Desempenho e Qualidade nas Organizações Públicas: Uma Reflexão Sobre Significados Todo signo sozinho parece morto. O que lhe dá vida? No uso ele vive. Tem então a viva respiração em si? Ou o uso é sua respiração? (Wittgenstein) Objetivos: Revisar os significados mais usados dos termos desempenho e qualidade. Refletir sobre os significados mais adequados para as organizações públicas. Relacionar estes significados com o processo de avaliação de políticas públicas. Os possíveis significados de desempenho: como desempenho dramático e cultural, na interação entre gerentes e outros membros da organização no processo de construção do sentido da identidade organizacional; como o resultado das atividades, sendo quantificável através da medição - p. ex: lucro, unidades de produto, etc. como o que é atingido dos objetivos formais; como um sistema de gestão do desempenho, associando objetivos estratégicos a melhoria do desempenho organizacional. O termo sempre expressa uma certa percepção do mundo e certas normas sócio-culturais. Portanto, muda de um grupo social para outro. Desempenho na Gestão Pública Este não é o significado principal da gestão pública que, com frequência, está ligada a aspectos subjetivos e à ação política, não diretamente relacionáveis com a quantificação ou com a eficiência. Os atributos de êxito ou fracasso no desempenho de organizações públicas se referem a motivações políticas e ideológicas que os métodos racionais e sistemáticos não conseguem incorporar. As Diferentes Concepções de Qualidade Se um termo inlcui tudo, ele significa nada.” (Pollit e Bouckaert) Caráter Ideológico - “A qualidade, assim como a virtude, tem uma forte conotação positiva, combinada com a enorme vantagem de que suas implicações reais continuam sendo sumamente vagas e imprecisas” (Pollit) Caráter Político - diferentes atores terão, p. ex., diferentes perspectivas: a) determinada visão de alguns políticos no poder - diminuir o gasto sem que este seja identificado com uma queda no padrão dos serviços (tudo o que é bom recebe a definição de qualidade); b) administradores - preservar/destacar seus setores (identificam-se com certos procedimentos de medição - mais poder e status); c) profissionais - preservar autonomia pela definição de padrões; d) população - respostas as suas necessidades. Diferenças na Concepção de Qualidade: Organizações de Produção Privada e Públicas Serviços não podem ser produzidos , verificados, armazenados e ofertados quando o cliente aparece, são produzidos no momento do consumo. A maioria das ações e serviços não pode ser padronizada - os resultados dependem da interação entre os envolvidos. O retorno sobre a qualidade não pode ser detectado pela variação no consumo:o objetivo pode ser reduzir a demanda; os serviços costumam ser gratuitos, ou constituem-se em monopólio, ou são ofertados “contra a vontade” de quem o recebe. Restrições na oferta costumam atingir grupos populacionais de mais baixa renda que, pela dependência, acabam por considerar a baixa qualidade como inevitável. Diferentes Níveis para a Conceituação de Qualidade nas Organizações Públicas Micro Qualidade - Conceito de qualidade interna, se aplica à inter-relação entre partes da organização - deveria haver harmonia entre essas, o que nunca é atingível, dada a diversidade de interesses e dos conflitos decorrentes. Intermediária - Voltada para a qualidade externa, para a relação entre provedor e usuário, havendo a suposição de uma possível harmonia entre eles. Macro Qualidade de vida na sociedade, incluindo a melhoria na relação entre serviço público e cidadania. Trata-se de restabelecer a confiança não apenas em um serviço, mas no Estado e no sistema de governança, na legitimidade do governo. Grandes Tendências na Concepção de Qualidade nas Organizações Públicas Como uma questão apolítica, como a reprodução de práticas do setor privado, com foco no cliente ou no consumidor. Como a participação do cidadão no planejamento, avaliação e produção de serviços públicos; cabendo à cidadania um importante papel na definição dos padrões de qualidade, na decisão do formato e na implementação dos serviços. Para que o construto da qualidade contribua para o processo precisa dizer algo sobre os valores considerados, e deixar espaço para o fato de que a qualidade é uma questão de nível, e de acordos e concessões, não simplesmente de presença ou ausência de alguma propriedade. Problemas com a avaliação da qualidade: Do ponto de vista da racionalidade os critérios para uma boa medida incluem a validade, a confiabilidade e a funcionalidade. Do ponto de vista da política interessa se ocorre, e como ocorre, a participação dos cidadãos, dos profissionais e dos servidores no desenvolvimento e implementação de um sistema de avaliação. Aqui é preciso considerar que existem condições e visões assimétricas, principalmente entre quem está na organização pública e a população, existindo quatro posições possíveis: (a) se ambos têm informação eles podem concordar ou discordar; (b) se ambos têm informação deficiente o usuário pode se encontrar em posição de busca de soluções; (c) se os usuários têm melhor informação podem se colocar em posição de convencimento e defesa do seu caso; (d) se os membros da organização têm melhores informações os usuários ficam dependentes, preciam confiar. Desempenho e Qualidade na Avaliação de Políticas Públicas Modelo dominante de avaliação de políticas públicas: a) avaliação normativa - resultados (efeitos), processo (relação serviços/recursos), estrutura (recursos); b) pesquisa avaliativa - compreender as relações entre diferentes componentes - estratégia, implantação, intervenção, produtividade, rendimento, efeitos. Crítica: a definição de conteúdo e a implementação de políticas públicas são feitas com a matéria prima da linguagem, sendo a argumentação central em todas as suas etapas - as organizações públicas, os partidos, o eleitorado e a cidadania particiam ativamente em um processo contínuo de debate e persuasão recíproca. Exs: partido com a defesa de um programa, o eleitorado avaliando sua implementação, o legislativo fazendo a mediação, etc... Dimensão técnica e política na avaliação de políticas públicas Dimensão Política Esfera de ação A sociedade como um todo Valores Critério de eficácia Instrumento da ação Tipo de racionalidade Uma verdade pragmática Poder Decisão política Material - capacidade de alterar ou não relações de poder Dimensão Técnica Dar racionalidade formal ao processo de decisões sociais Uma verdade científica Alternativa mais econômica Argumentação técnica Formal - cadeia de objetivos, meios para que isso ocorra Acompanhamento do Desempenho Processamento Tecnopolítico (Matus) O desempenho de um governo se define em relação a três balanços: I - O balanço da Gestão Política Sintetiza os resultados positivos e negativos obtidos no âmbito específico das respostas a demandas políticas dos atores sociais e da população em geral, e se refere às ações que incidem sobre a qualidade da democracia, o respeito aos direitos humanos, a distribuição de poder que descentraliza, o apego às regras éticas, a eficácia e rapidez da justiça, a manutenção da legitimidade e legalidade do governo, a distribuição da renda; aos efeitos destas práticas sobre a imagem do governante e à adesão que recebe dos atores sociais e da população. O recurso escasso crítico deste balanço é o poder. II - Balanço Econômico Registra as conseqüências políticas do manejo da economia e os resultados obtidos com o manejo de políticas voltadas para o crescimento. O recurso escasso se refere aos meios econômicos. III - Balanço do Intercâmbio de Problemas Específicos Se refere ao saldo do enfrentamento de problemas específicos que a população valoriza. Os recursos escassos são o poder político, os recursos econômicos e, principalmente, as capacidades gerenciais. À análise de cada um desses balanços deve-se aplicar os critérios de eficácia formal e material. Um governo pode ser considerado deficiente no seu desempenho por três razões: a) porque caminha na direção errada por causa de uma má seleção do projeto de governo ou por não saber corrigi-lo a tempo; isso pode decorrer de uma má seleção de problemas, pela carência de uma grande estratégia ou pela carência de um bom sistema de avaliação; b) por um processamento defeituoso do projeto escolhido, sem a devida consideração situacional dos aspectos político e técnicos, o que conduz a pagar um custo político e econômico excessivo por decisão; c) porque a gerência por problemas e as operações são deficientes e, portanto, é baixa a capacidade de executar o decidido. O critério síntese para avaliar o desempenho de um governo é o balanço global de sua gestão em uma situação concreta. A cidadania é juiz que valoriza no presente o impacto da gestão pública.