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Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará
A repercussão do racionamento de energia sobre o Direito é avassaladora. Não se
pode mais fechar os olhos para a realidade de hoje, assim como não se pode deixar
de enxergar os malefícios que ele traz a todos os que necessitam da energia
elétrica, sejam grandes empresas com fins econômicos, seja o pequeno usuário
doméstico. Tais conseqüências também atingem as relações trabalhistas, causando
reduções forçadas da jornada de trabalho, sensível prejuízo nas condições de
trabalho e, o que é pior, dão ensejo a uma onda de demissões em virtude da
impossibilidade de as empresas manterem a mesma produtividade sem a
quantidade respectiva de energia elétrica. Assim, as empresas, que já enfrentam
dificuldades de toda ordem, têm agora que demitir para sobreviver no mercado e,
além de agravar a crise social, ainda terão que pagar as verbas resilitórias
referentes ao contrato de trabalho rompido em virtude da demissão sem justo
motivo, se não for bem orientada.
Quanto à primeira conseqüência, acreditamos na criatividade do empresário
paraense em inventar mecanismos que mantenham o trabalhador no emprego, seja
criando postos de trabalho, ou remanejando-o para outros setores da empresa que
não necessitem de energia elétrica. Já quanto à segunda conseqüência, entendemos
que a Consolidação das Leis do Trabalho traz uma solução clara no sentido de
eximir o empresário de qualquer responsabilidade patrimonial, em virtude da
demissão ocasionada pela impossibilidade de executar o trabalho, por falta de
energia elétrica.
Vejamos o artigo 486 do referido estatuto: no caso de paralisação temporária ou
definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou
federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação
da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do
governo responsável. Parágrafo 1º - Sempre que o empregador invocar em sua
defesa o preceito do presente artigo, o Tribunal do Trabalho competente notificará
a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho
para que, no prazo de 30 dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no
processo como chamada à autoria. Parágrafo 2º - Sempre que a parte interessada,
firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e
indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de três
dias, falar sobre essa alegação. Parágrafo 3º - Verificada qual a autoridade
responsável, a Junta de Conciliação ou juiz dar-se-á por incompetente, remetendo
os autos ao juiz privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos
previstos no processo comum.
Referido artigo traz em seu bojo a figura do factum principis. Mas qual a
importância deste instituto? Bom, vejamos. Segundo Russomano, “o factum
principis é o ato da autoridade pública (federal, estadual ou municipal) que, por via
administraiva ou legislativa, impossibilita a continuação da atividade da empresa
em caráter temporário ou definitivo”.
Esse é o conceito que se depreende do artigo 486, da CLT, cuja origem histórica
está na Lei nº 6, de 1935 (artigo 5º, parágrafo 3º). O antigo preceito da Lei nº 62
era amplíssimo, o que fez com que o consolidador, em 1943, através da redação
anterior do artigo 486, lhe desse novo sentido, que agora, com contornos mais
definidos, aparece no texto adotado pela lei nº 1530, de 26.12-61.
Assim definido, o factum principis constitui acontecimento irresistível,
imprevisível e para qual o empregador não contribuiu. Por outras palavras: ele está
capitulado na definição de força maior do artigo 501 e parágrafos, pois a
paralisação temporária ou definitiva da atividade da empresa sempre afeta ou é
suscetível de afetar, realmente, sua situação econômica e financeira.
Dentro da força maior, porém, o factum principis constitui capítulo à parte, pois,
enquanto nas formas genéricas de força maior não se conhece o responsável pelo
evento, no factum principis a pessoa jurídica de direito público interno (federal,
estadual ou municipal - inclusive autarquias) pode ser apontada como detonadora
do acontecimento.
Se o Estado democrático é fundamentalmente um Estado responsável pelos seus
atos administrativos e legislativos, não poderá transferir para o empregador, que
sofre as conseqüências do factum principis, os ônus resultantes da resilição dos
contratos de trabalho motivada pelo próprio Estado, mesmo indiretamente, como é
o caso do racionamento de energia elétrica.
Assim, o facto principis, de um lado, exclui a responsabilidade do empregador,
funcionando, para ele, como força maior liberatória de qualquer obrigação
resultante da cessação temporária ou definitiva da atividade econômica da
empresa; por outro lado, entretanto, transfere para a pessoa jurídica de direito
público interno que o praticou a plena responsabilidade das resilições contratuais
decorrentes do ato legislativo e administrativo que implementa o racionamento de
eneregia elétrica.
Neste caso, os direitos do trabalhador são integrais, isto é, não sofrem as reduções
previstas pelo artigo 502, nos casos genéricos de força maior, o que significa dizer
que o Estado brasileiro assume, seguramente, através do artigo 486, a plena
responsabilidade pelo direitos dos trabalhadores atingidos pelos seus próprios atos.
Assim, não importa que se trate de ato administrativo (unilateral ou bilateral, como
ensinam os especialistas na matéria) ou de ato de natureza legislativa (lei, ecreto,
medida provisória). Essencial é, apenas, que o Estado crie condições que tornem
impossível a continuação das atividades da empresa, embora de caráter provisório.
Por fim devemos asseverar que o empresário ou o pequeno empregador que se
depare com uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho de ex-empregado
que teve seu contrato rompido em virtude do racionamento de energia deve pedir
sua exclusão da lide, chamando o Estado para integrá-la, bem como se
reponsabilizar pelos direitos trabalhistas reivindicados pelo empregado como
medida de direito e Justiça.
(*) Mário Antônio Lobato de Paiva é sócio do escritório Paiva & Borges
Advogados Associados; Professor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Pará; Miembro da Asociacion Mundial de Jovenes Juristas; Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional; Sócio-fundador do Instituto
Brasileiro de Política e Direito da Informática; pesquisador associado do Instituto
de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina; integrante
de la Red Mexicana de Investigadores del Mercado Laboral; Colaborador de la
Revista Eletrónica de derecho informático do Peru, da Revista Gaceta Laboral da
Venezuela; Autor de diversos artigos e dos livros "A Lei dos Juizados Especiais
Criminais" editora forense, 1999 e “A Supremacia do advogado em face do jus
postulandi”, editora LED, 2000; “A Importância do advogado para o Direito, a
Justiça e a Sociedade”, editora forense, 2000; “Temas atuais em Direito e Processo
Penal”, editora LED, 2001 e Co-autor de “Direito Eletrônico: A internet e os
Tribunais”, editora edipro, 2001; “Direito do Trabalho em prospecção”, HS
editora; “Direito para o povo”, editora da UFPA.
Retirado
de
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iewArticle=134
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