TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
Caros concurseiros, é com imensa satisfação que hoje trago os comentários da prova de Direito
Penal do cargo de Analista de Controle Externo do TCU, aplicada pelo CESPE/UnB no último fim
de semana.
Tenha certeza que os alunos dos Cursos Cathedra-Rio e Mapa dos Concursos que fizeram o
módulo de Direito Penal comigo não tiveram maiores dificuldades nas questões, pois todos os
assuntos cobrados na prova foram detalhadamente abordados em salas de aula.
Grande parte dos comentários elencados abaixo foram retirados do livro Direito Penal - questões
comentadas do CESPE/UnB de minha autoria a ser lançado em breve pela Editora Ferreira. As
únicas questões que ficaram de fora foram as que tratam sobre Licitações e Improbidade
Administrativa.
Vamos ao que interessa!!!
Em cada um dos itens a seguir, é apresentada uma situação hipotética, seguida de uma
assertiva a ser julgada.
104 Marcos, servidor público, no exercício da função pública, adquiriu bens para uma
empresa pública sem observar as formalidades pertinentes à dispensa de licitação. Nesse
caso, segundo o STJ, a conduta apenas será penalmente punível se tiver acarretado
contratação indevida e retratado o intento reprovável do agente.
Base legal: Art. 89 da Lei 8.999/93 (Lei de Licitações).
Art. 89 da LL - Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou
deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Segundo precedentes do STJ, o crime descrito acima não se consuma pela simples prática da
conduta, ou seja, não se trata de um crime de mera conduta.
Para que exista a tipificação do delito em questão, segundo o STJ, são necessários dois requisitos:
1) ocorrência de prejuízo ao erário: a dispensa ou inexigibilidade de licitação sem as formalidades
pertinentes deve causar prejuízo para a administração pública. Caso contrário afasta-se a
ocorrência da infração.
2) presença de dolo específico na conduta do agente: ao dispensar ou inexigir a licitação sem as
formalidades pertinentes, o agente deve estar consciente de agir de forma contrária à lei.
Analisando a questão, a contratação indevida representa o prejuízo ao erário e o intento reprovável
do agente representa a presença de dolo específico, ou seja, a afirmativa está correta.
Exemplo de julgado do STJ: HC 53103 / SP ; HABEAS CORPUS 2006/0013632-8
Gabarito preliminar: C
105 Sílvio, empresário, concorreu para a prática de ato de improbidade, enriquecendo
ilicitamente.
www.editoraferreira.com.br
1
TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
Nesse caso, mesmo não sendo agente público, será atingido pelas disposições da Lei de
Improbidade. Assim, após sua morte, seus sucessores estarão sujeitos às cominações da
Lei de Improbidade até o limite do valor da herança.
Base legal: Arts. 3o e 8o da Lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA)
Art. 3° da LIA - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Art. 8° da LIA - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se
enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da
herança.
Temos aqui uma questão fácil que, praticamente, aborda a literalidade dos dispositivos listados
acima.
O art. 3o da LIA estende a possibilidade de uma pessoa que não é agente público ser sujeito ativo
das infrações elencadas na lei. Ou seja, até mesmo um empresário pode praticar ato de
improbidade, desde que induza ou concorra para a prática de tais atos.
O art. 8o da LIA consagra o princípio da individualização da pena, não permitindo que uma pessoa
seja punida no lugar de outra. Dessa forma, se houver a necessidade de ressarcir o erário pela
prática de um ato de improbidade e tal pessoa falecer, então os herdeiros, nos limites da herança,
deverão arcar com esse ônus.
Afirmativa correta.
Gabarito preliminar: C
106 Durante um espetáculo de circo, Andrey, que é atirador de facas, obteve a concordância
de Nádia, que estava na platéia, em participar da sua apresentação. Na hipótese de Andrey,
embora prevendo que poderia lesionar Nádia, mas acreditando sinceramente que tal
resultado não viesse a ocorrer, atingir Nádia com uma das facas, ele terá agido com dolo
eventual.
A questão tem por objetivo confundir o candidato sobre os conceitos de dolo eventual e culpa
consciente.
Rogério Greco (GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. Niterói, RJ. Ed.Impetus, 2008)
explica o seguinte sobre o assunto:
“Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não
ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo
eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo.
Na culpa consciente, o agente, sinceramente, acredita que pode evitar o resultado; no dolo
eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco
importa.”
Para efeitos de concurso, geralmente, quando vem escrita a expressão “acreditar sinceramente”,
estamos diante da culpa consciente.
Afirmativa errada, pois o enunciado trata da culpa consciente e não do dolo eventual.
Gabarito preliminar: E
www.editoraferreira.com.br
2
TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
107 Arnaldo, lutador de boxe, agindo segundo as regras desse esporte, matou Ailton
durante uma luta. Nesse caso, em razão da gravidade do fato, a violência esportiva não será
causa de exclusão do crime.
Base legal: Art. 23, III do Código Penal.
Exclusão de ilicitude
Art. 23 do CP - Não há crime quando o agente pratica o fato
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular
de direito.
Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,
responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Segundo a teoria bipartida do crime adotada pelo Código Penal, podemos elencar como elementos
do crime o fato típico e a ilicitude, também chamada de antijuridicidade.
Dessa forma, as excludentes de ilicitude citadas no artigo 23 do Código Penal, tal qual o exercício
regular de direito, quebram a estrutura do crime no elemento da antijuridicidade fazendo com que o
crime deixe de existir.
O exercício regular de direito caracteriza-se pela utilização de um direito ou faculdade que pode
decorrer da lei, de um fim social ou dos costumes, permitindo ao agente que pratique condutas
dentro dos limites estabelecidos e com finalidades diversas.
Um exemplo que comumente costuma ser cobrado em provas são as práticas desportivas, tais
como lutas de boxe, jogos de futebol, lutas de esgrima, entre outras. Sempre que uma pessoa
ofende outra nos limites permitidos pelas respectivas práticas, fica caracterizado o exercício regular
de direito que exclui a ilicitude da conduta e, conseqüentemente o crime.
Afirmativa errada, pois a violência esportiva, desde que praticada dentro dos limites estabelecidos,
é causa de exclusão do crime.
Gabarito preliminar: E
108 Considere que tenha sido editada uma lei que descriminaliza um fato anteriormente
descrito como infração penal, por não ser mais interessante, legítima e justa a punição dos
autores de tal conduta. Nessa situação, a lei de abolitio criminis é retroativa e extingue o jus
puniendi do Estado.
Base legal: Art. 2o do Código Penal.
Lei penal no tempo
Art. 2º do CP - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se
aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado.
Entende-se por jus puniendi (punibilidade) o direito que o Estado tem de punir aqueles que
praticam uma infração penal.
www.editoraferreira.com.br
3
TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
O fenômeno da abolitio criminis (art. 2o, caput do CP) ocorre quando uma lei nova descriminaliza
uma conduta antes reputada como crime. Tal instituto funciona como uma excludente de
punibilidade (art. 107, III do CP), por isso, faz cessar todos os efeitos penais da sentença
condenatória. Ex: deixa-se de configurar a reincidência (art. 61, I do CP).
Observação: as conseqüências civis não são abrangidas pela retroatividade da lei mais benéfica,
dessa forma, ainda que uma determinada conduta venha a ser descriminalizada, permanece a
obrigação de indenizar a vítima.
Ocorre a novatio legis in mellius (art. 2o, § único do CP) quando uma lei nova, sem excluir a
incriminação, modifica o regime penal anterior beneficiando o agente de alguma forma.
Exemplos: redução de pena; circunstâncias atenuantes; causas de diminuição de pena e
privilegiadoras; transformação de crime em contravenção; redução do prazo prescricional; etc.
Tanto a abolitio criminis, como a novatio legis in mellius, possuem efeitos retroativos e atingem, até
mesmo, os fatos que já possuem sentença condenatória transitada em julgado.
Ocorre a novatio legis in pejus quando uma lei nova, sem criar tipos penais novos, modifica o
regime penal anterior prejudicando o agente de alguma forma.
Exemplos: aumento de pena; circunstâncias agravantes; causas de aumento de pena e
qualificadoras; tranformação de contravenção penal em crime; aumento do prazo prescricional; etc.
Ocorre a novatio legis incriminadora quando uma lei nova passa a tipificar penalmente uma
conduta que antes era atípica.
Exemplo: uma conduta X que não era crime passa a ser crime com a nova lei.
Tanto a novatio legis in pejus, como a novatio legis incriminadora, não possuem efeitos retroativos,
portanto, não atingem os fatos passados.
Gabarito preliminar: C
109 Marcelo, professor universitário, ao passar nas proximidades de uma construção civil,
deixou de prestar assistência, quando era possível fazê-lo sem risco pessoal, a um pedreiro
que acabara de se ferir gravemente em um acidente. Nesse caso, o delito praticado por
Marcelo é omissivo próprio e admite tentativa.
Nesta questão, no meu humilde entender, o candidato que se sentir prejudicado pode pleitear um
recurso para anular a questão, pois no enunciado da questão fica caracterizado o delito de
omissão de socorro (Art. 135 do CP) que é um crime contra a pessoa.
A base de meu pleito encontra-se no fato de os crimes contra a pessoa não estarem incluídos no
programa de Direito Penal abordado no edital.
Devo ressaltar que, apesar de vislumbrar essa possibilidade de recurso, não creio que a CESPE
atenderia tal solicitação em razão do seu histórico de anulações, mas fica aqui o alerta.
Com ou sem recurso, segue o comentário abaixo.
Base legal: Art. 135 do Código Penal.
Omissão de socorro
Art. 135 do CP - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública:
www.editoraferreira.com.br
4
TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
A tentativa ocorre quando o agente dá início à execução de um crime que não se consuma por
circunstâncias alheias à sua vontade. Entretanto, a doutrina especifica alguns delitos que, em tese,
não admitem a tentativa. São eles:
- Crimes habituais: são delitos em que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente
pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo penal.
Ex: curandeirismo (Art. 284 do CP).
- Crimes preterdolosos: são delitos em que o agente atua com dolo na sua conduta e o resultado
agravador advém da culpa. Ou seja, há dolo no antecedente e culpa no conseqüente.
Ex: lesão corporal seguida de morte (Art. 129, § 3o do CP).
- Crimes culposos: ocorre quando o agente não quis diretamente e nem assumiu o risco de
produzir o resultado que deve ocorrer por negligência, imprudência ou imperícia.
Ex: homicídio culposo (Art. 121, § 3o do CP).
- Crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do crime
consumado.
Ex: evasão mediante violência contra a pessoa (Art. 352 do CP).
- Crimes unissubsistentes: ocorrem quando a conduta do agente é exaurida num único ato, não se
podendo fracionar o inter criminis.
Ex: injúria verbal (Art. 140 do CP).
- Crimes omissivos próprios: ocorrem quando o agente não faz aquilo que a lei determina e
consuma a infração, ou atua de acordo com o comando da lei e não pratica qualquer fato típico.
Ex: omissão de socorro (Art. 135 do CP).
Afirmativa errada, pois o delito de omissão de socorro, em tese, não admite a tentativa.
Gabarito preliminar: E
110 Ricardo, obrigado por Sandra, mediante ameaça de arma de fogo, a ingerir quantidade
excessiva de bebida alcoólica, ficou completamente embriagado. Nessa hipótese, se
Ricardo viesse a cometer um delito, sua pena poderia ser reduzida em até 2/3, caso ele
fosse, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Base legal: Art. 28, §§ 1o e 2o do CP
Art. 28 do CP - Não excluem a imputabilidade penal:
[...].
Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento.
www.editoraferreira.com.br
5
TCU – ACE 2008 – DIREITO PENAL
Prof. Dicler Forestieri
A situação descrita na questão caracteriza um caso de embriaguez proveniente de força maior
(ação humana). Esse tipo de embriaguez pode ocasionar duas conseqüências:
1) exclusão da culpabilidade (inimputabilidade): ocorre quando a embriaguez faz com que o
agente, ao tempo da ação ou omissão, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
2) causa geral de redução da pena (1/3 a 2/3 - semi-imputabilidade): ocorre quando a embriaguez,
ao tempo da ação ou omissão, não retira a totalidade da capacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, permanecendo um resquício de
capacidade.
Afirmativa errada, pois não se trata de uma causa geral de redução de pena (2) e sim de uma
causa excludente de culpabilidade (1).
Gabarito preliminar: E
www.editoraferreira.com.br
6
Download

Caros concurseiros, com imensa satisfao que hoje