Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). AS RELAÇÕES FAMILIARES E A ORGANIZAÇÃO DAS RESIDÊNCIAS: OS REFLEXOS DE UMA POPULAÇÃO ENVELHECIDA Fabio Roberto Bárbolo Alonso NEPO/UNICAMP, Campinas, Brasil RESUMO A pesquisa apresentada neste artigo está vinculada ao Projeto Vulnerabilidade, projeto interdisciplinar de pesquisa desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de População/NEPO da UNICAMP, sob o financiamento da FAPESP e do CNPQ. Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas características relativas às relações familiares e à organização dos domicílios observadas em populações mais envelhecidas, e que devido à esta característica se apresentam de forma diferenciada nestas sociedades. Procurando estabelecer uma relação entre Envelhecimento e Família, este trabalho destaca, dentre outras características, a importância dos domicílios unipessoais, forma de moradia marcante entre os idosos, e o aumento das taxas de chefia dentre os mesmos, o que ilustra a maior importância destes indivíduos na hierarquia, na distribuição de recursos e nas relações intergeracionais observadas no âmbito da Instituição familiar. Destaca-se ainda a observação do estado conjugal dos idosos de acordo com o sexo ao longo das últimas décadas, na medida em que tal condição é um fator determinante para a tipologia das relações familiares e das condições de moradia que se estabelecem de forma peculiar nas populações mais envelhecidas. Os indicadores foram construídos para a população do Município de Santos-SP, Município este que apresenta um acelerado processo de envelhecimento populacional, e que permite, desta forma, uma observação detalhada das características específicas das populações que vivenciam tal processo. Foram utilizadas as informações censitárias a partir de 1970 para a construção dos indicadores, procurando-se observar a evolução das características apresentadas até os dias atuais. PALAVRAS-CHAVE: ENVELHECIMENTO – FAMÍLIA – DOMICÍLIOS Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). O objetivo deste trabalho é demonstrar que uma população envelhecida apresenta características peculiares no que diz respeito à organização e à distribuição dos indivíduos nos diversos aspectos da população. Por apresentar tais características, uma elevada proporção de idosos em uma determinada população produz um cenário diferenciado no âmbito das relações sociais e da inserção dos indivíduos nas variadas dinâmicas ali se desenrolam. Observando as diversas formas de organização familiar e domiciliar entre os indivíduos, é possível constatar um padrão diferenciado em relação à este tipo de organização dentre a população idosa. Analisando a distribuição da população idosa no município de Santos-SP, segundo os dados dos censos de 1991 e 2000, pode-se avaliar a distribuição destes indivíduos de acordo com o número de moradores no domicílio no qual residem: Tabela 1: Domicílios segundo o número de moradores: Santos-SP Pessoas com 60 anos ou mais Número de Moradores por Domicílio 1991 2000 1 10,78 14,38 2 21,67 22,65 3 22,03 23,35 4 22,34 21,65 5 6 7 13,11 5,40 2,36 10,58 4,15 1,59 8 ou mais 2,31 1,66 Total 100,00 100,00 Fonte: Elaboração própria, NEPO/ UNICAMP, a partir dos Censos Demográficos do IBGE. Percebe-se um aumento significativo no percentual dos indivíduos residentes nos domicílios unipessoais, característica esta marcante nas populações que apresentam uma elevada proporção de idosos. Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Mais importante ainda é observar estes dados de forma comparativa entre os grupos etários, o que tornaria possível a formulação de hipóteses que discutiriam a particularidade na organização familiar e domiciliar dos sujeitos de acordo com a etapa do curso de vida pelo qual cada grupo etário estaria vivenciando. A pesquisa domiciliar desenvolvida pelo Projeto Vulnerabilidade/NEPO/UNICAMP permite esta observação, comprovando a idéia de que existem características específicas na distribuição domiciliar dos indivíduos de acordo com a sua faixa etária: Tabela 2: Domicílios segundo o número de moradores e Faixa Etária: Santos-SP Pesquisa Domiciliar 2007 Número de Moradores 1 2 3 4 5 6 7 8 Total Fonte: Elaboração própria, FAPESP/CNPQ. Grupo etário 0 a 14 15 a 59 60 anos ou mais 0,00 3,28 21,31 4,15 15,43 46,31 23,24 30,96 17,01 35,68 28,67 10,68 16,18 12,69 1,68 12,86 5,58 2,67 5,39 2,30 0,33 2,49 1,09 0,00 100,00 100,00 100,00 a partir da Pesquisa Domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Os dados mostram a elevada concentração do grupo idoso nos domicílios menores, em especial aqueles com 1 e 2 moradores, o que não ocorre com os grupos de jovens e adultos, que se mostram mais significativos nos domicílios contendo entre 3 e 5 moradores. A representatividade dos idosos nos Domicílios Unipessoais pode ser reforçada quando se observa a distribuição destes tipos específicos de domicílio segundo a faixa etária do responsável por ele. No ano 2000, cerca de 64% dos domicílios unipessoais chefiados por mulheres eram formados por idosas, ao mesmo tempo em que os mesmos tipos de domicílio chefiados por homens tinham aproximadamente 27% de idosos como responsáveis, como ilustram os gráficos a seguir: Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Gráfico 1: Domicílios unipessoais segundo a faixa etária do responsável pelo domicílio: Santos-SP Dom icílios Unipessoais com Responsável do Sexo Masculino segundo o Grupo Etário do Responsável pelo Dom icílio - Santos, ano 2000 10 a 14 ano s 15 a 19 ano s 60 anos ou mais 27% 20 a 24 ano s 25 a 29 ano s 30 a 34 ano s 35 a 39 ano s 40 a 44 ano s 45 a 49 ano s 50 a 54 ano s 55 a 59 ano s 60 ano s o u mais Dom icílios Unipessoais com Responsável do Sexo Fem inino segundo o Grupo Etário do Responsável pelo Dom icílio - Santos, ano 2000 10 a 14 ano s 15 a 19 ano s 20 a 24 ano s 25 a 29 ano s 30 a 34 ano s 35 a 39 ano s 60 anos ou mais 64% 40 a 44 ano s 45 a 49 ano s 50 a 54 ano s 55 a 59 ano s 60 ano s o u mais Fonte: Elaboração própria, NEPO/ UNICAMP, a partir dos Censos Demográficos do IBGE. A elevada parcela de mulheres idosas como responsáveis pelos domicílios unipessoais pode ser explicada, dentre outros fatores, pela viuvez, condição esta que atinge proporções bem mais elevadas entre as mulheres do que entre os homens, devido principalmente à maior longevidade delas em relação a eles. Por outro lado, percebe-se uma proporção bem maior de homens casados em relação às mulheres na mesma condição. Os dados abaixo realçam a grande diferença existente entre homens e mulheres nesse aspecto: Tabela 3: Estado conjugal: Santos-SP Pessoas com 60 anos ou mais de idade 1980 1991 2000 Estado Conjugal Solteiro Casado Separado/Desquitado/Divorciad o Viúvo Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres 6,27 78,87 9,02 38,16 5,93 80,17 8,73 38,68 8,01 75,63 12,30 35,67 2,75 3,24 4,1 6,14 6,08 5,35 10,93 47,95 9,8 46,46 10,27 46,69 Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Total 100,00 100,00 100,00 Fonte: Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000, IBGE. 100,00 100,00 100,00 É importante destacar que o fato de um indivíduo idoso residir sozinho não significa que não mantenha qualquer tipo de relação com os seus parentes, e muito menos que não exista uma troca de recursos e um auxílio mútuo entre eles, podendo ser esta troca financeira, psicológica ou um auxílio na rotina diária de acordo com as necessidades de cada sujeito. Esta dinâmica de trocas entre gerações pode ser exemplificada pelo trabalho de campo realizado por Lloyd-Sherlock (2001) na Cidade de São Paulo, onde o autor registrou que grande parte dos idosos entrevistados, independentemente de seu tipo de residência, afirmou despender uma parte considerável dos seus recursos financeiros com gastos com os seus netos, em detrimento até mesmo de suas próprias necessidades. A dinâmica conjunta destes fatores, tais como a grande representatividade dos idosos nos domicílios unipessoais e o aumento da expectativa de vida, produz um efeito sobre as taxas de chefia dos domicílios. Se pensarmos que os idosos se tornam cada vez mais representativos na dinâmica familiar, seja em termos quantitativos como membros do domicílio, ou em termos qualitativos, no que diz respeito à provisão de recursos e acerca das relações de dependência, as taxas de chefia podem servir como um bom indicador para ilustrar este novo cenário: Tabela 4: Taxas de Chefia: Santos-SP Taxas de Chefia Domiciliar 1980 1991 15 a 19 anos 2,27 0,92 20 a 24 anos 15,21 9,46 25 a 29 anos 32,16 25,36 30 a 34 anos 42,44 39,17 35 a 39 anos 47,24 46,48 40 a 44 anos 50,58 48,16 45 a 49 anos 52,45 54,05 50 a 54 anos 55,89 55,13 55 a 59 anos 55,97 57,34 60 anos ou mais 54,75 56,05 Fonte: Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000, IBGE. Grupos etários 2000 0,99 8,06 23,85 37,07 42,88 49,80 53,31 55,63 58,28 59,88 Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Pode-se observar que os grupos etários mais jovens, no caso aqueles com até 44 anos de idade, apresentam taxas decrescentes no período observado. Ao contrário, os grupos etários mais velhos, no caso aqueles com 50 anos em diante, apresentam taxas crescentes. Como precisamente definiu Camarano (2004), devemos pensar essa questão a partir da distinção entre famílias de idosos, que seriam aquelas onde estes seriam considerados os chefes do domicílio, e as famílias com idosos, caracterizadas pela existência de pessoas idosas, mas não consideradas como responsáveis pelo domicílio. Os dados acima nos permitem refletir acerca da relação existente entre o processo de envelhecimento populacional e as formas de organização domiciliar, assim como as questões que envolvem as dinâmicas que se desenrolam neste ambiente. Seria possível afirmar que, nas populações mais envelhecidas, os idosos se tornariam cada vez mais elementos determinantes na dinâmica familiar, através das trocas em diversos níveis que realizariam com os demais membros, reforçando a idéia de que “à medida em que se altera a composição etária da família, alteram-se as expectativas em relação aos ocupantes das posições e a qualidade da interação entre os membros da família”. (Hill, 1970:9) Com base nestas breves observações, podemos afirmar que, na medida em que se tornam quantitativamente mais representativos, inclusive no que diz respeito ao tempo de convivência com os demais membros da unidade familiar devido ao aumento da longevidade, os idosos adquirem também um maior status na hierarquia e nas trocas intergeracionais entre os membros de um domicílio. Tais relações devem ser pensadas sob o aspecto da troca dos recursos disponíveis por cada membro na dinâmica familiar, onde “the family is evidently a great source of social solidarity and gossip but it is also much more: it is a very practical source of material help in coping with problems…”. (Pahl e Wilson, 1988:249) O fluxo e o significado destas trocas seriam determinados pelas condições e características específicas de cada um dos membros, o que envolveria Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). relações de dependência e assistência diferenciadas, de acordo com cada ambiente familiar: “There is a family network, if not precisely a modified extended family, and it is based upon voluntary exchanges, with the amount and direction of flow affected by the relative resources at the disposal of generations”. (Hess e Waring, 1978:308) Assim sendo, as dinâmicas observadas entre os idosos e os demais membros de uma unidade familiar, seja nos casos de famílias conviventes em um mesmo domicílio ou no caso dos idosos que residem sozinhos, se configuram como um valioso objeto a ser investigado cientificamente em maiores detalhes, investigação esta que pode interessantes constatações acerca das novas tipologias de relações sociais que se configuram em um cenário de envelhecimento populacional. BIBLIOGRAFIA: Camarano, A. A. (Org.) - Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60? (2004) – Rio de Janeiro, IPEA. FIBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – _________ - Censo Demográfico, Rio de Janeiro, 1980. _________ - Censo Demográfico, Rio de Janeiro, 1991. _________ - Censo Demográfico, Rio de Janeiro, 2000. Hess, B. B. e Waring, J. M. (1978) – Changing Patterns of Aging and Family Bonds in Later Life – Family Coordinator, v.27, n° 4, p.303-14. Hill, R. – Family Development in Three Generations (1970) – Cambridge, Massachusetts, Schenkman Publishing Company. LLOYD-SHERLOCK, P. (2001) - Living arrangements of older persons and poverty - Population Bulletin of the United Nations — Special Issue, p. 42-43. Núcleo de Estudos de População/UNICAMP (2007) – Pesquisa Domiciliar do ProjetoVulnerabilidade FAPESP/CNPQ – Campinas, Brasil. Wilson, P. e Pahl, R. (1988) – The Changing Sociological Construct of the Family – The Sociological Review, February, 1988. AUTOR: Fabio Roberto Bárbolo Alonso – Doutorando e Pesquisador CNPQ em Demografia junto ao Núcleo de Estudos de População da UNICAMP/SP; Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF/RJ; Bacharel em Ciências Sociais pela UERJ/RJ. Endereço eletrônico: [email protected]