Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2010.051060-5, de Rio Negrinho Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva APELAÇÃO - ECA - APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL EQUIPARADO À FURTO PRIVILEGIADO QUALIFICADO (CP, ART. 155, § 1º §4º, I) - NÃO RECEBIMENTO DA REPRESENTAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO EM VIRTUDE DE O ADOLESCENTE ATINGIR A MAIORIDADE PENAL IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL - MEDIDA SOCIOEDUCATIVA QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO A IDADE DO INFRATOR NA DATA DO FATO - NULIDADE DA DECISÃO. I - Nos termos do art. 104, par. Un., do ECA, reputa-se irrelevante, para fins de imposição de medida socioeducativa, o fato de o adolescente ter alcançado a maioridade penal no curso do procedimento para apenação de ato infracional, uma vez que o referido Estatuto prevê tal possibilidade desde que o jovem tenha praticado condutas análogas aos ilícitos penais em sua adolescência. II - Hipótese em que a magistrada singular considerou inútil e impertinente a aplicação de medidas socioeducativas, tendo em vista a maioridade alcançada pelo jovem, bem assim a situação pessoal deste, além da pouca gravidade da sua conduta. Todavia, uma vez que os atos foram cometidos pelo jovem anteriormente à sua maioridade penal e civil, não há nada que impeça o regular processamento do feito para apuração de ato infracional tendo em vista a especialidade do ECA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2010.051060-5, da comarca de Rio Negrinho(Vara Única), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado M. B.: ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento ao recurso ministerial para anular a decisão a quo que julgou extinto o processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, CPC), dando-se sequencia à apuração do ato infracional. Custas legais. RELATÓRIO O representante do Ministério Público, oficiante na Vara Única da comarca de Rio Negrinho, ofereceu representação contra M.B., pela prática do ato infracional análogo ao crime descrito no art. 155, §§ 1º e 4º, I do CP, consoante descrito na proemial: Consta do anexo caderno indiciário que o Adolescente M.B., com visível animus furandi (intenção de furtar), ingressou, em datas diversas, em propriedades alheias, subtraindo diversos pertences com intuito de financiar o uso de entorpecentes. Apurou-se que no dia 29/12/2008, em período que não se pode precisar (provavelmente na madrugada), o Representado dirigiu-se a residência situada na Rua Luiza R. Pscheidt, 76, Bairro São Rafael, nesta cidade e comarca, de propriedade da Sra. Juliana Cararo, e, aproveitando-se que a residência encontrava-se vazia, vez que os proprietários estavam de férias, adentrou nela, utilizando-se para tanto de uma pedra, que usou para quebrar a vidraça do quarto da frente. Uma vez dentro da residência, subtraiu para si 1 (um) aparelho DVD, marca Gradiente, 1 (um) mini system, preto; 1 (um) liqüidificador Britânia; 1 (uma) a centrífuga de roupas de 110 Watts; 3 (três) cobertores de casal de cores diversas; 1 (uma) prancha de cabelo, marca Taiff; 1 (um) aparelho de barbear elétrico; 2 (duas) jaquetas de couro masculinas, pretas; 1 (uma) jaqueta de couro feminina, preta; 2 (duas) botas femininas, cano médio, sendo uma marrom e outra preta; bens avaliados em aproximadamente R$ 1.839,00 (um mil, oitocentos e trinta e nove reais). O Representado logrou êxito em consumar a conduta criminosa, pois a subtração apenas foi descoberta próximo às 12h00 do dia 29/12/2008, quando vizinhos comunicaram o ocorrido à Sra. Tatiane Barbosa Anton, amiga da Sra. Juliana, quando o adolescente não mais se encontrava no local do crime. FATO 2 - Residência de Maria Cláudia da Silva Paes Consta dos autos em anexo que no dia 22/12/2008, no período da madrugada, o Representado adentrou na residência da Sra. Maria Cláudia da Silva Paes, localizada na Rua São Rafael, n° 1089, bairro São Rafael, nesta cidade e comarca, abrindo o cadeado da janela da garagem da referida residência. Após adentrar na residência, na qual estava também a Vítima, subtraiu para si 1 (uma) centrífuga de roupas da marca Muller, avaliada em aproximadamente R$ 200,00 (duzentos reais). A Vítima estava em casa durante o fato, mas não ouviu barulho estranho algum; apenas sentiu falta do mencionado aparelho no período da tarde, quando foi lavar roupas, o que denota o sucesso do intento criminoso do Representado. Ao final, o representante do Ministério Público arrolou oito testemunhas e requereu o processamento do feito para que fosse aplicada a medida socioeducativa correspondente. Após inexitoso pleito ministerial à apresentação do adolescente, a magistrada Paula Botke e Silva sentenciou o feito (fls. 40/41) extinguindo a presente demanda, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por considerar Desa. Salete Silva Sommariva impertinente e descabida a aplicação de medidas socioeducativas, tendo em vista a maioridade alcançada pelo jovem. Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, a representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação (fls. 43/46), pugnando pela reforma da sentença e pelo regular processamento da apuração de ato infracional até o julgamento, com a consequente aplicação da medida socioeducativa ao jovem por entender que tal medida é cabível mesmo que no curso do processo este tenha atingido a maioridade penal. À fl. 47 a magistrada manteve sua decisão pelas próprias razões e fundamentos ilustrados na sentença, após o que nomeou defensor dativo ao jovem (fl. 63). Ato contínuo, sobrevieram as contrarrazões (fls. 66/69), momento em que a defesa clamou pela manutenção do decisum a quo pelos seus próprios fundamentos. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Gilberto Callado de Oliveira (fls. 52/53), manifestou-se conhecimento e provimento do apelo. VOTO Trata-se de recurso de apelação interposto pelo representante do Ministério Público, irresignado com a decisão da juíza da comarca de Rio Negrinho que, nos autos de apuração de ato infracional sob o n. 055.09.000453-6, julgou extinto o feito por considerar descabida e antipedagógica a aplicação de qualquer medida socioeducativa em desfavor do jovem diante do alcance da maioridade. Compulsando o caderno processual, verifica-se que o suposto ato infracional cometido pelo jovem infrator registra a data de 22-12-2008 e 29-12-2008, de acordo com o boletim de ocorrência (fls. 4/7), e, nesse norte, à época M.B. contava com apenas 16 anos de idade, o que se pode averiguar na cópia do registro civil de nascimento colacionado nos autos (fl. 30) em que consta sua data de nascimento 10-4-1992, vindo a atingir a maioridade penal em 10-4-2010, quando ainda em curso o procedimento de apuração de ato infracional. Partindo-se dessa premissa, constata-se que a decisão da magistrada singular não está de acordo com a legislação específica. Isso porque, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 104, parágrafo único, dispõe que "para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato". De outro lado, a Lei n. 8.069/90 permite a aplicação de medida socioeducativa à pessoa com idade inferior a 21 (vinte um) anos de idade (ECA, art. 2º, par. un) desde que os atos tenham sidos praticados antes que esta completasse 18 (dezoito) anos. Acerca do tema, colhe-se dos ensinamentos de Roberto João Elias: É óbvio que há de se ter em conta a idade do adolescente à data do fato para se lhe aplicar as medidas socioeducativas. Destarte, se à época da decisão o menor já atingiu a idade de dezoito anos, nada impede que sofra uma das medidas do art. Desa. Salete Silva Sommariva 112, só que, como preceitua o art. 121, § 5º, com relação à internação, a liberação será compulsória aos vinte e um anos. É uma das exceções a que se refere o parágrafo único do art. 2º do Estatuto. De forma alguma se aplicará ao adolescente que completou dezoito anos, mas que cometeu o ato antes desta idade, outra medida que não seja uma das catalogadas no art. 112. [Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 104-105.] A jurisprudência não diverge, e o Superior Tribunal de Justiça posiciona-se da seguinte maneira: ESTATUTO DA CRIANÇA DE DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE SEMILIBERDADE APÓS A MAIORIDADE CIVIL E PENAL. ALEGAÇÃO DE REVOGAÇÃO TÁCITA DO DISPOSTO NO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ECA. IMPROCEDÊNCIA. EXTINÇÃO DA REFERIDA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. Para a aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, leva-se em consideração apenas a idade do menor ao tempo do fato (ECA, art. 104, parágrafo único), sendo irrelevante a circunstância de atingir o adolescente a maioridade civil ou penal durante seu cumprimento, tendo em vista que a execução da respectiva medida pode ocorrer até que o autor do ato infracional complete 21 (vinte e um) anos de idade. (ECA, art. 2º, parágrafo único, c/c o arts. 120, § 2º, e 121, § 5º ). 2. Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente registra posição de excepcional especialidade tanto em relação ao Código Civil como ao Código Penal, que são diplomas legais de caráter geral, razão pela qual não procede o argumento de que o parágrafo único do art. 2º do aludido estatuto teria sido tacitamente revogado pelo atual Código Civil. 3. Se assim não fosse, todos os dispositivos normativos que compõem o Estatuto da Criança e do Adolescente não poderiam mais ser aplicados aos maiores de 18 (dezoito) anos, impedindo, assim, a adoção de quem tem menos de 21 (vinte e um) anos e já se encontra sob a guarda ou tutela dos adotantes, conforme previsto no art. 40 do referido estatuto, em indiscutível prejuízo do jovem adulto, considerando que "A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios" (ECA, art. 40). 4. Ordem denegada, ante a ausência de constrangimento ilegal. (HC 36044 / RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. em 9-11-2004) Este Sodalício, já manifestou-se em caso idêntico: APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO À APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168 DO CÓDIGO PENAL). IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL ACERCA DA DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A REPRESENTAÇÃO, SOB A ASSERTIVA DE QUE O CÓDIGO CIVIL, LEI POSTERIOR AO ECA, ESTABELECEU A MAIORIDADE EM 18 (DEZOITO) ANOS E, TENDO O ADOLESCENTE ALCANÇADO-A, NÃO MAIS SERIA RELEVANTE A APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. REFORMA NECESSÁRIA, PORQUANTO, SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, A NOVEL LEGISLAÇÃO NÃO FEZ LETRA Desa. Salete Silva Sommariva MORTA A PREVISÃO ESPECÍFICA REGULADA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI ESPECIAL), QUE PREVÊ A IDADE LIMITE EM 21 (VINTE E UM) ANOS. RECURSO PROVIDO (Ap./ECA n. 2010.049848-8, Rio Negrinho, rel. Des. Subst. Tulio Pinheiro, j. em 28.10.2010). Nessa alheta, verifica-se que há situações em que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de seus institutos até o momento em que o representado complete 21 (vinte e um) anos de idade, a despeito de posicionamentos que propugnam a tese de extinção do procedimento quando o jovem completar 18 (dezoito) anos de idade. Todavia, deve-se levar em consideração os objetivos propostos pela norma de caráter especial, de sorte a se pressupor que, uma vez prevista a possibilidade de cumprimento das medidas para jovens de até 21 anos, não se admitiria extinguir o procedimento pelo advento da maioridade penal. Diante do exposto, não se vislumbra nos autos qualquer óbice ao prosseguimento do feito, razão pela qual se decreta a nulidade da decisão combatida para determinar o prosseguimento da apuração de ato infracional em desfavor do jovem M.B. aplicando-se-lhe, se for o caso, a medida socioeducativa condizente com os fatos. DECISÃO Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial para anular a decisão a quo que julgou extinto o processo, dando-se sequencia à apuração do ato infracional. Participaram do julgamento, em 19 de julho de 2011, os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Paladino (Presidente) e Túlio Pinheiro. Florianópolis, 27 de julho de 2010. Salete Silva Sommariva RELATORA Desa. Salete Silva Sommariva