Zero Hora/RS - Artigos - pág.: 13, Seg, 11 de Junho de 2012
Ministros Aposentados (Paulo Brossard)
300% preparado, por Paulo Brossard*
ARTIGOS Não faz muito, a honrada senhora presidente da
República proclamou que muito se fala no
agravamento da crise que se estende na Europa, mas
que ela não atingiria o Brasil, que ostentava a cômoda
situação de estar “300% preparado” para enfrentar a
crise (sic). E, referindo-se aos que, ao seu juízo,
apostam nela, como em 2008, terminarão amargando
sua má previsão. Sua olímpica posição é absoluta. No
entanto, sua equipe econômica, senão a própria
presidente, estaria a examinar a hipótese de terminar
o ano com o resultado primário menor que o projetado
que, até ontem, era inquestionável; a implacável
redução da atividade econômica explicaria a
mudança. O mesmo fenômeno levara-a a encomendar
um “choque de investimentos” levando-se em conta o
mau resultado da economia no primeiro trimestre e o
agravamento da crise europeia. Mas nada disse a
respeito do tipo de investimentos encomendado, o que
muito importa. Desnecessário dizer que nem de longe questiono a
sabedoria das posições oficiais, mas também me
parece induvidosa a existência de fatos que não
podem ser ignorados nem menosprezados, como os
divulgados pelo IBGE acerca do PIB relativo ao
primeiro trimestre do ano em curso, cujo crescimento
se limitou à constrangedora escala de 0,2%, em
relação ao último trimestre do ano passado. Esse
resultado, qualquer que seja a qualificação que se dê,
jamais será bom nem sequer satisfatório, tanto mais
quando se apregoava desde o começo do atual
quadriênio que atingiria 3%, 4%, 6% senão mais. O
melancólico crescimento de 0,2% levou o BNDES a
estimar que o resultado anual do PIB possa ficar em
2%, o que seria nada brilhante. É verdade que o douto
ministro da Fazenda saltou sobre o mofino 0,2% para
prever, olhos cerrados, que, no já trimestre em curso,
o crescimento será extraordinário, de modo a permitir
crescimento consagrador para o ano inteiro, hipótese
caprichosa que nem todos admitem. Voltando a terra e à dura realidade, é de lembrar-se
que segundo mapeamento do BNDES, nos próximos
quatro anos, os investimentos privados declinarão em
R$ 35 bilhões, o que não é auspicioso. E, embora se
apregoe que tudo vai maravilhosamente bem,
empresas de vulto estão adotando medidas que só em
tempos adversos são tomadas. Assim, por exemplo,
em consequência da queda de 20% no mercado de
caminhões no ano em curso, a Mercedes-Benz
concluiu acordo com o Sindicato de Metalúrgicos do
ABC para a suspensão, por cinco meses, do contrato
de trabalho de 1,5 mil trabalhadores de sua fábrica do
ABC paulista. Em 50 anos de sua atividade entre nós,
é a primeira vez que a empresa se serve desse
mecanismo a fim de evitar a demissão de
funcionários, notando-se que já recorrera a férias
coletivas e licenças remuneradas, para contornar a
retração da demanda; saliente-se que tais expedientes
têm sido utilizados por outras empresas de grande
porte. Muito mais haveria a aditar ao exposto, mas
este é bastante para mostrar que não é por prazer, e
seria um prazer mórbido, mas porque alguns efeitos
oriundos do Mercado Comum Europeu ou da China já
chegaram e, querendo ou não, já atingiram setores
nada desprezíveis da nossa economia. E queira Deus
que fique por aí. Por derradeiro, parece-me oportuno ponderar que
enquanto o governo está voltado para a massa de
veículos produzida e não vendida, baixando o IPI e
alargando o prazo, descuida dos investimentos que
cabe ao poder público implantar e aumentar, de modo
a aparelhar o empreendimento econômico aos tempos
novos que hão de vir. Isso sem considerar o pesado
endividamento das famílias e a insolvência crescente
de número significativo de adquirentes e sem negar a
utilidade de suas providências, considerando a
importância desse setor da economia. Por falar em insolvências, deixei de mencionar, o que
seria imperdoável, que o onímodo titular da Fazenda
informou que o governo preparava um projeto de lei,
suponho, para acabar com ela... Se tiver êxito, será
candidato certo e forte ao Prêmio Nobel de Economia. Ainda bem que podemos dormir tranquilos, uma vez
que o nosso país está “300% preparado” para
enfrentar a crise que flagela outros povos... *Jurista, ministro aposentado do STF
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300% preparado, por Paulo Brossard*