CURSO DE DIREITO Direito Previdenciário Prof. MsC. UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA Plano de Ensino: Unidade lV. O REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (Plano de Aula nº 7) OBJETO: RGPS. OBJETIVOS: Conceituar o RGPS; identificar os segurados e beneficiários; e (re) conhecer a diferença entre Filiação e Inscrição; CONCEITO O Regime Geral de Previdência Social - RGPS é previsto no art. 9° da Lei n° 8.213/91 e no art. 6º do Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo Decreto nº 3.048/99. Compõe, junto com os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e militares, e o sistema complementar, a previdência social brasileira. O RGPS visa a atender os beneficiários em todas as situações previstas no art. lº da mesma lei, a qual reza: a Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. O RGPS é administrado por uma autarquia federal, componente da Administração Indireta federal, denominada Instituto Nacional do Seguro Social, oriundo da fusão do IAPAS com o INPS, como se pôde observar no capítulo referente ao histórico da previdência social. Na condição de autarquia, o INSS é dotado de personalidade jurídica de direito publico, vinculada ao Ministério da Previdência Social - MPS. A priorí, o INSS tem como incumbência precípua a organização da previdência social, ficando de fora a assistência social e a saúde. OBS: Apesar da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o INSS continua sendo o ente gestor do RGPS, deixando de ter, somente, a capacidade ativa para demandar diretamente os valores devidos ao RGPS pelas empresas e segurados. Entretanto, por questões de ordem prática, ainda que atualmente as ações de previdência e assistência social não mais estejam vinculadas ao mesmo ministério, é comum observar-se o INSS administrando prestações de natureza assistencial, como o benefício de prestação continuada, no valor de um salário-minimo. O RGPS é o regime básico de previdência social, sendo de aplicação compulsória a todos aqueles que exerçam algum tipo de atividade remunerada, exceto se esta atividade já gera filiação a determinado regime próprio de previdência. BENEFICIÁRIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL Os beneficiários do RGPS são as pessoas naturais que fazem jus ao recebimento de prestações previdenciárias, no caso de serem atingidas por algum dos riscos sociais previstos em lei. As prestações previdenciárias subdividem-se em benefícios, com conteúdo pecuniário, e os serviços, hoje restritos à habilitação e reabilitação profissional e ao serviço social. Ou seja, os benefícios são uma obrigação de dar do INSS, enquanto as prestações revelam uma obrigação de fazer. Desta forma, são beneficiários do RGPS os segurados da previdência social (obrigatórios e facultativos) e seus dependentes. Os segurados obrigatórios são aqueles filiados ao sistema de modo compulsório, a partir do momento em que exerçam atividade remunerada. Já os segurados facultativos são os que, apesar de não exercerem atividade remunerada, desejam integrar o sistema previdenciário. FILIAÇÃO E INSCRIÇÃO Filiação não se confunde com inscrição. Russomano (1979:107) considera que "a filiação é o momento em que o segurado passa a integrar como beneficiário o sistema de previdência". Filiação é a relação jurídica estabelecida pelas pessoas que contribuem para a Previdência Social, gerando direitos e obrigações. Inscrição é o ato administrativo no qual o segurado procede seu registro e de seus dependentes perante o INSS. As pessoas que são filiadas são as pessoas físicas. As pessoas jurídicas não são filiadas. Filiação → é o vínculo jurídico que se estabelece entre o segurado e o RGPS. Decorre automaticamente da atividade remunerada, ou seja, no momento em que uma pessoa iniciar o exercício de alguma atividade remunerada, ipso facto, estará filiada à previdência social (ver arts. 5º e 9º, § 12°, do Regulamento da Previdência Social – RPS). Cabe ressaltar que o início da atividade remunerada não coincide, necessariamente, com o efetivo começo do trabalho, mas sim quando está pactuada a prestação de serviços, ainda que iniciada em outro momento ou o pagamento seja em outra data. Assim, por exemplo, para o empregado, a conformação da contratação pelo empregador já efetiva a filiação ao RGPS. Ressalte-se ainda que a atividade exercida deve ser lícita, isto é, o trabalho em atividades ilegais, como o tráfico de drogas, evidentemente não gera qualquer vínculo com a previdência social. Todavia, não se deve confundir esta situação com o trabalho proibido, vedado por lei em virtude de certas características, mas sem ilegalidade na atividade em si considerada. Por exemplo, menores de 18 anos laborando em atividades insalubres, em evidente desrespeito à Constituição (art. 7º, XXXIII, da CRFB/88). Nestas situações, ainda que a atividade seja proibida, não poderia o trabalhador ser prejudicado pela irregularidade de seu empregador, cabendo aí a aplicação de todas as normas previdenciárias, incluindo a filiação automática. O Decreto nº 6.722/08 dá nova redação ao art. 20 do Regulamento da Previdência Social (RPS), mas continua a afirmar que a filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo. Todavia, traz uma pretensa exceção, com relação ao trabalhador rural contratado por produtor rural pessoa física por prazo de até dois meses dentro do período de um ano, como autorizado pela Lei nº 11.718/08. Nesta hipótese, diz o art. 20, § 2º, que a filiação decorreria, automaticamente, de sua inclusão na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP), mediante identificação específica. Não vejo o menor amparo legal para esta ressalva, que é flagrantemente contraditória frente ao dispositivo geral do caput. Apesar de a filiação ser vínculo jurídico, pode ser esta múltipla. Caso o segurado venha exercer mais de uma atividade remunerada vinculante ao RGPS, será este trabalhador filiado em relação a cada uma delas (art. 12, § 2°, da Lei nº 8.212/91). Tal regra existe para justificar situações específicas, como a do trabalhador que se enquadra em tipos distintos de segurado obrigatório e, por conseguinte, faz jus a benefícios diversos ou exclusivos de uma atividade. Nestas condições, o direito ao benefício poderá existir em razão de uma atividade, excluída a outra. Por fim, a própria nacionalidade do trabalhador, salvo exceções previstas em lei, não tem relevância para efeitos de filiação. Isto é, toda pessoa natural que exerça atividade remunerada em território nacional é automaticamente vinculada ao RGPS, na qualidade de segurado obrigatório. Excepcionalmente, como se verá, a lei exclui alguns estrangeiros da proteção providenciaria e, em outras situações, estende o manto previdenciário a brasileiros que trabalham no exterior. Para se ter uma ideia da amplitude da proteção previdenciária brasileira, até o apátrida (toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado), desde que laborando em território nacional, goza de proteção previdenciária (art. 24 da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, 1954, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 38, de 5 de abril de 1995, e promulgada pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002). Inscrição → é ato meramente formal, pelo qual o segurado fornece dados necessários para sua identificação à autarquia providenciaria (art. 18 do RPS). Em geral, a filiação ocorre primeiro, sendo a inscrição posterior. A exceção é o segurado facultativo, cuja inscrição ocorre antes da filiação (art. 20 do RPS). Para os segurados obrigatórios, contudo, a inscrição pressupõe a filiação. Aquela sem esta não produz qualquer efeito perante a previdência social. É interessante observar que, na prática, a inscrição acaba por assumir maior relevância que a filiação, pois esta é, em geral, desconhecida da autarquia previdenciária, enquanto a inscrição fica registrada em seus cadastros, dando a equivocada impressão do ato formal como gerador de direitos e deveres dos segurados. Como regra, cabe ao Regulamento da Previdência Social disciplinar a forma de inscrição do segurado e dos dependentes (art. 17 da Lei n° 8.213/91), cabendo ao dependente proceder a sua inscrição quando da solicitação do benefício. Define o RPS que a inscrição de segurado para os efeitos da previdência social é o ato pelo qual o segurado é cadastrado no Regime Geral de Previdência Social, mediante comprovação dos dados pessoais e de outros elementos necessários e úteis à sua caracterização, na forma do art. 18 do RPS, com redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99: I - empregado e trabalhador avulso - pelo preenchimento dos documentos que os habilitem ao exercício da atividade, formalizado pelo contrato de trabalho, no caso de empregado, e pelo cadastramento e registro no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra, no caso de trabalhador avulso; II - empregado doméstico - pela apresentação de documento que comprove a existência de contrato de trabalho; III - contribuinte individual - pela apresentação de documento que caracterize a sua condição ou o exercício de atividade profissional, liberal ou não; IV - segurado especial - pela apresentação de documento que comprove o exercício de atividade rural; e V - facultativo - pela apresentação de documento de identidade e declaração expressa de que não exerce atividade que o enquadre na categoria de segurado obrigatório. Como regra, a inscrição dos segurados empregados é feita diretamente na empresa e no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra para os segurados avulsos. Obviamente, caso aquela não seja realizada pela empresa, poderá ser feita pelo próprio segurado, desde que comprove o exercício da atividade, como, por exemplo, o registro na carteira de trabalho. As regras de inscrição permanecem e, caso uma empresa deixe de inscrever o segurado que lhe presta serviço, estará sujeita à multa de R$ l .329,18 por segurado não inscrito (art. 283, § 2°, RPS). Atualmente, a inscrição dos empregados e avulsos é feita quase que simultaneamente com a inscrição no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, na qual o trabalhador recebe a numeração de seu PIS. Esta mesma codificação é remetida à DATAPREV, responsável pela manutenção e operação do CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, onde será feito o registro deste trabalhador. SEGURADOS E CONTRIBUINTES Assim, segurados são as pessoas físicas que exercem, exerceram ou não atividade, remunerada ou não, efetiva ou eventual, com ou sem vínculo empregatício. Há necessidade de se estudar mais profundamente o conceito de segurado, pois este não e apenas o que exerce atividade remunerada, visto que a dona-de-casa ou o sindico de condomínio não exercem atividade remunerada, principalmente a primeira, mas são segurados do sistema. Segurado não é apenas quem recebe benefício, mas quem também paga a contribuição. Destacamos, ainda, que no referido conceito é preciso incluir o desempregado na condição de segurado, pois este poderá filiar-se ao sistema e pagar contribuições, mesmo não exercendo atividade, por estar sem emprego. Enquadra-se, portanto, entre os que exerceram atividade, mas atualmente não a estão exercendo, assim como o estudante que nunca trabalhou, não exercendo qualquer atividade. Para ser segurado é preciso ter a idade de 16 anos, que é a idade mínima permitida para trabalhar (art. 7º, XXXIII, da Constituição). A exceção diz respeito ao aprendiz, que pode trabalhar a partir dos 14 anos. Os segurados podem ser divididos em quatro grupos: a. segurados obrigatórios comuns (empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso); b. segurados obrigatórios individuais (autônomos, equiparados a autônomo, eventuais, empresários); c. segurados obrigatórios especiais (produtor rural); d. segurados facultativos (dona-de-casa, síndico de condomínio sem remuneração, estudante, desempregados, estagiários – Lei nº 11.788/08, bolsista com dedicaão em tempo integral à pesquisa: cursos de pósgraduaõa, etc.). O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições previstas na Lei nº 8.212, para fins de custeio da Seguridade Social. Se o aposentado volta a trabalhar, não deixa de ser um trabalhador, razão pela qual, se a lei determina o recolhimento da contribuição, deverá fazê-lo. O CONCEITO PREVIDENCIÁRIO DE EMPRESA E EMPREGADOR DOMÉSTICO Tais conceitos são fundamentais para a adequada compreensão do custeio previdenciário. Seu desenvolvimento no Direito Previdenciário com frequência destoa com outros ramos do Direito, tendo uma conotação toda própria. Também é fundamental ter em mente uma distinção elementar: empresa e empregador doméstico são conceitos totalmente distintos, como se verá. Empresa → O art. 15 da Lei nº 8.212/91 traz o conceito de empresa e do empregador doméstico, no âmbito previdenciário: I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; II - empregador doméstico - a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Ainda traz a lei a figura do equiparado à empresa, que é também sujeito passivo da relação obrigacional previdenciária, como se empresa fosse. Reza a lei que se equipara à empresa o contribuinte individual, em relação a segurado que lhe preste serviço, bem como a cooperativa, a associação ou a entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras. Já o Regulamento da Previdência Social (art. 12) dispõe de modo mais completo. Matrícula da empresa A matrícula da empresa, assim como a do segurado, tem como objetivo cadastrá-la perante a previdência social, para o devido controle de arrecadação das contribuições. É uma espécie de obrigação acessória. O tema é tratado na Lei nº 8.212/91, art. 49 e no RPS, art. 256. O empregador doméstico, em regra, não possui qualquer matrícula, já que faz seus recolhimentos no NIT (número de identificação do trabalhador) de seu empregado doméstico. O empregador doméstico somente receberá número de matrícula CEI (Cadastro Específico do INSS), caso seja autuado pela fiscalização ou venha a optar pelo recolhimento do FGTS de seu empregado doméstico. O art. 256-A do RPS, incluído pelo Decreto n° 6.722/08, traz novo Capítulo, referente à matrícula da empresa, do produtor rural pessoa física e do segurado especial. De acordo com o texto, a matrícula atribuída pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ao PRPF ou segurado especial é o documento de inscrição do contribuinte - DIC, em substituição à inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ, a ser apresentado em suas relações: Para efeitos previdenciários, as cooperativas, como todo tipo de organização, são equiparadas à empresa, sujeitando-se aos recolhimentos previstos em lei. A inexistência de finalidade lucrativa das cooperativas é irrelevante para seu enquadramento previdenciário. Como delineado supra, o conceito previdenciário de empresa é todo próprio, o que inclusive denota a autonomia didática deste ramo do Direito. Embora muito aceita na doutrina tal autonomia, muitos a ignoram quando aplicada a questões pontuais, como a definição providenciaria de empresa. Já foi exposta a irrelevância do lucro e, por isso, não se devem excluir as cooperativas da sujeição passiva previdenciária. Empregador Doméstico O empregador doméstico é pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. O empregador doméstico, ainda que seja um empregador, não se enquadra como empresa. A distinção entre empresa e empregador doméstico tem sua razão de ser. A forma de custeio é distinta e, ainda mais, há diversas obrigações das empresas, em especial acessórias, que não são exigíveis cio empregador doméstico, nem seria razoável sua imposição. Por exemplo, sabe-se que a empresa tem diversas obrigações de ordem contábil, como a escrituração de livros, a elaboração de documentos, como a GFIP, a necessidade de obtenção da CND para diversos atos etc. Se o empregador doméstico também fosse classificado como empresa, de pronto, também seria objeto de todas as imposições exemplificadas, o que poderia extinguir de vez esta espécie de trabalhador. Confusão igualmente comum, além de equiparar empregador doméstico à empresa, é classificar o empregador doméstico como segurado obrigatório do RGPS. Este não é necessariamente segurado, pois quem exerce a atividade remunerada é o empregado doméstico, não o empregador. É até possível que o empregador doméstico também seja segurado obrigatório, mas não em virtude daquela condição, e sim devido ao exercício de alguma atividade remunerada. Por exemplo, o taxista que possui empregado doméstico é segurado obrigatório, na condição de contribuinte individual, pelo exercício da atividade remunerada por conta própria, sendo irrelevante para tanto o fato de possuir empregado doméstico. DICA DE ESTUDOS IBRAHIM, Fábio Zambitte. CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 15ª edição, revista, ampliada atualizada. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 183-236.