ENFOQUE HOLÍSTICO DA DOENÇA E DA SAÚDE: UMA POSSIBILIDADE
DE INTEGRAÇÃO A PARTIR DA ESCUTA DO CORPO
Prof. Ms. Andrea Simone Schaack Berger*
“A natureza, por si própria, quando a deixamos operar, tira-se aos poucos da desordem que caiu. É
a nossa inquietude, a nossa impaciência, que tudo estraga, e quase todos os homens morrem de seus
remédios, e não da sua doença.”
(Moliere, 1973)
RESUMO:
O objetivo deste artigo é discutir a relação do corpo com o todo que é a pessoa, segundo a abordagem
gestáltica. Para isso, se percorre a importância da visão holística e princípios fundamentais da mesma, a
relação da teoria paradoxal da mudança nos processos de adoecimento e saúde. Ao final traz-se as idéias
desenvolvidas pela Dra. Adriana Schnake a partir do Enfoque Holístico da Saúde e da Doença e a relação
de características de personalidade com características dos órgãos, como possibilidade de integração do
ser.
PALAVRAS CHAVE: holismo, saúde, doença.
A proposta de falar de holismo e saúde neste V Congresso De Psicologia da
UniFil se desenvolveu a partir de que uma experiência vivencial que tive ao fazer o
Diplomado em “Enfoque Holístico da Saúde e da Doença”, no Chile, com a Dra.
Adriana Schnake, em 2011, e de uma busca, incessante de entender o homem com um
todo, tarefa que não é simples.
Na própria escolha que fiz de abordagem, quando agora olho para trás,
reconheço esta busca. A Gestalt-terapia desde a sua criação vê o corpo como uma parte
indivisível do todo que somos e um dos canais mais fortes com o qual podemos fazer
contato conosco mesmos, com quem somos.
Para falar do enfoque holístico da saúde e da doença se faz imprescindível
percorrer o holismo, com certeza a característica mais central da psicologia da gestalt e
da gestalt-terapia. Segundo este as pessoas e coisas são regidas por três princípios, que
*
Mestre em Desenvolvimento Organizacional pela Universidade de Leon, Gestalt-terapeuta, pelo
Instituto Maringaense de Gestalt-terapia, Diplomado “Enfoque Holístico de la Salud y la Enfermedad”,
em Anchimalén, docente do Curso de Psicologia da UniFil.
Email: [email protected]
são: 1) Tudo é um todo; 2) Tudo muda; 3) Tudo está relacionado a tudo. (CLARKSON,
apud RIBEIRO, 2011)
Quando afirmo que “tudo é um todo” entendo este todo a partir da definição de
Smuts (apud, RIBEIRO, 2011, p. 62):
“O todo é uma síntese ou unidade de partes tão juntas que ele afeta as
atividades e as interações daquelas partes, imprimindo nelas um caráter
especial e as faz diferentes daquilo que tinham sido antes, em uma
combinação destituída de tal unidade ou síntese.”
O todo são as partes em interação, o que o faz dinâmico, orgânico,
evolucionário e criativo, o ser humano como um todo é sempre mudança, vir-a-ser.
“O homem é um ser se constituindo, a cada dia, é um ser sempre a caminho,
sempre em mudança. Dessa impermanência nasce no ser humano uma
profunda consciência de que ele é um ser de relação, um ser que não basta em
si mesmo, de que ele se constitui por meio do outro, no mundo, em um
movimento perene de interdependência.” (RIBEIRO, 2011, p. 62)
A partir da impermanência e da interdependência surge a sensação de
totalidade, e ao olhar ao outros se vê uma totalidade diferente dos demais. Apesar de
mudar constantemente continua sendo quem é. A cada dia é a mesma pessoa e a partir
da sua existência buscar ser quem é, e se transforma – sem perder a identidade.
A mudança também aparece de forma paradoxal, porque mudamos para nos
tornar quem somos. Assim:
“As doenças e seus sintomas (correspondentes às “doenças” da Terra, como
terremoto, aquecimento global) são sempre uma tentativa de ajustamento
criativo, de autorregulação, que não nos parecem claros no momento em que
acontecem, mas que, seguindo uma lei maior, terminarão por produzir uma
equalização corpo-meio-ambiente de efeitos positivos. Quando criamos
doenças bio-psico-sócio-espirituais, estamos criando as doenças do planeta,
porque o planeta não adoece sozinho, suas doenças são frutos da nossa.
(RIBEIRO, 2011, p. 65)
A doença, nessa visão, traz consigo uma oportunidade de mudança. Em geral,
o adoecer é uma porta, através da qual, podemos rever nosso estar no mundo,
reconfigurar nossa rota para desenvolver o nosso maior projeto, ou sentido de vida: ser
quem somos.
Com isso chegamos ao terceiro princípio que rege o holismo: tudo está
relacionado a tudo. Segundo o qual não podemos pensar em isolamento. Nosso ser, a
constituição do que somos somente é possível porque estamos em relação.
Tudo o que somos está interrelacionado, não podemos também separar o
físico, do psicológico, do social ou do espiritual, é um todo que, ao transformar-se o faz
como um conjunto.
Perls no desenvolvimento da Gestalt-terapia sempre teve como um dos
principais objetivos a integração de polaridades. A noção de polaridades em gestaltterapia é de que são partes de um todo, não podem ser separadas, ou dissociadas, o que
fazemos é negá-las ou não as reconhecemos. Para que a pessoa faça configurações mais
integradas de sua existência é necessário que tome posse de partes suas que por alguma
razão havia deixado de lado. Poder incluir na sua vida partes que tinha rechassadas, por
si só abre novas possibilidades de experimentar e novas formas de estar no mundo para
a pessoa.
Para mim, uma verdadeira cura implica uma transformação, não
necessariamente no sentido místico, mas num sentido de verdadeiro
crescimento, expansão e ampliação do dar-se conta. As perturbações podem
favorecer uma transformação e as doenças podem se consideradas
perturbações, também os tratamentos.
(Schnake, 2007, p. 263)
Segundo o Enfoque Holístico da Doença e da Saúde criado pela Dra. Schnake,
o trabalho a partir do corpo pode mostrar um caminho para facilitar ao cliente integrar
partes suas que tem rechaçadas ou não conscientes. A partir deste trabalho, parte-se da
anatomia e da fisiologia básica do corpo humano e das características dos órgãos para
chegar a um dar-se conta sobre características de personalidade negadas pela pessoa e
sua integração.
Se um órgão nos reclama, nos diz algo sobre a forma como estamos existindo e
nos propõe uma mudança, e se como terapeutas podemos facilitadar esse diálogo a
partir de uma vivência, isso pode ser efetivo. (Schnake, 2007)
Para fundamentar este trabalho Schnake parte da visão holística de Perls,
quando afirma que “a matéria viva tem uma tendência a configurar-se a ser o que é;
tendência de todos os processos vivos de completar-se” (Perls, citado por Schnake, 25).
Assim mesmo que por nossos processos psicológicos e evitações de contato excluímos
ou negamos em nós alguma característica, o todo que somos, reclama por ser inteiro,
dando voz àquele órgão que faz esta característica naturalmente.
O objetivo desta abordagem não é a cura do órgão, é mais bem a integração de
características ao todo que essa pessoa é. Interessantemente em muitos casos há uma
melhora ou até cura do órgão quando a pessoa consegue reconhecer a característica
negada, fazer as pazes com aquele que a incomoda e integrar no seu ser-no-mundo esta
característica. É como se facilitássemos o contato da pessoa com uma parte sua que não
conseguia reconhecer.
A partir desta visão, o corpo humano carrega em si, representadas pelos vários
órgãos, uma gama de características de personalidade. Uma característica negada, faz
com que o órgão que a contenha se faça presente a partir do adoecimento. Se a pessoa
não pode entrar em contato com uma característica de personalidade, um órgão que a
tem naturalmente reclama, ou demonstra essa não aceitação.
“Como terapeutas, com esta confiança no organísmico e com uma atitude de
silêncio interno, com respeito às próprias vozes que podem perturbar nossa
escuta, nos acercamos ao paciente para facilitar-lhe um encontro com o que o
limita e o estreita. Um encontro que é absolutamente necessário quando de
trata de uma doença que a pessoa só vê como inimiga, sem se dar conta que
traz uma mensagem que pode mudar sua vida num sentido positivo.”
(Schnake, 2007, p. 25)
Esta aproximação se dá basicamente a partir das características anatômicas e
fisiológicas de cada órgão que reclama. É a partir da descrição deste órgão, do
entendimento da sua importância e função dentro do organismo e da importância destas
funções e características na vida da pessoa que ajuda-se ao enfermo a integrar partes
suas negadas ou não aceitas. Ele é convidado a conhecer melhor o órgão que reclama, e
a partir de um diálogo gestáltico com este órgão, tomar seu lugar até conseguir entender
as características do mesmo que não reconhece em si mesmo.
É impressionante como a partir de um diálogo com um órgão doente a pessoa
entra em contato com ressentimentos que tem do mesmo e como se dá o contato com
características deste órgão que não considera suas. Poder aproximar-se deste inimigo,
que muitas vezes ameaça a sua vida e que ao mesmo tempo é imprescindível para viver,
conhecê-lo, escutá-lo e saber mais sobre suas características, pode de alguma forma
oferecer novas possibilidades sobre o se ser.
“Não importa que já se investigara tudo sobre a doença que este órgão
padece, e nem aquilo que não se sabe, e que poderia se descobrir em um
tempo mais. Não é esse o segredo que se vai com partes nossas que são
tiradas. O segredo é a mensagem que querem nos dar e que nós não
escutamos. É um segredo absoluta e totalmente único, como as digitais. Esse
órgão que nasceu com nós sabe de algo de nós que não quer que
esquecemos.” (Schnake, 2008, 76)
Muito poucas coisas nos fazem refletir sobre nossa conduta e forma de ser,
conselhos, pedidos e até insights claros muitas vezes não ultrapassam a nossa
racionalização, sem que possamos realizar verdadeiras mudanças na nossa vida. A
reclamação de uma parte do nosso corpo – de quem somos – muitas vezes pode ser um
catalizador que nos faz entrar em contato com o todo que somos e aceitar partes e
características nossas que temos negado e rechaçado.
O enfoque holístico da saúde e da doença nos traz um convite para pensarmos
no todo que somos, escutarmos o todo que somos, e buscarmos ser quem somos de uma
forma mais integrada.
REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Conceito de Mundo e de Pessoa em Gestalt-terapia. São
Paulo: Summus, 2011.
SCHNAKE, Adriana. Los diálogos del cuerpo: Um enfoque holístico de la salud e la
enfermedad. 10. ed., Santiago del Chile: Editorial Quatro Vientos, 2008.
SCHNAKE, Adriana. Enfermedad, síntoma y carácter: Diálogos Gestálticos con el
Cuerpo. Buenos Aires: Del nuevo Extremo: Cuatro Vientos (Chile), 2007. 384p.
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