MANUAL DE NEGOCIAÇÃO MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 1 MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 2 Índice: Capitulo I - Técnicas de Negociação: 1.1-O acordo 1.2-Alcance 1.3-Reflexão 1.3.1-Conhecer a si mesmo 1.4-É vontade de ambas as partes chegar ao consenso? 1.4.1-Objetivo 1.5-O que seria uma boa negociação? 1.5.1-É tudo uma questão de ponto de vista 1.5.2-Referência 3/8 1.5.3-É possível um negócio ser bom com números ruins? 1.6-Troca 1.7-Quando vale a pena iniciar uma negociação? 1.8-Quando vale a pena dar por concluída uma negociação? 1.9-Ética Capitulo II - Conceitos: 1.1-Negociação distributiva 1.2-Negociação integrativa 1.3-Distinção 1.4-Preço de reserva 1.4.1-Exceção 1.5-ABATNA 1.6-Zona de Acordo Possível 1.7-Âncora 1.8-Venda 1.9-Risco calculado na expectativa 1.9.1-Bom demais pra ser verdade 8/13 1.10-Virtude do negociador 1.10.1-Pisando em folhas secas 1.10.2-Assertividade 1.10.3-Improviso 1.11-Posição x Interesse 1.11.1-Postura defensiva firme 1.11.2-Postura flexível 1.11.3-Postura 1.11.4-Cooperação/competição Capitulo III - Elementos de competição: 1.1-Resistência & Obstáculos 1.2-Administrando emoções 1.2.1-Reflexo da postura competitiva 1.2.2-Conflito x Competição 13/19 MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 3 1.3-Poder 1.3.1-Modalidades 1.3.2-Fatores internos e externos 1.3.3-Informação 1.3.4-Risco 1.4-Tempo 1.5-Concessões 1.5.1-O objetivo maior da concessão é se ajudar 1.5.2-Como ceder de forma produtiva? 1.6-Desejo x Necessidade 1.6.1-Necessidade 1.6.2-Interesses Capitulo IV - Integração com a Outra Parte: 1.1-A estratégia considera o outro lado 1.1.1-Postura coerente com perfil 1.2-Confiança 1.2.1-Preconceitos 1.3-Relacionamento 1.3.1-Não adianta apenas um focar no relacionamento 1.4-Motivações individuais 1.5-Necessidades convergentes 19/24 1.6-Comunicação 1.6.1-Síntese 1.6.2-Saber ouvir 1.6.3-Parafrasear o interlocutor 1.6.4-E se o outro pensa estar certo sempre? 1.6.5-Perguntas 1.7-Afetividade Capitulo V - O Processo em si: 1.1-Fases naturais de uma negociação 1.1.1-Seqüência de uma discussão convencional 1.2-Regras do jogo 1.2.1-O processo deve ajudar 1.3-Negociações com mais de dois envolvidos 1.3.1-Equipe de negociadores 1.4-Preparação contínuo 1.5-Cuidado com unanimidades 1.6-Clima 1.4.1-Preparo 24/30 1.6.1-Local 1.7-Metas audaciosas 1.7.1- Auto proteção ilusória 1.7.1.1-Defesas contra a auto proteção ilusória 1.7.2-As 03 metas de referência 1.7.3-Adaptação de metas 1.8-Ordem de assuntos 1.9-Proposta 1.9.1-Espaço de manobra 1.10-Resposta 1.10.1-Selando o compromisso 1.11-Táticas MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 4 Capitulo VI - Prática e Contexto: 1.1-Foco 1.2-Olho no orgulho 1.3-Blefe 1.3.1-Dados estatísticos 1.3.2-Excedente de assuntos 1.3.3-Armadilha de coerência 1.3.4-Meio termo 1.4-Reconhecimento 1.5-Fechando o negócio 1.5.1-Como obter comprometimento? 1.6-Tomada de decisão 1.7-Impasse 1.7.1-Pacotes 1.7.2-Mas e o preço? 1.7.3-Intransigência como oportunidade 1.8-Risco como oportunidade 1.9-Não é apenas uma questão de experiência 1.10-Referências bibliográficas 1.11-Bibliografia 30/43 MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 5 Técnicas de Negociação Capitulo I - Considerações prévias Vivemos numa sociedade em que as interações são cada vez mais freqüentes. Dentro desta perspectiva, saber se relacionar e atingir resultados é uma habilidade valorizada no mercado. Seja numa relação de compra e venda, acordo comercial, relação profissional, familiar ou social, conversa formal ou informal, a todo instante somos levados a buscar soluções diretamente com outras partes interessadas. 1.1-O acordo 1.2-Alcance 1.3-Reflexão 1.3.1-Conhecer a si mesmo 1.4-É vontade de ambas as partes chegar ao consenso? 1.4.1-Objetivo 1.5-O que seria uma boa negociação? 1.5.1-É tudo uma questão de ponto de vista 1.5.2-Referência 1.5.3-É possível um negócio ser bom com números ruins? 1.6-Troca 1.7-Quando vale a pena iniciar uma negociação? 1.8-Quando vale a pena dar por concluída uma negociação? 1.9-Ética MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 6 1.1 - O acordo Várias são as circunstâncias em que nos vemos na necessidade de alguma coisa. Geralmente, basta uma oferta (se for comercial) ou pedido (se for pessoal) para iniciar o processo de obtenção daquilo que desejamos. Porém, em ocasiões específicas, a necessidade de um coexiste com a do outro, ensejando satisfação recíproca simples. Quando tal interesse envolve objetos e interesses divergentes, em que ambos não estão dispostos a ceder inicialmente, é necessário dar início ao processo de negociação. Diferente da persuasão na qual o esforço é unilateral, a negociação carece de interesses recíprocos para acontecer. 1.2 - Alcance Não apenas de barganha e economia se faz o processo de negociação. Na verdade, a resolução de conflitos e direcionamento de questões visa aumentar a profundidade do conhecimento que as partes possuem de si mesmas e entre elas, aprimorando o grau de confiança e potencial cooperativo. 1.3 - Reflexão Você já teve a sensação de que poderia ter chegado sozinho a uma conclusão se tivesse refletido sobre ela antes? Em uma discussão, cada parte entende e defende seu interesse, mas nem sempre se atém à forma como irá apresentá-lo. O preparo, concentração e dedicação ao processo geram uma certa familiaridade, e por conseguinte uma maior segurança e naturalidade com o seu desenrolar. Muitos indivíduos se voltam apenas sobre o conteúdo e se esquecem da forma, do próprio processo de negociar. 1.3.1 - Conhecer a si mesmo A maior parte das pessoas não possui uma percepção clara e crítica de si mesma. Compreender o verdadeiro potencial, virtudes, fraquezas e perfil. Não adianta tentar forçar adoção de qualquer técnica que não lhe soe razoável ou lhe deixe à vontade. Obrigar MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 7 alguém a fazer aquilo que não gosta é uma ótima forma de ter um trabalho mal feito e uma pessoa insatisfeita. As pessoas que se destacam são aquelas que sabem tirar proveito de seus dons e os exploram da melhor forma!. 1.4 - É vontade de ambas as partes chegar ao consenso? Pense no primeiro enunciado de Newton, a Lei da Inércia, no qual um corpo permanecerá em seu estado a menos que sobre ele atue uma força. Apenas quando analisamos nosso estado atual e concluímos precisar, desejar ou obter verdadeiro benefício com um determinado curso de ação é que faremos algo a respeito. Este processo pode ser consciente, inconsciente ou provocado por um fator externo (como no caso de alguém nos convencer sobre as vantagens de um produto ou serviço). Só daremos a devida atenção a um problema quando acreditarmos em duas coisas: a outra parte possui algo desejável e nossos próprios objetivos só serão atendidos se oferecermos algo em troca. A disposição para negociar é, portanto, uma confissão de necessidade mútua" (Deborah Kolb e Judith Willians). A vontade e a necessidade das partes pode variar, bem como a predisposição de sequer iniciar o diálogo. O pressuposto básico de uma negociação é que ambos devam ter algo que o outro queira, ainda que seja exclusivamente dinheiro. Uma vez que ambos percebam desejar algo que o outro possua o processo fica mais tranqüilo e promissor, ainda que muitos outros fatores interfiram 1.4.1 - Objetivo "As pessoas negociam para obter um resultado melhor do que se não negociassem." (Willian Ury/Roger Fisher) 1.5 - O que seria uma boa negociação? O mercado geralmente oferece um parâmetro financeiro que atribui a um produto ou serviço um certo valor. Porém, vários fatores atuam no sentido de agregar valor a esta mercadoria, tornando-a única, rara ou simplesmente desejada. Um mesmo objeto pode ter um valor para alguém e outro maior para quem dele precise mais. A MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 8 questão está em como este objeto é apresentado e a quem é dirigido. É a percepção que se tem dele que o torna mais ou menos valioso numa eventual troca ou venda. 1.5.1 - É tudo uma questão de ponto de vista Partindo desta noção, o que se entende por um bom negócio? A resposta para esta questão irá depender única e exclusivamente da visão de quem dela participa. O que se pretende essencialmente é obter algo que se quer muito e entregar algo que deseje menos em troca (ou simplesmente pagar menos do que acredita que o objeto seja avaliado). Isso faz com que uma negociação possa ser benéfica a ambas as partes, desde que ambos pensem que obtiveram um bom saldo ao final. Desta forma, a correlação financeira com o preço de mercado é ilusória, à medida que o produto possa ser potencialmente mais lucrativo para quem o adquiriu do que para quem o vendeu. "A diferença entre uma proposta cara e uma aceitável é a justificativa." (José Carlos Mello) 1.5.2 - Referência Um mesmo artigo adquirido numa mercearia popular ou em um estabelecimento de luxo terá preços diferenciados em razão do valor nele agregado pelas condições. Sendo assim, o padrão será afetado pelo contexto, ainda que a utilidade e propósito sejam os mesmos. Justamente por isso comparações simples tendem a não refletir a realidade entre dois negócios, posto que as condições dos mesmos irão divergir consideravelmente. 1.5.3 - É possível um negócio ser bom com números ruins? E não apenas números irão determinar a relação custo-benefício auferida ao final de um acordo. Não se trata aqui de "passar a mão na cabeça" de quem tiver feito um mau negócio, mas entender seus propósitos. Um aparente desacerto em termos financeiros pode representar um ganho em termo de exclusividade com fornecedor MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 9 estratégico, acesso a informações e contatos, ou muitos outros fatores que não estejam tão nítidos para um observador desatento. 1.6 - Troca Muitas vezes apenas damos valor a alguma coisa quando corremos risco de perdê-la. O valor que atribuíamos ao que queremos parece sempre inferior em relação ao que abrimos mão, muito em função do valor sentimental histórico imbuído a um e ausente a outro. Esta disparidade tanto prejudica o andamento de uma possível troca, como pode também gerar uma sensação de ganho ou perda que extrapola o aspecto financeiro. 1.7 - Quando vale a pena iniciar uma negociação? Não é porque uma pessoa se sente à vontade num processo de disputa que irá se atirar em toda hipótese possível. Por mais competente que seja, os benefícios nem sempre compensam o desgaste. Barganhar um preço ou conta pode atribuir a uma situação o caráter de litígio, o que nem sempre condiz com a natureza da situação. A vida é muito curta para que se pretenda ganhar sempre e se viva constantemente em disputa. O melhor é avaliar a conveniência e vantagem de se discutir a situação. 1.8 - Quando vale a pena dar por concluída uma negociação? Pode acontecer de um impasse ser realmente a melhor solução, após analisar com calma as opções criadas no decorrer da conversa. Da mesma forma, é razoável saber o momento de se dar por satisfeito com os termos avençados, interrompendo o processo de litígio para obter maiores benefícios. A postura ambiciosa pode colocar tudo a perder em função de detalhes menores. Posteriormente falaremos mais sobre o risco de se insistir em conquistar aquilo que se deseja em razão do orgulho e de tentar obter vantagens de última hora. 1.9 - Ética Como corolário de um contexto em que cada parte tenta tirar maior proveito da situação para si, é natural que algumas práticas despertem desconfiança e repúdio, comprometendo a imagem dos MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 10 participantes. A disputa é ferrenha e cada um faz de tudo para obter uma fatia maior do bolo, sob pena de perder espaço e ser engolido pelas exigências do mercado. Os recursos disponíveis são escassos, e ninguém quer ser deixado para trás, indo até o limite. A questão é que a visão do que seria este limite é controversa É muito difícil chegar a um consenso sobre isso, pois revelaria parte da estratégia e aumentaria a complexidade e volume de pendências burocráticas. Mesmo o bom senso de não fazer com o outro o que não quer que façam a si mesmo encontra brechas, à medida que uma pessoa aceite se sujeitar a determinado tratamento e outra não. A fama de um indivíduo o precede. Ficar estigmatizado como mau caráter causa enorme dano na imagem e repercute em negociações futuras, mesmo em outras situações (afinal a rede de contatos catalisa a propagação de acusações, ainda mais no meio especializado). Jogar na mesma moeda pode ser arriscado, posto se tratar de conversas de bastidores O melhor é adotar uma filosofia e linha de princípios clara, tanto para nortear as ações em um dado momento, como para amparar de forma objetiva uma eventual negativa em relação aos pedidos de quem quer que represente. A idéia é não ficar sempre em dúvida quando aparecer uma linha de conduta de índole questionável, bem como ter o que argumentar para se negar a praticar um ato imoral solicitado pelo chefe Se não houver um parâmetro rígido para se orientar, a tendência é que cada vez mais se busque uma maneira de justificar atitudes tidas como antiéticas. Com o tempo, as próprias referências pessoais se ajustam à nova forma de agir e os limites são prolongados, enquanto as concepções sociais permanecem intactas. Assim, o indivíduo vai aos poucos perdendo o senso de julgar o que é ou não aceito, comprometendo a boa-fé negocial, que é pressuposto jurídico de qualquer relação. Capitulo II: Conceitos Quais são as noções básicas cujo domínio é imprescindível para quem negocie com freqüência? Possivelmente a reflexão sobre alguns desses termos já trará uma base sólida e confiança para MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 11 uma negociação efetiva e interessante a ambas as partes envolvidas no processo. 1.1-Negociação distributiva 1.2-Negociação integrativa 1.3-Distinção 1.4-Preço de reserva 1.4.1-Exceção 1.5-ABATNA 1.6-Zona de Acordo Possível 1.7-Âncora 1.8-Venda 1.9-Risco calculado na expectativa 1.9.1-Bom demais pra ser verdade 1.10-Virtude do negociador 1.10.1-Pisando em folhas secas 1.10.2-Assertividade 1.10.3-Improviso 1.11-Posição x Interesse 1.11.1-Postura firme 1.11.2-Postura flexível 1.11.3-Postura defensiva 1.11.4-Cooperação/competição MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 12 1.1 - Negociação distributiva É aquela que se desenvolve em torno de uma questão central, em que as partes disputam fatias maiores de um mesmo bolo: o que um ganha corresponde a uma perda do outro. Os envolvidos identificam algo que desejam negociar e se esforçam para obter as melhores condições dentro do que for possível, adotando uma postura competitiva. 1.2 - Negociação integrativa A idéia central aqui é não só repartir o bolo, como expandi-lo e repartir os benefícios criados no processo. Ao invés de uma simples troca de bens similares, as partes percebem ser possível a obtenção de mais vantagens à medida que vão compartilhando interesses de um eventual aprofundamento da interação entre elas 1.3 - Distinção Michael Watkins[1] enxerga a relação distributiva como sendo uma soma de valor 0, ao passo que a relação integrativa envolveria criação e repartição de valor. Ele também critica o uso da expressão ganha/ganha, pois nem sempre as partes saem com exatamente aquilo que desejavam. 1.4 - Preço de reserva É a situação limítrofe na qual você ainda percebe a negociação como vantajosa para os seus propósitos. Considerando as demais opções existentes (ABATNA), será preciso calcular até onde as condições para que a outra parte ceda são viáveis. Ter este parâmetro claro pode impedir uma vinculação em um acordo desastroso, ainda que bem apresentado. O preço é uma referência dentro do próprio processo, sendo mensurado a partir das demais opções existentes. 1.4.1 - Exceção Isso não se aplica a acordos de risco, que dependerão única e exclusivamente do limite daquilo que se arrisca e o que se pretende ganhar. 1.5 - ABATNA MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 13 Trata-se de um conceito chave, muitas vezes ignorado. A sigla ABATNA (Best Alternative To a Negociated Agreement) possui como correspondente na língua portuguesa a expressão MAANA (Melhor Alternativa À Negociação de um Acordo). É justamente a opção "b", à qual dever-se-á recorrer caso a negociação atinja um impasse. Sua razão de ser é servir de parâmetro para definição do preço de reserva, ou seja, dizer qual o patamar mínimo ao qual o acordo poderá chegar para que dele se extraia uma vantagem real. "A parte que tem menos a perder possui a parcela maior de poder de influência. O segredo é buscar soluções alternativas para o seu problema básico, que não envolvam a colaboração da outra parte." (Richard Shell) 1.6 - Zona de Acordo Possível Esta expressão designa a faixa na qual os interessados podem efetivamente chegar a um consenso. Se o vendedor não aceita menos que 100, e o comprador não paga mais do que 130, então a ZAP será o espaço entre 100 e 130. Importante chamar atenção para a necessidade de existir pelo menos um ponto que concilie as vontades, sem a qual não haverá acordo. Claro que raramente esta noção é expressa, mas tanto serve como norte para integração, como para competição. 1.7 - Âncora É um termo técnico para designar o efeito causado pela primeira proposta feita durante uma negociação. Não porque vincule formalmente as partes, mas porque funciona como um parâmetro norteador, pois um acordo final será formado a partir das concessões em cima de um patamar original. Convém prestar atenção neste fato para não se deixar levar pela inércia natural de trabalhar em cima de uma referência desigual. 1.8 - Venda Um olhar superficial do processo indicaria que uma pessoa (física ou jurídica) atribui um preço a determinado produto ou serviço, e este é aceito por um terceiro. Primeiramente o cliente potencial é identificado e o produto visa atender sua expectativa específica. Em seguida o público consumidor é abordado. As pessoas que se enquadram demonstram um interesse preliminar e o vendedor MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 14 tentará aumentar este interesse para que se torne uma troca efetiva. A persuasão então passa pela conscientização e troca de informações, sem as quais as partes não chegarão a um consenso. Conhecer o produto e seu público alvo fazem parte do planejamento. O possível comprador esboçará desejo procurando quem venda, e estará, assim, aberta a negociação. Num primeiro momento quem compra possui poder, e quem vende tentará obter informações que permitam conhecer e aumentar os desejos de quem compra. 1.9 - Risco calculado na expectativa É fácil ser seduzido por oportunidades de grandes lucros, mas ponderá-los em relação até que ponto se está disposto a ir por eles é fundamental. Seja numa mesa de jogo ou de negociação, o conceito a ser aplicado é basicamente o mesmo: visualizar os ganhos potenciais ao mesmo tempo que se avaliam as possibilidades de perdas. O chamado risco calculado ocorre quando o indivíduo prevê e aceita o limite de até onde está disposto a perder, tendo em vista aquilo que poderá eventualmente ganhar. Associar o fechamento de um acordo com uma "questão de honra" geralmente leva a atitudes irracionais e desespero perceptível (que pode inclusive ser explorado pela outra parte). O bom investimento ocorre quando as perspectivas de ganhar são altas e os riscos de perda são baixos, tendo em vista que o risco é inerente a qualquer negócio, logo sempre existirá. Se a intuição aponta um grande receio, talvez seja melhor aguardar do que assinar um contrato com desconfiança. 1.9.1 - Bom demais pra ser verdade Quando a esmola é demais o santo desconfia. Convém prestar atenção se a proposta está sendo apresentada em cima daquilo que se deseja ouvir, o que pode acusar um encobrimento de detalhes vitais. Não que isso signifique que todo bom negócio é uma tentativa de provocar equívoco. Apenas vale a pena não deixar-se levar pela empolgação e procurar analisar mais pormenorizadamente as questões envolvidas. 1.10 - Virtude do negociador MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 15 Independente se estamos negociando em nome próprio ou de terceiros, a questão central é sempre achar uma forma de compatibilizar e harmonizar os interesses a serem defendidos com os da negociação em si. Para se identificar e neutralizar uma barreira é preciso ser criativo e ter uma percepção aguçada, abrindo portas e criando soluções que tornem o acordo não só possível como vantajoso para todos. É o uso sábio dos recursos e construção de um raciocínio que potencialize os ganhos em face dos investimentos. 1.10.1 - Pisando em folhas secas Para Mark McCormack[2], se você conseguir discernir quais são as linhas que não deve ultrapassar, acabará vendo melhor em quais poderá avançar. Mais adiante trabalharemos especificamente a relação com o outro lado, mas é importante deixar claro como identificar quais são os elementos chave e os pontos delicados, o que tornará mais fácil o consenso 1.10.2 - Assertividade Algumas pessoas possuem maior dificuldade em dizer "não" do que outras. Os motivos variam: há quem se sinta culpado por frustrar a intenção do outro, necessidade de aceitação social ou receio dos efeitos oriundos da negativa (represália, censura, etc). Como tudo na vida, é importante achar um ponto de equilíbrio: não ser passivo ou agressivo demais o tempo todo. Quando não se quer anuir com alguma coisa, dizer sim ao outro implica dizer não a si mesmo. 1.10.3 - Improviso Por mais bem preparado e por melhores que sejam as perspectivas, ter jogo de cintura é fundamental. É ilusão pensar que imprevistos não ocorram, da mesma forma que imaginar que não adianta planejar já que muita coisa irá mudar. Saber se adaptar e reagir de acordo faz a diferença quando a situação é delicada e há muita coisa em jogo. 1.11 - Posição x Interesse MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 16 Uma coisa é o que se deseja, e outra é a posição assumida para defender este interesse. Um pequeno empresário pode recusar-se vender seu empreendimento não em razão dos valores propostos, mas pelo medo de ficar sem ter o que fazer. Uma solução é assegurar-lhe um emprego no local. Da mesma forma, não se deve lidar apenas com os sinais ditos, e sim desvendar o que realmente está em jogo. 1.11.1 - Postura firme Não existe uma fórmula mágica que prevaleça em todas as oportunidades, mas certamente é sensato demonstrar confiança e tranqüilidade. Isso porque a outra parte não pode se sentir insegura quanto à capacidade da pessoa ou organização que representa, tampouco pensar que pode tomar as rédeas da situação e impor condições favoráveis a si. 1.11.2 - Postura flexível Confiança não significa irredutibilidade: da mesma forma que não gostamos de conversar com as paredes não é interessante passar a impressão de que em hipótese alguma poder-se-á ceder qualquer coisa. Claro que as condições do acordo podem sugerir a adoção de uma postura peculiar para o caso concreto, mas se o acordo for de fato importante, puxar a corda com muita força pode intimidar ou assustar o possível parceiro. 1.11.3 - Postura defensiva Estar atento e focado permitirá a percepção de manobras vindas da outra parte, no sentido de desequilibrar a balança. Um grande indício é perceber quando se estiver jogando o jogo do outro: carga emocional, tom de voz, forma de concessão, etc. Não há nada de errado em adotar uma postura passiva e se proteger de eventuais manobras, desde que o faça conscientemente. 1.11.4 - Cooperação/competição Uma coisa é conhecer a si mesmo e saber as circunstâncias que o deixam à vontade. Outra é pensar que toda situação comporta o mesmo estilo de resposta e postura. Se o outro lado possui o gênio forte, seja em um diálogo competitivo ou cooperativo, pode não ser MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 17 uma boa idéia caminhar em sentido oposto. Claro que não se deve abrir mão do próprio estilo ou jogar nas regras do outro, mas é importante compreender os riscos de cada um falar uma língua diferente. Capitulo III - Elementos de competição Poucas pessoas sabem sistematizar o processo, visualizar alternativas, refletir sobre o processo em si. Nesse sentido, trabalharemos nesta etapa algumas concepções ligadas à forma do processo, para que possam ser aperfeiçoadas progressivamente. 1.1-Resistência & Obstáculos 1.2-Administrando emoções 1.2.1-Reflexo da postura competitiva 1.2.2-Conflito x Competição 1.3-Poder 1.3.1-Modalidades 1.3.2-Fatores internos e externos 1.3.3-Informação 1.3.4-Risco 1.4-Tempo 1.5-Concessões 1.5.1-O objetivo maior da concessão é se ajudar 1.5.2-Como ceder de forma produtiva? 1.6-Desejo x Necessidade 1.6.1-Necessidade 1.6.2-Interesses 1.1 - Resistência & Obstáculos MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 18 Identificar o que se quer nem sempre é fácil, mas certamente é tarefa menos árdua do que ter o que oferecer em troca. De fato tudo que conquistamos facilmente agrega pouco valor. Criar condições e alternativas aonde antes não havia é o que faz a diferença. Encarar dificuldades como oportunidades é fundamental para quem almeja bons negócios. Max Bazerman e Margaret Neale[3], com muita propriedade, aduzem que "As pessoas tendem a fazer pressuposições falsas relativas aos problemas para encaixá-las em suas expectativas já estabelecidas." Em outras palavras, há uma forte tendência no sentido de atribuir a um problema uma condição ou forças tais que inviabilizem uma solução. Se por acaso já viam um grande risco na implementação de uma idéia, os problemas parecerão maiores do que realmente são. 1.2 - Administrando emoções Numa persuasão simples, na qual se almeja simplesmente obter a adesão do interlocutor a uma idéia, os riscos de desestabilizá-lo para confundi-lo são relativamente controláveis. No caso de uma negociação não se pode pensar o mesmo. É sempre muito difícil separar pessoas de problemas, contexto externo e interno, razão e emoção. O processo de negociação é basicamente racional, pois, como dissemos anteriormente, demanda convergência de interesses. Daí que uma pessoa instável estará menos propícia a fazer concessões 1.2.1 - Reflexo da postura competitiva Ainda que se trate de uma negociação competitiva e se queira afastar o outro de um raciocínio cartesiano, o tiro pode sair pela culatra, à medida que se cria uma atmosfera de antipatia e rejeição entre as partes. Naturalmente os negociadores podem (e devem) ser trocados sempre que se observar desgaste, mas como salientamos acima: nem sempre é possível separar as coisas, de modo que o próprio objeto em discussão pode ser comprometido pela associação com quem o tratou Ninguém aprecia derrotas ou tratamentos indecorosos. Se por um lado "furar o olho" de um adversário pode ser admirável a curto prazo, tenha certeza de que quem apanha nunca esquece. Logo, ainda que o perfil de quem negocia e as condições da negociação apontem para uma típica disputa em que um ganha e outro perde, é MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 19 bom ter em mente que a balança pode se inverter no futuro, e haverá o desejo constante por parte de quem um dia levou a pior em dar o troco. 1.2.2 - Conflito x Competição Rui Otávio de Andrade[4] nos traz esta importante distinção, dispondo que a competição é inconsciente, ao passo que o conflito é sempre consciente, sendo ambos formas de luta. Enquanto a competição é descontínua e impessoal, o conflito é intermitente e pessoal. É de certa forma natural defender os próprios interesses, diferente do que ocorre quando o sentimento é direcionado para as pessoas e não para o objeto. 1.3 - Poder Aqui repousa um elemento chave na relação, no qual os envolvidos devem prestar bastante atenção. De alguma forma, ambos possuem um mínimo de poder, pois do contrário, não haveria uma negociação, e sim uma imposição de vontade. Portanto, o tempo inteiro as partes buscarão ter sua influência reconhecida e expandida. Um exemplo clássico é quando um sugere ao outro que o impasse lhe trará grandes prejuízos, forçando assim condições melhores para si. Acontece que a relação de poder não é algo definitivo. De nada adianta uma parte se colocar acima da outra, se esta não a reconhecer nesta posição. Certamente é importante reconhecer quando a outra parte está em uma situação privilegiada, sob pena de perder um negócio que lhe era fundamental. Todavia, é necessário saber discernir quando a percepção de poder se dá em razão de um dado objetivo, ou em razão da forma como foi apresentada. Um discurso bem feito e estruturado pode dar a impressão de que uma parte precisa mais da outra. Mas um jogo de palavras ou seleção de argumentos pode dar uma falsa impressão. Daí a importância de se preparar. Ainda que seja verdade que há uma dependência ou forte necessidade de uma parte em relação à outra, pode acontecer uma relação inversa de igual força simultaneamente. Tal carga de subjetividade na percepção remonta a um segundo corolário primordial a respeito do poder: que sua distribuição e percepção é dinâmica. Uma colocação ou dado pode inverter o quadro de uma hora pra outra. E durante a negociação as partes MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 20 podem oscilar na condição de mais influente várias vezes. Logo, convém prestar atenção nos dados que cercam a negociação para ajustar os objetivos e, conseqüentemente, a postura. 1.3.1 - Modalidades Richard Shell[5] entende haver duas formas de manifestação do poder: uma positiva e a outra negativa. Na primeira têm-se algo que o outro deseja, de modo que o nível de desejo irá indicar o poder conferido pela moeda ao seu detentor. No segundo caso, a ameaça ou sugestão civilizada para o caso de uma recusa asseguram poder em razão das perdas potenciais demonstradas. 1.3.2 - Fatores internos e externos Seu escopo é assegurar força suficiente para impor ao outro sua vontade para conseguir o que quer. Pode ser causado por fatores internos (disparidade econômica ou relação de dependência entre as partes) ou por fatores externos. Se a oferta é feita simultaneamente por vários concorrentes há vantagem para quem compra (daí a necessidade de existir o CADE, que monitora os agentes econômicos). Agora, se o produto é raro ou altamente desejado, o vendedor fica em posição privilegiada. 1.3.3 - Informação É fator diretamente ligado ao poder. Quem detém conhecimento estratégico sobre o negócio em si ou sobre a outra parte se coloca em uma condição privilegiada, desde que saiba explorar esta vantagem. Não apenas no sentido de tirar proveito em detrimento do outro, mas também por saber como atingir um mesmo resultado de uma maneira menos onerosa para si. Daí porque não é aconselhável menosprezar a importância de uma pesquisa preliminar: chegar despreparado propicia surpresas de última hora, que acabam afetando a percepção de poder e uma possível posição de barganha. 1.3.4 - Risco "Pessoas são contrárias a riscos quando estão confrontando ganhos potenciais e buscam riscos quando confrontam perdas potenciais." (Kahneman e Tversky MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 21 Riscos calculados são fonte de poder. Ter uma noção clara sobre eles permite um maior controle e adoção de estratégias ousadas no decorrer das conversas. Isso se faz pelo grau de certeza sobre o que vai acontecer com ambos os envolvidos na hipótese de impasse. Mas nunca é sensato arriscar por orgulho, impaciência ou pressa. 1.4 - Tempo Segundo Mark McCormack[6], paciência é saber não fazer nada e se contentar com isso, não apressar decisões ou ceder à pressão por rapidez. Às vezes, o melhor a fazer é esperar a rodada certa e faturar alto ao invés de se desgastar com pequenos ganhos. Não é sábio subestimar o impacto que a paciência exerce. A quantidade de concessões tende a se elevar à medida que se aproxima do desfecho ou incrementa o risco de impasse. A ansiedade e o descontrole emocional serão testados por negociadores habilidosos. Saber explorar o fator prazo quando este estiver a seu favor numa negociação competitiva trará bons frutos, seja para obter informações, ganhar poder ou assegurar o fechamento do acordo nos termos desejados. Uma longa caminhada começa com um único passo." (LaoTsé) 1.5 - Concessões Se não houver qualquer possibilidade das partes efetuarem trocas e cederem em alguns pontos não existirá uma negociação - no máximo, uma persuasão, uma vez que apenas um lado poderá vir a abdicar de interesses próprios. Porém, vale frisar que oferecer concessões gratuitamente não serve como desculpa para exigir uma contraprestação similar. Outrossim, ceder em muitos pontos ou rápido demais denota desespero, ceder em poucos sugere inflexibilidade e desinteresse no acordo. A estratégia deve naturalmente estar alinhada ao objetivo. Dificilmente ocorrerá de se pretender obter algo a qualquer custo, de modo que definir o que se pretende abrir mão é fundamental. Assim, mister se faz administrar bem os recursos de que dispõe, bem como a melhor forma de se desfazer deles para tirar seu máximo proveito. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 22 Definidos os pontos principais, o natural é que cada um ceda naquilo que julgar menos importante para si. Isso porque o valor atribuído pela outra parte pode ser diverso em matéria de interesse. Por exemplo, um fornecedor pode estar mais preocupado com o volume a ser negociado, enquanto o comprador pode estar mais preocupado com o prazo. 1.5.1 - O objetivo maior da concessão é se ajudar Vale ressaltar que quando se busca resolver os problemas do outro, na verdade estar-se-á resolvendo o próprio concomitantemente. Todos ali possuem necessidades e interesses, ainda que em diferentes graus e focos, o que em si gera o desequilíbrio de poder. A concessão é a ferramenta que permite inverter a situação, ganhando uma moral provisória para solicitar uma abertura posterior. Portanto, quando se atende ao outro lado, a idéia não é parecer bonzinho, mas usar isso a seu favor para obter o que de fato se quer. 1.5.2 - Como ceder de forma produtiva? Não se precipitar é fundamental. Uma concessão rápida passa uma mensagem ruim e a desvaloriza, posto que fora obtida sem muito sacrifício. A fórmula do "se você fizer A, poderei fazer B" garante que uma concessão estará atrelada a um movimento mútuo da outra parte. Se a preocupação for ganhar ao invés de fazer o outro perder, poder-se-á repartir lucros e não apenas determinar o ganhador e o perdedor. 1.6 - Desejo x Necessidade Quando se fala em meta pode-se imaginar que é fácil definir o que se almeja. Na verdade, muitos confundem o conceito de querer e precisar. Um vendedor habilidoso saberá jogar com a eventualidade a seu favor, já que muitos produtos são úteis em situações específicas. Quanto maior for o grau que se imagina necessitar de algo, maiores serão os esforços para obtê-lo, o que na maior parte dos casos significa dinheiro a ser investido. Conclui-se que, antes de ingressar numa negociação, é vital situar a real necessidade do que se pretende obter, até mesmo para medir o limite de concessões (preço de reserva). 1.6.1 - Necessidade MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 23 O produto ou serviço que vier revestido de uma importância será mais facilmente negociado do que um supérfluo. Contextualizando a lei de oferta e procura ter-se-á um parâmetro do quanto aquele produto está ou não valorizado. Um corretor de seguros não irá se contentar em falar das ínfimas possibilidades estatísticas de o sinistro ocorrer, e sim ilustrar as terríveis conseqüências de não possuí-lo quando ocorrer. Quanto mais a outra parte for capaz de perceber os usos e benefícios daquilo que irá obter, mais convicto estará de que precisa selar o compromisso. 1.6.2 - Interesses Todo indivíduo pode ser visto como um iceberg, no sentido de que apenas uma pequena parte de si é visível. A complexidade aparece quando se tenta desvendar suas motivações, valores, convicções, história, etc. Uma negociação segue o mesmo raciocínio: há sempre os valores e objetos postos à mesa, e aqueles que nem sempre ficam tão claros. Sentimentos como orgulho e medo, contextos como projetos de ampliação e aumento de concorrência, fatores como urgência de prazo, pedidos urgentes ou risco de falência: todos afetam diretamente a necessidade de negociar. Em razão da discrepância de poder observada a partir das motivações que levam cada parte a negociar, estes motivos raramente são facilmente perceptíveis. Independente se o são ou não facilmente perceptíveis, estas motivações necessariamente existem. E identificá-las tanto concede uma vantagem estratégica numa negociação distributiva (relação de poder) como numa integrativa (permite direcionar os esforços naquilo que realmente importa e aumenta possibilidades e campos para a mesma negociação). Logo, devemos prestar atenção na outra parte. Repare que uma coisa é especificar com precisão aquilo que se deseja, e outra é indicar a intensidade e urgência com que se quer. No primeiro caso a comunicação visa viabilizar um entendimento, ao passo que o segundo é válido apenas para situações em que haja confiança mútua e clara intenção de cooperação. Em um processo competitivo, disponibilizar este tipo de informação implica em atribuir poder à outra parte. Capitulo IV - Integração com a Outra Parte MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 24 Não existe negociação unilateral. E justamente por necessitarmos do consentimento alheio, é importante saber trabalhar com a outra parte em sintonia. E se isso nem sempre é fácil, traremos algumas reflexões para ajudar na tarefa... 1.1-A estratégia considera o outro lado 1.1.1-Postura coerente com perfil 1.2-Confiança 1.2.1-Preconceitos 1.3-Relacionamento 1.3.1-Não adianta apenas um focar no relacionamento 1.4-Motivações individuais 1.5-Necessidades convergentes 1.6-Comunicação 1.6.1-Síntese 1.6.2-Saber ouvir 1.6.3-Parafrasear o interlocutor 1.6.4-E se o outro pensa estar certo sempre? 1.6.5-Perguntas 1.7-Afetividade 1.1 - A estratégia considera o outro lado Quanto melhores forem os dados reunidos acerca da pessoa com que se pretende tratar, mais eficiente será a estratégia adotada. A origem (cultura), perfil e proximidade poderão dar uma boa idéia do que se esperar. Não há razão para tentar matar um pombo com uma bazuca. Ou seja, não há porque traçar uma estratégia MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 25 mirabolante para um caso simples, da mesma forma que não convém tratar com leviandade um negociador linha-dura. 1.1.1 - Postura coerente com perfil Não se esqueça de que não basta uma boa intenção se a outra parte não compartilha desta percepção. Transmitir posturas e idéias confusas e contraditórias tende a travar a evolução de um acordo. Se a estratégia e perfil indicarem ser viável mostrar-se mais flexível, dê sinais claros disto, sem segundas intenções. Se for preciso ser firme, não tente amolecer a fala para parecer melhor. Lembrando que ser firme não quer dizer ser rude. O tom cordial pode e deve prevalecer. 1.2 - Confiança No papel, depositar confiança parece ótimo, mas pressupõe a construção de uma relação de confiança e correta percepção daquilo que a outra parte deseja. Mas como ter certeza se a outra parte é ou não digna de credibilidade? Eliminar a dúvida é quase impossível, sendo melhor disponibilizar informações gradativamente, à medida que ganha maior familiaridade com o outro. Informações sigilosas apenas devem ser compartilhados quando há forte convicção acerca da real intenção da outra parte em fechar o acordo ou em virtude de seu caráter e credibilidade. 1.2.1 - Preconceitos Uma coisa é presumir os interesses da outra parte, outra é julgar ter certeza de quais são, bem como os efeitos dai decorrentes. Definitivamente a presunção e inflexibilidade emperram qualquer negociação. Da mesma forma, generalizações funcionam como ferramentas para justificar preconceitos e inviabilizar uma visão mais aberta. Um exemplo é pensar que tudo que é bom para o outro deve ser ruim para si. 1.3 - Relacionamento Se por um lado adotar a postura de intransigente diminui as chances de ser ludibriado ou fazer acordos ruins, também irá repercutir negativamente nas interações com fornecedores e compradores chave. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 26 Uma pessoa precavida insistirá na materialização de um acordo e o revestirá de garantias jurídicas. A despeito de isso ser uma iniciativa válida é conveniente perceber como as pessoas refletem com precisão à maneira como se sentem tratadas. A reciprocidade encontra respaldo num olhar, na forma como o diálogo flui e nas boas (ou más) intenções percebidas. Ter tato e empatia pode não só proteger um vínculo, como também gerar confiança recíproca e consolidar uma relação duradoura. 1.3.1 - Não adianta apenas um focar no relacionamento Vale ressaltar que de nada adianta propor uma relação de cooperação se não houver vantagens para ambos os lados. Uma eventual parceria carece de um planejamento claro e que crie mais valor do que a simples relação comercial existente 1.4 - Motivações individuais Não se engane com aparentes atos altruísticos e gestos benevolentes gratuitos: nada na vida vem de graça ou por acaso. Isso não quer dizer que as pessoas são ruins, mas que são movidas por motivações que nem sempre são possíveis de determinar. A regra é que sempre coloca-se o próprio interesse em primeiro lugar, ainda que não necessariamente mais importante. Quando se pensa a respeito do princípio "Amarás ao próximo, como a ti mesmo", chega-se à conclusão de que inicialmente deve-se amar a si, ainda que isso não importe em amar mais do que aos outros. O que motiva de fato a alguém raramente é perceptível. Mesmo quando parecer evidente, é preciso cautela para não se fazer presunções precipitadas. Todo indivíduo apresenta valores e formações diferentes, bem como a própria concepção de justiça varia de caso para caso. O que é bom para um pode não ser para o outro. Assim, a despeito de não se retirar o mérito de uma boa iniciativa, é importante perceber que ela estará revestida de uma razão, ainda que esta também seja louvável (ser visto como altruísta pode trazer diversas vantagens). Resolver os problemas do outro facilita resolver os seus próprios 1.5 - Necessidades convergentes MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 27 Os interesses entre as partes nem sempre caminham em sentidos opostos. Nesse sentido, é fundamental haver uma troca de dados plena e uma postura aberta para viabilizar o consenso. Uma compreensão efetiva pode apontar uma saída alternativa que agrade a ambos envolvidos, agregando ainda mais valor ao acordo. Quando duas pessoas manifestam intenção de estabelecer uma relação comercial, seja ela duradoura ou não, a maior dificuldade é deixarem de lado a postura defensiva e compartilhar informações que proporcionem ganhos para todos. Contudo, o receio de ser passado para trás inviabiliza uma troca de dados, sem a qual não é possível ir além de um acordo modesto. Logo, os envolvidos perdem a oportunidade de estreitar os laços e firmar acordos bilaterais lucrativos para ambos e se contentam com uma simples venda. Por mais que o discurso possa apontar para divergências na seara financeira, os interesses da outra parte podem repousar em questões mais simples, se forem bem captadas. Compreender profundamente as pretensões da outra parte (que não necessariamente são contrárias as suas) pode facilitar o consenso. Assim, a mentalidade de concentrar esforços visando dobrar o adversário poderia facilmente trazer melhores resultados se transmutada em esforços voltados para a criação de valor. A simples troca de mercadoria gera uma equação de esforços, em que se repassa algo em troca de outra coisa de valor equivalente(lucro distributivo). Visualizar o outro como possível parceiro e criar as condições certas pode apontar outros interesses comuns (acordo integrativo). Ao invés de tentar lucrar às custas do outro, a negociação pode solucionar problemas comuns não identificados num primeiro momento. 1.6 - Comunicação Se uma idéia puder ser exposta em duas frases, não redija um discurso para apresentá-la. Monopolizar a fala e utilizá-la de maneira prolixa não só compromete a qualidade do que é dito, como também impede que se aprenda mais sobre os interesses de quem está do outro lado. A comunicação precisa ser clara, mas não adianta insistir num pensamento se ele não for aceito num primeiro momento. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 28 1.6.1 - Síntese Frases de efeito possuem tanto uma função persuasiva (força de penetração) como também podem ser usadas para uniformizar e conciliar o discurso. Se as partes estiverem com dificuldade em se fazerem entender, uma saída é traçar um pensamento central que ambos concordem, para em seguida "ramificarem" o galho central na forma das eventuais diferenças 1.6.2 - Saber ouvir Segundo Richard Shell[7], você freqüentemente conseguirá mais descobrindo o que a pessoa quer simplesmente ouvindo-a, do que por meio de argumentos inteligentes que sustentam a sua própria necessidade. 1.6.3 - Parafrasear o interlocutor Repetir o que a outra pessoa falou com as suas próprias palavras possui uma dupla vantagem: demonstra que se está efetivamente escutando e compreendendo o que o outro diz, além de "acertar os ponteiros", ou seja, elimina possíveis falhas na comunicação e coloca as partes em sintonia. 1.6.4 - E se o outro pensa estar certo sempre? A melhor forma de tentar quebrar uma autoconfiança exacerbada é ir direto à raiz do problema: os alicerces das convicções. Solicitar maiores esclarecimentos acerca das opiniões e provocar a reflexão aberta pode comprometer publicamente a coerência e a razoabilidade dos argumentos. Uma coisa é dizer "não" para tudo que lhe é perguntado. Outra bem diferente é saber justificar todos eles. Outras vezes não é nem uma questão de estratégia, posto que a pessoa pode até mesmo distorcer suas interpretações em favor daquilo que acredita, fortalecendo seus dogmas iniciais 1.6.5 - Perguntas Negociar é mais relacionado a ouvir e obter informações do que convencer. Perguntar traz mais retorno do que argumentar. O processo caminhará mais naturalmente se for obedecida uma cronologia lógica: primeiro descobre-se o que o outro deseja para só depois tentar convencê-lo a aceitar determinado acordo. Mesmo MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 29 porque, levantar questões pode incrementar o rol de alternativas e interesses comuns. Agora, se a outra parte se mostrar resistente e desconfiada, uma saída é oferecer de boa fé alguma informação relevante, ainda que a outra parte não se comprometa a fazer o mesmo. Este gesto pode representar uma abertura de diálogo, ou pelo menos demonstrar boa vontade e real interesse em fechar um acordo. 1.7 - Afetividade Por mais habilidoso e articulado um negociador possa ser, ainda sim ele terá menores chances de atingir um "sim" do que uma pessoa com a qual o interlocutor guarde grande estima e identificação. Trabalhar a afinidade pode trazer mais resultados do que uma estratégia mirabolante de convencimento. Não se trata de conseguir melhores acordos em razão da afinidade, mas criar uma predisposição à proposta. Capitulo V - O Processo em si O passo a passo da negociação envolve uma progressão gradativa em que o planejamento ideal considera uma série de variáveis. Veremos a cronologia básica de uma negociação, tecendo alguns breves comentários sobre alguns elementos chave. 1.1-Fases naturais de uma negociação 1.1.1-Seqüência de uma discussão convencional 1.2-Regras do jogo 1.2.1-O processo deve ajudar 1.3-Negociações com mais de dois envolvidos 1.3.1-Equipe de negociadores 1.4-Preparação 1.4.1-Preparo contínuo 1.5-Cuidado com unanimidades 1.6-Clima MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 30 1.6.1-Local 1.7-Metas audaciosas 1.7.1- Auto proteção ilusória 1.7.1.1-Defesas contra a auto proteção ilusória 1.7.2-As 03 metas de referência 1.7.3-Adaptação de metas 1.8-Ordem de assuntos 1.9-Proposta 1.9.1-Espaço de manobra 1.10-Resposta 1.10.1-Selando o compromisso 1.11-Táticas 1.1 - Fases naturais de uma negociação 1) Planejamento: chegar mal preparado ou desinformado é uma opção temerária; 2) Discussão / Proposta: as partes sinalizam o que pretendem e amparam suas posições com um típico processo de argumentação; 3) Concessões: assimilados os interesses de cada parte, tentar-seá acertar as diferenças naquilo que for mutuamente conveniente; 4) Conclusão: chegando os envolvidos a um consenso, restará configurado um acordo 1.1.1 - Seqüência de uma discussão convencional 1) Apresentação individual: cada envolvido se esforçará em aumentar sua esfera de poder para as próximas etapas, com argumentação sólida e consistente; MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 31 2) Identificar opções: a partir do que houver sido exposto, as partes agora passarão do discurso divergente para o convergente, dentro do que perceberem ser comum a ambos; 3) Acerto de detalhes / Criação de opções: a partir do esboço do que se pretende em matéria de trocas, os negociadores voltarão a assumir uma condição divergente, assegurando a obtenção de seu melhor interesse, dentro das possibilidades; 4) Selar o acordo: se não houver impasse, todos estarão satisfeitos com o que tiverem conquistado e sinalizarão sua anuência com os termos propostos. 1.2 - Regras do jogo Uma questão chave diz respeito ao procedimento referente à negociação. A menos que uma parte possa tirar proveito claramente, é melhor buscar entender e se adaptar do que insistir com alguma outra preferência. Isto parece simples, porém é muito comum alguém tentar impor o seu padrão, por julgá-lo mais eficiente. Uma vez que as regras valem para os dois lados, despenda mais tempo pensando em como explorá-las, ao invés de pensar em como poderiam ser. O desespero e desesperança não trazem qualquer efeito construtivo. Até o momento que as coisas dêem efetivamente errado, o pessimista sempre sofre mais que o otimista. De nada adianta se colocar contra os fatos ou fugir deles: fazer a leitura correta e reagir de acordo gera melhores resultados. 1.2.1 - O processo deve ajudar Da mesma forma que não se preocupar com o processo configura desvantagem, pensar demais também prejudica. Não é preciso que a outra parte reconheça a qualidade do objeto negociado segundo seus próprios padrões, tampouco concorde com aspectos incidentais não essenciais (renome da instituição, definição de termos usados, etc). É vital ter em mente que a finalidade do processo é chegar ao consenso material, pois não adianta ter um diálogo perfeito e deixar de lado o acordo. 1.3 - Negociações com mais de dois envolvidos MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 32 Se a comunicação entre duas partes já apresenta dificuldades, o que dizer de vários interesses concomitantes? O importante é a definição clara de critérios para se chegar a uma conclusão conjunta, bem como a existência de uma coordenação centralizada. Ainda que este procedimento limite as alternativas a serem exploradas, torna todo o processo coeso e viável para todos. 1.3.1 - Equipe de negociadores Uma equipe coesa e entrosada trabalha em sintonia e tira proveito de características individuais, desde quem seja mais simpática ao oponente até quem seja mais linha dura. 1.4 - Preparação Toda atividade bem feita carece de planejamento e concentração. No caso de participar de uma negociação, isso se traduz em levantamento das informações pertinentes ao caso. Esses dados envolvem itens como os valores envolvidos, importância do acordo, histórico da relação entre as partes, perfil dos negociadores e tudo mais que puder influenciar a formulação da estratégia. Em outras palavras, saber exatamente quais são as partes envolvidas, seus respectivos interesses e grau de influência recíproca é o que impedem as partes de ficar completamente às escuras. 1.4.1 - Preparo contínuo Por mais completo e detalhado que tenha sido o planejamento prévio, é muito provável que muitas informações relevantes sejam conhecidas apenas no decorrer da conversa. Ficar atento para os novos dados é fundamental para saber adaptar metas e estratégias, de modo a não insistir em um procedimento impróprio para o contexto. 1.5 - Cuidado com unanimidades Estar muito convicto quanto a determinada idéia ou posição cria barreiras psicológicas para alternativas posteriores, ainda que estas sejam mais promissoras. A própria interpretação de dados passa por um filtro de modo a reforçar a tese original. Se houver mais de uma pessoa envolvida a empolgação inibirá pensamentos dissonantes e o aparecimento de críticas construtivas. Da mesma forma, negociadores devem estar atentos para não deixar de MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 33 considerar outras opções que sejam até melhores do que o acordo originalmente desenhado 1.6 - Clima A outra parte não precisa ser vista como oponente e o processo não precisa ser desgastante. A atmosfera formal da negociação pode atrapalhar as partes a chegar em um acordo, da mesma forma que um aspecto de baixa seriedade. O clima interfere na postura, tanto de forma positiva como negativa. Todos preferem participar de um processo rápido e produtivo. 1.6.1 - Local Atuar na condição de anfitrião do processo traz alguns efeitos, sendo uns positivos e outros negativos. O conforto e conhecimento do local facilitam a adaptação e reduzem a ansiedade, permitindo um maior foco em função das menores distrações e novidades. Outrossim, transmite uma impressão de controle e autoridade. Porém, isso remonta ao fato de que há responsabilidade pelo conforto dos demais e por qualquer eventualidade que possa comprometer o andamento do processo. Além disso, desculpas como falta de informação imediata ficam prejudicadas. 1.7 - Metas audaciosas Desejar bons negócios apenas para lucrar o máximo ou obter prestígio no mercado não cria qualquer tipo de parâmetro psicológico que sirva para se motivar. O compromisso surge quando há metas específicas, claras e bem embasadas. Saber aonde se quer chegar é o primeiro passo de quem queira iniciar uma jornada, mesmo que o empreendimento seja comercial ou profissional. Sentar numa cadeira para negociar sem saber aonde se quer chegar é, portanto, temerário. Tenha em mente um objetivo claro, porém não absoluto (de modo que possa ser ajustado ao longo do processo). E não se acanhe nesse primeiro momento: é importante ter ambições elevadas. Em resumo, saiba exatamente o que você quer, pois seu discurso deverá ser condizente com o que você deseja. 1.7.1 - Auto proteção ilusória MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 34 Quem formula para si mesmo pretensões modestas visa tão somente se cercar de bons resultados relativos. Desta forma, resguarda-se de possíveis fracassos (zona de conforto) e passa uma falsa impressão de êxito contínuo. Romper esta chamada proteção natural é um divisor de águas para aqueles que querem fazer a diferença e se destacar. 1.7.1.1 - Defesas contra a auto proteção ilusória Uma boa maneira de nos policiarmos em relação a qualquer meta de vida, seja ela pessoal ou profissional, é exteriorizá-la. Uma vez que possamos visualizá-la precisamente, aumentaremos nosso grau de compromisso se pudermos divulgá-la. É muito comum ver em biografias que grandes projetos vitoriosos começaram em pequenas folhas de papel em que seus idealizadores reforçavam seu desejo pelo simples hábito de estampá-la na parede do quarto... 1.7.2 - As 03 metas de referência Tim Hindle[8] sugere três parâmetros em matéria de meta: um ideal, um realista e o mínimo necessário. Este último coincide com o preço de reserva. Pode ser que numa situação peculiar não haja uma disparidade muito grande entre eles, ou mesmo qualquer diferença (proposta não-negociável). 1.8- Adaptação de metas Em determinado momento é provável que se abram algumas alternativas, conforme evoluam as conversas. Aqui é importante relembrar o conceito de um bom negócio, trabalhado anteriormente. Como se trata de uma sensação, o foco deve ser aquilo que se obterá, e não o que se deixou para trás. Isso porque a escolha irá afetar sua percepção de como se saiu. E também por isso é importante saber o que realmente se pretende com a negociação, para sair com o mais próximo daquilo que se pretendia. 1.9 - Proposta Um número fora dos padrões de mercado ou dissonante em relação à zona de acordo possível pode gerar um desestímulo, ainda que o contexto possa aliviar a situação. Se houverem elementos suficientes para construir uma proposta razoável, pode ser viável formulá-la para tentar o efeito âncora. O mesmo vale para quando MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 35 se estiver em situação privilegiada na negociação. Em resumo, o que irá contar é a segurança em matéria de conhecer as variáveis em questão em comparação com a outra parte. 1.9.1 - Espaço de manobra No que concerne ao conteúdo da proposta, é importante ter em mente manter o que se costuma chamar de espaço de manobra. É uma espécie de "sobra" de ambas as partes, em que se darão as concessões e se moldará o acordo segundo os interesses recíprocos. 1.10 - Resposta Na sua obra "A arte de negociar", McCormack aduz que quando as partes chegarem a um acordo é importante que o "sim" não venha enrustido com segundas intenções ou uma ambição exagerada. E quando for preciso recusar, o "não" deve ser respeitoso, mas evitando-se dar explicações que possam comprometer a relação. Um "não" imediato pode espantar a parte. O melhor é tentar dar um ar de "talvez 1.10.1 - Selando o compromisso Embora o desfecho seja um momento tentador para se obter mais vantagens (em razão da ansiedade e proximidade do fim), a reabertura do processo pode comprometer todo o acordo. O perfil de quem negocia e a forma como se deu o processo podem ser indícios de que a outra parte está no seu limite e pode pôr tudo a perder. Nessas horas é importante ter em mente se o acordo já é interessante por si só, o que levará em conta o ABATNA e a proximidade com o preço de reserva nos termos convencionados. 1.11 - Táticas Na obra "Como conduzir negociações", Tim Hindle enumera algumas dicas importantes para orientar o negociador ao longo da discussão. Algumas delas são expostas a seguir: Use ofertas condicionais (se você fizer isso, então poderei fazer aquilo ...). Esta postura assegura uma valorização de suas concessões, de forma que estarão diretamente atreladas a uma contraprestação de valor equivalente. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 36 Sonde reações (O que você pensaria sobre...). O estabelecimento de hipóteses concede um ar mais informal em relação a uma proposta, no sentido de que uma negativa veemente não causaria um grande mal-estar entre as partes. Não faça concessões logo no começo. A mensagem que se passa nesses casos é de que a pessoa está muito ansiosa e pode cometer precipitações. No mínimo, a outra parte esperará por ainda mais aberturas e se frustrará se houver uma mudança de postura para alguém intransigente. Evite o uso do "nunca". Por mais que um assunto ou hipótese seja inviável, o peso da expressão provoca postura defensiva e vingativa (se você não cede nisso eu não cedo naquilo). Não faça o outro lado parecer tolo. Por mais que fique com esta impressão, não a deixe transparecer porque ter inimigos sentados do outro lado não interessa a ninguém. E também porque nunca se sabe quando se precisará negociar com eles novamente... Este fato é corroborado ainda pelo risco inerente ao sentimento de revanchismo criado: o outro passa a desejar mais o seu insucesso do que a própria satisfação. Capitulo VI - Prática e Contexto Chegamos finalmente na questão de conteúdo da negociação. Saber melhorar a apresentação, utilizar algumas ferramentas (e se defender delas) é essencial para assegurar uma melhor defesa dos próprios interesses (e conseqüentemente da negociação como um todo). 1.1-Foco 1.2-Olho no orgulho 1.3-Blefe 1.3.1-Dados estatísticos 1.3.2-Excedente de assuntos 1.3.3-Armadilha de coerência MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 37 1.3.4-Meio termo 1.4-Reconhecimento 1.5-Fechando o negócio 1.5.1-Como obter comprometimento? 1.6-Tomada de decisão 1.7-Impasse 1.7.1-Pacotes 1.7.2-Mas e o preço? 1.7.3-Intransigência como oportunidade 1.8-Risco como oportunidade 1.9-Não é apenas uma questão de experiência... 1.10-Referências bibliográficas 1.11-Bibliografia 1.1 - Foco Duas variáveis devem ser levadas em conta na escolha de metodologia: a importância do resultado e a relação com a outra parte. Pode ocorrer de um ou outro ser o único objetivo no processo, bem como ambos serem igualmente importantes. Se a meta for precipuamente o objeto em discussão, uma negociação competitiva tradicional tende a ser adotada. Agora se a outra parte pode trazer vantagens estratégicas que extrapolam o objeto então é prudente investir na cooperação O tempo necessário para implementar os termos do acordo, a quantidade de pessoas envolvidas no mesmo (complexidade) e a freqüência com que as partes irão interagir constituem referência para identificar o foco (negócio ou relacionamento). Nem sempre é fácil reconhecer a importância de determinado fornecedor, que justifique um maior empenho na manutenção de uma boa relação. 1.2 - Olho no orgulho MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 38 Que somos movidos por nossas emoções ninguém discute. Porém, nem sempre se deixar levar conduz a resultados positivos. Há momentos em que manter um curso de ação sem respaldo racional leva ao desastre. Se o quadro criado apontar para uma mudança é preciso abandonar o planejamento ou meta inicial, ainda que isso importe em arranhar a auto-estima e o ego. A conclusão é que não se deve insistir numa decisão sem antes avaliar sua conveniência fática 1.3 - Blefe Não apenas em uma rodada de pôquer, estamos sujeitos a cair em um blefe. O artifício consiste em tentar convencer o interlocutor de que se tem aquilo que na verdade não se tem, para ganhar mais poder e intimidá-lo. Numa negociação distributiva isso configura atitude de moral questionável, enquanto numa potencial negociação integrativa representa o sepultamento das chances de acordo amistoso. A questão principal do blefe é a administração de risco. Perceber um quadro de possível blefe não é suficiente, devendo haver uma empatia para desmascará-lo. Trata-se de refletir sobre quem tem mais a perder, as probabilidades de veracidade do que se diz, o perfil de quem fala e, sobretudo, a circunstância. Claro que ninguém se vangloria de cair num blefe, mas tanto no jogo como na vida é vital ter em mente o quanto se tem a perder e a ganhar em cada caso para amparar sua decisão, qualquer que a seja 1.3.1 - Dados estatísticos Números retratam com precisão uma realidade. Isso ninguém discute. A questão é raciocinar o que está por trás dos números apresentados. Quando foram obtidos? Por quem? Qual o contexto e fatores relevantes do processo em que foram extraídos? Afinal, a despeito de sua precisão matemática, esses números realmente refletem a realidade que está sendo discutida? Perceber falhas em dados tidos como objetivos e inquestionáveis é um desarme perfeito e excelente meio de provocar uma flexibilização na postura de quem apresentou tais números. A conclusão que se tira é que as estatísticas podem distorcer a realidade tanto em proveito próprio como em sentido contrário. Previsões e dados devem ser contextualizados quando nos são MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 39 apresentados, da mesma forma que poderão nos servir ao propósito de transmitir confiança ao interlocutor numa apresentação. O mais importante é identificar as questões centrais e os números que efetivamente interessam. 1.3.2 - Excedente de assuntos Outra manifestação de blefe disfarçado ocorre quando se jogam elementos a mais na roda, como pretexto para abdicá-los no decorrer do processo. Se assim o for, os itens remanescentes ganham força para o restante da negociação. Embora seja difícil identificar a estratégia, ela tende a surtir pouco efeito. 1.3.3 - Armadilha de coerência Da mesma forma que um silogismo conduz a uma conclusão lógica, um jogo de palavras pode levar um negociador desatento a anuir com determinada proposição que, em seguida, é ampliada para um raciocínio favorável à tese oposta. Geralmente são perguntas abertas e sem uma conexão aparente com o assunto central, de modo que não é sensato responder a qualquer pergunta despretensiosa sem saber a sua relevância ou propósito. 1.3.4 - Meio termo É a forma mais simples de se tentar ganhar vantagem. Se a outra pessoa pede 100, então basta pedir 50 e deixar a coisa caminhar naturalmente. O problema repousa exatamente no ponto de referência: pode ser que 100 seja uma proposta razoável, enquanto 50 não. Daí tem-se que a noção de justiça é pervertida sutilmente na base, comprometendo a equidade de todo o processo. Ainda que seja livre cada parte dar um lance, não se deve deixar levar pelas aparências e suspeitar desta prática em uma disputa por preço simples. 1.4 - Reconhecimento O status de quem fala é levado em conta na análise daquilo que é dito, disso não resta dúvida. O currículo pode corroborar a posição defendida por um perito técnico, da mesma forma que a credibilidade e fama podem favorecer a aceitação de um comentário. Só que isso nem sempre condiz com os fatos. É importante saber discernir valor do conteúdo com o da pessoa que o apresenta. Se houver dúvidas por falta de conhecimento técnico, MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 40 é fundamental contar com um assessor, sob pena de ficar à mercê de um laudo questionável, ainda que provavelmente bem fundamentado. 1.5 - Fechando o negócio Richard Shell[9] chama isso de Efeito escassez. É o que ocorre quando acreditamos que algo que queremos está ou ficará escasso, pressionamos um botão imaginário de pânico para que se faça algo imediatamente, para evitar sentimentos de pesar por termos perdido uma oportunidade. (lei da oferta e da procura). Quando muitas pessoas competem pela mesma coisa, ocorre o leilão (efeito escassez). Outra tática que gera este efeito é a estipulação de prazo final para perda de oportunidade. 1.5.1 - Como obter comprometimento? Uma pessoa fica mais propensa a abandonar um negócio caso não tenha investido nada, do que quando já tenha feito algum tipo de sacrifício (ainda que apenas tempo). Logo, quanto mais tempo se investe numa negociação, mais comprometidos ficamos com a realização de um acordo. Desta forma, tanto é possível traçar estratégias tendo isso como pressuposto como é vital mensurar até que ponto vale a pena investir em algo incerto. 1.6 - Tomada de decisão Para uns, o ato de decidir remete a um grande incômodo. Justamente por isso, percebe-se um desejo de "se livrar" rapidamente do peso, o que leva à mediocridade em muitos casos. Não se quer a melhor decisão, mas uma que satisfaça. Não se quer avaliar a conveniência e vantagens de todas as alternativas, mas apenas das que soam bem à primeira vista. A pressão de tempo contraposta à exigência de resultados cria um quadro paradoxal cujo saldo é um enorme desgaste. Infelizmente se uma decisão fosse simples ou tivesse poucos fatores a serem considerados não haveria necessidade de grande reflexão ou responsabilidade. Representar os interesses de outros demanda compromisso e competência, o que o mercado exige constantemente. Tentar ir pelo caminho mais curto raramente dá resultado, motivo pelo qual não convém resumir o processo à generalizações, comparações com episódios anteriores ou relação com um parâmetro isolado. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 41 1.7 - Impasse O lema de quem é persistente é dizer que "água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Porém, dar murro em ponta de faca não tende a trazer benefícios que justifiquem o esforço. Da mesma forma que o segredo de aproveitar uma boa festa é saber a hora de ir embora, mesmo contrariado é prudente saber o momento de se afastar efetivamente de uma mesa de negociação. Da mesma forma que um término de namoro nem sempre é definitivo, o encerramento de uma negociação pode ser provisório, e até mesmo benéfico. Sem o calor e pressão da conversa, é possível refletir com calma e trabalhar unilateralmente para criar condições de retomar as conversas. Bastam sinais de que há interesse em sentar novamente e ter o cuidado de deixar a porta aberta para que se faça o mesmo, ou seja, não transformar todo impasse em rixa. 1.7.1 - Pacotes Se a conversa emperra em função das diferenças em relação ao tópico principal, a saída mais comum é envolver mais itens na negociação. Inclusive, pode até ser interessante abdicar de algumas vantagens conforme se mostrar relevante conquistar o objetivo principal. 1.7.2 - Mas e o preço? O dinheiro é uma representação de crédito, que substituiu o escambo séculos atrás. Se não é desejável mexer no preço, a saída é mexer naquilo que ele representa, ou seja, o produto que ele representa. Incluir (ou excluir) acessórios, alterar o volume negociado ou sua qualidade são formas de mexer no preço sem falar em números. Algumas pessoas se fecham no valor monetário por uma questão de orçamento, o que abre brechas para modificar o objeto central. Em outras palavras, ainda que as partes desejem puxar o preço em sentidos inversos, sempre pode haver outros interesses envolvidos, tais como tempo de contrato, quantidade, relacionamento, orgulho, etc. 1.7.3 - Intransigência como oportunidade Intransigência em relação a um fator pode significar de um lado a perda de uma possibilidade, mas por outro pode significar ganho de MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 42 força em outros campos. Afinal, se as duas pessoas desejam chegar a um consenso e uma se mostra irredutível em relação a um ponto, por uma questão de coerência talvez se mostre mais favorável em relação a uma saída alternativa na qual conserve sua maior prioridade. 1.8 - Risco como oportunidade Visões diferentes acerca das perspectivas de futuro podem ser utilizadas em prol de ambos interessados. A aversão a riscos de um lado pode se tornar moeda para o outro. Se a empresa X prevê um lucro de 100 e a empresa Y enxerga uma possibilidade máxima de 20, então o lado A poderia sugerir uma maior participação de B no lucro até 20, de modo que no lucro entre 20 e 100, X possa reivindicar uma parcela maior para si. 1.9 - Não é apenas uma questão de experiência Se os jovens sofrem pela insegurança natural de estar em situações novas e de grande pressão, os mais experientes pecam quando julgam conhecerem a fundo os possíveis quadros, justamente por já tê-los vivido anteriormente. É como dirigir um carro: a desatenção e excesso de confiança provocam erros que poderiam ser facilmente evitados. Portanto, não importa se é a primeira ou milésima negociação: a ordem é sempre tratá-la com zelo e dedicações ímpares. Uma boa negociação não depende apenas da competência e perícia de quem a realiza. O acúmulo de experiências pretéritas fornece referências e maturidade, o que não esgota os componentes de um acordo lucrativo. Para quem vive de fazer negócios em nome próprio, é preciso reconhecer a importância de um bom faro, intuição e oportunidade. Estar no lugar certo na hora certa pode ser a diferença entre lidar com propostas formidáveis ou simplesmente comuns. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 43 10 - Referências bibliográficas 1 Negociação / tradução Cristiana de Assis Serra. - 5ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2008. 2 MCCORMACK, Mark H. A arte de negociar. Tradução de Vera Maria Renoldi. - 4ª ed. - Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. 3 BAZERMAN, Max H. NEALE, Margaret A. Negociando racionalmente. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998. 4 ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; ALYRIO, Rovigati, Danilo; MACEDO, Marcelo Álvaro da Silva. Princípios de negociação: ferramentas e gestão - São Paulo: Atlas, 2004. 5 SHELL, Richard G. Negociar é preciso: estratégias de negociação para pessoas de bom senso. Tradução: Márcia Tadeu. - São Paulo: Elsevier, 2001. 6 MCCORMACK, Mark H. A arte de negociar. Tradução de Vera Maria Renoldi. - 4ª ed. - Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. 7 SHELL, Richard G. Negociar é preciso: estratégias de negociação para pessoas de bom senso. Tradução: Márcia Tadeu. - São Paulo: Elsevier, 2001. 8 HINDLE, Tim. Como conduzir negociações. 3ª Ed - São Paulo: Publifolha, 1999. 9 SHELL, Richard G. Negociar é preciso: estratégias de negociação para pessoas de bom senso. Tradução: Márcia Tadeu. - São Paulo: Elsevier, 2001. HINDLE, Tim. Como conduzir negociações. 3ª Ed - São Paulo: Publifolha, 1999. BAZERMAN, Max H. NEALE, Margaret A. Negociando racionalmente. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998. MELLO, José Carlos Martins F. de. Apostila FDC - Negociação para gestores/2008 ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; ALYRIO, Rovigati, Danilo; MACEDO, Marcelo Álvaro da Silva. Princípios de negociação: ferramentas e gestão - São Paulo: Atlas, 2004. SHELL, Richard G. Negociar é preciso: estratégias de negociação para pessoas de bom senso. Tradução: Márcia Tadeu. - São Paulo: Elsevier, 2001. Negociação / tradução Cristiana de Assis Serra. - 5ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2008. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO 44 . Reprodução: É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro. MANUAL DE NEGOCIAÇÃO Equipe: SM/BRASIL 55 - 47 – 3330-1143 [email protected] www.smbrasilcursos.com.br 45