Instalações de balanços nos espaços públicos: o que elas nos revelam
sobre a produção das cidades contemporâneas?
Jana Miranda Mendes Lopes (1)
(1) Institut d’Urbanisme de Paris – IUP - UPEC, França. E-mail: [email protected]
Resumo: Esse trabalho se interroga sobre o número crescente de instalações de balanços em cidades ao
redor do mundo, especialmente na Europa e na América, a partir dos anos 2000. Esses balanços fazem
parte de instalações efêmeras, experimentais, que visam à apropriação de espaços públicos de forma
lúdica e inovadora. Essas instalações são propostas por diferentes agentes, tais como artistas, arquitetos,
designers e publicitários. Elas partem tanto de iniciativas espontâneas, individuais, como do poder
público ou ainda de grandes empresas privadas. Desse modo, o dispositivo lúdico “balanço” sai dos
parques infantis e é ressignificado de forma plural por práticas como a arte, o marketing urbano, ou
ainda por campanhas de comunicação. Ele se torna um elemento urbano apropriado para responder a
certos valores, desejos e necessidades do mundo atual. Cada instalação apresenta diferentes formas de
pensar e agir nos espaços públicos, formas que fogem da lógica convencional de produção das cidades
contemporâneas.
Palavras-chave: instalações lúdicas, balanços, espaços públicos, cidades contemporâneas.
Abstract: This work wonders about the growing number of swings installations in cities around the
world, especially in Europe and America since the 2000s. Those swings are part of ephemeral and
experimental installations, which aim at appropriation of public spaces in a playful and innovative way.
Those installations are proposed by different stakeholders, such as artists, architects, designers and
admen, and supported by spontaneous and individual initiatives, such as the government or big private
companies. Thus, the ludic device "swing" goes outside playgrounds and it’s “re-signified” in a plural
way by practices such as art, urban marketing, or by communication campaigns. It becomes an
appropriate urban element to answer certain values, wishes and needs of today's world. Each installation
presents a different way of thinking and acting in public spaces, shapes that fleeing the conventional logic
of contemporary cities’ production.
Key-words: ludic installations, swings, public spaces, contemporary cities.
1. INTRODUÇÃO
Quando andamos por nossas cidades brasileiras nos deparamos cada vez mais com espaços públicos 1
esvaziados, sem manutenção, de difícil acesso, onde calçadas estreitas e esburacadas nos impedem de
caminhar. A maioria desses espaços é dedicada ao fluxo de pessoas, sempre em movimento, não sendo
pensados para serem apropriados para um tempo de estar, de espera, de descanso. Os espaços necessários
para veículos motorizados, tanto vias quanto estacionamentos, acabaram tomando um lugar central no
urbanismo de nossas cidades.
0F
Entendendo a produção de espaços públicos como expressão das lógicas econômicas, sociais, políticas,
estéticas e técnicas em vigor, nota-se que, desde a revolução industrial, as ruas foram alargadas e
preenchidas com códigos e sinalizações destinados à garantia da fluidez do “espaço de circulação”
(CHOAY, 2011). Essa estruturação se intensifica com os modernistas, que propõe a setorização da cidade
em zonas definidas por usos específicos e restritivos, de forma a simplificar a realidade urbana. Depois
1
Neste trabalho não entraremos na complexidade da noção de “espaço público”. Utilizaremos o termo no plural para
designar aqueles espaços de acesso ao público em geral, como ruas, praças, jardins, parques, etc., a fim de evitar a
ambiguidade no entendimento do termo no singular que denomina “não somente o lugar de debate público, da
confrontação de opiniões privadas que a publicidade se esforça de tornar públicas, mas também uma prática
democrática, uma forma de comunicação, de circulação de diversos pontos de vistas” (PAQUOT 2009, p. 03 –
Tradução livre).
desse período, as cidades começam a se transformar em “espaço de conexão”, caracterizado por uma
complexa multidimensionalidade e simultaneidade (CHOAY, 2011, p.57). Novos usos e significados são
absorvidos, principalmente devido ao desenvolvimento da telecomunicação e da informática.
No âmbito dessas cidades, produtivistas e funcionais, constatamos a proliferação de diversas intervenções
lúdicas instaladas nos seus espaços públicos, de tobogã para acessar uma estação de trem em Utrecht, a
escadas piano em Estocolmo, até balanço em ponto de ônibus de Londres. Essas intervenções, divulgadas
pela internet em sites e redes sociais, nos mostravam uma tentativa de tornar as cidades inóspitas,
monótonas, assépticas e homogêneas em espaços públicos mais conviviais, humanos, permeados de
surpresas e interações imprevistas.
O “brincar” foi então escolhido por seu potencial expressivo e sua capacidade de encantar as pessoas.
Essa questão nos chamou a atenção. Na maioria de nossas cidades, o lazer se encontra distanciado da vida
cotidiana. Ele tem que ser realizado em um espaço próprio, definido a essa função, como mais outro
espaço de consumo. No entanto, essas intervenções urbanas estavam utilizando dispositivos lúdicos de
forma descontextualizada do tempo, lugar e público habituais. As intervenções não foram instaladas em
“parques infantis” ou “áreas de jogo”, mas sim no meio do percurso cotidiano, fora do tempo livre, de
ócio e lazer, e foram destinadas principalmente a adultos.
Essas intervenções visavam estimular a apropriação dos espaços públicos e a convivência entre as
pessoas. A relação que elas estabelecem com os espaços onde os dispositivos lúdicos são instalados
transforma esses “espaços” em “lugares”. “Lugar” entendido para além de uma localização geográfica,
como uma construção subjetiva, resultado da experiência humana, um espaço vivido 2.
1F
Nossas pesquisas sobre intervenções lúdicas nos mostraram um fato interessante: a repetição do uso do
balanço como elemento desencadeador dessa nova relação a ser criada no espaço. A partir dos anos 2000,
em várias cidades do mundo, principalmente na Europa e na América, artistas, arquitetos, designers
começaram a propor a instalação de balanços a fim de ocuparem os espaços públicos de forma inovadora.
A maioria são instalações efêmeras, de caráter experimental e artístico. Percebemos também que apesar
da maioria das instalações serem realizadas por esses interventores supracitados, outros agentes também
incorporaram essa ideia, como o poder público e grandes empresas privadas. Esse fato serviu como um
convite à reflexão sobre essas instalações de balanços e nossas cidades.
1.1. Objetivo
No intuito de tentar decifrar novas lógicas de produção das cidades contemporâneas, decidimos utilizar as
instalações de balanço como um filtro, uma lente com a qual iríamos observar e analisar essa construção
de lugares. Notamos que essas instalações exprimem diversos pontos de vista, diversidade já perceptível
pela diferença de técnicas, materiais e lugares escolhidos para sua elaboração. Partimos então para a
identificação dos agentes interventores, seus objetivos, seus modi operandi, os lugares de instalação, os
materiais, os suportes, as potencialidades e os efeitos de cada intervenção.
1.2. Justificativa
Baseamo-nos na ideia de que a produção urbana não para nunca: ela é constantemente atualizada para
responder às necessidades e anseios dos seus moradores e também dos seus gestores. No entanto, é
importante ressaltar que ela não é produzida apenas por atores convencionais do urbanismo. Nesse caso,
nós entendemos o balanço como elemento urbano capaz de responder a novos valores da
contemporaneidade. Esse elemento sai do seu âmbito funcionalista, reduzido geralmente ao lazer infantil,
e é ressignificado por outras práticas, como, por exemplo, artísticas, de marketing urbano ou ainda por
campanhas de comunicação. Além disso, percebemos que o lúdico é objeto de discussão nos meios da
psicologia, pedagogia, antropologia e sociologia, mas ele é pouco tratado no domínio do urbanismo.
Desse modo, com o aumento de instalações lúdicas pelos espaços públicos, pensamos que esse é um tema
2
Conceito definido pela Geografia Humanística, linha de pensamento com bases metodológicas associadas à
fenomenologia e ao existencialismo, que valoriza as relações de afetividade que os indivíduos estabelecem em
relação ao ambiente.
importante a ser inserido nas pesquisas urbanísticas e arquitetônicas que pensam a produção e o futuro
das cidades.
1.3. Metodologia
Diferentes metodologias foram utilizadas. Primeiramente, realizamos uma pesquisa documental sobre a
temática do jogo e do lúdico. Em seguida, pesquisamos sobre definições e histórico do “balanço”, e sobre
os temas que foram levantados a partir das intervenções como “arte urbana”, “marketing urbano” e
“estratégias de marketing” de grandes empresas. Paralelamente a essa etapa, foi conduzida uma pesquisa
na internet para coletar dados empíricos. Num primeiro momento, as palavras – chave “instalações
lúdicas”, “instalações de balanços” e “balanços” foram consultadas em ferramentas de busca da internet.
Esses termos foram procurados em português, francês, espanhol e inglês, com o objetivo de encontrar um
maior número possível referências. Dando continuidade, buscamos os sites oficiais dos criadores das
instalações e de entrevistas que foram feitas com eles, para conseguirmos informações mais completas. A
partir da sistematização desses dados nós identificamos as características comuns entre as instalações de
balanços e os classificamos em três categorias: arte urbana – pontual ou guerrilla, marketing urbano e
campanhas de comunicação.
Com o objetivo de ter uma abordagem mais qualitativa e confrontar as informações obtidas na internet,
nós tentamos entrar em contato, por email e por correio, com alguns autores das instalações.
Conseguimos enviar mensagens para quinze pessoas, das quais oito responderam positivamente que
poderiam ajudar com a pesquisa. Depois desse primeiro contato, apenas uma pessoa se colocou
disponível para responder a algumas questões. Desse modo foi possível realizar uma entrevista presencial,
semi-diretiva, com o arquiteto Mathieu Lamour, um dos responsáveis pelo projeto “Défense de Jouer”,
em Paris. Ademais, a fim de trazer uma abordagem do ponto de vista das pessoas que experimentaram as
instalações de balanços, aproveitamos que o projeto “21 Balançoires” aconteceu em Montreal no período
que estávamos realizando a pesquisa e então elaboramos um questionário online, no site “Survey
Monkey”. Durante um mês e meio, conseguimos coletar vinte e oito respostas que nos permitiram
explorar questões qualitativas a partir da perspectiva dos utilizadores destas instalações balanços.
A primeira parte desse artigo é consagrada às ressignificações do balanço, encontradas antes dele ser
descontextualizado dos parques infantis e ser considerado como um “elemento urbano contemporâneo”.
A segunda parte apresenta as primeiras instalações de balanços como elementos urbanos artísticos. Na
terceira parte, mostramos o balanço como elemento de marketing urbano, apropriado pela iniciativa
pública com o objetivo de promover a imagem de alguns territórios. Enfim, antes de chegarmos às
considerações finais, a quarta parte traz os exemplos do balanço sendo utilizado em campanhas de
comunicação de grandes empresas, a fim de construir uma imagem positiva de suas marcas.
2. AS RESSIGNIFICAÇÕES DO “BALANÇO”
O balanço nem sempre se referiu apenas a um mero dispositivo lúdico infantil. Ele passou por algumas
ressignificações até se transformar, a partir dessas instalações lúdicas pelos espaços públicos, no que
chamamos de um “elemento urbano contemporâneo”. Desde a antiguidade o balanço é representado em
vasos gregos de 500 a.C. . Esses vasos nos remetem à sua origem mitológica, que faz parte do rito de
Aiora (balanço em grego), uma festa ática (da região onde se localiza Atenas), onde jovens moças ou
bonecas eram balançadas em cordas penduradas em árvores, em honra à Érigone, moça que se suicidou
após saber do assassinato de seu pai, Icaros.
Essa lenda conta que o camponês Icaros recebeu em sua casa o deus Dionísio, sem saber quem ele era.
Para agradecer-lhe por sua hospitalidade, o Deus lhe ensinou o segredo do cultivo de uvas e da produção
de vinho. Icaros fabricou então um pouco de vinho e convidou outros camponeses para beber. Sem
conhecer o efeito da bebida, eles acharam que foram envenenados e mataram Icaros. Quando sua filha,
Érigone, encontrou o cadáver do pai, ela se enforcou pendurada em uma árvore. Dionísio então, para
vingar Érigone e Icaros, provocou uma série de mortes similares de meninas da aldeia, penduradas em
árvores. A fim de cessar esta tragédia, a festa ritual Aiora foi instituída e meninas ou bonecas eram
balançadas nas árvores, para “enganar” o Deus e assim acabarem com as mortes.
Existem inúmeras variações sobre esta lenda e seu significado permanece impreciso. No entanto, como
esta festa acontecia durante o verão, quando as uvas começam a amadurecer, e “Érigone” em grego
significa “filha da Primavera”, este ritual é considerado uma celebração da fertilidade agrária. Outros
autores acham que é um rito de expiação e purificação que substituiu os sacrifícios humanos e de animais.
Faz-se também a associação com os princípios de fertilidade devido à relação entre os frutos que se
balançam na árvore e o movimento do balanço (LHÔTE, 1994, p. 398).
O balanço foi bastante representado no mundo da pintura, desde o século XVIII, compondo cenários
bucólicos de encontros amorosos, em contato com a natureza, como pode ser visto no quadro “Les
Hasards heureux de l'escarpolette” (Os Acidentes Felizes do Balanço) de Fragonard, e no quadro “La
balançoire” (O balanço) de Renoir. Entretanto, é interessante ressaltar que o balanço não é apenas um
símbolo ocidental. Na Índia, ele é relacionado ao nascer do sol no céu, devido ao arco circular desenhado
a partir do movimento que o balanço traça no ar. Já na Coréia do Sul o balanço é encontrado em um
grande festival agrícola milenar, o Danoje de Gangneung, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade
pela UNESCO. Neste festival, ritos xamânicos, budistas e confucionistas coexistem. Eles são dedicados
aos deuses para que a região seja protegida de catástrofes naturais e que seu povo viva em paz e
prosperidade. O balanço pendurado em uma árvore é uma das brincadeiras folclóricas mais populares,
apreciado pelas mulheres, onde aquele que balançar mais alto é o vencedor da competição.
No final do século XVIII, os balanços foram associados à ideia de uma “recreação saudável”. Em 1787,
em Londres, depois de estudos sobre os efeitos da cinética e da gravidade para a saúde, o médico e
escritor escocês James Carmichael Smith publicou um estudo sobre os efeitos de se balançar (“Account of
the Effects of Swinging”). O balanço foi recomendado para idosos e pessoas com sobrepeso como uma
cura para tuberculose e febre crônica. Este relatório ajudou a colocar o balanço em “spas” e ginásios, que
na época eram considerados espaços “semi-públicos”.
Já em meados do século XIX, o educador alemão Friedrich Fröbel foi um dos primeiros a reconhecer a
importância do brincar para o desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social das crianças. Ele
propôs o “kindergarten” (jardim de infância) na Alemanha, a fim de estimular atividades ao ar livre,
como jardinagem e passeios. Assim, a Alemanha influenciou muitos países, incluindo os Estados Unidos,
que começaram a implantar dispositivos lúdicos em jardins e áreas abertas. O desenvolvimento dessas
áreas se difundiu rapidamente nas cidades ocidentais, de modo a incitar o aparecimento de uma “indústria
de playgrounds” no início do século XX, alimentada por urbanistas, designers, construtores e fabricantes
de equipamentos lúdicos. O modelo de parque infantil foi então criado e os balanços faziam parte dos
equipamentos básicos, assim como escorregadeiras e gangorras (FROST, 2012).
Depois desse período, os parques infantis foram mudando, se adaptando, e alguns equipamentos
tradicionais foram sendo substituídos por outros elementos capazes de estimular a imaginação infantil.
Desde os anos 80, eles passaram a ser normatizados e padronizados. Atualmente, o balanço vem
desaparecendo dos parques, sendo substituído por outros dispositivos considerados mais seguros, com
menos riscos de acidentes. Algumas normas para os balanços definem as dimensões dos acentos,
distância entre eles, do espaço livre entre o chão e a borda inferior, dentre outros aspectos. Apesar dessa
realidade no âmbito infantil, os balanços começaram a aparecer fora dos playgrounds, sendo mais uma
vez ressignificado e incorporado como elemento de arte urbana.
3. O BALANÇO COMO UM ELEMENTO DE ARTE URBANA?
De objeto ritual, passando por brinquedo infantil, o balanço passou a ser encontrado em alguns espaços
públicos descontextualizado do seu ambiente habitual. Através do deslocamento desse dispositivo lúdico,
criaram-se novas formas de se opor à monotonia de nossas cidades. Identificamos um total de dezoito
pessoas ou grupos que, desde 2003 até 2014, instalaram balanços como elemento de arte urbana,
principalmente em cidades da América e da Europa. Dos diversos exemplos estudados foi possível dividilos em duas grandes categorias de intervenção: a de “instalações pontuais”, que foram realizadas uma vez,
em um local específico, e a de “guerrilla swings”, expressão difundida nos Estados Unidos para
caracterizar a disseminação de vários balanços pela cidade.
O termo “guerrilla”, de origem espanhola, significa a “guerra geralmente conduzida por partidários e
fundada na perseguição do adversário através de emboscadas e ataques imprevistos” 3. Esse vocábulo
começa a ser utilizado no mundo das artes para designar uma produção artística que parte da ideia de
resistência e oposição às regras. Desse modo, o termo é aplicado para definir o método de criação que
desenvolve “táticas” para inserir intervenções artísticas em lugares públicos, de forma anônima, repetitiva
e não autorizada.
2F
A noção de “tática” foi definida por Certeau (1990) como um cálculo que não dispõem de um lugar
próprio, nem de uma base onde garantir vantagens, ou uma visão globalizante. Em oposição, a
“estratégia” é um cálculo de equilíbrio do poder, onde a pessoa tem um poder político ou de decisão sobre
um lugar, que é suscetível a ser circunscrito como “próprio” e servir como base para a gestão de suas
relações. Enquanto que a estratégia se apoia no estabelecimento de um lugar que o tempo oferece, a tática
é formada por processos móveis que se aproveitam de ocasiões que podem ser transformadas em
circunstâncias favoráveis, podendo apenas manipular e desviar, enquanto que as estratégias podem
produzir e impor.
Desse modo, instalar balanços tornou-se uma “tática” urbana que transforma os espaços públicos em um
“campo de batalha”, a fim criar um contraste com a realidade cotidiana. Não apenas as “guerrilla swings”
podem ser consideradas como uma tática, mas também as “instalações pontuais”, pois embora elas
operem de forma diferente, elas se aproveitam da oportunidade momentânea e agem nos espaços públicos
de forma imprevisível e flexível, fazendo com que as pessoas criem uma relação com esses espaços, os
transformando em “lugares”, em espaços vividos.
Diversos balanços foram instalados por artistas, arquitetos e designers, embaixo de viadutos e pontes, em
mobiliários urbanos, como paradas de ônibus, painéis de sinalização, monumentos históricos e até em
vagões de metrô. Esse dispositivo lúdico foi escolhido pela sua facilidade de execução, instalação prática
e barata. Os materiais utilizados, a maioria reciclados, foram: madeira, pneus, cordas ou correntes
metálicas. Ou seja, é uma solução simples e pouco espetacular. Esta produção espontânea aparece como
uma alternativa flexível e temporária para produção convencional das cidades. A instalação desses
balanços subvertem as regras de ocupação desses espaços públicos submetidos a regras estabelecidas e
normas de uso comumente reconhecidas. Além disso, o balanço representa um símbolo da infância, do
prazer e da alegria, tudo aquilo que contrasta com a prática regrada dos espaços públicos.
3.1. “Instalações pontuais”
Encontramos um total de dez instalações pontuais: três nos Estados Unidos (Nova York, São Francisco e
Milwaukee), três na Europa (Londres, Amsterdã e Varsóvia), duas nos Brasil (Salvador e São Paulo), uma
no Canadá (Toronto) e uma em Cuba (Havana, realizada pelo mesmo autor da instalação canadense).
A primeira instalação de balanço encontrada foi elaborada pelo artista canadense Corwyn Lund, em
setembro de 2003, em um pequeno espaço entre dois edifícios de Toronto. Feito com correntes metálicas
e acento emborrachado, essa instalação realizada sem autorização recebeu bastante apoio da população
que o batizou de “secret swing” (balanço secreto). Em 2005 esse balanço foi retirado anonimamente, mas
duas pessoas, que não o artista inicial, o reinstalaram um mês depois (Figura 1), escrevendo em seu
acento que “O balanço secreto pertence à população de Toronto”. Em 2006 o acesso a esse espaço foi
fechado e o balanço definitivamente removido. Dois meses depois da instalação do primeiro balanço,
Corwyn Lund levou sua ideia a Cuba, instalando também um balanço entre dois prédios de Havana,
durante o Encontro Internacional de Intervenções Públicas da oitava Bienal de Havana.
Outra instalação pontual inserida com a ideia de melhorar o espaço para o uso coletivo foi realizada por
um grupo de artista e ativistas urbanos, dirigido por Keith Hayes. Eles criaram o projeto “pop up park
swing” nos Estados Unidos, em 2012, que é um parque de balanços feitos de pneus reciclados sob a ponte
Marsupial e o viaduto Holton, duas grandes estruturas viárias que se sobrepõem na cidade Milwaukee, em
Wisconsin. Eles partiram da ideia de transformar esse espaço não só num lugar de lazer, mas também
como um ponto de partida para a discussão sobre como ativar espaços abandonados nas cidades.
3
Le Trésor de la Langue Française informatisé, disponível em : http://www.cnrtl.fr. Acesso em 03 jul. 2014. 3.2. “Guerrilla swings”
Encontramos nove grupos que realizaram “guerrillas swings” pelo mundo, três da Europa (Estocolmo,
Berlim e Paris) e seis dos Estados Unidos (dois em São Francisco, e as outras em Berkeley, Austin, Saint
Petersburgo, Dallas). Esses grupos instalaram diversos balanços em cerca de vinte e seis cidades.
A primeira guerrilla de balanço foi realizada por Akay e Peter, conhecidos como The Barsky Brothers.
Segundo eles, suas intervenções expressam suas ideias e pensamentos, e a cidade é como um grande
playground onde eles querem se divertir. Foi pensando assim que, durante o verão de 2004, em
Estocolmo, eles instalaram sessenta e cinco balanços sob pontes, viadutos, pontos de ônibus e outras
estruturas nos arredores da cidade (Figura 2). Os balanços foram feitos a partir de sucata, tais como
madeira, pneus de carro, caixas plásticas de leite, e corda. Todas as instalações foram rapidamente
removidas pelo poder público.
As guerrillas swing nos Estados Unidos começaram também desde 2004 e foi onde encontramos mais
adeptos. O americano Jeffrey Waldman foi um dos artistas que, inspirado por outras “guerrillas swings”
realizadas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, decidiu também adotar essa tática em 2010.
Waldman começou a instalar balanços com amigos em espaços inusitados de São Francisco, Ilhas
Marshall e Panamá, como pontes, viadutos e árvores. Eles pintaram o email do projeto nos assentos e
assim tiveram um retorno das pessoas que experimentaram os balanços. Essas pessoas escreveram
contando que acharam uma surpresa agradável encontrar um balanço no meio do caminho, mudando
assim o dia delas. Com esse retorno positivo, o artista resolveu continuar as instalações e espalhar mais
balanços pelas cidades. Então em 2011, ele inscreveu seu projeto para concorrer o subsídio de $ 1.000
dólares oferecido mensalmente pela “The Awesome Foundation”. Ele ganhou esse valor e o utilizou para
instalar cinquenta balanços em Los Angeles. Com um vídeo dessas instalações ele divulgou seu trabalho
no site Kickstarter, no intuito de conseguir um financiamento coletivo de $11.200 dólares para instalar
balanços na Bolívia e produzir um documentário sobre o processo. Depois dessas instalações em La Paz,
ele participou de uma campanha publicitária da Coca-Cola, instalando balanços em diversas cidades
latino-americanas.
O sucesso dessas intervenções e o potencial do lúdico sobre as pessoas também foi percebido por algumas
instituições públicas que resolveram adotar essa prática de “espalhar” instalações lúdicas pelos espaços
públicos, nesse caso para promover seus territórios. Assim, o balanço sai dessa esfera “alternativa” e
passa a ser legitimado e apropriado como um elemento de marketing urbano.
FIGURA 1 – Secret Swing de Corwyn Lund, em Toronto.
Fonte: Fotografia de HiMY SYeD. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/photopia/sets/1635408/ Acesso em: julho 2014.
FIGURA 2 – Instalação de balanço em parada de
ônibus de Estocolmo, por Akay e Peter . Fonte :
KIDPELE et al. I. Urban Recreation: akay et peter =
barsky brothers 2006.
4. O BALANÇO COMO ELEMENTO DE MARKETING URBANO?
A competitividade territorial está cada vez mais forte entre as cidades, na incessante busca de atrair mais
capitais e investimentos. O marketing urbano aparece como uma abordagem estratégica, a fim de
promover a imagem da cidade e, assim, suscitar o interesse de empresas e turistas de modo a impulsionar
a economia das cidades. Por sua vez, o balanço aparece como um elemento ideal para realizar essa
mudança na imagem da cidade e criar uma ambiência lúdica, descontraída e alegre.
Nós encontramos quatro exemplos de instalações de balanços usadas como elementos estratégicos do
marketing urbano, escolhidos para integrar projetos de iniciativa pública. Eles já não apresentam a
espontaneidade e informalidade das instalações anteriores, sendo concebidos formalmente e de maneira
espetacular, fabricados com materiais mais elaborados, caros e tecnológicos.
Um exemplo encontrado foi o balanço instalado pelo arquiteto Didier Fiuza na Bienal de Shenzhen et
Hong Kong de Urbanismo e de Arquitetura de 2009, evento organizado pelo governo chinês para
desenvolver estas duas cidades vizinhas. Outra instalação de balanço foi elaborada, em 2012, pelo
coletivo Moradavaga, na frente do Centro Nacional das Artes José de Guimarães, em Guimarães, cidade
portuguesa selecionada como capital europeia da cultura deste ano.
Também em 2012, uma instalação foi realizada por um coletivo de arquitetos de Nantes, chamado Nude,
em La Défense, bairro empresarial de Paris. A instalação foi desenvolvida para a primeira Bienal “Forme
Publique” (Forma Pública), de criação de mobiliário urbano. Essa Bienal, juntamente com outros projetos
de marketing urbano, visou modernizar e desenvolver essa área, símbolo de poder econômico da França.
A proposta pretendia atualizar sua imagem e seu urbanismo ultrapassado, dos anos sessenta, de modo que
o bairro continuasse a ser bem posicionado na concorrência internacional. A Bienal durou de março de
2012 a fevereiro de 2013, onde as pessoas puderam experimentar oito diferentes protótipos inovadores de
mobiliários urbanos.
O mobiliário de instalação dos balanços teve a intenção de transformar os enormes espaços públicos dessa
área em espaços de encontro, relaxamento e liberdade. Ele foi elaborado em estrutura metálica, composto
por três árvores, cada uma com dois balanços pendurados (Figura 3). O chão foi coberto por uma resina
emborrachada que definia o “espaço de brincar” e um tracejado no chão delimitava a “zona de influência”
de cada balanço. A instalação foi considerada bem sucedida pelos seus propositores, que tiveram um
retorno positivo por parte dos usuários, que paravam surpresos diante da estrutura. No entanto, houve
também algumas reclamações por parte dos moradores locais, devido ao barulho provocado pela
instalação. A apropriação desse mobiliário não pôde ocorrer de forma espontânea, uma vez que os autores
foram obrigados a colocar uma placa de proibições como “não se jogar do balanço”, “proibido animais”,
“uma pessoa por assento”, etc. e a instituição responsável pela bienal colocou câmeras de vigilância e
vigias noturnos que circulavam pelos locais das instalações, para evitar possíveis depredações dos
mobiliários. Desse modo, o que era para ser um "espaço de liberdade", segundo os arquitetos, se tornou
em um espaço de restrição.
O exemplo de instalação de balanço mais conhecida é a “21 Balançoires” (Figura 4), de Montreal,
instalada toda primavera desde 2011 no Promenade dos Artistas, localizado no Quartier des Spectacles.
Esse projeto foi elaborado pelo estúdio “Daily tous le jours”, com o objetivo de estimular a apropriação
desse novo espaço da cidade. Esse promenade integra um grande projeto de urbanização dessa zona
artística, próxima do centro da cidade, estrategicamente elaborado pela prefeitura com o objetivo de se
transformar em uma “metrópole cultural”, assegurando a imagem de uma cidade convivial, caracterizada
por uma efervescência cultural e criativa. A cultura foi então enfatizada para redinamizar a economia, se
fazer atrativa e se valorizar no contexto de competitividade internacional.
A instalação dos “21 Balançoires” foi pensada pelas artistas-designers Mouna Andraos e Melissa
Mongiat como uma proposta capaz de reunir as pessoas em torno de um espaço urbano agradável e
poético, em meio a um mundo caótico e estressante. Elas queriam um mobiliário urbano que criasse
novas formas de interação e participação. Assim, o balanço pareceu ser o elemento ideal, por ser simples
e facilmente reconhecível pelas pessoas, mas que desperta curiosidade quando instalado fora dos parques
infantis. Além disso, para estimular ainda mais a interação e cooperação entre as pessoas, elas
desenvolveram, juntamente com o professor Luc-Alain Giraldeau, um mecanismo musical nos assentos
dos balanços. Cada assento emite um som quando balançado, e em grupo é possível desenvolver
diferentes melodias, transformando essa instalação num enorme instrumento coletivo. Foi desenvolvido
um sistema altamente tecnológico, com dispositivos musicais e de iluminação, com cores fortes como
laranja, rosa, verde e azul, que reforçam seu caráter espetacular.
As pessoas receberam essa instalação de forma bastante positiva. O que era para ser uma instalação única
tornou-se um “evento de primavera” do bairro, devido ao entusiasmo do público, que vai de crianças a
idosos. A maioria achou uma ideia inovadora, agradável, que favoreceu ao encontro com o outro. Além
disso, o fato dos balanços terem sido instalados num local que normalmente é de passagem (um ponto de
ônibus ao lado da saída do metro, com uma ciclovia) mudou a dinâmica desse espaço de circulação e o
transformou em um lugar de permanência.
Ao longo da pesquisa notamos também que a criação de uma marca positiva e lúdica através do balanço
não é uma prática exclusiva da iniciativa pública. Grandes empresas privadas também perceberam o
poder deste elemento lúdico e decidiram adotar o balanço em suas campanhas de comunicação.
FIGURA 1 – “Défense de jouer”, coletivo Nude, Paris.
Fonte: Elaborada pela autora, 2012.
FIGURA 2 – “21 Balançoires”, por Daily tous les
jours, Montreal. Fonte: Fotografia de Olivier Blouin.
Disponível em: http://www.dailytouslesjours.com/.
Acesso em: julho 2014. 5. O BALANÇO COMO ELEMENTO DE CAMPANHAS DE COMUNICAÇÃO?
As empresas privadas estão mudando suas estratégias de desenvolvimento para melhor refletir as
mudanças da sociedade. Num contexto de alta competitividade, avanço da tecnologia, ampla divulgação
de informações e também de consciência social e ambiental, as empresas estão desenvolvendo novas
estratégias de marketing que afetam as pessoas de forma diferente e agregam valor às suas marcas.
Algumas adotaram um tipo de marketing que acrescenta uma dimensão emocional e participativa em suas
campanhas. Com esse objetivo, a utilização de instalações lúdicas é muito recorrente, sendo as instalações
de balanços exemplos recentes e menos numerosos. Nós encontramos dois exemplos, uma ação
promocional da marca de água mineral Évian e outra da Coca-Cola, que exploraram as instalações de
balanços para criar uma experiência inovadora capaz de inserir um aspecto lúdico à imagem da marca e
construir outras relações com seus consumidores, cada dia mais exigentes e participativos.
No caso da Évian, marca de água mineral do grupo francês Danone, a empresa precisou investir em
campanhas de comunicação para superar os problemas da crise. Mesmo com sua água vendida em cerca
de 150 países e com um bom posicionamento no mercado, a Évian teve que enfrentar a concorrência com
outras marcas e a tendência em ser substituída por água de torneira. Além disso, eles resolveram também
investir na venda em “países emergentes” e em “responsabilidades ambientais” (como a produção de
embalagens recicláveis e a redução de emissão de carbono).
Assim, eles mudaram a estratégia anterior de comunicação, focada na qualidade da água e sobre as
benfeitorias para a saúde, e passaram a explorar um lado mais emocional, partindo para uma metáfora da
“fonte de juventude”. Suas propagandas que traziam bebês se comportando como adultos fizeram muito
sucesso, mas ainda foi necessário mudar a imagem de “marca de luxo”. Para isso, eles investiram mais
em vídeos publicitários destinados a internet, que são facilmente difundidos. Eles passaram também a
focar em “mídias ambiente”, que parte da criação de eventos promocionais inesperados, em espaços
urbanos estrategicamente escolhido para atrair um público-alvo. Esta técnica tem sido chamada de
“marketing de guerrilha”, termo usado desde os anos 1980, para designar as promoções originais de
pequenas empresas com baixo orçamento, mas que atualmente abarca de maneira generalizada diversos
métodos não convencionais de marketing.
Partindo desse conceito, no início de 2013, eles instalaram em Londres dois espaços lúdicos para adultos.
Uma instalação de balanço permaneceu durante três dias no bairro empresarial Canary Wharf (Figura 5),
e uma gangorra durante dois dias na Praça Finsbury Avenue, dois espaços bem ativos da cidade.
Superdimensionados para o uso adulto e pintados de rosa, estes brinquedos tinham uma alimentação
cinética que fazia com que neve falsa caísse com o movimento das pessoas. A campanha também teve
mídias externas, como painéis digitais nas escadas rolantes, telas nas estações de metro de Londres, e uma
enorme campanha de mídias sociais de Facebook, Twitter, Instagram, com vídeos difundidos no
YouTube. Esta campanha ganhou o prêmio internacional de publicidade e multimídia “Golden Montreux
2013”, como o melhor uso de “mídias ambiente”. A Évian também instalou, em maio de 2013, balanços e
gangorras em um centro comercial de Dubai, o “Mall of the Emirates” e no “Dubai International
Financial Centre”. No verão do ano seguinte, eles instalaram uma grande estrutura de brinquedos, com
balanços e outros equipamentos, no porto de Tel Aviv, Israel.
Estes eventos ajudam a fortalecer a fidelidade dos consumidores à marca a partir da associação a uma boa
lembrança, reforçada pela experiência. Além disso, o fato de ser uma ação inesperada estimula o público
a compartilhar a experiência pelas mídias sociais, de modo a multiplicar a publicidade, sem custo para a
empresa. As vantagens de tal campanha não são necessariamente o consumo direto do produto, mas a
formação de uma imagem positiva e a criação de uma ligação emocional entre os possíveis clientes.
Com relação à Coca-Cola, por treze anos a marca foi primeiro lugar no “Best Global Brand” (Melhor
Marca Global), o ranking anual das marcas mais importantes financeiramente, produzidos pela
Interbrand, mas em 2013 ela perdeu seu lugar para a Apple e Google, permanecendo em terceiro. Para
continuar com o bom posicionamento no mercado mundial, a Coca-Cola percebeu a necessidade de
acompanhar as “mudanças do mundo”.
Desse modo, para atender a um nova geração de consumidores, eles implementaram a estratégia do
“storytelling” (narração) dinâmica, que cria uma conversa com o público e desenvolve conexões afetivas
e emocionais mais profundas com os consumidores, especialmente os jovens, mais ligados à tecnologia e
à comunicação móvel. Seguindo esta estratégia, em 2012, o artista Jeffrey Waldman, já mencionado na
parte dos “guerrillas swings”, foi convidado a participar de uma campanha da Coca-Cola. Ele conta que
uma agência sócia da Coca-Cola viu o vídeo de suas instalações de balanços no YouTube e achou o
projeto ideal para a campanha, que queria mostrar “pessoas reais” em todo o mundo que levam a
felicidade para os outros. O artista viajou para Buenos Aires para filmar durante uma semana “atos de
pendurar balanços” pela cidade (Figura 6). O comercial, intitulado “Let’s Go Crazy” começou a ser
exibido no início de 2013. Eles criaram também uma versão latino-americana dessa campanha, que
também foi difundida pelo YouTube, onde realizaram um evento comunitário para que as pessoas
fabricassem e pendurassem balanços em parques e praças das cidades. O evento ocorreu simultaneamente
em El Salvador, Costa Rica, Colômbia, Equador, Honduras, Panamá, Nicarágua, Guatemala, República
Dominicana e México. Waldman continuou a trabalhar para a Coca-Cola dando palestras, consultas e
fazendo outras atividades. Ele declarou que já tinha recebido mais de $ 100.000 dólares por esse trabalho.
FIGURA 5 – Ação promocional da Évian, em Londres.
Fonte: Página Marketing Alternatif. Disponível em:
http://www.marketing-alternatif.com/2013/01/25/theevian-playground/. Acesso em: agosto 2014.
FIGURA 6 – Gravação da campanha da Coca-Cola, em
Buenos Aires. Fonte: Página de Jeff Waldman.
Disponível em: http://jeffwaldman.me/swings-the-cocacola-campaign/. Acesso em: julho 2014.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do jogo e da brincadeira fazerem parte da natureza humana, como afirma Huizinga, o lúdico foi
inibido do nosso cotidiano durante o período da modernidade, que o substituiu por interesses econômicos,
eficiência técnica e funcionalidade. No meio de cidades produtivistas e funcionais, as diversas instalações
de balanços propostas por diferentes agentes chamaram nossa atenção. Decidimos então analisá-las para
tentar entender o que este elemento lúdico revela sobre a produção contemporânea das cidades. Os
balanços guiaram nossas pesquisas e nos levaram a lugares surpreendentes, mostraram uma produção
incomum e heterogênea da cidade, que não poderíamos perceber se tivéssemos tomado outros caminhos.
Nós traçamos então uma “trajetória” de ressignificação do balanço, que viu seu sentido se transformar em
diversos momentos. De objeto ritual mitológico, símbolo da fertilidade, passando por cenários bucólicos e
chegando aos parques infantis normatizados e padronizados, o balanço foi descontextualizado a partir dos
anos 2000, quando começou a ser instalado em espaços públicos incomuns. A multiplicidade de
intervenções do mesmo gênero mostrou uma riqueza de particularidades de cada instalação de balanço,
revelando diferentes formas de pensamento e de ação nas cidades.
Primeiramente, a partir de uma abordagem sensível, artistas, arquitetos e designers transformaram o
balanço em um elemento de arte urbana, utilizado para redinamizar os espaços públicos e criar
experiências urbanas inesperadas, de maneira informal e espontânea. Essa produção da cidade não é
fundada numa urbanização que “vem de cima”, ela resulta de uma vontade de agir, de experimentar, de
ser agente produtor da cidade. A partir de um ativismo cultural, eles querem reivindicar a escala humana
nos espaços públicos, reativar vazios urbanos, encorajar a interação entre as pessoas, sem precisar esperar
os longos e lentos processos convencionais de urbanização. Suas intervenções provisórias e de baixo
custo, sem necessidade de autorização, acabam sendo mais ágeis e eficazes.
Após essas instalações artísticas vanguardistas e diante de uma recepção favorável da população, as
instalações de balanços entraram também no “jogo das cidades” que competem por um bom
posicionamento no mercado econômico. Assim, os balanços tornam-se um elemento de estratégia de
marketing urbano, sendo inserido em locais onde o poder público pretendeu dar valor a um território e
construir a imagem de uma “cidade lúdica”, “jovem” e “festiva”. O caráter subversivo, simples e
espontâneo anterior perde seu lugar para uma formalização e espetacularização. Neste sentido, a cultura, a
arte e os espaços públicos são vistos como elementos estratégicos para a construção de uma imagem
espetacular, de uma imagem publicitária. Os espaços urbanos são assim transformados em cenários,
pacificados e higienizados, dotados de um grande controle e monitoramento.
Não foram apenas as cidades que se engajaram em construir uma imagem positiva e alegre de si mesmas.
Notamos também que algumas grandes empresas estão se esforçando para renovar sua imagem e atender
às demandas de seus consumidores. Assim, as instalações de balanços foram integradas em campanhas de
comunicação de marcas como Évian e Coca-Cola, para proporcionar uma ligação mais emocional entre o
consumidor e a marca. A partir de novas estratégias de comunicação e de marketing, as grandes marcas
estão ocupando um espaço crescente na produção de espaços públicos. Por trás dessas iniciativas, resta a
reflexão sobre como o tema lúdico está sendo usado como pretexto para desviar a atenção do seu
verdadeiro objetivo econômico. A Coca-Cola, por exemplo, a partir da construção dessa busca pela
felicidade, associa a marca a uma memória positiva e se afasta do foco de várias críticas de seus produtos
ou seus meios de produção (como de possíveis danos saúde ou alegações de “trabalho escravo”).
De modo geral, a temporalidade dessas instalações é outra dimensão importante a ser tratada. Apesar de
elas terem sido instalações provisórias, efêmeras, elas foram difundidas posteriormente na internet 4,
através de fotos ou vídeos, onde acabaram alcançando mais pessoas e alimentando um imaginário de
cidade lúdica, muito mais virtual do que real.
3F
É interessante notar como as instalações de balanços saem de uma lógica subversiva e tática da arte
urbana, traçam uma trajetória de legitimidade e estratégica do marketing urbano, de modo a agregar valor
a um território, e, finalmente, chegam a ser capturadas e apropriadas em benefício de grandes marcas, em
4
Nós elaboramos um vídeo pot-pourri das diversas instalações divulgadas no YouTube. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=OSWWzyo-yBU
suas campanhas de comunicação. Mais quais são os limites dessa legitimação e captura? O balanço como
dispositivo capaz de reencantar o espaço urbano perde seu potencial anterior? O marketing urbano que
busca atrair mais investimentos e as marcas que usam a abordagem lúdica para aumentar o seu lucro, eles
também podem trazer melhorias para as cidades?
Observar os espaços públicos pelo prisma das instalações de balanços nos mostrou uma produção
bastante sintomática da sociedade contemporânea. O sucesso desses projetos é resultado da saturação do
modelo funcional demasiado racionalista e modernista. Assim, as instalações balanços respondem à busca
de mais trocas sociais, do crescente interesse no outro e pelo afeto em espaços públicos, mesmo que
momentaneamente. Pequenos momentos de alegria já foram incluídos na lógica econômica. As
efervescências lúdicas e os eventos festivos se proliferam em várias cidades. Enquanto eles ainda são
inovadores, continuam a se multiplicar.
Enfim, apesar dos diferentes interesses e formas agir, uma coisa que podemos perceber em todas essas
instalações de balanços, sejam elas concebidas por artistas, arquitetos e designers, ou pelo marketing
urbano ou por grandes marcas em suas campanhas de comunicação, é que cada uma considerou o brincar
como um elemento cada vez mais valorizado pela sociedade contemporânea e ao instalá-lo nos espaços
públicos, permitiu que houvesse uma apropriação diferente da cidade, fazendo com que as pessoas
desenvolvessem novas relações com esses “lugares”.
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Instalações de balanços nos espaços públicos: o que elas