EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN
Recurso Extraordinário 635.659 (repercussão geral reconhecida)
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PASTORAL CARCERÁRIA
NACIONAL, INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, CONECTAS DIREITOS HUMANOS,
INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA; COMISSÃO BRASILEIRA SOBRE DROGAS E
DEMOCRACIA, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS SOCIAIS SOBRE PSICOATIVOS, INSTITUTO
SOU DA PAZ, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E
TRANSEXUAIS ​
e VIVA RIO​
, por seus representantes subscritores, vêm, respeitosamente,
apresentar os presentes ​
MEMORIAIS​
, nos seguintes termos.
Após o voto do eminente relator, por meio do qual Sua Excelência declara a
“inconstitucionalidade, sem redução de texto sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006,
de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia,
restam mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas
com natureza administrativa”, além de conferir, “por dependência lógica, interpretação conforme
à Constituição ao art. 48, §§1º e 2º, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, tratando-se de conduta
prevista no art. 28 da referida Lei, o autor do fato será apenas notificado a comparecer em juízo” e,
igualmente, conferir, “por dependência lógica, interpretação conforme à Constituição ao art. 50,
caput, da Lei 11.343/06, no sentido de que, na prisão em flagrante por tráfico de droga, o preso
deve, como condição de validade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, ser
imediatamente apresentado ao juiz”, absolvendo o acusado “por atipicidade da conduta”,
determinando ainda, providências ao Conselho Nacional de Justiça, o eminente Ministro Edson
Fachin pediu vista dos autos.
Ao ensejo, a parte recorrente e os amici curiae acima nominados, reforçam a convicção
de que o judicioso voto apresentado pelo eminente relator deve prevalecer, acrescentando, ainda,
o quanto segue.
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Da competência do STF para realizar o controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos
A Carta Política prevê que compete à Suprema Corte o controle da constitucionalidade
de leis e atos normativos. Contrariamente ao quanto erroneamente afirmado por alguns, examinar
a constitucionalidade da incriminação do porte de drogas para consumo pessoal não importa
invasão indevida de competência privativa do Poder Legislativo, mas, antes, exercício regular de
função tipicamente jurisdicional.
É conhecida a lição de Alberto Silva Franco, com apoio na doutrina de Luigi Ferrajoli, no
sentido de que o fundamento de legitimidade do Poder Judiciário não reside na maioria política,
mas na intangibilidade dos direitos fundamentais, especialmente quando a maioria política
pretende em violá-los, Confira-se:
“O Poder Judiciário não é, nem pode ser, um poder fundado sobre a maioria política
porque a sua missão constitucional é a de velar pelos direitos fundamentais de todos e
de cada um ainda que tenha de posicionar-se contra a maioria. É ainda de Luigi
Ferrajoli a afirmação de que a garantia dos direitos fundamentais ‘exige um juiz
terceiro e independente, subtraído a qualquer vínculo com os poderes assentes na
maioria e, em condições de censurar, como inválidos ou como ilícitos, actos praticados
no exercício desses poderes. É este o sentido da frase ​
há tribunais em Berlim​
: tem de
haver um juiz independente que possa vir para reparar as injustiças sofridas, para
tutelar o indivíduo mesmo quando a maioria e até a totalidade dos outros se coligam
contra ele, para absolver, no caso de falta de provas, mesmo quando a opinião pública
exige a condenação, ou para condenar, havendo prova, quando a mesma opinião é
favorável à absolvição. Esta legitimação nada tem a ver com a democracia política,
ligada à representação, pois não deriva da vontade da maioria. O seu fundamento é
unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. E todavia é uma legitimação
democrática que os juízes recebem da sua função de garantia dos direitos
2
fundamentais, sobre os quais se baseia aquilo a que chamamos de ​
democracia
substancial​
” (FRANCO, Alberto Silva. ​
Crimes hediondos​
São Paulo, RT, 2000, p. 72).
Nesse sentido, longe de representar invasão indevida da competência reservada ao
Poder Legislativo, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei n.º 11.343/06 a Suprema
Corte estará apenas e tão somente cumprindo sua função de atuar como guardiã da Constituição
da República.
Da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/06
Como demonstrado no voto do eminente relator, a “relevância criminal da posse para
consumo pessoal dependeria, assim, da validade da autolesão. E a autolesão é criminalmente
irrelevante”.
Além disso, pelo voto do eminente relator, o referido art. 28 tornar-se-ia norma de direito
administrativo, competindo à justiça cível sua aplicação.
Sua Excelência afirma que a pessoa flagrada com drogas deve ser, como regra, tratada
como usuária, salvo se houver indícios de traficância, sublinhando que o ônus de provar o tráfico é
da acusação.
Por fim, o voto do eminente relator determina que nos casos de prisão em flagrante
por tráfico de drogas, o preso deve ser levado imediatamente à presença do juiz, que deve avaliar
a presença de indícios comprobatórios do tráfico e analisar se a prisão cautelar é realmente
necessária, tendo em vista tratar-se de medida excepcional.
Estes, em resumo, os argumentos expendidos pelo eminente relator em seu alentado
voto.
3
Calha trazer à colação excerto de artigo da lavra de dois eminentes Promotores de
Justiça do Ministério Público de São Paulo, no qual os autores coincidem com o voto do relator do
recurso extraordinário 635.659:
Em relação à política de drogas, viu-se que a “guerra às drogas” produz dados da
realidade que não podem ser ignorados, entre eles, o aumento da população
carcerária, o aumento do número de mortes decorrentes do tráfico de drogas, o
aumento da corrupção e o fortalecimento do crime organizado. Para enfrentar o
assunto, tais pontos devem ser considerados.
O modelo repressivo atual foi objeto de críticas, por ofensas tanto à dogmática penal
quanto à processual penal.
Os diversos núcleos do tipo previstos para o crime de tráfico de drogas, longe de
representar garantia ao cidadão, representam um simbolismo penal gerador de
insegurança jurídica e de arbítrio estatal.
A interpretação adequada deve privilegiar, no caso concreto, a presença de dano ao
bem jurídico protegido pela norma – que no caso é a saúde pública – como condição
para a adequação típica. Busca-se, desse modo, proteger o usuário de drogas, que
merece tratamento humanitário do Estado. E, quanto a isso, a atual política oficial
amplia os danos, em vez de reduzi-los.
Diversos usuários são tratados como traficantes. A inexistência de critérios objetivos,
para fins de tráfico, quanto à quantidade da droga também é outro ponto que expande
o Direito Penal, para além dos limites que lhe são devidos dentro de um Estado
Democrático de Direito. Pequenos e grandes traficantes são tratados do mesmo modo.
O domicílio – cuja inviolabilidade, como regra, é garantida constitucionalmente (CF, art.
5.º, XI) – é frequentemente violado sem ordem judicial, a pretexto de se apreender
pequenas quantidades de droga. Daí a necessidade de o Ministério Público realizar
efetivo controle das ações policiais, visando à redução da seletividade penal.
Dentro disso, o controle das prisões em flagrante também foi realçado, pontuando-se a
importância de se dar cumprimento à Convenção Americana de Direitos Humanos (art.
8.1), devendo-se apresentar o preso ao Ministério Público e ao Judiciário para ser
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ouvido visando melhor avaliação dos critérios da prisão cautelar. (O Ministério Público
em busca de novas práticas penais, Marcelo Pedroso Goulart e Tiago Cintra Essado,
Boletim IBCCRIM 264 - Novembro/2014)
Pelo exposto e contando ainda com os doutos subsídios que Vossa Excelência
certamente trará à colação, requerem os signatários o provimento do recurso extraordinário em
tela.
Brasília/DF, 1º de setembro de 2015.
Leandro de Castro Gomes
Defensor Público do Estado de São
Paulo
Núcleo Especializado de Cidadania
e Direitos Humanos
Francisco de Barros
Crozera
Pastoral Carcerária do
Estado de São Paulo
(CNBB)
Rafael Folador Strano
Defensor Público do Estado
de São Paulo
Núcleo Especializado de
Situação Carcerária
Andre Pires de Andrade Kehdi
Presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM)
Rafael Ramia Muneratti
Defensor Público do Estado de
São Paulo
Núcleo de Tribunais Superiores
Rafael C. G. Custódio
Coordenador do Programa de
Justiça da Conectas Direitos
Humanos
Bruno Girade Parise
Defensor Público do Estado de
São Paulo
Assessoria Criminal
Michael Mary Nolan
Presidente do Instituto Terra, Trabalho e
Cidadania – ITTC
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Ivan Marques
Instituto Sou da Paz
Rubem Cesar Fernandes
Paulo Gadelha
Comissão Brasileira sobre
Drogas e Democracia – CBDD
Luciana Boiteux
Associação Brasileira de Estudos Sociais
sobre Psicoativos - ABESUP
Viva Rio
Rodrigo Mesquita Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT)
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