PARECER nº 12649 VEDAÇÃO CONTIDA NO INCISO XIV DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO – TEXTO ORIGINÁRIO E REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 19/98 – APLICABILIDADE IMEDIATA – DIREITO ADQUIRIDO INEXISTENTE – INOPONIBILIDADE DE IRREDUTIBILIDADE SALARIAL – JURISPRUDÊNCIA REMANSOSA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – O Plenário do Supremo Tribunal Federal é quem fixa, em definitivo, o sentido das disposições constitucionais, sendo seu intérprete autêntico, por força do art. 102 da Constituição Federal, sendo desprovida de interesse prático qualquer eventual dissonância com o seu entendimento. Seguindo a jurisprudência daquela Corte: 1) a vedação contida no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, em sua redação originária, era de aplicabilidade imediata, sendo descabida a invocação de direito adquirido ou de irredutibilidade estipendial contra sua aplicação por força do art. 17 do ADCT; 2) a redação dada pela Emenda 19/98 ao art. 37, XIV, da Constituição Federal dá-lhe todos os atributos de disposição constitucional dotada de eficácia imediata, independente de interpositio legislatoris para se concretizar o comando nela contido; 3) não cabe falar em direito adquirido contra ato do Poder Constituinte originário ou do Poder Constituinte derivado. A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta consulta sobre a auto-aplicabilidade do art. 37, XIV, da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional 19/98, máxime considerando eventual alegação de direito adquirido. O expediente tomou o número 27855-1000/99-5. É, sucintamente, o relatório. Como sói acontecer em todas as manifestações deste Procurador, no aconselhamento prático do proceder da Administração Pública outro caminho não resta que, na interpretação da Constituição, rastrear o sentido que lhe imprime o Supremo Tribunal Federal (Pareceres 12.508, 12.518, 12.567 e 12.571 – Ricardo Camargo), dado o papel que a esta Corte foi conferido pelo art. 102 da mesma Constituição. “Como sabemos”, disse Eduardo Machado Carrion, “o Supremo Tribunal Federal foi 1 redimensionado pela Constituição de 1988, pelo menos no que diz respeito às suas atribuições e competências, embora já não tanto quanto ao recrutamento de seus membros” (Ajuris. 75/201). De outra parte, cabe sempre ter em mente a lição de Vicente Ráo quanto a ser característica própria dos atos jurídicos de direito público o fato de que “a prática desses atos está sujeita à distribuição constitucional e legal da competência entre os diferentes Poderes e seus respectivos órgãos” (Ato jurídico. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 80). Em sua redação originária, o art. 37, XIV, da Constituição Federal vedava o cômputo de vantagens na base de cálculo de outras de idêntico fundamento. O que entendia o Supremo Tribunal Federal a respeito do disposto neste dispositivo? Afinal, não nos cabe, na qualidade de intérpretes no âmbito administrativo, cujo juízo tem a marca da provisoriedade, no sentido de valer até que decisão judicial transitada em julgado disponha em sentido contrário, adotar tese que contrarie o entendimento do intérprete autêntico da Constituição. Creio que as ementas que passo a transcrever são bastante elucidativas: “SERVIDORES DO QUADRO DO MAGISTÉRIO DO ESTADO DE SÃOPAULO. REENQUADRAMENTO. LC Nº 645/89.A lei em tela, ao determinar que o reenquadramento dos servidores se fizesse, no que toca aos adicionais por tempo de serviço, com substituição do sistema de referências, da LC nº180/78, pelo de percentuais, limitou-se a dar cumprimento às normas do art. 37, XIV, da Constituição, e do art. 17 do ADCT, que proscreveram o efeito cumulativo de adicionais sobre adicionais, sem deixar margem para invocação dos princípios do direito adquirido ou da irredutibilidade de vencimentos. O acórdão recorrido, na parte em que se pôs de acordo comesse entendimento, não merece censura. Ofendeu, entretanto, os princípios do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos, ao negar aos servidores recorrentes: a) o direito de terem excluído do tratamento legal dispensado ao adicional de magistério pela LC nº 645/89 —— por não implicarem bis in idem, vedado pelo art. 37, XIV, da CF —— as referências que a ele foram agregadas pela LC 444/85, mas que haviam sido obtidas, nos termos da LC 180/78, por efeito de evolução funcional e de avaliação de desempenho; e b) a vantagem prevista no art. 4o das disposições transitórias da referida LC nº 645/89,consistente na parte excedente do valor previsto para a última referência da escala remuneratória por ela instituída. Recurso conhecido, em parte, e nela provido.(RE 218.344/SP. Relator: Min. Ilmar Galvão. DJU 13 mar 1998). 1. A Lei Complementar nº 645/89, ao determinar que o reenquadramento dos servidores se fizesse sem considerar as referências anteriormente obtidas por efeito da referida vantagem, limitouse a dar cumprimento às normas contidas no art. 37, XIV da Constituição Federal e no art. 17 do ADCT-CF/88.2. Efeito cumulativo de adicionais sobre o mesmo fundamento. Direito proscrito pela Constituição Federal. Direito adquirido. Inexistência.(AgRE 234.680/SP. Relator: Min. Maurício Corrêa. DJU 26 fev 1999). Esta a posição do Supremo Tribunal Federal, portanto, em relação ao art. 37, XIV, da Constituição Federal em sua redação originária: 1) vantagens não poderiam ser computadas na base de cálculo de outras que tivessem o mesmo fundamento; 2) vantagens poderiam ser computadas na base de cálculo de outras, desde que o fundamento fosse distinto; 3) não havia lugar para a invocação de direito adquirido, tendo em vista o disposto 2 no art. 17 do ADCT. Portanto, por decisão do poder constituinte originário, já interpretada pelo Supremo Tribunal Federal, a invocação de direito adquirido por parte dos que percebiam vantagens por idêntico fundamento não teria guarida. O inciso XIV, em sua redação originária, era considerado auto-aplicável. Tanto assim o é que o Supremo Tribunal Federal já chegou a conhecer de ação direta de inconstitucionalidade para suspender a eficácia de dispositivo legal que com ele se atritava: Relevância dos fundamentos do pedido que autorizam a suspensão das expressões "e sobre a gratificação complementar de vencimentos instituída pelo § 2º desta lei", constantes do art. 5º da Lei nº 9.847/95, por afrontar o art. 37, inc. XIV, da Constituição Federal, que não permite que os acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor sejam "computados nem acumulados, para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento." (ADInMC 1.418. Relator: Min. Ilmar Galvão. DJU 31 maio 1996). Assim sendo, em relação aos servidores que percebessem vantagens que entrassem na base de cálculo de outras que tivessem idêntico fundamento, perfeitamente possível já se mostrava, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, proceder à redução da base de cálculo, nos termos do art. 17 do ADCT. Com o advento da Emenda Constitucional 19/98, a proibição se mostrou mais drástica: não só as vantagens que se percebessem não poderiam entrar na base de cálculo de outras que tivessem idêntico fundamento como na redação passada. A partir da Emenda Constitucional 19/98, dizia eu, a única base de cálculo para as vantagens passa a ser o vencimento básico. Será ele auto-aplicável? O Supremo Tribunal Federal tem considerado que o comando cuja exeqüibilidade se mostre possível de plano, que não dependa de maiores detalhamentos para se verificar como se materializar a conduta nele prevista, é auto-aplicável: A ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO IMPÕE, COMO UM DOS PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS DE SUA ADMISSIBILIDADE, A AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA.ESSA SITUACAO DE LACUNA TÉCNICA - QUE SE TRADUZ NA EXISTÊNCIA DE UM NEXO CAUSAL ENTRE O VACUUM JURIS E A IMPOSSIBILIDADE DO EXERCICIO DOS DIREITOS E LIBERDADES CONSTITUCIONAIS E DAS PRERROGATIVAS INERENTES A NACIONALIDADE, A SOBERANIA E A CIDADANIA - CONSTITUI REQUISITO NECESSÁRIO QUE CONDICIONA A PROPRIA IMPETRABILIDADE DESSE NOVO REMÉDIO INSTITUIDO PELA CONSTITUIÇÃO DE1988 (AgMI 81. Relator: Min. Celso de Mello. RTJ 131/963) 3 Como o comando, aqui, não tem necessidade de maiores explicitações – apenas ampliou a base da proibição posta pelo poder constituinte originário – entendo que se encaixa no conceito de disposição constitucional auto-aplicável. Quanto à possibilidade de invocação de direito adquirido por parte daqueles que foram incluídos no universo de vedações do inciso XIV do art. 37 – o direito adquirido contra emenda constitucional -, encontro os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal: Ação direta de inconstitucionalidade. Medida Cautelar. 2. Fundo Social de Emergência. 3. Argüição de inconstitucionalidade de expressões constantes dos arts. 71 e § 2º;72, incisos III e V, do ADCT da Constituição de 1988, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 10, de 4.3.1996. 4.Controle de validade de emenda à Constituição, à vista do art. 60 e parágrafos, da Constituição Federal. Competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, a). Cláusulas pétreas. 5. Os arts. 71, 72 e 73foram incluídos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994. 6. A Emenda Constitucional nº 10/1996 alterou os arts. 71 e72, do ADCT, prorrogando-se a vigência do Fundo Social de Emergência, no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de1997. 7. A inicial sustenta que, exaurido o prazo de vigência do Fundo Social de Emergência a 31.12.1995, não poderia a Emenda Constitucional nº 10, que é de 4.3.1996, retroagir, em seus efeitos, a 1º de janeiro de 1996, pois, em assim dispondo, feriria o direito adquirido dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no que concerne à participação no Fundo a que se refere o art. 159, inciso I, da Constituição, e à incidência do art. 160 da mesma Lei Maior, no período de 1º de janeiro até o início de vigência da aludida Emenda Constitucional nº 10, de 4.3.1996. 8. Não invoca a inicial, entretanto, especificamente, ofensa a qualquer dos incisos do art.60 da Constituição, sustentando, de explícito, lesão ao art. 5º,XXXVI, à vista do disposto nos arts. 159 e 160, todos da Constituição. Decerto, dessa fundamentação poderia decorrer, por via de conseqüência, ofensa ao art. 60, I e IV, da Lei Magna, o que, entretanto, não é sequer alegado. 9. Embora se possa, em princípio, admitir relevância jurídica à discussão da quaestio juris, exato é, entretanto, que não cabe reconhecer, aqui, desde logo, o periculum in mora, máxime, porque nada se demonstrou, de plano, quanto a prejuízos irreparáveis aos Estados, Distrito Federal e Municípios, se a ação vier a ser julgada procedente. É de observar, no ponto, ademais, que a Emenda Constitucional de Revisão nº 1, que introduziu, no ADCT, os arts. 71, 72 e 73, sobre o Fundo Social de Emergência, entrou em vigor em março de 1994, com efeitos, também, a partir de janeiro do mesmo ano. 10. Medida cautelar indeferida.(ADInMC 1.420. Relator: Min. Néri da Silveira. DJU 19 dez 1997). MAGISTRADO. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA PROIBIÇÃO CONTIDA NO ARTIGO114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 7/77.- NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO CONTRA TEXTO CONSTITUCIONAL, RESULTE ELE DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, OU DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO. PRECEDENTES DO S.T.F. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.(RE 94.414. Relator: Min. Moreira Alves. RTJ 114/237). Portanto, mesmo que mais facilmente sustentável a tese da possibilidade do direito adquirido em face do poder constituinte derivado – digo mais facilmente sustentável porque o poder constituinte derivado está sujeito a limitações, o que não ocorre com o poder 4 constituinte originário – o fato é que o Supremo Tribunal Federal não a admite. E não podemos nos esquecer de que o direito adquirido é constitucionalmente garantido contra os efeitos retroativos de lei desde 1946 e que sobre ele não foi omissa a Constituição de 1967, mesmo com a redação dada pela Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969. Embora haja quem sustente que, na vigência da atual Constituição, este debate se poderia colocar, penso que, não tendo havido alteração substancial no tratamento do direito adquirido no Texto de 1988 em relação ao Texto de 1969, a solução que o Supremo Tribunal Federal daria à matéria não seria diferente da adotada na vigência da Carta anterior. Neste caso, o art. 29 da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, não é inconstitucional. Muito bem. Identificadas as situações e postas as regras a serem aplicadas, creio que terá sido dado um passo significativo não só no sentido de possibilitar a adequação das finanças públicas ao que determina o art. 169 da Constituição Federal como no de se diminuírem as disparidades existentes no seio do serviço público, desiderato expresso tanto no art. 37, XI, como no art. 170, VII, da mesma Constituição Federal. Com efeito, não passa tanto pela demissão de servidores – o que é medida heróica, excepcionalíssima, que se toma somente no último caso, in articulo mortis, de acordo com o próprio art. 169, § 4º, da Constituição Federal, porque implica necessariamente a diminuição do número de pessoas responsáveis pela pronta materialização do serviço público – mas principalmente pela adequação das remunerações às possibilidades do erário a concreção do comando contido no caput do art. 169 da Constituição. Verbas que se percebam de modo inconstitucional não geram direito adquirido, porque não existe direito adquirido com base em disposição que careça de fundamento de validade. É o que vem dizendo o Supremo Tribunal Federal: Tribunal de Contas: aposentadoria de servidores de sua secretaria: anulação admissível - antes da submissão do ato ao julgamento de legalidade do próprio Tribunal (CF, art. 71, III)-, conforme a Súmula 473, que é corolário do princípio constitucional da legalidade da administração (CF, art. 37),violado, no caso, a pretexto de salvaguarda de direitos adquiridos, obviamente inoponíveis à desconstituição, pela administração mesma, de seus atos ilegais.(RE 163.301/AM. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. DJU 28 nov 1997). A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos (Súmula 473). (RE 163.715/PA. Relator: Min. Maurício Corrêa. DJU 19 dez 1996). Inexistência, no caso, de direito adquirido, porquanto, em se tratando, como se trata, de "anulação" e não de "revogação" do ato administrativo anterior, se aplica a primeira parte da Súmula 473("A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; .") e não a segunda ("... ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos ..."). (RE 118.572. Relator: Min. Moreira Alves. RTJ 143/251) 5 Legítima a atuação da Administração Pública, nos termos da Súmula 473, que, uma vez verificada a violação à norma da Constituição Federal no ato de redistribuição efetuado, cuidou logo de anulá-lo, sem que esse procedimento tenha importado em afronta a direito adquirido.(RE 163.712/PA. Relator: Min. Ilmar Galvão. DJU 6 set 1996). De outra parte, o distanciamento existente entre os níveis de remuneração no seio do serviço público vai contra o desiderato constitucional, que é o de diminuir tais disparidades, que, por vezes, implicam o arrefecimento da procura dos cidadãos por determinadas carreiras em setores essenciais. É o parecer. Ricardo Antônio Lucas Camargo Procurador do Estado. 6 Processo nº 027855-10.00/99.5 Acolho as conclusões do PARECER nº 12649, do Gabinete da Procuradoria-Geral do Estado, de autoria do Procurador do Estado Doutor RICARDO ANTÔNIO LUCAS CAMARGO. À Procuradora-Geral Adjunta. Em 15 de dezembro de 1999. Paulo Peretti Torelly, Procurador-Geral do Estado. 7