Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
Universidade Aberta à Terceira Idade – UNATI/UNESP
Núcleo de São José dos Campos - SP
VELHO EM CADA UM – OLHARES E BUSCAS
Vera Helena Rodrigues Zaitune - Educadora
[email protected]
Marilda Piedade Godoi - Gerontóloga
[email protected]
Alda Maria Bispo dos Santos Teles - Doutoranda em Educação
[email protected]
Denise Nicodemo
Coordenadora da UNATI – UNESP
[email protected]
Diante de nós, um olhar preocupado, uma fala corrida e dispersa, uma atitude inquieta, um
silêncio de receios. O discurso vagueia até o momento em que não existe mais jeito e, como
num grande desabafo, consegue verbalizar essa onda de desconforto dizendo: "estou sem
memória". Um apelo por ajuda, muita expectativa em cena e o desejo de encontrar ali o
"remédio" para sua cura. Do lado de cá, perguntas surgem e crescem dentro de nós: "Quem é
você ?" "Qual é a sua história ?" "Como foi chegar a ficar "sem memória?". Como se
estivéssemos juntos a contemplar as peças soltas de um quebra-cabeças na mesa, ao convite
para falar de sua história, segue-se um momento de introspecção e, como se percebesse uma
chave para a organização das peças, discorre cuidadosamente sobre fatos de sua vida, do seu
jeito de ser, que vão entrando em cena como uma seqüência de notas, de ritmo, intensidade e
tons muito próprios, formando uma melodia, uma melodia que faz sentido e que abre as
portas para o início do trabalho...” 1
Guerreiro, T.; Rodrigues, R.; Martins, R.
A pesquisa se propôs o regaste de uma história onde um grupo de pesquisa
composto por professores da Universidade Aberta à Terceira Idade – UNATI da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Faculdade de
Odontologia – núcleo de são José dos Campos participaram num debate onde se
procurou identificar o “velho que habitava em cada um”.
A manutenção da eficácia cognitiva no envelhecer constitui-se em uma
condição diferencial de qualidade de vida e de preservação da autonomia. Embora
possa ser freqüente a observação de declínio cognitivo entre idosos, não podemos
concluir que isso seja inevitável ou inerente ao processo de envelhecimento. É
1
Este artigo foi publicado no Cadernos do IPUB - Envelhecimento e Saúde Mental: Uma Aproximação Multidisciplinar, nº 10 ,
p.223-228, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, 1997
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necessário abordar esta questão sob uma perspectiva dinâmica em que se considere a
ação de intrincados e numerosos fatores que atuam na vida do homem. 2
Individual e coletivamente, enveredou-se numa espiral na qual o buscar-se, a
escuta sensível e atenta, a partilha e o encontro do eu – outros se constituíram nos
objetivos da atividade.
O debate dividiu-se em três etapas, a primeira girou em torno de uma leitura
do texto “O velho que habita em mim” (Karchar, 2005)3 realizado individualmente em
que se procurou identificar suas vivências ou de seus familiares em cada situação
apresentada.
“Quando acionamos as sinapses de nossos neurônios que ativam a memória, não estamos
fazendo nada além do despertar os “velhos” que nos habitam? Ou quando nos
comportamentos – de maneiras ou modos diferentes – não são nada além do aprendizado de
vários momentos, em família, escola, no social que estão intimamente – sorrateiramente –
escondidos bem dentro do nosso ser?
Cada riso, cada lágrima, cada pensar é resposta de nosso “velho” que reside de modo
singelo em nós.” GODOI (2009)4.
“Pensei muito sobre a representação adequada para contemplar esse velho que vive em
mim...Um espelho caracterizou minha escolha... Assentei-me e o que vi foi muito além da pele
marcada pelas rugas das minhas histórias. Percebi o ineditismo da minha reflexão quando,
pelo espelho de outro alojado mais internamente, certifiquei-me que o velho que habita em
mim deve e precisa ser outro espelho.” ZAITUNE ( 2009)5
O segundo passo se desenvolveu através da elaboração, de parâmetros reais –
pessoais e familiares e sua identificação com os alunos do curso. Na inexoralidade de
Chronos e Kairós, agarro-me ao último para com ele e nele, viver com amor intenso
esse tempo no qual V. se agarra na sua verdade de forma subjetiva e cuidadosa par
acolher amando os que integram a minha rede de relações.” ZAITUNE ( 2009)6
E, num terceiro momento, fez-se uma análise mais profunda de nossas
relações com este “eu envelhecido” que adormece em cada ser humano. “Um buscar
de esperança e planos para um futuro melhor está nele e por ele é instruído um novo
ser que se adapta aos muitos olhares e quereres de uma vida que se reconstrói.”
GODOI (2009)7.
2
Este artigo foi publicado no livro Formação humana em Geriatria e Gerontologia./ Editores Renato Veras, Roberto Lourenço. –
Rio de Janeiro: UnATI/UERJ, 2006. ISBN 85-87897-13-6
3
KARCHAR, ... Curso Educação e Envelhecimento II ministrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
agosto/dezembro 2005.
4
GODOI, M.P. Texto de discussão e reflexão: “O Velho que habita em mim”, Junho, 2009 – São José dos Campos, SP.
5
ZAITUNE,V.H. Texto de discussão e reflexão: “O Velho que habita em mim”, Junho, 2009 – São José dos Campos, SP.
6
ZAITUNE,V.H. Texto de discussão e reflexão: “O Velho que habita em mim”, Junho, 2009 – São José dos Campos, SP.
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GODOI, M.P. Texto de discussão e reflexão: “O Velho que habita em mim”, Junho, 2009 – São José dos Campos, SP.
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Diante destes fatos partiu-se para uma pesquisa sintetizada dos vários
momentos do ser humano perante seu envelhecimento.
Essa pesquisa prioriza, sobretudo, valorizar a capacidade deste seguimento, com
uma atividade dirigida e específica dentro da realidade de vida, ou seja, com um
entendimento da história do idoso, e das conjunturas que viveram ao longo dos
anos.
Assim, por intermédio das atividades desenvolvidas com este material,
pretende-se fortalecer a busca por uma re-inserção na sociedade, e uma valorização da
cidadania, através da construção de novas perspectivas para a otimização da
potencialidade de cada um, a fim de proporcionar à comunidade a oportunidade de
conhecer e apoiar o idoso na sua caminhada ao conhecimento.
Assim sendo, observa-se a necessidade de se proporcionar alternativas e
recursos às atividades já desenvolvidas.
Baseado na realidade de aprendizado acredita-se que este material mais
específico proporcionará mudança e interação. Ademais, este material, traz uma
realidade de integração, perspectivas de auto-estima, ética e direitos, buscando
suscitar no grupo reflexões acerca de sua própria realidade de vida e da conjuntura da
mesma enquanto idoso.
Por fim, buscamos a união de forças e anseios para a edificação de uma
sociedade menos preconceituosa, mais igualitária, e aberta para acolher esta demanda
efetiva, tão heterogênea ou tão plural e singular e específica constituída pelo idoso
atual.
Nessa direção, é sabido, através de pesquisas, que possuímos um acervo de
memória que é especificamente individual, peculiarmente nosso, que não
compartilhamos com ninguém. E, através de um código neuronal, há transformações
da realidade que enxergamos. Os hormônios atuam na memória, os mecanismos
moleculares reais da memória, atuam no hipocampo. A memória de aprender
novamente é diferente da memória de aprender mais, é diferente da evocação. Sobre
o esquecimento, as memórias efetivamente desaparecem, porque desaparecem as
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células que a (con)tinham. Esquecimento é necessário para dar espaço ao cérebro
frente ao número de informações recebidas no decorrer do processo vital.
Na extinção, elas não se perdem; são escanteadas para um lugar menos
acessível do cérebro. Sua representação existe, mas é anulada pela imposição de um
aprendizado novo em cima do anterior.
Segundo Brandão (2008)8 as memórias autobiográficas, nossa história, são
constituídas pelas memórias de longa duração, consolidadas, e que podem ser
recuperadas. Elas possuem uma dimensão subjetiva e sócio-afetiva; são tanto
individuais como coletivas, considerando-se as fontes e reservas culturais dos grupos
humanos.
Cada memória é única, tem a marca e é constitutiva de nossa identidade.
Portanto, o “eu” que habita em nós está diretamente ligado ao nosso itinerário de vida,
que nos identifica, como nos exemplifica, de modo figurativo, todo o sistema
sociológico da globalização:
“Estamos agora, todos os caçadores, obrigados a agir como caçadores, sob pena de despejo
da caça, se não de sermos relegados das fileiras do jogo. Não é de admirar, portanto, que,
sempre estamos a olhar a nosso redor, vemos a maioria dos outros caçadores quase sempre
tão solitária quanto nós. Isso é o que chamamos de “individualização”, BAUMAN, 2009
Valeu-se de um estudo de Zygmunt Bauman, (2009)9 sociólogo, de origem
polonesa, que considera essencial colher a verdade de todo sentimento, estilo de vida
e comportamento coletivo. A dor e a insegurança causadas pela “vida em sociedade”
exigem uma análise paciente e contínua da realidade e do modo como os indivíduos
são nela “inseridos”. Essa sensação de desorientação, exibindo certezas passadas e
textos consagrados seriam tão fútil quanto tentar esvaziar o oceano com um balde. A
sociologia fornece a ferramenta analítica para se estabelecer uma vigorosa interação
com a filosofia, a psicologia social e narrativa.
BRANDÃO, V.M.A.T. Memória, Cultura e Projeto de Vida (1999) – mestrado em
Ciências Sociais-Antropologia,
PUC/SP, São Paulo.
______ Memória autobiográfica: Reflexões – A Construção do Saber. Desafios do Tempo, trechos de tese de doutorado
defendida no Programa de Estudos de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Antropologia em 2004.
______ Curso “História Oral e Memória” ministrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – maio/agosto 2008.
9
Revista Cult – “A utopia possível na sociedade líquida” – Zygmunt Bauman –
Entrevista – pg. 14-18, Ano 12, . 138, Agosto
2009.
8
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Segundo a Revista Cult (2009)10, Bauman define modernidade como um
momento em que a sociabilidade humana experimenta uma transformação que pode
ser sintetizada nos seguintes processos :
a metamorfose do cidadão, sujeito de
direitos, em indivíduo em busca de afirmação no espaço social; a passagem de
estruturas de solidariedade coletiva para as de disputa e competição;
o
enfraquecimento dos sistemas de proteção estatal às intempéries da vida, gerando um
permanente ambiente de incerteza; a colocação da responsabilidade por eventuais
fracassos no plano individual; o fim da perspectiva do planejamento a longo prazo; e
o divórcio e a iminente apartação total entre o poder e política.
Pontuou-se: o que a sociedade espera de nós ao reconhecermos este “velho”
tão forte em nossas personalidades?
Ao questionarmos “quem somos”, conforme Brandão (2008), “a busca de
identidade, mediante memórias, no nome que traz filiação e no território de origem, é
fundamental para nosso sentido de pertencimento – tanto social como psíquico-, que
possibilita (ou impede) a integração e a construção de relações inter-grupais”. Não
possuem a solidez de uma rocha, não são garantidos por toda a vida, são bastante
negociáveis e revogáveis, e dependem das decisões que o próprio indivíduo toma.
Também, dos caminhos que percorrer, das maneiras como age – a determinação de se
manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para ao “pertencimento” quanto
para a “identidade”.
A idéia de “ter uma identidade” não vai ocorrer às pessoas enquanto o
“pertencimento” continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa. Essa
idéia a ser realizada, acontecerá inúmeras vezes, posto que ocorre gradativa e
processualmente.
Compomos nossas reminiscências para dar sentido à nossa vida passada e
presente. Composição é um termo adequadamente ambíguo para descrever o processo
de “construção” de reminiscências. De certa forma, nós as compomos ou construímos
utilizando as linguagens e os significados conhecidos de nossa cultura.
Experiências novas ampliam constantemente as imagens antigas e no final
exigem e geram novas formas de compreensão... a memória “gira em torno da relação
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passado-presente, e envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação
das experiências relembradas”, em função das mudanças nos relatos públicos sobre o
passado. Quais memórias escolhemos para recordar e relatar (e, portanto, relembrar) ,
e como damos sentidos a elas são episódios que se transformam com o decorrer do
tempo.
Nossas reminiscências também variam, dependendo das alterações sofridas
por nossa identidade pessoal, o que nos conduz a um segundo sentido, mais
psicológico, da composição: a necessidade de formar o passado com o qual possamos
conviver. Esse sentido supõe uma relação dialética entre memória e identidade.
Nossa identidade ou “identidades”, (termo mais apropriado para indicar a
natureza multifacetada e contraditória da subjetividade) é a consciência do eu que,
com o passar do tempo, construímos através da interação com outras pessoas e com
nossa própria vivência. Edificamos nossa identidade por intermédio do hábito de
contarmos histórias para nós mesmos – como histórias secretas ou fantasias - ou para
outras pessoas, no convívio social.
Nós, humanos e animais, adquirimos memórias através das vivências, através
do perceber e/ou fazer que denominamos experiências. A aquisição de memórias é o
que se conhece como aprendizado. Aprendemos memórias. A vida é um contínuo
aprendizado, a vida é um fazer e desfazer de memórias.
Uma experiência pode ser a percepção de um fato externo; um fato interno;
um conjunto de fatos ou eventos; de fatos e conceitos; uma partitura que
armazenamos como sons e evocamos através de movimentos.
Pode ser uma repentina associação de memórias, ou uma lenta associação.
Pode ser uma experiência mística. Pode ser um sonho; ou seja, um embaralhar
desaforado de memórias que pode ter uma influência enorme em nossa vida, ou
podemos esquecer logo depois.
Nosso estado de ânimo e nosso nível de consciência modulam a formação e a
evocação das memórias.
Nossa noção do tempo existe em função de que lembramos um passado, e
devido a isso nos damos ao luxo de formular previsões para o futuro e podemos nos
desempenhar no presente.
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As memórias nunca serão idênticas às de ninguém; a memória faz com que
sejamos indivíduos. Proporciona também que os indivíduos formem comunidades ou
nações nas quais, o que os liga são as suas memórias em comum.
Embora não possamos mudar o passado, podemos mudar o futuro; podemos
de fato, em vista daquilo que aconteceu criar o futuro. 11
Considerando esta impossibilidade de recriação do passado nos propomos um
ideal de fraternidade possível. No caso, caminharmos enquanto diferentes, mas os
mesmos – separados, mas inseparáveis e sobretudo
independentes, mas sempre
unidos.
Partindo da filosofia do educador (Paulo Freire): “´é fundamental diminuir a
distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua
fala seja a tua prática”.
Portanto, o “O velho que habita cada um – olhares e buscas” é simplesmente
nossa história e nossa memória, filtrada ou não, é aquela que nos pertence e que
dividimos com aqueles que queremos e, ainda que construímos para aqueles que
achamos merecedores. No caso específico, referimo-nos aos nossos alunos.
Concluiu-se que não se pode estudar envelhecimento sem que paralelamente
se construa um olhar interno do processo do envelhecimento humano, destacadamente
o que se refere à memória, no sentido de aprimorar as relações intra e interpessoais
dos professores e aprendizes.
11
Izquierdo, I. Tempo e Tolerância. Porto Alegre, Sulina, 1999.
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