HRAS
CASO CLÍNICO:
DISGENESIA
GONADAL MISTA
Romina S. Heredia Garcia Silva
R1 Genética Médica 2010/Hospital de Base de
Brasília
Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)/SES/DF
Coordenação: Maria Teresinha de Oliveira
Cardoso; Paulo R. Margotto
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 16 de outubro de 2010
ESCS
CASO CLÍNICO

DN: 26/8/10
Dados gestacionais:
 Mãe G1P0C1A0
 Nega doenças ou intercorrências durante a
gravidez. Nega tabagismo, álcool ou drogas. Usou
ácido fólico e sulfato ferroso. Fez 8 consultas prénatais. Fez sorologias e 3 ecografias, refere que
todas normais.
Dados do nascimento:
Parto cesáreo por DCP, apresentação cefálica.
 IG: 38 sem - Idade por exame físico: 39 semanas
 APGAR: 9/10
 Peso nascimento: 3485g (p50 - p75)
 Estatura nascimento: 48cm (p10 - p25)
 PC nascimento: 34cm (p50)
 Classificação: AIG

Chorou ao nascer. Líquido amniótico claro. Não usou
oxigênio. Apresentou icterícia no segundo dia de
vida, realizou fototerapia e transfusão sanguínea.
Nega diarréia, vômitos, uso de medicamentos.
História familiar:
Pai: 24 anos
 Mãe: 24 anos

hígidos,
não-consanguíneos
Exame físico:
(idade: 21ddv)
Peso: 3830g (p50 – p75).
 Crânio: forma normal, cabelos finos
normoimplantados, fontanela anterior palpável e
normotensa de 3 x 1cm de diâmetro.
 Fronte: discreta hipertricose e heterocromia.
Sobrancelhas arqueadas.
 Olhos: fendas palpebrais retas.
 Nariz: raiz nasal média-baixa, base larga, narinas
antervertidas. Filtro nasolabial marcado.
 Lábios em arco de cupido.
 Pescoço curto.

Exame físico (continuação):
Tórax sem deformidades.
 Aparato cardiovascular: RCR 2T, BNF - Sem
sopros.
 Aparato respiratório: MV (+), sem ruídos
adventícios.
 Abdome: globoso, RHA (+), sem visceromegalias.
 MMSS e MMII sem alterações.
 Genitália ambígua. Falo de aproximadamente
2cm de comprimento, hipospádia. Formação
labioescrotal, fusionada em linha média.
Ausência de intróito. Massa palpável em região
inguinal esquerda.
 Dorso: mancha mongólica na região glútea.

RESUMO DA INTERNAÇÃO- HOSPITAL REGIONAL
ASA SUL
27/8 - Transferido para o ALCON .
- Parecer da psicologia (mãe).
 28/8 - Resultado do Coombs positivo O+/A- CD+
 29/8 - Icterícia zona II de Kramer.
 30/8 - Avaliação da fonoaudióloga: sucção ao seio
inadequada.
- BT: 25,5 – Iniciada fototerapia com bilitron
- Icterícia: Zona III (++/++++) Zona IV (+/++++)
- Icterícia tardia: 4º ddv – queda com 6h de
fototerapia.
- Indicada imunoglobulina.

RESUMO DA INTERNAÇÃO (CONTINUAÇÃO)
31/8 - Melhora da sucção.
- Parecer da genética e endocrinologia, ao exame:
Genitália:
• Formações labioescrotais hiperpigmentadas, fusionadas
na linha média.
• Falo de calibre e comprimento aproximados 0,5 cm e 2 cm
respectivamente.
• Ausência de intróito (orifício perineal único).
• Massa palpável em região inguinal esquerda.
• Restante do exame físico segmentar sem alterações.
Sugeridos: colher cariótipo, dosagens de 17-OHProgesterona e Androstenediona, eletrólitos, glicemia e
gasometria.
Colhido o cariótipo.

RESUMO DA INTERNAÇÃO (CONTINUAÇÃO)
31/8:
20h - Internação na UTI Neonatal: realizada
EST – Iniciados oxacilina + amicacina
profiláticos.
23h - Dessaturação – Hood 30%.
 1/9 - HV, dieta por SOG, Hood, fototerapia –
Aleitamento materno.
 2/9 - Suspenso ATB, Hood, HV.
 3/9 - Suspensa fototerapia – Retorno ao ALCON.

RESUMO DA INTERNAÇÃO (CONTINUAÇÃO)
4/9 a 15/9 - Sem intercorrências no período.
Alimentação: seio materno. Eliminações fisiológicas
preservadas, sem alterações. Ganho de peso
adequado.
 16/9 - Resultados dos exames:
• Androstenediona: >10 ng/ml (VR: < 1,6ng/ml)
• 17 Alfa Hidroxiprogesterona: 633 ng/dl (VR para a
idade: masculino →53 a 186 ng/dl; feminino→17 a 204
ng/dl)
- Decidido início de hidrocortisona.
- Consulta com o serviço de genética – Suspenso início
de hidrocortisona (Resultado do cariótipo 45,X/46,XY)
 17/9 – Alta hospitalar. Manter acompanhamento com
os serviços de genética, endocrinologia e cirurgia
pediátrica.

Exames complementares realizados:
Ecocardiograma (11/9/10): câmaras cardíacas
normais, valvas normais, forame oval patente
com shunt E/D.
 Ecografia de supra-renais (30/8/10): aspecto
ecográfico normal.
 Laboratório (15/9/10):
 Androstenediona: >10 ng/ml (VR: < 1,6ng/ml)
 17 Alfa Hidroxiprogesterona: 633 ng/dl (VR para
a idade: masculino →53 a 186 ng/dl;
feminino→17 a 204 ng/dl)
 Resultado do cariótipo (16/9/10): 45,X/46,XY


Diagnóstico: Disgenesia gonadal mista.
AMBIGUIDADE GENITAL
“Menino ou menina? Quando não se
pode responder a essa pergunta sem
pensar duas vezes, trata-se de uma
emergência médica.”
Roberta Pagon (pediatra)
AMBIGUIDADE GENITAL



É uma emergência médica.
É fundamental um diagnóstico precoce, antes do
estabelecimento da identidade sexual social e
psicológica (a criança não deve ser registrada
enquanto não se esclarecer qual é o seu sexo).
A abordagem deve ser, preferencialmente,
multidisciplinar.
AMBIGUIDADE GENITAL –
AVALIAÇÃO INICIAL:
A criança é portadora de um distúrbio da diferenciação
sexual (DDS) quando apresenta alguma das seguintes
condições:
 Ambiguidade genital obvia.
 Genitália aparentemente feminina com aumento de
clitóris (> 6mm de diâmetro ou > 9mm de
comprimento), fusão labial posterior ou massa
inguinal/labial.
 Genitália aparentemente masculina com criptorquidia
bilateral, micropênis (< 2,5 DP da média para a
idade), hipospadia perineal isolada ou hipospadia leve
com criptorquidia.
 História familiar de DDS.
 Discordância entre o fenótipo e o cariótipo pré-natais.
http://newborns.stanford.edu
http://newborns.stanford.edu
http://newborns.stanford.edu
http://newborns.stanford.edu
A ANAMNESE DEVE INCLUIR:
História de consanguinidade.
 História familiar de ambiguidade genital,
amenorréia primária ou infertilidade.
 Morte perinatal na família.
 Uso de medicação virilizante ou feminizante
durante a gestação (especialmente no primeiro
trimestre).
 Virilização materna durante a gestação.
 História de desidratação perinatal e/ou
hipoglicemia.

O EXAME FÍSICO DEVE INCLUIR:
Grau de hidratação.
 Pressão arterial.
 Exame genital (tamanho e diferenciação do falo;
localização, tamanho e consistência das gônadas;
posição do meato uretral; pigmentação da pele
genital).
 Características sugestivas de associação com
síndromes malformativas.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA:
Exames de imagem (a ultrassonografia
abdominopélvica é o mais importante).
 Exames hormonais: dosagem de 17hidroxiprogesterona, testosterona e
gonadotrofinas.
 Cariótipo (eventualmente utilização da técnica de
hibridização in situ por fluorescência para
avaliação da presença de cromossomos sexuais).
 Biopsia de gônadas (raramente utilizada).
 Estudo de mutações em genes candidatos (útil
para confirmação diagnóstica e no
aconselhamento genético).

CLASSIFICAÇÃO DOS DDS
1) DDS associado a anormalidades cromossômicas

45,X: disgenesia gonadal (sínd. de Turner)

45,X/46,XY: disgenesia gonadal mista

47,XXY: disgenesia dos túbulos seminíferos
(sínd. de Klinefelter)

46,XX/46,XY: DDS ovário-testicular
2) DDS 46,XY

Distúrbios do desenvolvimento gonadal

Distúrbios da produção, ação ou metabolização
dos hormônios testiculares
CLASSIFICAÇÃO DOS DDS (CONTINUAÇÃO)
3)DDS 46,XX

Distúrbios do desenvolvimento gonadal

Induzido por excesso de andrógenos (inclui a HAC –
responsável por 90% dos casos de DDS em pacientes
com cariótipo 46,XX)
4) Indeterminado
 No sexo masculino: micropênis ou hipospadia de
origem indeterminada
 No sexo feminino: ausência congênita de útero e
vagina (sínd. de Rokitansky-Küster-Hauser)
 Em ambos sexos: ambiguidade genital associada a
malformações intestinais e urinárias, disforia de
gênero, transexualismo
DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM) – CARIÓTIPO 45,X/46,XY
Grupo heterogêneo de anomalias gonadais,
cromossômicas e outras anormalidades
fenotípicas.
 Caracteriza-se pela presença de testículo
disgenético de um lado e gônada vestigial ou
ausente de outro, persistência de derivados
müllerianos e graus variados de ambiguidade
genital.
 É de ocorrência rara. Costuma ser diagnosticada
no período neonatal, ou na puberdade em virtude
da falta de desenvolvimento de caracteres sexuais
secundários.

DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
Em geral associa-se ao cariótipo 45,X/46,XY.
 O mosaicismo 45,X/46,XY justifica a considerável
variabilidade fenotípica, que varia desde um
homem normal com criptorquidia ou hipospadia
peniana, até mulheres com disgenesia gonadal e
um quadro semelhante à síndrome de Turner.
 Destaca-se entre as condições associadas à
ambiguidade genital, como uma das que
implicam maior risco para o desenvolvimento de
tumores gonadais (25% no geral, aumentando
após a puberdade).

DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
O tumor mais comum entre pacientes com
cromossomo Y e gônadas disgenéticas é o
gonadoblastoma →53% dos casos, tumor único
→17,5% associa-se a outro tumor
da linhagem germinal
 Embora o gonadoblastoma tenha um potencial de
malignidade baixo, em cerca de 50% dos casos
pode haver superposição de um disgerminoma, ou
seminoma, e 24% exibem seminoma invasivo.
 A maioria dos autores é acorde em que é
necessária a remoção precoce da gônada.

DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
Aspectos endocrinológicos:
 No período pré-puberal, em geral as
concentrações séricas de LH, FSH e testosterona
encontram-se normais.
 No período pós-puberal têm sido observados
aumentos das concentrações séricas de LH e FSH
com testosterona em níveis normais ou baixos
(hipogonadismo hipergonadotrófico).
 A resposta do tecido testicular ao estímulo com
hCG pode variar de uma produção de
testosterona quase normal até mínima.
DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
Critérios mínimos para o diagnóstico:
 Cariótipo em mosaico 45,X/46,XY.
 Identificação de estrutura gonadal
correspondendo a tecido testicular imaturo em
região abdominal ou em saliência labioescrotal,
que pode ser bilateral ou associada a gônada
vestigial contralateral, além de derivados
müllerianos, com ou sem estruturas derivadas
dos ductos de Wolff.
 Ao exame histológico das gônadas é preciso, pelo
menos, detectar túbulos seminíferos (se forem
observados oócitos, o diagnóstico mais apropriado
seria de hermafroditismo).
DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
Tratamento:
 Avaliação por serviço multiprofissional a fim de
estabelecer o diagnóstico e o sexo de criação o
mais rápido possível.
 Para a maioria dos pacientes, excetuando-se
aqueles com virilização quase total e gônadas
escrotais, a conduta mais apropriada seria a
escolha do sexo feminino com gonadectomia
bilateral precoce e reposição cíclica de estrógeno e
progesterona, que deve ser iniciada a partir da
idade esperada para a menarca.
DISGENESIA GONADAL MISTA
(DGM)
Tratamento (continuação):
 As tubas uterinas, quando presentes, podem ser
removidas por ocasião da gonadectomia. Quanto
ao útero, a eventual manutenção deve ser
confrontada com o risco de câncer de endométrio
e da consequente necessidade de monitoração.
 Manejo de características da síndrome de Turner,
por exemplo, da baixa estatura, e excluir a
ocorrência de alterações cardíacas, vertebrais,
renais e auditivas, características comuns nessa
condição.

Laboratório (15/9/10):

Androstenediona: >10 ng/ml (VR: < 1,6ng/ml)

(↑)
17 Alfa Hidroxiprogesterona: 633 ng/dl (VR para
a idade: masculino →53 a 186 ng/dl;
feminino→17 a 204 ng/dl)
?
(↑)
Lambert et al.
17 – HIDROXIPROGESTERONA AUMENTADA
Falso positivo?
 Idade gestacional ao nascimento?
 Peso ao nascimento?

Controles periódicos/
acompanhamento
BIBLIOGRAFIA





Maciel-Guerra AT, Guerra-Júnior G, organizadores.
Menino ou menina?- Distúrbios da diferenciação do sexo. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Rubio; 2010.
Gadelha MM, Barbosa ME. Distúrbios do desenvolvimento
sexual e hiperplasia congênita de supra-renal. In: Margotto
PR, editor. Assistência ao recém-nascido de risco. 3ª ed. (em
preparação).
Auchus RJ, Chang AY. 46,XX DSD: the masculinised
female. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab.
2010;24:219-242.
Lee JE, Moon Y, Lee MH, Jun YH, Oh KI, Choi JW.
Corrected 17-Alpha-Hydroxyprogesterone Values Adjusted
by a Scoring System for Screening Congenital Adrenal
Hyperplasia in Premature Infants. Ann Clin Lab Sci.
2008;38(3):235-240.
Lambert SM, Vilain EJ, Kolon TF. A Practical Approach to
Ambiguous Genitalia in the Newborn Period. Urol Clin N
Am. 2010;37:195–205
Consulta a Endocrinologista, Dra. Mariana de Melo
Gadelha
-Como explicar o aumento da 17-alfahidroxiprogesterona
neste caso
-A melhor escolha seria o sexo feminino?
-Quando deverá ser feita correção cirúrgica?

Caro Dr Paulo e demais colegas;
Discutimos esse caso, Dra. Michele (também endocrinologista do
HRAS), Dra. Terezinha e eu, e realmente não conseguimos
chegar a uma conclusão definitiva. Achamos que trata-se de uma
elevação transitória por stress. É relativamente freqüente termos
uma elevação dessas em bebês normais. Eu mesma tenho duas
crianças normais (sem alteração genital) em acompanhamento por
esse motivo. O que nunca tinha visto era a coincidência de uma
elevação dessas em uma criança realmente com ambigüidade
genital. Por essa razão, manteremos um acompanhamento bem de
perto - já havia combinado isso com a Michele. Já inclusive
solicitei à mãe que repetisse os exames, para comparação. Quanto
à decisão sobre o sexo de criação, nesses casos, a melhor opção é
mesmo o sexo feminino, com gonadectomia (pelo risco de
gonadoblastoma) e reposição de hormônios femininos na
puberdade. A equipe da cirurgia tem aguardado a criança
completar cerca de 10 Kg de peso para a primeira correção
(geralmente são vários tempos cirúrgicos). Eles acreditam que
assim, o resultado é melhor!
Um abraço e coloco-me à disposição para outros esclarecimentos.
CONSULTEM TAMBÉM:
Distúrbios do desenvolvimento sexual
e hiperplasia congênita de supra-renal
Autor(es): Mariana de Melo Gadelha,
Maristela Estevão Barbosa, Paulo R.
Margotto
Desordens da diferenciação sexual
Autor(es): Mariana de Melo Gadelha
Hiperplasia Congênita da Supra-Renal
Autor(es): Mariana de Melo Gadelha
Hiperplasia congênita adrenal
Autor(es): Mariângela Sampaio
Hiperplasia Adrenal Congênita:
Revisão de Literatura
Autor(es): Hannah Peixoto Schechtman
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Caso clínico: Hiperplasia congênita da supra-renal
Autor(es): Marina Mendes Vasco, Elisa de Carvalho
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Caso Clínico: Hiperplasia congênita da
supra-renal-Marina Barichello Cerqueira,
Luciana Sugai, Paulo R. Margotto
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Caso clínico: Disgenesia Gonadal Mista