ADOLESCENTE APREENDIDO (A) E ENCAMINHADO PARA A DELEGACIA DE POLÍCIA DE QUEM É A ATRIBUIÇÃO PARA ENCAMINHÁ-LO (A) AOS FAMILIARES? Bem sabemos que uma vez apreendido(a) o(a) adolescente pela prática de ato infracional, tomadas as providências previstas nos arts. 172 e 173, ambos do ECA, deve ele ser apresentado ao representante do Ministério Público no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, salvo se a gravidade do ato infracional e sua repercussão social impuser a permanência na Delegacia de Polícia para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública (art. 174 do ECA). Não sendo caso de manutenção da apreensão, como dito, o(a) adolescente deve ser liberado em favor de seus responsáveis legais. Todavia, suponhamos que estes não sejam localizados ou se o forem, não se desloquem à Delegacia de Polícia para buscarem seu(sua) adolescente. Temos, então, 02 (duas) situações distintas, ou seja, responsáveis legais que não foram localizados e os que foram encontrados, mas não buscaram seu(sua) adolescente. O que fazer nessas situações? Ressaltamos, num primeiro momento, que a atribuição de “escoltar” o(a) adolescente da Delegacia de Polícia para seus responsáveis não está prevista no artigo 136 do ECA, que dispõe sobre as atribuições do Conselho Tutelar. Logo, acreditamos que essa opção não deve ser a primeira a ser tomada, até porque como Promotores de Justiça devemos nos empenhar de não entregar ao Conselho Tutelar demandas que não sejam de sua atribuição, contribuindo para que foquem a atuação nas hipóteses que realmente exigem sua intervenção. Ademais, o fato do(a) Delegado(a) de Polícia tentar contato por meio de telefone com os responsáveis legais do(a) adolescente apreendido(a) e que será liberado(a), não pode, por si só, caracterizar situação de risco a ensejar ação por parte do Conselho Tutelar. Afinal, o(a) adolescente pode ter uma família estruturada e que lhe confira o amparo necessário, apenas não tendo sido esta 1 encontrada no momento em que foi procurada por telefone pelo(a) Delegado(a) de Polícia. A experiência revela, além disso, que em casos tais provavelmente o conselheiro irá acolher o jovem, solução que, naquele horário e contexto, se revela como a de mais fácil solução. Uma vez acolhido, toda a máquina poderá ser movimentada (expedição de guia de acolhimento, realização do PIA, expedição de guia de desacolhimento, enfim). Logo, entendemos que a tarefa de entregar o(a) jovem para os responsáveis legais é da própria Autoridade Policial. O artigo 174 do ECA, embora não se refira a essa hipótese especificamente, leciona que “(...) o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao Ministério Público (...)”. Essa disposição é perfeitamente aplicável por analogia, tendo em vista que a ratio é a mesma: o(a) jovem não permanecerá mais apreendido/internado, porém os seus compromissos para com o Ministério Público e o Poder Judiciário são mantidos. Além disso, a ideia do artigo é garantir que os responsáveis legais pelo(a) adolescente tenham consciência da prática do ato infracional, para que possam agir de modo a afastá-lo(a) dessa situação de conflito com a lei. Com esse ato formal, a autoridade policial dá ciência inequívoca aos responsáveis de que medidas devem ser adotadas no seio da própria família, isentando-os da escusa do desconhecimento do ato. A mera entrega ao conselheiro tutelar suprime essa lógica. Deve-se ter em mente que há previsão específica no ECA tratando do procedimento para a apuração de atos infracionais. Ao buscar a solução dentro desse microssistema, alcança-se uma interpretação (sistemática) mais condizente com os princípios que o regem. Vale lembrar que hoje há vários tipos de “família”. Assim, tanto a família natural quanto a extensa têm plenas condições de assumir essa função. 2 Por todo esse exposto é que, como conclusão, sugerimos o estabelecimento de um fluxo com os delegados de polícia no seguinte sentido: 1) se um(a) adolescente estiver apreendido(a) em flagrante e for o caso de liberação, a autoridade policial deve procurar insistentemente os responsáveis legais, valendo-se de todos os meios possíveis para tanto, mantendo o(a) jovem sob seus cuidados até que tal ocorra (aqui, a Autoridade Policial até pode solicitar o apoio da Polícia Militar e também do Conselho Tutelar, porém como instrumentos para a localização, e não como destino do(a) jovem); 2) se um(a) adolescente estiver apreendido(a) em flagrante e for o caso de liberação, caso não seja localizado nenhum parente e responsável legal, ou caso eles decidam não comparecer, caracterizar-se-á uma situação de possível risco (até porque não se concebe que um familiar, diante da notícia da apreensão do filho, deliberadamente opte por abandoná-lo à própria sorte), devendo a autoridade policial encaminhar o(a) adolescente imediatamente ao representante do Ministério Público do município de origem do adolescente, no primeiro dia útil seguinte, exatamente como agiria se ele não fosse liberado (art. 174 do ECA), única hipótese em que até poderá ser ventilado o acolhimento institucional, em caráter excepcional; 3) se um(a) adolescente for apreendido(a) em flagrante e sua internação provisória for decretada, o(a) Delegado(a) de Polícia, tão logo se avizinhe o prazo de cinco dias sem que seja requisitada a transferência para uma Unidade da Fundação Casa, deve tomar as providências necessárias para tentar localizar os responsáveis legais, não devendo esperar o vencimento daquele prazo, uma vez que vencido os cinco dias, a restrição da liberdade do(a) adolescente configura constrangimento ilegal suscetível de impetração de habeas corpus. Caso eles não sejam localizados, o(a) Delegado(a) de Polícia deve proceder tal como indicado no item “b”, respeitado o lapso de cinco dias. Em qualquer dessas 03 (três) hipóteses, uma situação que pode ocorrer é a localização de terceiros que decidam acolher o(a) adolescente. O artigo 174 do ECA fala em “pais” ou “responsável”, devendo este último ser interpretado como o “responsável legal”. Por isso, deve o(a) Delegado(a) de Polícia insistir na localização destes. Em último caso, porém, caso eles não sejam localizados ou não 3 compareçam, poderá a autoridade policial tomar o termo de compromisso daquele que se apresentou como responsável, apenas para evitar um eventual acolhimento institucional, que é medida excepcional. O fato, porém, deve ser expressamente consignado no boletim de ocorrência lavrado e quando for analisado pelo(a) Promotor(a) de Justiça, será avaliada a eventual necessidade de se verificar a situação do(a) adolescente junto ao terceiro em favor do qual ele foi liberado pela autoridade policial. É igualmente possível defrontar-se com a localização de pais ou responsáveis que residam em comarca diversa. Na mesma vertente do que foi acima pontuado, a atribuição da entrega do(a) adolescente aos responsáveis legais ou, eventualmente, a terceiros interessados, continua sendo da própria Autoridade Policial, por força do disposto no artigo 174 do ECA, que deverá encaminhá-lo(a) ao município de origem. Caso o a Autoridade Policial se recuse a desempenhar essa tarefa, atribuindo-a a Polícia Militar - uma vez que o artigo 1º da Resolução SSP 14/2014 a ela confere a responsabilidade pela escolta de presos, provisórios ou definitivos, principalmente nos deslocamentos para fins de submissão a tratamento médico, psicológico, odontológico ou hospitalar e nas remoções entre os referidos estabelecimentos prisionais(1) – é possível sustentar que: a) essa mesma Resolução, no seu artigo 2º, manteve à Policia Civil, em todo o território do Estado, o ônus do transporte e da escolta de presos autuados em flagrante delito e dos capturados por força de mandados judiciais, desde suas unidades até os estabelecimentos prisionais subordinados à Secretaria de Administração Penitenciária – SAP; logo, a escolta não passou a ser exclusividade da Polícia Militar; b) os (as) adolescentes em conflito com a lei não podem ser incluídos na categoria de "presos" (tanto é assim que são deslocados pela própria Fundação Casa para as atividades externas, e não pela Polícia Militar, reservando-se a esta apenas eventual escolta de apoio à própria Fundação Casa, conforme Resolução Conjunta SJDC/SSP-1, de 01/10/2009); 1 Essa Resolução não se aplica as atividades de escolta e custódia dos presos recolhidos nos estabelecimentos da SAP situados na Capital e Grande São Paulo, pois neste caso elas são exercidas pelos integrantes da classe de Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária, instituída pela Lei Complementar 898, de 13-7-2001, alterada pela Lei Complementar 976, de 6-10-2005 e disciplinada pela Resolução SAP 89, de 24-4-2012 4 c) o (a) adolescente não está mais com sua liberdade restringida quando excedido o prazo de permanência na Delegacia de Polícia ou quando for o caso de liberação na hipótese de apreensão em flagrante, razão pela qual não é mais necessário o uso de qualquer medida preventiva de segurança. São Paulo, outubro de 2014. Equipe do CAO Infância e Juventude e Idoso (área Infância e Juventude) 5