[Cumprimentos] Há mais de quinhentos anos, uma carta foi escrita ao Rei de Portugal, relatando as impressões européias de quem pela primeira pela vez via e colocava os pés nesse enorme país, o Brasil. Naquela carta, havia o registro impressionado de exuberantes florestas e águas límpidas além do horizonte. A bandeira brasileira, anos depois, foi adotada pelo povo como tendo em suas cores referências àquela riqueza de recursos naturais. Durante esta histórica semana, estamos reunidos no Rio de Janeiro sob uma mesma bandeira, a das Nações Unidas e de seu Programa de Meio Ambiente, representando a união de povos e governos em torno de uma preocupação comum e global. Preservar os recursos naturais, a estabilidade climática, o acesso justo aos recursos e serviços ambientais estava na agenda deste dia, há 20 anos atrás. Hoje nos deparamos com a realidade muito mais grave: a de já termos cruzado algumas fronteiras de sustentabilidade planetária. Sustentabilidade passou a ser uma palavra insuficiente para expressar nossa missão de sobrevivência, se não incluir em seu sentido o dever de reposicionar nossa vida social e econômica em trilhos compatíveis com a capacidade de assimilação do Planeta. Diz-se que quando uma lei é promulgada, passa a ter vida própria. Interpretar e aplicar as leis voltadas a garantir justiça e sustentabilidade é tarefa das Instituições aqui representadas. Assim como é nossa missão garantir que as leis respeitem as Constituições de nossos países. Durante este Congresso, somos chamados ao desafio comum de pensarmos diferente; de encontramos novas estratégias de aplicação do direito ambiental, novas formas de integração para cumprir aquela missão. Permitamme dividir algumas percepções sobre o caminho. De acordo com as palavras de um sábio, “ações expressam prioridades”. Diante da urgência da necessidade de proteção socioambiental, somos chamados a identificar prioridades voltadas a resultados concretos. Instituições de governança como as nossas, dirigidas à aplicação do direito, precisam considerar a importância de direcionar seus recursos para investigar, processar e julgar casos ambientais de repercussão coletiva de forma prioritária. Não temos mais o luxo de esperar que danos ocorram para somente então buscar a efetividade do dever de reparação. As investigações e processos judiciais dessa natureza não podem ficar perdido nas prateleiras, dentre milhares de outras, mas clamam por nossa atenção e dedicação prioritária de recursos. Além disso, se é verdade que na maior parte dos países – ao menos no Brasil – o Judiciário e o Ministério Público não têm membros eleitos, nem por isso devemos deixar de exercer um controle rigoroso sobre o verdadeiro espaço de discricionariedade deixado aos demais Poderes para o cumprimento das normas ambientais. Esse controle se dá, prioritariamente, no exame detido e implacável da motivação dos atos administrativos. Não pode haver discricionariedade em qualquer decisão do governo para deixar de considerar e justificar, de modo transparente, adequado e acessível ao público, que todas as questões socioambientais foram levadas em conta e consideradas com o seu devido peso. Precisamos aprender um novo idioma. O da ciência. Mais do que nunca é preciso romper barreiras formais do conhecimento humano. Não há mais tempo para vivermos com uma espécie de síndrome de torre de marfim jurídica, sem percebermos que a correta e justa aplicação do direito ambiental, de modo a garantir a sustentabilidade, exige um encontro de linguagens. É preciso incorporar em nossas ações e decisões o substrato que a ciência oferece sobre o estado do ambiente global e sobre as certezas e incertezas da pressão das atividades humana sobre ele. Precisamos nos unir. Não há tempo para trabalharmos isolados. Lembrando da célebre frase de Isaac Newton, precisamos enxergar constantemente além, apoiando-nos nos ombros naqueles que já desenvolveram teorias e práticas avançadas e efetivas. Penso que o uso do direito comparado deve ser uma prática rotineira por nossas Instituições e nas decisões judiciais. Além disso, se sabemos que a poluição e os demais desafios socioambientais não respeitam fronteiras, precisamos igualmente estender a abrangência de nossa atuação, seguindo a cadeia globalizada de envolvimento de atores transnacionais nos ilícitos ambientais, promovendo as necessárias responsabilizações. Um novo PNUMA, renovado e com maior autonomia e maiores poderes seja talvez a principal Instituição a nos liderar nessa ampliação de horizontes. Neste Congresso, temos mais uma oportunidade para reconhecer que as gerações futuras irão olhar para o passado, para o nosso tempo, avaliando de que modo contribuímos para um mundo viável ou falhamos em nossa missão. Não só por isso, mas pela necessidade de garantirmos os direitos de acesso à informação e participação pública, por reconhecer na sociedade civil o verdadeiro motor das mudanças que por vezes nossa vinculação à lei não nos permite implementar, precisamos ser transparentes e envolventes. Novas mídias, redes sociais, bancos de dados e outras ferramentas são apenas alguns dos instrumentos à nossa disposição para que consigamos envolver a sociedade, globalmente, nas questões cujo conhecimento ficou restrito aos nossos escritórios e salas de julgamento. Por fim, talvez tenhamos a oportunidade de identificar no processo de avaliação de impactos ambientais de projetos, políticas, planos e programas, por meio do Estudo de Impacto Ambiental, uma plataforma perfeita para a garantia dos valores e alcance dos objetivos que buscamos. Esse importante instrumento e processo une participação pública, direito ao acesso de informações e possibilidade de controle da motivação dos atos administrativos dos quais possam resultar impactos ambientais negativos. Representa, além disso, instrumento de autêntica prevenção e precaução, um verdadeiro cinto de segurança para o desenvolvimento e para o futuro. Por tudo isso, sugiro a atenção para a necessidade do controle rígido das normas que regulamentam importante processo e instrumento, como vem fazendo o Ministério Público brasileiro. Enfim [pausa]. Se hoje um novo visitante ao Planeta escrevesse uma carta descrevendo-o, como aquela sobre o Brasil, escrita há 500 anos atrás, o verde das florestas, o azul do céu, a estabilidade do clima, e verde límpido das águas não chamariam tanta atenção. Pelo contrário. Em qualquer país do mundo. Espero, em nome do Brasil e do Ministério Público brasileiro, que a nostalgia de um passado mais sustentável e a preocupação com o rumo do planeta alimente e multiplique a determinação dos que aqui estão presentes. Gostaria de dividir com os senhores o meu otimismo e esperança de que aqui será gerado um dos documentos históricos que marcarão esse encontro mundial. Daremos a nossa importante contribuição para que pela aplicação da lei, possamos garantir sustentabilidade e justiça para a nossa e as futuras gerações. “Um pequeno grupo de espíritos determinados, inflamados por uma insaciável fé em suas missões podem alterar o curso da História”. Com essas palavras de Gandhi, termino aqui, desejando bom trabalho para todos. Muito obrigado.