A Convivência Familiar e Proteção Social Andréia Lucélia CUNHA1 Leidiana da Silva COELHO¹ Miriam Aparecida RUY¹ Marisa Antônia de SOUZA2 Resumo O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre a realidade da família brasileira, identificar programas e iniciativas de proteção a convivência familiar e comunitária. Inicialmente faremos um resgate sobre o papel que a instituição familiar ocupou em cada momento histórico do desenvolvimento da sociedade no decorrer dos séculos. Procuramos fazer uma reflexão crítica sobre o papel do estado, a proteção básica adotada na prática, identificar as diferenças entre proteção social institucionalizada e a proteção social feita nos espações familiares. Pesquisamos programas de acolhimento familiar apresentando seus aspectos positivos quanto a forma de proteção social às crianças e adolescentes neles inseridos. Palavras-chave: família, proteção social e convivência. Introdução O Estado brasileiro considera que a família é a instituição primeira que deve assegurar a proteção social de seus membros, tendo amparo legal apenas nos casos mais extremos de impossibilidade de se cumprir essa tarefa. O contexto neoliberal modificou o núcleo familiar, adequando-o ao modo de produção capitalista, vimos o surgimento de programas e projetos estatais que visam melhorar as condições de vida das crianças e adolescentes que tiveram os vínculos familiares rompidos e passaram a viver em instituições, sem afetividade e a emancipação natural que somente a instituição família é capaz de proporcionar ao ser humano. Dessa forma, o Programa de Famílias Acolhedoras se destaca por resgatar os laços de afetividade, proporcionando todo aprendizado que somente seria possível na convivência familiar com desenvolvimento, se não pleno, que permita a essa criança ou ao adolescente uma efetiva qualidade de vida baseada na emancipação social e na garantia de direitos. Famílias Acolhedoras Para iniciar nossa reflexão sobre Famílias Acolhedoras é preciso rever aspectos importantes na história da família e da proteção social. Consideramos importante analisar a família na atualidade como ela se apresenta, as responsabilidades atribuídas pelo Estado principalmente ao retrair sua participação na proteção social exigindo a proteção da família sem dar lhe o suporte necessário. 1 2 Acadêmicas do Sexto Semestre do Curso de Serviço Social Nossa Senhora do Patrocínio-Itu. Orientadora da Disciplina de Núcleos e Estudo Temáticos II. 2 Conforme Gueiros3 (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002), no cotidiano profissional do Assistente Social é comum encontrar situações como a ausência de suporte público para enfrentar situações limites, ausência do pai para dividir a responsabilidade sobre os filhos e vários grupos ou modelos familiares vivendo juntos em situação precária. Tal fato se deve ao retraimento do Estado ante as expressões da “questão social4”. Segundo a autora (op.cit.), as políticas de proteção social são precárias, mínimas e implantadas apenas quando não se conseguiu a proteção através da família, comunidade ou mercado. No cotidiano do trabalho profissional encontramos situações relacionadas à infância, adolescência, deficientes, doentes crônicos dentre outras expressões da “questão social” que tenham apenas o suporte familiar como meio de enfrentamento. Daí a importância de conhecer a instituição família nas suas variedades de organização e particularidades conforme a classe social a que pertencem. Recordando brevemente a história da família observamos que até o século X ela não tinha expressão. A partir do século XV, os meninos pequenos começam a estudar em escolas e a participar da vida dos adultos. No período que vai do século XIV ao século XVII, a mulher perde seus poderes, e segundo a autora, a legislação reafirma a soberania do marido na família. Nesse período da Idade Média, os laços familiares juntamente ao poder do marido são mais valorizados. Já no século XVIII, ocorre a separação entre família e sociedade (público e privado) passando a privacidade a ser algo de maior importância. A educação e a saúde começam a ser uma preocupação dos pais, bem como a igualdade entre os filhos. Na segunda metade do século XIX, a modernização e o movimento feminista trouxeram mudanças significativas à família. O modelo patriarcal5 predominante passa a ser questionado e a família vai se transformando, constituindo o modelo de família conjugal moderna6. 3 Assistente Social Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; doutoranda em Serviço Social – PUC-SP, especialista em família – PUC-SP. 4 Questão social compreendida como uma relação contraditória entre Capital x Trabalho, no âmbito do modo de produção capitalista em uma sociedade dividida em classes, onde o Capitalista é o proprietário dos meios de produção e o Trabalhador possui apenas sua força de trabalho que é vendida em troca de salário. Os bens socialmente produzidos são apropriados pelo dono do meio de produção. Suas expressões são as desigualdades, as misérias, pobreza, exploração, injustiças, ausência de direitos, etc. 5 Conforme os estudos realizados entenderam família patriarcal como aquela onde o papel da mulher o do homem está bem definido e são diferentes, assim como o âmbito público e o privado. O adultério é permitido por parte do homem e a função de chefe é atribuída somente a ele. O amor e o sexo são considerados aspectos diferentes e separados. 6 Família conjugal moderna é entendida como a família cujo casamento ocorre por escolha afetiva de ambos, e onde o amor e o sexo não são vistos mais como separados e distintos; o homem e a mulher adquirem novas funções e papéis no casamento. 3 Somente a partir de 1988 a mulher e o homem são considerados com igualdade no que se refere a direitos e deveres, sendo que os dois tipos de família, patriarcal e conjugal, ainda continuam existindo nos dias atuais. Em 1980 a escolarização básica já era realidade em grande parte do países, e os trabalhos que necessitavam de educação superior haviam aumentado, bem como a educação universitária que cresceu numericamente entre 1960 e 1980. Na década de 80 ocorre um declínio da classe operária que foi acentuado em 1990. Entre outros fatores que contribuíram para este fato, está o desenvolvimento das máquinas que substituíram o trabalhador, dificuldades econômicas, fim do pleno emprego, políticas assistenciais enfraquecidas entre outras consequencias da flexibilização do trabalho. Nesse período ocorre a inserção da mulher no mercado de trabalho, na universidade e nos segmentos sociais, dependendo da classe social a qual pertencia, esses fatos se deram por uma exigência do capital, mas o movimento feminista também contribuiu para a participação da mulher no âmbito público. Na segunda metade do século XX o casamento se torna uma escolha dos envolvidos. Tal relação passa a se fundamentar em critérios afetivos, atração sexual e na noção cultural sobre o amor. Os relacionamentos sofreram influência do movimento feminista em decorrência das mudanças sociais e dos novos padrões assimilados após a inserção da mulher no mercado de trabalho. Configura-se assim, o protagonismo individual no desenvolvimento da vida privada, nesse aspecto se evidencia a reciprocidade entre o casal, principalmente quando a mulher passa a assumir responsabilidades fora do âmbito familiar. É importante ressaltar que as mudanças no âmbito familiar ocorrem num contexto de conflitos instalados devido à intensa expansão capitalista, onde muitas famílias passaram a ser compostas por diferentes e múltiplas formas, revelando assim uma grande complexidade. A família contemporânea se caracteriza pela redução do número de filhos e do desejo de tê-los; crescimento de divórcios; diminuição de casamentos formais; jovens com cultura muito diversa de seus pais o que gera inúmeros conflitos. Para as famílias de classe baixa, o modelo patriarcal continua como principal referencia, e para as famílias de classe média e alta o modelo conjugal é a forma idealizada. Mas em todas as classes há aspectos de ambos os modelos, embora haja predominância de traços de um ou outro modelo de acordo com a classe social. Segundo Sarti (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002), nas famílias pobres há a tendência do homem se colocar no lugar de autoridade e das famílias se organizarem em redes que envolvem obrigações morais - relações de confiança. Para elas, família são aqueles 4 com quem se pode contar - relação de ajuda mútua - independente dos laços sanguíneos, o que para as famílias conjugais modernas é de grande relevância. Ao analisar questões relacionadas à família contemporânea, a autora apresenta dados retirados de pesquisas realizadas na Região Metropolitana de São Paulo que revelam que a maioria de famílias monoparentais é chefiada por mulheres; 14,3% das famílias não têm renda suficiente para despesas de alimentação e somente 56,1% das famílias são compostas por pais, filhos e/ou parentes. No Brasil uma em cada dez crianças de 10 a 14 anos exerce algum tipo de trabalho. Além dessas situações, a mídia nos apresenta questões relacionadas a famílias compostas por homossexuais, gravidez na adolescência. Essas novas configurações familiares conquistaram alguns direitos, mas ainda não são aceitas socialmente, o que implica numa real distância entre o idealizado e o vivido. A Proteção Social que deveria ser assegurada pelo Estado e complementada pela família, acaba ficando sob a responsabilidade quase que total desta. Isto acarreta uma sobrecarga de responsabilidades, já que não se tem um amparo legal para enfrentamento das condições socioeconômicas precárias em que se vive, em decorrência do sistema de produção capitalista. Para as famílias que não tem o reconhecimento legal e social torna-se ainda mais difícil, pois têm de enfrentar todos os tipos de preconceitos. Para Gueiros (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71 2002) o problema apresentado requer o seguinte questionamento: “pode a solidariedade familiar suportar os efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social voltadas para setores mais vulnerabilizados da nossa sociedade?” ( p. 118). Ao longo da história podemos perceber que a família, apesar de ser um espaço onde ocorre a desigualdade e a violência, é principalmente um espaço de apoio e inserção do indivíduo, entendendo que a “(...) família condensa uma história, uma linguagem e códigos morais próprios, e a partir deles e de sua condição social, organiza sua forma de inserção na sociedade e de socialização de seus membros” (GUEIROS, op.cit. p.118). Assim, é importante analisarmos e compreendermos as formas de configurações familiares, suas particularidades e condições sociais, já que o trabalho do assistente social está relacionado diretamente com as famílias. Na ausência de políticas de proteção social, somos pressionados a encontrar respostas, junto às famílias, para as situações de vulnerabilidade vividas por elas. Compreendemos que o núcleo familiar não tem condições de cumprir o papel que está sendo atribuído a ele; de integração social, desenvolvimento, cuidado e proteção de seus membros, por isso é essencial 5 a participação das famílias em programas sociais que lhes possibilitem uma inserção social e cidadania. Além da importância da “(...) mobilização de recursos da esfera pública, visando implementação de políticas públicas de caráter universalista que assegure proteção social (...)” GUEIROS (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002 p.119), está a necessidade da família ter condições de prover sua autonomia e que sejam respeitados seus direitos civis e sociais. Família e afetividade A família e a afetividade são vistas como ação e estratégia emancipadora em uma sociedade moldada pela desigualdade social, fruto do neoliberalismo. Para Vygotsky (apud SAWAIA, In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008) a afetividade é um fenômeno pessoal, mas as consequências que ela causa são sociais. Para Sawaia (op.cit.), nas teorias sociais a família aparece ora acusada pela raiz de todos os males e ora exaltada como provedora e cuidadora tanto do corpo como da alma de seus membros. O conceito vindo da Grécia antiga é de que família é a esfera do labor feminino enquanto as relações públicas, espaço de liberdade. Nos anos 60 era vista como espaço de reprodução do capital e de alienação e como espaço de reprodução da desigualdade e do autoritarismo. Gradativamente a família foi perdendo sua função clássica de cuidar e educar. Era alvo de atenção apenas quanto aos debates sobre controle da natalidade ou para delinear a sua composição. Mesmo assim continuava sendo a mediação entre o indivíduo e a sociedade e ainda hoje é enaltecida, exemplo disso são as evidências contidas nas políticas públicas. O contexto neoliberalista, caracterizado pelo Estado mínimo, faz com que as instituições não promovam confiabilidade e o indivíduo se torne cada vez mais fechado em si mesmo, mais propenso ao individualismo. O Estado se retrai isentando-se do dever de prover o bem estar dos cidadãos, sobrecarregando a família quando atribui a ela responsabilidades excessivas “(...) e a sociedade atônita, na ausência de ‘lugares com calor’, elege-se como o lugar da proteção social e psicológica” (SAWAIA, op.cit., p.42). Exemplo disso podemos observar quando o Estado afirma que a família é parceira da escola. Sennet (apud SAWAIA, op.cit.) denomina de “ditadura da intimidade” o fato de estar em privacidade, a sós ou com amigos e a família, se afastando do mundo externo em busca de recompensas psicológicas imediatas. 6 Hardt e Negri (apud SAWAIA, op.cit.) destacam que esta “nova organização política mundial se concentra na ordem emocional, destacando que o valor afeto é tão importante quanto o valor trabalho uma vez que esse último não é mais manual, mas cerebral”(p.42). Sawaia (In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008) apoiado em Foucault, traz a ideia de “política da afetividade” ou biopoder quando afirma que a subordinação política é realizada em regimes de práticas diárias e criam hierarquias brutais. As pessoas são diferenciadas umas das outras e até mesmo isoladas pela valorização dos recursos internos, isto é, com o pensamento de que “você consegue, basta querer”, “você é dono da sua vontade”. Nesse contexto as empresas criam estratégias que manipulem e que possam medir o “resultado financeiro do adestramento das emoções – o capital emocional ou o coeficiente emocional do capital.” (SAWAIA, op.cit., p.43). O valor afeto é responsável pela adoção da família na prática ético-política. Ela se torna eficiente nesta prática dependendo da sensibilidade e da qualidade dos vínculos afetivos. Dessa forma a família se torna principal núcleo do protagonismo social e da contracorrente do biopoder, pois ela é o “único grupo que promove, sem separação, a sobrevivência biológica e humana” (SAWAIA, op.cit., p.43). Dessa forma, se torna instrumento privilegiado na sustentação do poder, pois concentra sua política na ordem emocional e domina o corpo, correndo o risco de se transformar em campo de oposição aos valores coletivos e a criação de identidades locais segundo religião, raça e outros aspectos que intensifique a característica individualizante, permitindo o acesso da violência contra outros. Para Morin (apud SAWAIA, op.cit.) este agrupamento é denominado de “associativismo de gangue”, um tipo de união de indivíduos reprimidos, sujeitos a regras coercitivas e ditatoriais; uma união pautada na agressão a tudo o que é diferente. Outro perigo é a associação do amor, autoritarismo e respeito que troca afeto por obediência fazendo com que a submissão seja sentida como amor. Sennet (apud SAWAIA, op.cit.) diz que quanto mais proximidade física tem as pessoas, menos sociais e mais dolorosas serão suas relações. Assim, frequentemente vimos acontecer crimes em família com expressão de crueldade. Segundo relatos dos próprios acusados a causa desses crimes se dá pela necessidade de recuperar aquilo que julgam ser seu de direito e que foram privados de ter. Esses motivos – uso de drogas, falta de amor, ação repressiva dos pais, falta de dinheiro e outros – tem em comum a supremacia do culto ao indivíduo aliado a moral de ser feliz a qualquer custo e com a justificativa de que o amor redime e justifica a violência. 7 Por último corre-se o risco de culpabilizar e responsabilizar a família por tais questões, já que seu âmbito é local de acolhimento e proteção. Também há o perigo da idealização da família feliz, sem problemas ou associar vida em família com perda de liberdade. A este sofrimento causado pela dor física-emocional, pela injustiça, preconceito e falta de dignidade, forçado pela condição social que torna as pessoas impotentes para a liberdade e a felicidade chamamos de sofrimento ético-político. A manifestação desse sofrimento da “indignação moral” se revela em pesquisas que afirmam que “o principal sofrimento da mãe é gerado pelo sentimento de incompetência para proteger os seus, o que leva as mulheres a trancafiarem os filhos e a castigá-los fisicamente” (SAWAIA, In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008 p.46). Para o homem o sofrimento de não conseguir prover financeiramente o lar o leva ao alcoolismo e a dependência química. Segundo Botarelli (apud SAWAIA, op.cit.) vários são os sentimentos que podem ser constituintes do sofrimento ético-político dos membros familiares. Um exemplo é o medo que as mães sentem pelo destino de criminalidade dos filhos e a tristeza e vergonha por não conseguirem acompanhar a vida deles na escola. A concepção de afetividade segundo Espinosa (apud SAWAIA, op.cit.) desloca o político para o campo da ética e ambos para o campo dos afetos. Impulsionados pelos afetos sabemos se algo é bom ou não e determinamos nossas ações. O papel da família A família é a principal responsável em garantir alimentação e proteção à criança e adolescente. É o espaço onde se transmite a cultura, os valores e normas, a moral, é onde se desenvolve a personalidade da criança e do adolescente, por isso a importância de um ambiente familiar harmonioso, no qual a família tenha o devido apoio para poder suprir as necessidades de seus membros, evitando assim, a marginalização destes na sociedade e/ou sua separação da família. Segundo Ferrarie e Kaloustian (apud VICENTE in UNICEF, 2011), a família pode ser considerada como espaço privilegiado de sociabilização, de divisão de responsabilidades, de busca coletiva, de estratégia de sobrevivência, lugar inicial para o exercício da cidadania, espaço indispensável para garantir desenvolvimento e proteção dos filhos e os demais membros. Propicia afeto e recursos materiais necessários para o desenvolvimento e bem estar de seus membros. Desempenha importante papel na educação formal e informal como espaço onde são absorvidos valores éticos e humanitários, onde se desenvolvem laços de solidariedade e são transferidos valores culturais. 8 Devido ao desenvolvimento socioeconômico e o impacto da ação do Estado através das políticas econômicas e sociais, cada família tem uma dinâmica de vida própria. A situação de cada família depende de problemas sociais referentes aos direitos humanos, à exploração, às barreiras econômicas, sociais ou culturais. A vulnerabilidade esta associada, entre outros fatores, à situação de pobreza e a distribuição de renda no país. Nas ultimas décadas observa-se um aumento das famílias monoparentais, em especial aquelas chefiadas por mulheres; aumento da questão migratória por motivos de sobrevivência em busca de trabalho, e novos arranjos familiares, o que evidencia as diferentes formas de constituição e organização das famílias e que se distanciam cada vez mais de um modelo ideal ou único. Conforme as autoras pesquisadas as políticas públicas de atenção à família ainda carecem de atenção privilegiada nos programas da política social brasileira, sendo necessário um maior conhecimento da condição de vida das famílias brasileiras. Direito a convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção do vinculo Segundo Vicente (in UNICEF, 2011) o bebê ao ser concebido, já pertence a uma rede familiar que compreende o pai e a mãe. Nos primeiros anos de vida a criança depende de cuidados com o corpo, com a alimentação e aprendizagem num ambiente de acolhimento e afeto, os bebes não sobrevivem ao desamor. Os pais em situação conflituosa produzem uma relação de ambivalência que pode prejudicar o desenvolvimento da criança. Em 1951, John Bowlby, um dos principais teóricos especializado em desenvolvimento humano afirmou que o amor materno na infância e juventude é tão importante para a saúde mental quanto às vitaminas e proteínas o são para a saúde física. A criança inicia sua historia dentro da historia de sua família, junto à comunidade ou nação. Ela nasce em um determinado território social e geográfico, aonde vai definindo sua identidade. O vinculo entre a mãe e a criança é importante para garantir segurança à criança. Este vínculo pode ser também de outra pessoa que não seja a mãe, mas que ocupe papel importante nas necessidades básicas da criança. A separação dos vínculos por rompimento temporário ou definitivo produz sofrimento na criança. Segundo Beckerin (apud VICENTE, in UNICEF, 2011) há casos em que crianças e adolescentes são privados da convivência com os pais biológicos por razões diversas, podendo ser por situação de pobreza, carência de recursos materiais ou não. Na ausência dos pais biológicos os outros membros da família assumem a responsabilidade pelas crianças. 9 Somente na ausência ou na impossibilidade dos parentes assumirem a tutela das crianças, faz-se necessário a escolha de família substituta, sendo esta não pertencente à família consanguínea. Há casos como de crianças fruto de gestação indesejada, estupro, relação eventual, onde geralmente a mãe não se mostra preparada para assumir a maternidade, não deseja ou não possui condições de assumir a criação do filho. Algumas dessas mães, por diversos motivos, optam por entregar a criança para adoção, tendo a intenção, muitas vezes, de garantir proteção à criança, uma vez que ela está incapacitada de proporcionar esta proteção e o afeto. Um paradigma persistente em nossa sociedade é o fato de ser mãe solteira, segundo a autora este é um problema sócio cultural que requer tempo e educação. A perda do pátrio poder será decretada quando o desenvolvimento da criança ou adolescente apresentar risco junto aos seus pais. Assim, cabe ao poder judiciário decidir e, baseado no conhecimento dos motivos pelo qual a criança esta sendo separada da sua família biológica, informar as possíveis consequências definitivas de sua decisão. Esta é uma situação delicada onde caso sejam tomadas decisões precipitadas, estas podem ter resultados danosos pra a criança e para a mãe. Manter os vínculos a qualquer preço pode colocar em risco o desenvolvimento afetivo do bebe, é importante respeitar as decisões, tomar todas as providencia cabíveis necessárias para assegurar o direito da criança a ser acolhida por outra família. A situação de pobreza lidera como o principal motivo da separação. As principais formas de garantir judicialmente a proteção e o direito das crianças e dos adolescentes à convivência familiar e comunitária se efetiva através da guarda, tutela, e adoção. Antes dessa decisão, porém, recomenda-se o apoio e fortalecimento dos vínculos familiares incluindo o acesso a programas de complementação de renda das famílias empobrecidas para que possam criar e educar seus filhos. Na impossibilidade, cabe ao judiciário a colocação desta criança em família substituta. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária A legislação brasileira reconhece a família como estrutura vital e essencial na socialização e humanização da criança e do adolescente, e espaço de desenvolvimento dos indivíduos. A história da família brasileira, no entanto, mostra que ela teve e ainda tem grandes dificuldades de realizar a proteção, desenvolvimento e o cuidado de seus membros devido ao sistema capitalista excludente, explorador, injusto e desigual que impõe à família o 10 dever quase que total de proteção de seus membros sem, contudo, dar o devido suporte para tal. Durante muito tempo o Estado culpabilizou e tratou a família, especialmente as de que se encontram em situação vulnerável, como incapaz, usando este argumento para suspender provisoriamente a guarda dos filhos, que eram retirados do convívio familiar sem qualquer preocupação com a preservação dos vínculos afetivos, sendo encaminhadas a instituições. Com o aprofundamento das desigualdades e as situações precárias de crianças e adolescentes, houve uma mudança nos paradigmas sociais existentes, e através do olhar interdisciplinar começa a se dar maior importância aos vínculos familiares. A partir da década de 80 e 90 são formuladas leis para garantir o direito das crianças e adolescentes, dentre elas se destaca o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)7. Nesse período, também houve debates a respeito dos abrigos, e de adoções. As crianças passaram a ser tratadas legalmente como sujeitos de direitos, o que significa que são consideradas como indivíduos íntegros, que têm personalidade e vontade própria, e, portanto não devem ser consideradas como passivas, subalternas e/ou objetos dos adultos. A família, em seus relacionamentos afetivos é um espaço vital de desenvolvimento da criança e do adolescente. É na convivência familiar que são criados os vínculos necessários para que se sintam aceitos, amados, cuidados e aprendem os limites e as habilidades exigidas para viver em comunidade. Daí a importância da convivência em família para um desenvolvimento saudável. Segundo a Constituição Federal de 1988, é dever da família, da sociedade e do Estado exercer a proteção à criança evitando, sempre que possível, a quebra de vínculos. As situações que demandam intervenção da sociedade e do Estado são as seguintes: a violência doméstica, o abandono e a negligência. As situações devem ser analisadas minunciosamente para verificar se determinado fato se deu devido a situações momentâneas que saíram do controle daquela família, ou se a situação vem se estendendo durante um longo período. Dessa forma, não é justificável a retirada dos filhos do seio familiar, sendo antes deste procedimento extremo, ser priorizado o fortalecimento dos vínculos e a inclusão da família em programas sociais e políticas públicas, dependendo da situação. 7 O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído pela Lei nº 8.069 em 13 de Julho de 1990. Ele tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente e sua finalidade é regulamentar as diretrizes de proteção social prescritas na Constituição Federal de 1988. 11 Quando se verifica a necessidade de afastamento das crianças do convívio familiar é necessário buscar o Ministério Público e o Judiciário. Ainda que a decisão dependa do poder judiciário, deve ser recomendada por uma equipe profissional interdisciplinar que avalie a situação. Se a decisão for tomada no sentido de afastamento da criança do convívio familiar para conservação de sua integridade física, mental e psicológica, devem ser oferecidos serviços que incluam os pais e que proporcionem cuidados e desenvolvimento saudável, sempre agindo na busca da reinserção/reintegração da criança em sua família de origem ou, se isso for impossível, em família substituta. Esses serviços são oferecidos através do Acolhimento Institucional ou Programas de Famílias Acolhedoras. O Programa de Famílias Acolhedoras é um serviço que visa acolher crianças e/ou adolescentes, que foram afastados da família de origem como uma medida de proteção, objetivando a proteção integral da criança e adolescente até o retorno a sua família ou, excepcionalmente, à família substituta. Tem caráter provisório e as crianças permanecem com as Famílias Acolhedoras até que a solução permanente seja definida, sempre priorizando a reinserção na família de origem. Essas famílias devem ser cadastradas no Programa e a partir daí serão selecionadas, receberão capacitação, acompanhamento, e supervisão de uma equipe multiprofissional. Quanto às famílias de origem, devem essencialmente, ser trabalhadas e acompanhadas psicológica e socialmente, visando à reintegração de suas crianças e/ou adolescentes. Outro aspecto importante do Programa Família Acolhedora é a articulação com uma rede de serviços como o Judiciário, Justiça da Infância e da Juventude e outros setores responsáveis pela garantia dos direitos. Devido ao tipo de acolhimento que este Programa propõe há uma exigência de que seja feito um mandato judicial de guarda. O pedido dessa guarda é feito pelo Programa ao Juízo, em prol da Família Acolhedora e vigora enquanto esta permanecer inserida nele. Tanto o programa Família Acolhedora, bem como os de acolhimento institucional, devem seguir as diretrizes, princípios e normas do ECA, dentre os quais se destacam o caráter provisório e excepcional do acolhimento: priorizar e investir na reintegração familiar; preservar os vínculos entre irmãos; trabalhar com as redes de serviços; comunicação continua com a Justiça da Infância e da Juventude. Embora os programas de acolhimentos tenham grande importância, deve-se manter em vista a prioridade das soluções e decisões permanentes em relação às crianças e adolescentes acolhidos. Um dos dilemas enfrentados atualmente é saber quanto tempo deve-se esperar até conseguir uma resposta/mudança dos pais para reinserção familiar e quando se deve começar 12 o processo de retirada do poder familiar para liberar a criança para adoção, apesar de a realidade brasileira apontar para a dificuldade de adoção de crianças maiores e adolescentes. A permanência por longo período da criança ou adolescente no sistema de acolhimento diminui a possibilidade de reintegração à família de origem, devido à quebra e enfraquecimento dos vínculos. Devido a esses fatores torna-se imprescindível investir num trabalho efetivo de reintegração familiar e optar pela adoção apenas quando todas as possibilidades de reinserção na família de origem forem esgotadas. Isso requer uma equipe interdisciplinar comprometida, formada por profissionais do abrigo e/ou instituição acolhedora que realizarão o acompanhamento e o estudo psicológico e social, quando necessário, das famílias de origem, das crianças e adolescentes acolhidos e profissionais da Justiça da Infância e da Justiça. É relevante a defesa intransigente dos laços e vínculos afetivos e estruturantes da criança, que não são necessariamente dos vínculos biológicos. O Programa Famílias Acolhedoras é comum em países europeus e vem ganhando expressão aqui no Brasil, como nos mostra o projeto pioneiro que aconteceu em Santa Catarina e o Programa Serviço Alternativo de Proteção Especial à Criança e ao Adolescente (SAPECA). Segundo Bittencourt (2004), o Projeto de Acolhimento Familiar pioneiro se deu em São Bento do Sul – SC, com o objetivo de atender as necessidades locais no que se refere a garantir os direitos da criança e do adolescente. Inicialmente o projeto foi apresentado pelo juizado da Infância e Juventude, na pessoa de uma assistente social e pelo grupo de apoio a adoção Gerando Amor. Em seguida foi submetido à aprovação pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) sendo implantado oficialmente em julho de 2002 e está vinculado à secretaria de Desenvolvimento Comunitário da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul. O projeto se confrontou com uma questão cultural muito forte, a ideia de que o abrigo institucional é a melhor opção de atendimento as crianças que necessitem de proteção, mas que a criança institucionalizada é privada de um dos seus direitos fundamentais que é a convivência familiar. Ao propor o acolhimento dessa criança em uma Família Acolhedora, o projeto possibilitou tal convivência familiar essencialmente fundamental para seu desenvolvimento e que não é encontrado dentro das instituições. As famílias interessadas em participar do programa são criteriosamente selecionadas se diferenciando na capacidade de acolher, amar, cuidar, proteger, educar sem querer para si. As Famílias Acolhedoras devem ter clara a ideia de que em um determinado momento essa criança irá partir, mas que poderão manter contato, seja com a família de origem, família 13 substituta, ou com a família que possivelmente a adotará, caso todos os envolvidos estejam em comum acordo, podendo esse relacionamento ser de extrema importância para o desenvolvimento da criança. O programa de proteção se constrói exigindo envolvimento de diversos autores: psicólogos, assistentes sociais, pedagogos assistentes administrativos, motoristas e profissionais voluntários e é sem dúvida muito mais complexo que um abrigo institucional Os resultados obtidos com o programa são compensadores, pois a preocupação fundamental é com a qualidade do atendimento a todos os participantes priorizando a criança e adolescente. Descrição da experiência do Programa SAPECA Outro programa criado em Campinas, posterior ao Projeto de Acolhimento Familiar, mas seguindo na mesma direção, é o Projeto SAPECA - Serviço Alternativo de Proteção Especial à Criança e ao Adolescente, previsto no artigo 90 do ECA. Segundo Valente (2009) esse programa atende crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica em famílias acolhedoras, sempre dando atenção especial e objetivando a volta a família de origem, para que o retorno da criança seja de forma protegida. O SAPECA, programa criado em junho de 2007 passou de programa alternativo para modalidade de atendimento previsto na política pública. Esse projeto foi criado por profissionais que atuavam em Departamentos de Apoio a família, Criança e Adolescente, da Secretaria Municipal de Assistência Social, da Prefeitura de Campinas como assistentes sociais e psicólogas que conviviam com crianças institucionalizadas. Sua principal característica é a preocupação permanente em realizar um trabalho efetivo de garantia de direitos das crianças e adolescentes atendidos. No primeiro momento esse projeto atendia crianças de 0 a 6 anos que eram retiradas do convívio familiar pelo conselho tutelar ou pela vara da infância e juventude por serem vítimas de violência doméstica, sendo transferidas para famílias acolhedoras. Durante todo esse processo de guarda da criança é feito um intenso trabalho com a família de origem com o propósito de possibilitar o retorno dela, desde que não corra mais nenhum tipo de perigo de vir a sofrer novas violências. Sendo assim, após o retorno essa família é acompanhada por mais cinco anos. O programa SAPECA compõe o plano Plurianual da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Campinas, e colabora diretamente nas discussões junto ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, através de suas comissões. 14 Considerações Finais Através do resgate histórico das famílias pudemos compreendemos as instituições familiares na contemporaneidade com suas mudanças e arranjos e sua dificuldade de enfrentamento quanto às problemáticas advindas de um sistema capitalista que é responsável pelas mudanças ocorridas nesse núcleo extremamente complexo e importante para o desenvolvimento do ser humano, já que é nesse mesmo âmbito onde se desenvolve essencialmente os conceitos morais e a afetividade responsável pela plena emancipação do sujeito e que mais tarde refletirá na sua capacidade de sociabilização. Portanto, destacamos que a afetividade tem um caráter pessoal, mas que as consequências que ela pode trazer consequencias a sociabilidade do gênero humano. Dessa forma, entendemos que a falta de afeto no núcleo familiar prejudica o desenvolvimento da criança, podendo afetar as relações sociais no decorrer de toda vida. Consideramos ainda, que no contexto neoliberal em que vivemos, o Estado difunde a ideologia no sentido de que a família deve se responsabilizar pela proteção social de seus membros retraindo suas responsabilidades, passa a incentivar as relações de ajuda mútua e de confiança, subsidiando as famílias apenas nos casos extremos de instabilidade econômica. Nessa perspectiva identificamos o surgimento de projetos que visam amenizar os problemas causados pela institucionalização de crianças e adolescentes abandonadas. O programa de Famílias Acolhedoras se destaca priorizando os valores morais, éticos e sociais adquiridos no núcleo familiar, buscando o desenvolvimento da capacidade de socialização, a qual é impossível de ser apreendida em instituições de acolhimento. Entendemos que tal projeto é extremamente oportuno no contexto histórico atual sendo o mais importante e capaz de amenizar o sofrimento da criança ou adolescente que teve os vínculos familiares rompidos, proporcionando através da vivência cotidiana em família sua identidade e emancipação social. Referências BECKER, Maria Josefina. “A ruptura dos vínculos: quando a tragédia acontece”. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug. (Org.). Família Brasileira a base de Tudo. 10. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 2011, p.60-76. BITTENCOURT, Isabel L. F.. “Relato da experiência Acolhimento Familiar”. In: CABRAL, Claudia (Org.). Acolhimento Familiar experiências e perspectivas. Rio de Janeiro: Booklink Publicações, 2004, p. 25-31. CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente); CNAS (Conselho Nacional da Assistência Social). Plano Nacional de Promoção, Proteção e 15 Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, DF: 2006. UNICEF, Família Brasileira a base de Tudo. 10. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 2011, p.11-15. GUEIROS, Dalva Azevedo. “Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade familiar”. Serviço Social e Sociedade nº71. São Paulo: Cortez, 2002, p. 102120. SAWAIA, Bader B.. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller. (Orgs.). Família, Rede, Laços e Políticas Públicas. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2008, p.39-49. VALENTE, Jane. PINHEIRO, Adriana; ANDRADE, Elizabeth Aparecida Moura; MAEDA, Marcia; MOLITERNO, Maria de Fátima de Aquino; NASCIMENTO, Maria Rachel (coautoras). Acolhimento Familiar da Proteção Alternativa à Política Pública: a Experiência do Programa SAPECA. 1.ed. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009.