CF1005 BuscaPé: do empreendedorismo à inovação aberta Carlos Arruda, Anderson Rossi, Erika Penido C riado no “boom” da internet por três estudantes universitários, o BuscaPé é uma empresa brasileira de comparação de preços e outras informações para a compra de produtos e serviços, com atuação na América Latina. “Nossa missão é auxiliar o consumidor a realizar a melhor decisão de compra para as suas necessidades. Para isso, alimentamos o consumidor com um grande número de variáveis, como a distância em relação à sua casa, dados do uso do produto, preço e financiamento”, destaca Romero Rodrigues, presidente da empresa. Quando entrou no ar, há mais de uma década, o BuscaPé listava 35 lojas e 30 mil produtos. Em 2010, a empresa era capaz de atualizar, diariamente, as informações de 500 mil empresas listadas, incluindo 14 milhões de produtos. O número médio de usuários por mês passou de 55 mil em 1999 para mais de 20 milhões em 2010. Com 370 colaboradores, o grupo estava presente em toda a cadeia do e-commerce brasileiro, auxiliando todos aqueles que procuravam fazer um bom negócio na Internet, seja na compra de um produto ou na contratação de um serviço. Reunia marcas como Bondfaro, QueBarato!, e-bit, CortaContas, Fcontrol e Pagamento Digital, e ostentava a 18a posição no ranking comScore dos 25 sites latino-americanos com maior número de visitantes únicos1 A história do desenvolvimento do BuscaPé ilustra a capacidade empreendedora e de inovação da empresa, tanto do ponto de vista tecnológico como mercadológico. A empresa, que sobreviveu ao estouro da “bolha” e às gigantes empresas de tecnologia do setor, conseguiu manter sua capacidade de inovação durante seu processo de crescimento, que contou com o aporte de capital de grandes grupos empresariais. Após se tornar um dos mais importantes sites A comScore é uma empresa de pesquisa de mercado que fornece dados de marketing e serviços a empresas de Internet. 1 do mercado brasileiro, façanha jamais alcançada por um site de comparação de preços em outros países, o BuscaPé estava certo que, mais do que nunca, precisava inovar para manter o seu desenvolvimento. Dada essa sua posição de destaque como site de comparação de preços, o uso de benchmarking com empresas americanas, muito válido para a empresa nos primeiros anos de suas atividades, tornara-se menos relevante para o BuscaPé. Ao mesmo tempo, os sócios do BuscaPé se preparavam para uma forte concorrência com multinacionais do setor que tinham planos de investir agressivamente no mercado brasileiro. Enquanto a compra da empresa pela Naspers fortalecia o BuscaPé nesse contexto, as grandes apostas para a manutenção da capacidade de inovação do BuscaPé eram a “Garagem BuscaPé”, divisão do BuscaPé criada com a missão de desenvolver projetos para a empresa e iniciativas de inovação aberta através do site “developer. buscape.com”. Histórico de desenvolvimento2 A história do BuscaPé não apenas se confunde com a história do comércio eletrônico no Brasil, mas ajuda a defini-la, remontando a 1998, quando a utilização de navegadores (browsers) como Netscape ainda era pouco difundida. É neste ano de 1998 que três colegas do curso de engenharia da computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, aficionados por tecnologia, começam a delinear ideias que, anos mais tardes, resultariam no maior site de comparação de preços da América Latina. Esta parte foi adaptada, mas diretamente extraída das seguintes referências: TASIC, I. A. B. (2007) e DORNELAS, J. C. (2008). 2 Romero Rodrigues, Rodrigo Borges e Ronaldo Takahashi, então estudantes, desde muito cedo na faculdade sempre estiveram envolvidos com projetos de pesquisa relacionados a novas tecnologias. A internet, por se tratar de um tema novo e ter na Escola Politécnica um dos primeiros centros de pesquisa sobre o assunto (LARC - Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores), foi um assunto pelo qual naturalmente Romero, Rodrigo e Ronaldo se interessaram. Em paralelo ao crescente envolvimento com a Internet, os três estudantes buscavam maneiras de criar um negócio próprio. A primeira ideia, que não evoluiu, foi tentar trazer um negócio de automação residencial para o Brasil. A segunda tentativa foi desenvolver uma software-house focada em empresas de pequeno porte que precisavam de customização. Esse negócio atuou na informalidade por cerca de três anos e gerava alguma receita aos sócios. Entretanto, eles perceberam que não teriam como crescer, pois não conseguiam ganhar escala. Mesmo sem obter êxito, a tentativa não foi vista como frustração, mas sim como uma oportunidade de aprendizado. “Aprendemos desde como tratar o cliente, como lidar com ele, como cobrar [...] e até entender que é mais difícil fazer as coisas do que parece.”, destaca um dos fundadores da empresa. Mesmo diante dos resultados não muito animadores, os três estudantes continuaram juntos à procura de um negócio que pudesse prosperar. “O BuscaPé surgiu com os sóciosfundadores buscando algo inovador. Não replicávamos nenhum modelo americano ou de outro lugar, como faziam muitas empresas de Internet da época.”, explica Romero Rodrigues. “Estávamos fazendo brainstorming e, em um determinado momento, o Rodrigo estava procurando uma impressora para comprar. Ele entrou na Internet, pesquisou em alguns sites de busca da época e encontrou de tudo menos o preço das impressoras...Então decidimos explorar a ideia de um site que ajudasse a responder questões típicas de uma decisão de compra. Um ano depois, com investimento médio de R$ 300,00 ao mês e muitas noites de trabalho, foi lançado o BuscaPé”, completa. Empolgados com o projeto, os três colegas, agora sócios na empreitada, começaram com uma ideia muito simples: coletar informações de produtos e preços de lojistas e disponibilizálas em um único site. Passaram, então, a desenvolver um software, apelidado internamente de programa cliente, que ao ser instalado na máquina do lojista, leria os preços do seu sistema de gerenciamento e enviaria para o site constantemente. Entretanto, quando iniciaram os contatos com os varejistas a resposta foi negativa. A ideia de que os lojistas teriam ladoa-lado seus produtos e preços comparados com os de seus concorrentes não parecia ter um apelo comercial interessante. Com isso, os sócios rapidamente percebam que o modelo de negócio não poderia seguir por este caminho. O desenvolvimento da tecnologia Spider A saída encontrada foi aproveitar as poucas lojas on-line existentes até então para criar um banco de dados que atraísse Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF 1005 os consumidores, e, conseqüentemente, os demais lojistas. Com esse objetivo, os três sócios começaram a desenvolver uma tecnologia que automatizasse a busca e a organização de informações sobre produtos e preços na internet. Assim, de junho de 1998 a junho de 1999, desenvolveram a tecnologia apelidada de Spider. Crucial no modelo de negócio do BuscaPé, esta tecnologia permite a coleta e armazenamento sistêmicos de informações em sites de comércio eletrônico e as organiza de modo a permitir a comparação de preços pela internet. O modelo de negócios adotado era baseado no pagamento por cliques. Os sócios acreditavam que a loja poderia pagar para aparecer no sistema e isso seria proporcional ao número de cliques que ela recebesse. “Nós tínhamos muita noção de que agregaríamos diferenciais à cadeia de valor da indústria, para o varejista e para o consumidor.”, destaca Romero Rodrigues. Com a tecnologia testada e totalmente funcional, em junho de 1999 foi lançado oficialmente o site BuscaPé, com a missão de ser um site de comparação de preços e produtos na internet. Neste momento, a empresa agregou um novo sócio. Com perfil menos técnico, Mario Letelier, que é formado em Administração pela EAESP-FGV, assumiu o desafio de ajudar a estruturar o plano de negócios e formatar os aspectos administrativos da empresa. O “boom” da internet Neste mesmo ano, a internet já era vista como o grande canal de marketing e comércio do futuro. É o período que seria conhecido como o “boom” da internet. Milhares de empresas em todo o mundo surgiram com a intenção de gerar e atrair investimentos de milhões de dólares a partir de ideias simples, mas baseadas em conteúdo disponibilizado na internet. A onda de investimentos de capitalistas de risco dedicados a investir milhões de reais nas nascentes “ponto-com” beneficiou o BuscaPé. De junho a dezembro de 1999, a empresa recebeu sete ofertas de investimento. A gama de interessados no projeto dos quatro sócios foi desde bancos de investimento a investidores estratégicos (grandes portais da época). Ao final do processo, o BuscaPé selecionou, no início de 2000, a E-Platform como primeiro fundo investidor. Atuando como uma espécie de incubadora, o investimento da E-Platform não apenas proporcionou à empresa alguns recursos básicos (escritório, assessoria de imprensa etc.), mas também foi crucial na condução das negociações para a primeira rodada de investimentos de maior por te. Essencialmente, a E-Platform apoiava o BuscaPé em quatro atividades básicas: captação de recursos junto a grandes investidores, elaboração do plano de negócios, serviços gerais e dúvidas do dia a dia (legais, administrativas etc.). A E-Platform, em geral, não opinava estrategicamente no negócio, permitindo que os sócios do BuscaPé pudessem concentrar seus esforços da 2 melhor forma possível, alavancando o espírito empreendedor em torno do projeto. Com a entrada da E-Platform, foi realizado o primeiro roadshow da empresa para vários potenciais investidores em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Várias ofertas de investimentos foram feitas, mas no final acabaram aceitando a proposta de investimento de US$ 3 milhões feita pela Merrill Lynch e pelo Unibanco. Segundo declaração dos investidores, o caráter inovador do projeto, a sua tecnologia proprietária de ponta e o imenso valor agregado trazido ao consumidor foram os fatores de atratividade para o investimento. Com esta injeção de capital, em meados de 2000 a empresa passou a ter uma estrutura maior, com maior acesso a recursos (ex: servidores próprios) e um planejamento de mídia e marketing agressivo. O objetivo agora não era apenas crescer, mas também cumprir com as metas de rentabilidade definidas pelos novos sócios capitalistas. O contato com os novos investidores era totalmente diferente do contato direto existente com a E-platform. Existiam apenas uma ou duas reuniões anuais de conselho para definir orçamentos e metas. O planejamento e sua execução cabiam apenas è equipe do BuscaPé, que tinha autonomia para fazer a empresa crescer. O “estouro da bolha” No ano de 2001 as bolsas de valores de todo o mundo se abalam com o que se tornou conhecido como “estouro da bolha”. Grande parte das empresas de internet da época faliu, gerando uma queda generalizada das ações de empresas afins em todo o mundo. “No início de 2002 houve uma reunião de conselho bastante tensa, na qual os investidores cogitaram o fechamento da empresa. Nós não aceitamos e propusemos adiantar o breakeven (antes previsto para o final de 2003) para o final de 2002. Nós começamos a empresa antes da bolha, então quando aconteceu o aquecimento do mercado nós já tínhamos a empresa estabelecida, e isso nos fazia acreditar muito nela”. A saída encontrada para adiantar o breakeven foi diversificar os negócios da empresa, mesmo que isso significasse o risco de perder o foco. A empresa deixou, então, de apostar no mercado publicitário (no modelo de clique por mil ou CPM3, patrocínio de banners e espaços publicitários no site) e passou a licenciar sua tecnologia de busca para grandes portais da Internet brasileira à época, alterando significativamente De acordo com o modelo CPM, o anunciante paga uma quantidade fixa para cada mil exibições de seu banner em um determinado site. Neste modelo, espera-se que haja uma taxa de click-through ou cliques nos banners que convertam internautas em visitantes no site do anunciante. o modelo de receitas. Já no final do ano 2000, as receitas de licenciamento de tecnologia passaram a representar praticamente 100% do total. “Ainda não tínhamos escala para atingir o ponto de equilíbrio no modelo de clique. Para equilibrar a empresa naquele momento de pressão dos investidores, fizemos um pouco de tudo. Licenciávamos tecnologia, vendíamos relatório de informação de mercado. Em 2002, acho que cerca de 8% a 9% da receita foi de clique. O resto foi uma linha “outros”, que tinha de tudo.” Em 2002, 15 meses antes do primeiro prazo sugerido pelos investidores, a empresa conseguiu atingir o breakeven e, gradualmente, começou a voltar ao modelo principal da companhia, de cobrança por lojas, porém em um novo modelo de receitas, conhecido como Custo por Clique (CPC)4. Em dois ou três anos houve uma inversão, na qual clique passou a representar 90% das receitas e a linha “outros” 10%. Um modelo de negócios inovador Para viabilizar o cadastro de produtos, o BuscaPé criou a Central de Negócios, que funciona como uma espécie de leilão online, em que varejistas definem o valor que pretendem investir para obter um melhor posicionamento nos resultados de busca. A Central de Negócios funciona da seguinte forma: a empresa se cadastra e obtém uma conta na Central de Negócios BuscaPé, passando a ter total acesso a cliques, dados da sua empresa, concorrentes, contrato, área de atuação e outras informações. A empresa define o quanto deseja investir para começar a vender. Suas ofertas serão capturadas e publicadas na Rede BuscaPé, com as informações sobre a empresa, políticas de preços, parcelamento e disponibilidade. Suas ofertas aparecem em centenas de milhares de buscas realizadas pelos consumidores todos os dias. A empresa só paga quando o consumidor clica em sua oferta e é direcionado para sua empresa. Com acesso à Central de Negócios BuscaPé, a empresa ajusta e define o custo por clique (CPC) a qualquer momento. Existe um valor de CPC mínimo, mas acima deste valor, a empresa pode variar de acordo com suas necessidades. Quanto maior o valor do CPC melhor sua posição na página de respostas e, conseqüentemente, mais vendas. “O modelo atual é um leilão de cliques. Quem pagar mais aparece primeiro e com mais destaque. Não é preciso ter uma equipe comercial para negociar os preços com os varejistas. Eles podem ter acesso em seu espaço privado a 3 Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF1005 No modelo CPC, o anunciante paga uma quantidade fixa pelos cliques de internautas que de fato visitam seu site, buscando produtos ou serviços. Neste caso, interessa a taxa de conversão destes cliques em compras. 4 3 quanto seus concorrentes estão pagando e em que posição eles irão aparecer”, explica Romero. Todo cliente passa um código identificador para o BuscaPé. Esse código é incluído na Spider no redirecionamento do clique do site BuscaPé para o site do varejista. Segundo Romero Rodrigues, com esse “tagueamento” o cliente identifica cada compra finalizada por um usuário do BuscaPé. Dessa forma, o varejista pode calcular o retorno do seu investimento, já que ele sabe quanto gastou no BuscaPé e quanto vendeu através de cada clique recebido por meio do site. “Além dessa conta rápida e prática, tem também a latência que o BuscaPé gera para cada varejista. Latência significa outras vendas geradas que não são finalizadas na mesma sessão”, explica o presidente da empresa. O terceiro aporte de capital De 2003 até 2006, o que se observou na empresa foi uma consolidação das estratégias iniciadas com o novo modelo de negócio e a expansão para a América Latina. Com a saída dos investidores originais (Merril Lynch e Unibanco) no final de 2005 e a entrada de um novo investidor estrangeiro de grande porte (Great Hill Partners), o BuscaPé iniciou uma nova etapa de sua história. A aquisição por parte da Great Hill Partners mudou a forma de conduzir o negócio e os investidores passam a acompanhar de perto as ações estratégicas da empresa. Houve um processo grande de profissionalização do BuscaPé, com a definição e separação do papel de sócio e de executivo. O contato com o investidor passou a ser mais direto, com reuniões mensais e possibilidades de auxílio à empresa, especialmente no que se refere a networking. A aquisição do Bondfaro Em maio de 2006, como parte de sua estratégia de crescimento, o BuscaPé adquiriu seu principal concorrente no mercado brasileiro, o site Bondfaro, que tinha cerca de 1/3 do tamanho do BuscaPé. Com isso, ampliou ainda mais sua carteira de produtos pesquisados e bases de cliente. ‘O Bondfaro tinha uma estrutura com cerca de um terço do nosso tamanho. Eles têm uma história parecida: eram 5 pessoas, recém-formados, que montaram um site, seguindo os modelos já existentes nos Estados Unidos, pois surgiram só em 2000, e que se polarizou como uma alternativa bastante interessante para o BuscaPé. Eles tinham um modelo de negócio idêntico ao nosso e uma estratégia de seguidor bastante inteligente, que consistia em não arriscar nada e desenvolver o que nós tivéssemos desenvolvido e tivesse dado certo. Com isso, eles conseguiram ser muito mais rentáveis e ter menos gente na equipe. O Bondfaro Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF 1005 pertencia a sete acionistas, sendo dois Angel investors e cinco fundadores. Desses, apenas dois continuaram trabalhando na empresa como diretores do BuscaPé’, relata Romero Rodrigues. Após a aquisição, as marcas BuscaPé e Bondfaro continuaram existindo, mas o BuscaPé se manteve como uma marca horizontal, que oferece serviço de comparação de preços de todos os tipos de produtos, desde postos de gasolina, lojas de rua, serviços, até lojas online, enquanto o Bondfaro passou a ser uma marca vertical que só inclui a comparação de preços de produtos disponíveis em lojas online. Pagamento digital e e-bit A aquisição do Bondfaro foi seguida da aquisição de outras marcas do setor de internet nos anos de 2007 e 2008, com serviços interessantes para pequenas e médias empresas. Em julho de 2007, o BuscaPé adquiriu a e-bit, empresa pioneira na realização de pesquisas sobre hábitos e tendências de consumo no e-commerce, criadora do sistema de avaliação e qualificação de lojas online através da suas medalhas (bronze, prata, ouro e diamante). Segundo Romero, “obter esta qualificação é cada dia mais importante para qualquer varejista que pretende construir uma história de longo prazo na internet. Os usuários realmente procuram esta qualificação antes de decidir suas compras.”. No início de 2008, a Pagamento Digital e a FControl passaram a fazer parte do grupo BuscaPé. O Pagamento Digital é um gateway de pagamento que reúne todas as bandeiras de cartão de crédito e todos os principais bancos.” Isso diminui a burocracia do pequeno empresário e ainda garante o recebimento do dinheiro do cliente em 14 dias mesmo se o parcelamento for feito em 24 vezes”, explica o presidente. A FControl é um sistema de gestão de fraude que indica para o lojista qual é o nível de risco de uma determinada transação. Segundo Romero Rodrigues, o sistema evita que o lojista entregue o produto e não receba o pagamento, tipo de fraude responsável por mais de 80% da “mortalidade’ das pequenas e médias empresas de varejo online. A compra pela Naspers Em setembro de 2009, o grupo de mídia sul-africano Naspers anunciou a aquisição de 91% das ações do BuscaPé, por US$ 342 milhões. Três dos fundadores do site, além do criador do Bondfaro, permaneceram como sócios e executivos do negócio. A equipe administrativa do BuscaPé foi mantida. “Eles aceitaram que continuássemos no comando, desenvolvendo um produto com programadores brasileiros. Não queríamos “tropicalizar” o nosso produto e mudar a cultura da empresa”, conta Rodrigo Borges, sócio-fundador e vice-presidente do BuscaPé. 4 A preocupação em preser var a cultura da empresa também é destacada pelo presidente da empresa: com medo de alguém lançar no Brasil algo parecido antes da gente”, destaca o presidente da empresa. “Se tivéssemos feito uma associação com uma grande empresa de internet ou de software ou de tecnologia, para não citar nomes, mas se imagina (...) Seja no Vale do Silício, ou em Seattle ou onde fosse, provavelmente em seis meses não ia ser BuscaPé, ia ser alguma coisa Preços, Shopping... ia virar um canal de alguma coisa maior. Ao invés de ter 150 engenheiros desenvolvendo tecnologia de ponta, brasileira, que a gente exporta para 27 países, a gente ia ter engenheiros tropicalizando coisas que são feitas lá fora (...) A cultura da companhia ia sumir, a marca iria sumir.” Essa cultura de inovação, segundo Romero, promove uma inovação natural do negócio, sem a adoção de processos muito claros com esse objetivo. Entretanto, a empresa possui uma estratégica de inovação, com linhas de caminho definidas. As atividades de 150 engenheiros e desenvolvedores de produtos seguem um pipeline de 2 a 3 anos. Assim, para inovações incrementais e diárias o Conselho da empresa define uma estratégia que direciona as inovações. Os principais estímulos para as melhorias ocorrem através de reuniões constantes da gerência com as equipes. “Quase todas as sugestões de melhorias são dadas pelos times de desenvolvimento”, revela Romero. Para a Naspers, que vinha fazendo aquisições em mercados emergentes, o negócio foi uma forma de avançar na área de comércio eletrônico na América Latina, onde, segundo avaliação da empresa, a penetração da internet ainda era baixa. Segundo o diretor de Internet da Naspers, Antonie Roux, o BuscaPé agregava à Naspers operações em rápido crescimento nos mercados mais importantes da América Latina, em linha com o foco do grupo em e-commerce. O grupo sul-africano, que tinha negócios em mídia impressa e eletrônica, havia comprado operações de comércio eletrônico no Leste Europeu. Também atuava na China, Rússia, Índia e África subsaariana. A marca BuscaPé continuou existindo e a empresa passou a buscar sinergias com outras empresas do grupo com atividades similares. A oportunidade de intercâmbio de conhecimento com outras empresas do grupo Naspers é destacada por Romero Rodrigues: “A Naspers têm a maior empresa chinesa de internet, a primeira ou segunda maior da Rússia e uma das maiores da Índia. O intercâmbio de conhecimento entre essas empresas é fantástico.(...) Estou vendo o que está acontecendo, por exemplo, na China, em primeira mão. E nem o Google sabe direito o que está acontecendo na China, porque a operação deles na China é minúscula (...)não tem nem 4% do mercado.” Desenvolvendo a capacidade de inovação O principal drive para a criação do BuscaPé era o desejo de criar algo inovador, o que acabou tornado parte da cultura da empresa. “Não existia nenhum site similar ao BuscaPé quando começamos a desenvolver a empresa em junho de 1998. Em outubro de 1998, surgiu o mySimon, site americano de comparação de preços. Ficamos duas vezes tristes: uma porque queríamos ser o primeiro....nunca quisemos atacar o mercado americano, mas era aquele desejo de criação mesmo; e segundo porque ficamos desesperados, paranóicos, Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF1005 Uma das questões relevantes em relação às inovações incrementais na empresa refere-se ao fato de a estrutura de desenvolvimento de produtos ser dividida entre as marcas da empresa. Novas tecnologias podem ser testadas e desenvolvidas de forma diversa dentre as marcas. Isso gera um trade-off, já que traz velocidade, mas dificulta a integração das iniciativas. Assim, não há uma única plataforma de desenvolvimento na empresa. A busca da integração ocorre via a adoção da SOA (Service-Oriented Architecture” Arquitetura Orientada para Serviços), que permite a integração de softwares que utilizam diferentes plataformas. Já as inovações de ruptura ocorrem de forma menos processual do que as incrementais e incluem duas iniciativas principais da empresa: a Garagem BuscaPé e o site developer.buscape. com.br. Garagem BuscaPé “Tentamos desengessar para não limitar a criatividade”, destaca Romero. Desde 2006, quando foi criada a Garagem BuscaPé, a equipe multidisciplinar dessa divisão da empresa, formada por engenheiros, designers, administradores e outros profissionais, têm a liberdade de criar e desenvolver projetos, dentro de diretrizes técnicas. Assim, busca-se promover uma inovação bottom-up. “Reservamos uma área extremamente criativa para pensar em coisas totalmente fora da caixa. Com o Garagem, ganhamos dinamismo para desenvolver projetos web que ainda não são o core business da empresa”, afirma Romero Rodrigues. Dentre os projetos desenvolvidos pela Garagem BuscaPé estão o QueBarato! (www.quebarato.com. br), o Corta Contas (CortaContas.com.br) e o Wiki2Buy. “Em uma reunião na Garagem mencionamos a ideia de entrar no mercado de classificados gratuitos e, para nossa surpresa, alguém disse que o produto já estava sendo desenvolvido ali. Dessa forma, o QueBarato!, que seria 5 desenvolvido em seis meses, ficou pronto em seis horas.”, relembra Romero. O QueBarato! foi lançado em 2007 e com pouco mais de um ano de funcionamento atingiu 1,8 milhão de internautas por mês, recebendo mais de 720.000 anúncios. Segundo Rodrigo Borges, sócio fundador e vice-presidente do BuscaPé, com a entrada da classe C na internet essa modalidade do classificado grátis tendia a se popularizar. A criação do Cor taContas em 2008 contribuiu para consolidar e reforçar a missão de ajudar o consumidor a realizar a melhor escolha de produtos ou ser viços. O website permite que os consumidores pesquisem e comparem produtos financeiros e serviços presentes no dia-a-dia e peçam propostas competitivas online no mercado para tomar a melhor decisão de compra. Já o Wiki2Buy, primeiro guia de compras colaborativo da Internet, lançado em 2009, teve como base o padrão wiki e permite que os consumidores troquem informações sobre produtos, serviços e lojas de forma colaborativa. O projeto do Wiki2Buy foi desenvolvido utilizando o MediaWiki, a mesma plataforma da Wikipedia, em que todos podem contribuir, criando e editando artigos com facilidade. No caso do Wiki2Buy, seu conteúdo é especifico sobre produtos, serviços, empresas e tudo que seja relacionado a uma tomada de decisão de compra. “Com essa nova iniciativa, queremos permitir a troca livre de informações sobre produtos entre todos os consumidores. Essa coletividade permite a criação de um conteúdo vivo sobre decisão de compra. Quanto mais consumidores participam, mais as informações se tornam precisas, atualizadas e úteis”, afirma o presidente do BuscaPé. Após lançar novos produtos, a Garagem BuscaPé desenvolve suas funcionalidades para promover um crescimento inicial. Para tanto, são realizadas inovações incrementais. Dados os projetos recentemente lançados pela divisão, atualmente a sua equipe está com menos tempo livre para a criação de novos projetos. O objetivo da empresa é fazer, aos poucos, a transição desse desenvolvimento para outras equipes. Para manter o ritmo de inovação, focando em novos projetos, o BuscaPé criou, em 2010, uma nova Garagem BuscaPé. A fim de explorar talentos locais, a unidade está localizada em Uberaba. “Ao abrir nosso banco de dados para outros parceiros, paralelizamos o desenvolvimento e ganhamos velocidade. Essa abertura é interessante para o BuscaPé até do ponto de vista de defesa, porque nunca conseguiríamos manter ou pagar tantos desenvolvedores, dedicados a diferentes applications. Muitas das pessoas mais talentosas eventualmente não estão a fim de ter um emprego. O cara quer estar sentado na casa dele, pode não ser brasileiro ou estar em outro lugar do mundo.”, explica Romero. Através do site developer.buscape.com, desenvolvedores externos podem utilizar o WebService disponível pelo BuscaPé para criar suas próprias aplicações para a internet, celulares, TV Digital e Blogs, customizadas de acordo com a sua necessidade. Se as aplicações são capazes de gerar receitas, essas são divididas entre o BuscaPé e o desenvolvedor externo. Eventualmente, pode ser também de interesse do BuscaPé negociar a compra da tecnologia desenvolvida externamente. A ousadia da iniciativa refere-se ao grande potencial de canibalização dos produtos da empresa. “Com essa abertura, um desenvolvedor externo poderia criar um BuscaPé melhor do que o próprio BuscaPé, porque ele tem acesso a todo o banco de dados do BuscaPé e pode criar sua própria interface. Ele também pode criar um aplicativo de iPhone que esteja melhor ranqueado do que o próprio BuscaPé.”, explica Romero. Desde o lançamento dessa iniciativa, em 2006, a empresa já colhe bons resultados. O BuscaPé na Hora e o BuscaPé Mobile são exemplos de produtos gerados através do site developer. buscape.com. O BuscaPé na Hora é um plugin (para Firefox e Internet Explorer) que faz a comparação de preços enquanto o usuário navega nas lojas. O BuscaPé Mobile é um aplicativo que permite a disponibilização do BuscaPé em iPhone de uma maneira fácil e rápida, sem precisar abrir qualquer browser. Dentre os desafios dessa iniciativa, Romero Rodrigues destaca a necessidade de criação de um modelo sustentável de atração de desenvolvedores externos talentosos para o developer. buscape.com. “O papel da área de Recursos Humanos nesse contexto de inovação aber ta terá que mudar. Não conhecemos os desenvolvedores externos, mas precisamos saber como retê- los’, explica Romero. Inovação aberta através do Developer. buscape.com Seguindo em frente Outro projeto com o intuito de promover inovações de ruptura para o BuscaPé consiste na disponibilização, de forma aberta, da grande base de dados de produtos, ofertas e serviços do BuscaPé, para desenvolvedores externos à empresa. Dessa forma, a empresa aumenta a sua capacidade de fornecer a seus afiliados aplicações novas, que talvez não surgissem dentro da área de desenvolvimento interna da empresa. Desde a sua fundação, o BuscaPé havia passado por fases diferentes em termos de inovação. Nos primeiros anos a inovação era top-down, pois o mercado era muito novo. Além disso, a empresa fazia benchmarking internacional com sites de e-commerce americanos. Em um segundo momento, após atingir grande importância no Brasil, feito jamais realizado por um site de comparação de preços em outros países, a empresa Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF 1005 6 passou a inovar através de uma maior escuta do time e dos usuários. Há 4 anos, a empresa havia acrescentado a inovação aberta às suas atividade de desenvolvimento e criado uma divisão dedicada à busca de inovações radicais. idioma, até o final de 2010. “Na primeira fase, estaremos testando cada mercado, os que se mostrarem mais promissores, pretendemos montar escritórios e iniciar uma operação física até o final de 2010”, explica Rodrigues. Em 2010, o BuscaPé possuía os desafios de integrar as noves marcas que havia adquirido e de internacionalizar a empresa. Da mesma forma como a inovação havia permitido que o BuscaPé se destacasse no Brasil, a empresa contava com sua capacidade de inovação para crescer no mercado nacional cada vez mais competitivo e nos mercados internacionais. A expectativa era de que o BuscaPé estivesse presente em 27 países na América, incluindo os Estados Unidos, e em países da África e da Ásia, que têm o português ou o espanhol como Anexo 1 – QueBarato! http://www.quebarato.com.br/ Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF1005 7 Anexo 2 - CortaContas http://www.cortacontas.com.br/ Anexo 3 – Wiki2Buy http://www.wiki2buy.com.br/wiki/ P%C3%A1gina_principal Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF 1005 8 Anexo 4 - Developer.buscape.com http://developer.buscape.com/ REFERÊNCIAS BATTIBUGLI, A. O barato do BuscaPé. INFO. 22 de maio de 2009. Acesso em: 24/04/2010. Disponível em: http://info. abril.com.br/professional/redes-sociais/o-barato-do-buscape. shtml?2 CRUZ, R. Naspers compra o site BuscaPé. O Estadão de S. Paulo. 30 de setembro de 2009. DALPICOLO, S. Sucesso na rede. Carreiras & Negócios. 11/03/2010. Acesso em: 24/04/2010. Disponí v el em: h ttp://www.portaloempreendedor.com.br/ empreendedor/ler_historias. php?ordem=141 ROITMAN, S. Ponto de Vista: Romero Rodrigues – Fundador do BuscaPé. Plantão Online. 16/06/2009. Acesso em: 24/04/2010. Disponível em: http://plantaoonline.wordpress. com/2009/06/16/ponto- de-vista-romero-rodrigues-fundadordo-buscape/ TASIC, I. A. B. Estratégia e empreendedorismo: decisão e criação sob incerteza. Dissertação de mestrado. Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. São Paulo, 2007. DORNELAS, J. C. A. Empreendedorismo: Transformando idéias em negócios. 3. ed. Elsevier, 2008. Estudo de Caso: BuscaPé – uma empresa brasileira que faz sucesso na Internet. 68-77. Casos FDC - Nova Lima - 2011 - CF1005 9