível) o conceito de regulamento, para dele exclur as normas
que apenas definem conceitos técnicos contidos na lei. E isto pelo fato de
que
a
discricionariedade
técnica
não
constitui
verdadeira
38
discricionariedade, não envolve decisão política, porque não dá liberdade
de escolha para a administração. O órgão regulador limita-se a definir um
conceito que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas
explicitado na norma infra legal.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.5.
Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007)
O que se tem é a idéia de que o regulamento só se justifica quando o
Poder Público exerce sua discricionariedade, o que ocorrerá quando a lei
hierarquicamente
superior
deixar
uma
brecha
para
tanto,
e
tal
discricionariedade é caracterizada a partir da escolha do procedimento, suas
formas, etc, significando que o Executivo pode exercer opções entre
alternativas legalmente previstas.
Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, lembrando que os
regulamentos existem:
“para que se disponha sobre o modo de agir dos órgãos
administrativos, tanto no que concerne aos aspectos procedimentais de
seu comportamento quanto no que diz respeitos aos critérios que devem
obedecer em questões de fundo, como condição para cumprir os
objetivos da lei.
Em face do quanto doi dito, já se pode assinalar e enfatizar que:
a) Onde não houver espacço para uma atuação administrativa, não
haverá cabida para regulamento??.
b) Onde não houver liberdade administrativa alguma a ser exercitada
(discricionariedade) – por estar prefigurado na lei o único modo e o único
possivel comportamento da Administração ante a hipóteses igualmente
estabelecidas em termos de objetividade absoluta – não haverá lugar
para regulamento que não seja mera repetição da lei ou desdobramento
do que nela se disse sinteticamente.
39
É esta segunda conclusão que abre passo para uma terceira, a
saber: o regulamento executivo, único existente no sistema brasileiro, é
um meio de disciplinar a discrição administrativa, vale dizer, de regular a
liberdade relativa que viceje no interior das balizas legais, quando a
Administração esteja posta na contingência de executar lei que demande
ulteriores precisões.
Com efeito, salvo quando têm em mira a especificidade de situações
redutíveis e reduzidas a um padrão objetivo predeterminado, a
generalidade da lei e seu caráter abstrato ensacham particularização
normativa ulterior. Daí que o regulamento discricionariamente os procede
e, assim, cerceia a liberdade de comportamentos dos órgãos e agentes
administrativos para além dos cerceios da lei, impondo, destarte, padrões
de conduta que correspondem aos critérios administrativos a serem
obrigatoriamente observados na aplicação da lei aos casos particulares.”
(DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. p.14.
Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007)
O fato principal a ser encarado, nesse contexto, é de que nos casos de
de discricionariedade técnica, a doutrina afirma que não há discricionariedade
propriamente dita, porque não há opções a serem feitas pelo gestor público,
como a que se faz por critérios de conveniência e opotunidade nas hipóteses
de discricionariedade administrativa.
A solução a ser determinada pelo administrador público ao caso
concreto, em se tratando de discricionariedade técnica, é apenas uma e
somente essa, uma vez que é proveniente dos estudos técnicos-científicos de
órgãos especializados para tanto.
Assim, não haverá escolhas para se determinar qual decisão irá
corresponder da melhor maneira para o atingimento do interesse público,
sendo que esse somente será atingido por um único meio, a ser determinado
pela ciência, em se tratando de discricionariedade técnica.
40
E o dado a ser enfatizado é sobre o controle judicial dessa
discricionariedade técnica.
Di Pietro admite existir essa possibilidade, porém faz algumas
ressalvas.
Argumenta que, tendo em vista que o judiciário brasileiro não tem a
mesma função do judiciário norte-americano de criar o direito, tal como o
seguimento posterior da sua jurispredência, nos leading cases, de certo que o
controle judicial da discricionariedade técnica resta dificultada no Brasil.
Segundo a autora, a sentença judicial no Brasil, uma vez decretada,
não constitui fonte do direito, assim como nos Estados Unidos, lugar onde se
exigiu a motivação das decisões das agências, construindo-se princípios, tais
como o devido processo legal substantivo, razoabilidade e racionalidade das
decisões diante dos fatos, tudo o que permite ao magistrado rever a validade
dos regulamentos das agências reguladoras diante dos conceitos jurídicos
indeterminados.
O que a autora alega é que no Brasil nada disso existe, não possuindo
nosso Poder Judiciário a funçãon de criar direito tal como no norte, além de ser
pouco aplicado no Brasil o Princípio do Devido Legal Substantivo, o qual
permite
a
invalidação
de
atpos
normativos
por
infringirem
valores
constitucionais ou legais.
Em suma, o posicionamento de Di Pietro é no sentido de existir o
controle judicial da discricionariedade técnica, o que, no entanto, é dificultado,
quiçá impossibilitado, disso existir no Brasil, país que adota uma sistemática
diferente dos Estados Unidos da América, país onde as agências são
numerosas, local onde o homólogo controle é feito em função de uma estrutura
diversa no seu Judiciário, conforme já anotado.
41
Outro autor que podemos citar, é Luis Manuel Fonseca Pires, na sua
tese
de
doutoramento
publicado
sob
o
título
“Controle
Judicial
da
Discricionariedade Administrativa Dos Conceitos Jurídicos Indeterminados às
Poíticas Públicas”, onde afirma o seguinte:
“Recusamos a suposta categoria de ‘discricionariedade técnica’.
Cuida-se, em nosso entender, de meras apreciações técnicas ou
científicas, sem um regime jurídico específico, e por isso irrestritivamente
submetidas ao controle judicial”
(FONSECA
PIRES,
Luis
Manuel.
Controle
Judicial
da
Discricionariedade Administrativa. p. 330. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009)
Em suas palavras, o citado autor não vai tão longe quanto a primeira
autora para admitir o controle judicial da discricionariedade técnica, mas
simplesmente a considera existente em razão da natureza de ato vinculado que
tal discricionariedade se reveste, contudo, não faz ressalvas quanto à estrutura
do Judiciário.
Em nossa opinião, o controle judicial da discricionariedade técnica deve
existir sempre, por admitirmos que essa espécie de discricionariedade é fruto
de uma construção interessante, porém, de efeitos práticos idênticos a um ato
vinculado.
Explica-se. A razão de existir da discricionariedade técnica é válida, na
visão do seu criador Bernatzik, entretanto, a função que a mesma exerce é a
mesma que de um ato vonculado.
Não vamos tão a fundo a ponto de não considerarmos a existência da
discriconariedade técnica, como faz Fonseca Pires, mas a erigimos à categoria
de discricionariedade, porém de efeitos práticos de um ato vinculado.
42
Em suma, é um ato discricionario na sua essência, mas de finalidade
vinculativa.
Logicamente, a não admissão do seu controle por parte do judiciário
seria uma carta branca ao administrador público, pelo simples fato de ser uma
questão técnica.
Ademais, nosso Poder Judiciário é disposto de extensa fase probatória,
com a função de aprofundar a análise do mérito discutido judicialmente,
mediante a participação de profissionais técnicos da respectiva área, além,
sobretudo, do Princípio do Contraditório, sem o quê, é inválida a decisão
judicial.
Por fim, admitimos o controle judicial da discricionariedade técnica,
expedida essa, atualmente, pelas agências reguladoras, por se tratar de um ato
discricionário na sua criação, porém, um ato vinculado na sua determinação,
possuindo o atual Poder Judiciário nacional as ferramentas essenciais para se
fazer esse referido controle.
43
CONCLUSÃO
Por certo que a discriconariedade técnica é tema antigo, desde o
século XIX, porém, introduzido recentemente no nosso ordenamento por conta
da criação das agências reguladoras.
Não é de se imiscuir ao seu controle por parte do Judiciário, diante da
Teoria da Separação dos Poderes, sendo que tal controle não vai de encontro
com tal Teoria.
A discricionariedade técnica é, a nosso ver, um instituto híbrido, no qual
há corpo de ato discricionário, na sua formação, mas que porém, não deixa
opções aos adminstradores públicos para adoção de medidas, agindo, nesse
caso, de forma idêntica ao ato vinculado.
Por isso mesmo, o importante que se diga em respeito ao seu controle
exatamente tal característica de não deixar alternativas ao legislador, havendo
um mérito administrativo apenas no nome, mas que ato vinculado no seu fim.
Não vamos aalém disso, como alguns autores em não considerar a
existência da discricionariedade técnica, nem, ainda, entendemos ser o
Judiciário desprovido de ferramentas para sua análise e efetivo controle.
Finalmente, ato munido de discricionariedade técnica pode (e deve) ser
controlado pelo Judiciário.
44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo.
25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e Controle
Judicial. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21ª edição. São Paulo:
Atlas, 2008
DI
PIETRO,
Maria
Sylvia.
Discricionariedade
Administrativa
na
Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2001
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Técnica. Salvador:
Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007
FONSECA PIRES, Luis Manuel. Controle Judicialda Discricionariedade
Administrativa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª edição. São
Paulo: RT, 2010
MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002
45
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
02
AGRADECIMENTO
03
DEDICATÓRIA
04
RESUMO
06
METODOLOGIA
08
SUMÁRIO
09
INTRODUÇÃO
10
CAPÍTULO I
AGÊNCIAS REGULADORAS
11
1 – Nascimento das agências reguladoras no Brasil
12
2 – Modelo brasileiro
15
3 – Características
15
4 – Função reguladora
18
CAPÍTULO II
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
22
1 – Origem
22
2 – Conceito de discricionariedade
23
3 – Discricionariedade e legalidade
25
4 – Conceito jurídico indeterminado
26
5 – Discricionariedade técnica
28
CAPÍTULO III
CONTROLE JUDICIAL
32
1 – Controle judicial dos atos administrativos
32
2 – Controle judicial da discricionariedade técnica
35
CONCLUSÃO
43
46
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
44
ÍNDICE
45
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