Baqueteamento digital e vidro-fosco em fumante Autores: Elaine Mara Cesarette de Paula (especialista em Pneumologia, Olímpia, São Paulo); Ester Nei Aparecida Coletta (Docente de Patologia, UNIFESP-SP; Patologista do HSPE-SP); Carlos AC Pereira (Diretor do Serviço de Pneumologia-HSPE-SP) Masc, 40 anos, tabagista 30 maços -ano. Dispnéia progressiva aos esforços há 6 meses (atualmente para caminhar depressa no plano ou carregar pesos leves no plano), tosse seca esporádica. AP- hérnia de hiato (cirurgia há 3 anos). Nega uso de medicamentos. Exposição ocupacional há 20 anos em lavoura de cana-de-açúcar. Nega história ambiental de interesse. Exame físico: baqueteamento digital; estertores finos bilaterais. SatO2 repouso: 95 %; depois de caminhada: 82%. PFR: DVR moderado com CVF=52%. Questão 1. O baqueteamento digital é causado por: a) b) c) d) e) Hipóxia tecidual Mecanismos neurais Fatores genéticos Shunts intra ou extra-pulmonares Elevação de fatores de crescimento vascular Questão 2. Das doenças intersticiais abaixo relacionadas, qual a que menos frequentemente resulta em hipocratismo digital: a) Asbestose b) Fibrose pulmonar idiopática c) Pneumonia de hipersensibilidade crônica d) Bronquiolite respiratória com doença pulmonar intersticial e) Pneumonia intersticial não específica Questão 3. São possíveis causas para o caso mostrado, todos os abaixo, exceto: a) b) c) d) e) Pneumonia descamativa Bronquiolite respiratória com doença pulmonar intersticial Pneumonia intersticial usual Pneumonia de hipersensibilidade Pneumonia intersticial inespecífica Questão 4. Os achados histológicos obtidos de fragmentos de pulmão por biópsia pulmonar cirúrgica são mostrados abaixo. Qual é o diagnóstico? a) Sarcoidose b) Pneumonia descamativa c) Pneumonia intersticial linfóide d) Bronquiolite respiratória/DIP f) Pneumonia intersticial não específica Questão 5. O tratamento para o presente caso deve incluir: a) Apenas cessação do tabagismo b) Cessação do tabagismo e prednisona em doses iniciais de 1 mg/kg/dia c) Cessação do tabagismo e prednisona em doses iniciais de 0,5 mg/kg/dia d) Cessação do tabagismo, prednisona 0,5 mg/kg/dia e azatioprina, 1,5 mg/kg/dia e) Cessação do tabagismo e pulsoterapia semanal com metilprednisolona, 1g Questão 1. Resposta correta: E Rigorosamente, o mecanismo do hipocratismo digital permanece desconhecido, porém diversas teorias foram propostas para explicar sua patogenia. A presença de shunts intra ou extra-pulmonares permitiria a liberação para a periferia de substâncias vasodilatadoras. A hipóxia tissular poderia explicar o hipocratismo digital em pacientes com doenças cardíacas cianóticas, porém, muitas doenças pulmonares cursam com acentuada hipoxemia, sem baqueteamento digital e, inversamente, este pode estar presente na presença de PaO2 arterial preservada. Ações neurogênicas poderiam contribuir, sendo o melhor exemplo o alívio imediato do baqueteamento após vagotomia, em portadores de carcinoma brônquico, mesmo sem ressecção da lesão primária. Hipocratismo hereditário não é raro, o que levou à postulação de que fatores genéticos poderiam atuar em casos de aparecimento mais tardio. A teoria atualmente mais aceita para a patogenia do hipocratismo digital envolve a liberação de fatores de crescimento vascular (VEGF, PDGF), o que resulta em neoformação de capilares nas extremidades. A presença de hipoxemia e a estase de plaquetas potencializam sua liberação, bem como o aumento da perfusão periférica, o que poderia explicar a associação com diversos dos fatores acima descritos. A referência abaixo se refere a esta nova teoria. Atkinson S. Vascular endothelial growth factor (VEGF)-A and platelet-derived growth factor (PDGF) play a central role in the pathogenesis of digital clubbing. J Pathol. 2004;203:721-8. Referência geral: Moreira JS., Moreira ALS, Porto NS. Hipocratismo digital e osteoartropatia hipertrófica. Em: Zamboni M, Pereira CAC (Eds).SBPT: PneumologiaDiagnóstico e Tratamento, Atheneu, São Paulo,2006; p99-102 Questão 2. Resposta correta: D Em um levantamento de diversos estudos (dados não publicados), as doenças intersticiais que cursam com hipocratismo digital, por ordem decrescente de freqüência são: fibrose pulmonar idiopática, 42%; pneumonia descamativa, 42%; asbestose, 32%; pneumonia de hipersensibilidade, 23%; pneumonia intersticial inespecífica, 15%.Sarcoidose, BOOP e bronquiolite respiratória raramente causam hipocratismo digital, este achado sendo observado em menos de 5% dos casos. Na proteinose alveolar, uma análise das maiores séries mostra que o hipocratismo digital é incomum (6% dos casos), embora este achado seja muito citado em livros-texto. A presença de hipocratismo digital na fibrose pulmonar idiopática, asbestose e pneumonia de hipersensibilidade indica pior prognóstico. Referências sobre valor prognóstico do hipocratismo King T, Tooze JA, Schwarz MI, et al. Predicting survival in idiopathic pulmonary fibrosis: scoring system and survival model.Am. J. Respir. Crit. Care Med., 2001;164: 1171-1181 Sansores R, Salas J, Chapela R, et al. Clubbing in hypersensitivity pneumonitis. Its prevalence and possible prognostic role Arch Intern Med 1990;150:1849-51 Coutts II, Gilson JC, Kerr IH, et al. Significance of finger clubbing in asbestosis. Thorax 1987;42:117-9 Questão 3. Resposta correta: C Todas as condições citadas podem resultar em extensas áreas de vidro-fosco, exceto pela pneumonia intersticial usual (PIU). Raros casos de PIU , comprovados através de biópsia mostram extensas áreas de vidro-fosco à TCAR, porém, a distribuição da doença predomina em regiões subpleurais, o que não ocorre no presente caso. A pneumonia de hipersensibilidade é incomum em fumantes atuais, porém quando ocorre em fumantes tende a ser mais fibrosante e grave. A pneumonia intersticial não específica predomina em lobos inferiores, de modo que os diagnósticos mais prováveis no presente caso são as pneumonias intersticiais relacionadas ao tabagismo, descamativa e bronquiolite respiratória associada à doença pulmonar intersticial. Como estas condições são tabaco-relacionadas, estão sendo retiradas da classificação das pneumonias intersticiais idiopáticas. Outras possíveis doenças crônicas que podem resultar em opacidades em vidro-fosco são a sarcoidose e a pneumonia linfóide. Referências Miller WT, Shah RM. Isolated diffuse ground-glass opacity in thoracic CT: causes and clinical presentations. AJR Am J Roentgenol. 2005;184:613-22 Gomez AD; King Jr TEK. Classification of diffuse parenchymal lung disease. Prog Resp Res. Basel, Karger 2007; 36:2-10. Questão 4. Resposta correta: D A biópsia pulmonar mostrou: lesão predominantemente fibrótica em torno de bronquíolos respiratórios, com macrófagos contendo pigmento castanho-dourado, localizados no interior de pequenas vias aéreas e nos espaços aéreos adjacentes. Associado, há leve infiltrado de mononucleares e fibrose de septos alveolares. A bronquiolite respiratória, usualmente encontrada como um achado incidental histológico em fumantes assintomáticos é caracterizado pelo acúmulo de macrófagos com pigmentos citoplasmáticos castanho-dourados dentro dos bronquíolos respiratórios. Uma pequena proporção de fumantes tem uma resposta mais exagerada a qual, em adição as lesões centralizadas em bronquíolos, provocam inflamação intersticial e fibrose que se estende aos alvéolos vizinhos. Este conjunto de alterações histológicas é denominado bronquiolite respiratória – doença intersticial pulmonar (BR-DPI), e resulta em sintomas clínicos. A pneumonia intersticial descamativa (PID) é caracterizada por envolvimento panlobular, fibrose intersticial difusa leve a moderada, e preenchimento alveolar extenso com macrófagos. É bem reconhecido que os padrões histológicos da BR-DPI e PID podem se superpor, e que os achados fundamentais para diferenciar estas condições são a distribuição e a extensão das lesões: bronquiolocêntrica na BR-DPI e difusa na PID. Tem sido proposto que estas condições possam ser componentes diferentes do mesmo espectro histopatológico de doença, representando graus variáveis de gravidade do mesmo processo, embora isto ainda seja controverso. Em certos casos, a histiocitose pulmonar de células de Langerhans, outra condição tabaco relacionada, pode se associar às condições descritas, trazendo confusão diagnóstica em casos em que as biópsias não são representativas. Temos observado alguns casos de BR-DPI associados a hipocratismo digital, o que é considerado raro na literatura. Muitos dos casos de pneumonia descamativa, descritos no passado são hoje reclassificados como BR-DPI, uma condição muito mais freqüente, de modo que o hipocratismo digital, descrito frequentemente na pneumonia descamativa, pode ser mais freqüente na BR-DPI, do que se presume. Caminati A, Harari S. Smoking-related interstitial pneumonias and pulmonary Langerhans cell histiocytosis. Proc Am Thorac Soc. 2006;3:299-306. Sadikot RT, Johnson J, Loyd JE, Christman JW. Respiratory bronchiolitis associated with severe dyspnea, exertional hypoxemia, and clubbing. Chest. 2000 ;117:282-5. Questão 5. Resposta correta: A A cessação do tabagismo pode resultar em alguma melhora clínica e funcional, em pacientes em fases mais iniciais da BR-DIP, quando a CVF está preservada (Nakanishi,2007). O papel prognóstico do hipocratismo digital não está definido, embora se associe com casos aparentemente mais avançados. O uso de corticosteróides é ineficaz, como demonstrado em séries antigas (Myers,1987;Yousem, 1989) e em uma série recente maior, que incluiu casos com CVF reduzida e alguns com hipocratismo digital (Portnoy, 2007). Imunossupressores também parecem ineficazes. A cessação do tabagismo pode permitir prolongada sobrevida. Referências Myers JL, Veal CF Jr, Shin MS, Katzenstein A-LA. Respiratory bronchiolitis causing interstitial lung disease: a clinicopathologic study of six cases. Am Rev Respir Dis 1987;135:880–884 Yousem SA, Colby TV, Gaensler EA. Respiratory bronchiolitis-associated interstitial lung disease and its relationship to desquamative interstitial pneumonia. Mayo Clin Proc 1989;64:1373–1380 Nakanishi M, Demura Y, Mizuno S, et al. HRCT findings in patients with respiratory bronchiolitis-associated interstitial lung disease after smoking cessation. Eur Respir J. 2007;29:453-61 Portnoy J, Veraldi KL, Schwarz MI, et al. Respiratory bronchiolitis-interstitial lung disease: long-term outcome. Chest. 2007;131:664-71