ENTREVISTA FOTOS IZILDA FRANÇA Levante a mão quem já teve problemas com alguma empresa de telecomunicação, seja ela de telefonia fixa ou celular, de TV a cabo ou internet. Se você está com o braço levantado (acompanhado por grande parte dos brasileiros, pode ter certeza), saiba que as notícias não são nada animadoras. Segundo ranking divulgado em dezembro último pelo Ministério da Justiça, essas empresas são as que menos solucionam as reclamações dos consumidores. Para tentar entender por que os serviços de telecomunicações são tão ruins no Brasil, entrevistamos o polêmico engenheiro eletrônico e ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais Virgílio Freire. Pós-graduado em Telecomunicações pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), ele foi diretor da Embratel, da Telebrás e da Telesp, diretor de sistemas celulares da Nortel, presidente da Lucent (subsidiária da gigante americana AT&T) e da Vésper, e implantou e operou sistemas de telecomunicações em diversos países. Atualmente é consultor na área. Na entrevista a seguir, concedida em seu confortável home-office em Campinas (SP), ele coloca a boca no trombone para criticar o sistema de telecomunicações brasileiro e defender a reativação da Telebrás Idec: O setor de telecomunicações, tanto privado quanto público, está despreparado? Virgílio Freire: Está totalmente despreparado, desqualificado e politizado. Eu defendo muita coisa que o Lula faz, mas foram colocados homens sem a necessária experiência em vários locais, começando pelo ministro das Comunicações, que é funcionário da Globo. Mesmo o presidente da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] é um diplomata que, evidentemente, não entende nada do que estamos conversando aqui. E os outros conselheiros também são indicações políticas, de forma que a Agência está sem rumo e omissa. Desculpe a falta de modéstia, mas para chegar às conclusões a que eu cheguei foi preciso anos levando paulada e cometendo erros. Telecom: por que é tão ruim? 8 Revista do Idec | Fevereiro 2010 Idec: Na sua opinião seria possível melhorar a atuação da Anatel? VF: Eu acho que sim. A ideia do Fernando Henrique [Cardoso] era fazer uma Anatel exatamente análoga ao Federal Communications Commission (FCC), órgão americano totalmente independente. A solução seria despolitizar e desvincular a Anatel do governo, criar algum tipo de proteção na lei que impedisse o Executivo de interferir, além de colocar só profissionais, como no FCC. O senador Fernando Collor de Mello sugeriu que se exigisse do profissional que quisesse trabalhar num órgão regulador pelo menos 10 anos de experiência na área. O resultado seria uma Anatel independente e competente. Idec: Você falou em autonomia das agências, mas o governo precisa ter poder sobre a moeda. Como resolver isso na telecom? VF: O Banco Central, por exemplo, é independente, mas recebe orientações de estratégia econômica do governo. A mesma coisa deveria acontecer em telecom. Quer dizer, teríamos dentro do Ministério do Planejamento, como já existe hoje, um núcleo de telecomunicações que definiria a estratégia de telecom. E a Anatel seria obrigada por lei, como o FCC é, a cumpri-la. Idec: Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Banda Larga? VF: O plano proposto pelo ministro das Comunicações não tem pé nem cabeça. Eu li todas as páginas com bastante cuidado, se não me engano são 192, das quais apenas 15 são de propostas, o resto se limita a retratar o que existe no mundo (na Austrália é assim, no Kuwait é assado). O plano do ministro é algo a ser jogado no lixo, o que certamente o Lula já fez. O do Ministério do Planejamento parece, pelo que eu tenho visto, que está indo num rumo muito bom. Banda larga é o assunto estratégico do momento. O país que tiver uma boa banda larga vai em frente. Idec: Você já afirmou que o investimento de R$ 2 bilhões da Telefônica para a recuperação do Speedy é uma mentira. A Associação dos Engenheiros de Telecomunicações (AET) também afirmou que não houve investimentos dessa ordem. Como vocês têm essa certeza? E a Anatel não tem essas informações? VF: Esses R$ 2 bilhões não se referem ao plano de melhoria do Speedy. Muitos meios de comunicação divulgaram isso, mas é um engano. Esses R$ 2 bilhões, segundo o balanço da Telefônica publicado em 2009, teriam sido investidos em 2008. O presidente da AET, o Ruy Bottesi, entrou em contato com todos os fabricantes e fornecedores de materiais, equipamentos e serviços de telecomunicações no Brasil, e todos, sem exceção, disseram que não assinaram nenhum contrato com a Telefônica em 2008. O [Carlos Antonio] Valente, presidente da Telefônica, defendeu-se dizendo que essas empresas não assumiram Revista do Idec | Fevereiro 2010 9 Idec: Você defende que a terceirização do contato com o cliente e da instalação e manutenção dos serviços, generalizada nas empresas de telecomunicações, implica perda de qualidade. Mas existe alguma empresa que não faz isso? VF: A GVT tem seu próprio centro de atendimento, ela não terceiriza. Você pode terceirizar serviços básicos (segurança, alimentação etc.), mas jamais o contato com seu cliente. Você já viu alguma empresa aérea terceirizar piloto de avião ou 10 serviço de bordo? Nunca. Eles são funcionários da empresa, comprometidos com ela e com seus valores, preocupados em encantar o cliente. Idec: A ideia de que a concorrência traria benefícios ao consumidor é verdadeira? VF: A competição é benéfica, mas da forma como o setor de telecomunicações está, ela é praticamente impossível. Imagine se o governo abrisse um leilão para implementar a concorrência no setor de energia elétrica. A empresa que ganhasse seria forçada a instalar centenas de postes, quilômetros de fios e transformadores. Espero que fique bem claro que é uma loucura fazer isso. Tanto é que ninguém faz. A mesma coisa acontece com a telecom, mas infelizmente pensaram que não era parecido com a energia elétrica. E é. Quem quiser concorrer com a Telefônica, com a Oi e a Embratel terá que gastar alguns bilhões de reais para construir uma rede, e é evidente que isso não é possível. Idec: A chamada desagregação das redes ajudaria na concorrência? VF: Sim, mas ainda não se conseguiu. A desagregação é algo fantástico, é a criação de uma empresa, pública ou privada, que compraria da Telefônica, da Oi e da Embratel todos os sistemas físicos (torres, fibras, estações etc.) que fazem parte da rede, com exceção do fio que liga o consumidor a toda a rede. O modelo ideal seria ter só uma empresa atacadista, que seria dona de todas as torres, fibras e equipamentos do Brasil e venderia para a Oi, a GVT e a Telefônica pelo mesmo preço. Daria uma magnífica concorrência, porque elas teriam que competir não só em preço, mas em qualidade. É o modelo ideal, mas extremamente difícil de implantar. Na Inglaterra, a British Telecom está implantando um modelo bastante parecido. Em banda larga já há uma tendência a adotar esse modelo, que é australiano, e ao meu ver é o me- Revista do Idec | Fevereiro 2010 lhor. No Brasil há uma tendência no Ministério do Planejamento bem próxima desse modelo. O secretário ainda não revelou tudo, mas dá para sentir. A proposta que transpirou até agora e que eu apoio 100% é a reativação da Telebrás, que seria essa empresa atacadista que teria todos ou quase todos os meios. Ela venderia a banda larga para a Telefônica, a GVT e a Embratel pelo mesmo preço, gerando competição. Fica claro que esse modelo não interessa à Telefônica, porque equaliza a competição. Idec: E na telefonia celular, a competição é diferente? VF: Não tenho provas, mas é possível que esteja havendo uma combinação entre as empresas. Há uma divisão de mercado que elas mais ou menos assumem, há uma estratégia suicida por parte de todas elas, na qual entraram e da qual não estão sabendo sair. Por exemplo, a Oi não entra em São Paulo e a Vivo não entra no Rio de Janeiro, mas elas poderiam entrar. Essas empresas acham que sua importância é medida pelo número de usuários, e por isso investem na venda do pré-pago. Só que com isso o lucro é pequeno ou negativo, pois, por ele ser mais usado para receber ligações, a conta média costuma ser em torno de R$ 26 por usuário. Se eu fosse presidente de uma empresa de celular, eu não iria me preocupar com o número de clientes. Se uma empresa tiver 1 milhão de pré-pagos fazendo cada um uma ligação por mês e outra empresa tiver 100 mil pós-pagos que façam 30 ligações por mês, a segunda estará ocupando seu equipamento e amortizando seu investimento, vendendo ligações e lucrando mais. Essa visão falta às empresas. Saiba mais: Leia a entrevista completa em nosso site <www.idec.org.br>. E visite o blog de Virgílio Freire <http://virgiliofreire.blogspot.com> ELETRODOMÉSTICOS Agora com certificação compulsória Bebedouros, chupetas, mamadeiras, capacetes e pneus são alguns dos produtos já certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Em breve essa lista deve ganhar mais alguns itens. Isso porque a Portaria no 371, publicada em 31 de dezembro do ano passado no Diário Oficial da União, estabeleceu que a partir de 1o de julho de 2011 um grupo de 87 famílias de eletrodomésticos usados em casa, no comércio ou na indústria devem apresentar um selinho de certificação compulsória, garantindo que PHOTOS.COM o contrato com a Telefônica por obrigações contratuais de sigilo, mas isso não é verdade. Eu já trabalhei em várias empresas fornecedoras, tenho 40 anos de experiência e nunca vi uma cláusula de sigilo em relação a uma compra. O Rui, então, me pediu para analisar o balanço, que contém algumas coisas extremamente estranhas. Quero deixar bem claro que não estou afirmando que houve fraude, mas há indícios muito fortes e eu vou dizer por quê. A Telefônica diz que investiu R$ 500 milhões em serviços de informática. Só alguém alucinado compraria um sistema de informática por R$ 500 milhões. Um grande contrato de informática não chega a R$ 50 milhões. Outra coisa estranha: normalmente, no balanço, a gente separa os investimentos das despesas operacionais (que são os serviços – porteiro, faxineiro etc.). Quando se fala em sistemas de informática, uma grande parte são serviços. Então, é estranho ela ter classificado todo o sistema de informática como investimento. Um outro item absurdo: a Telefônica diz que investiu R$ 500 milhões em aparelhos de assinante, que custam no máximo R$ 30. Fazendo as contas, chegaríamos à conclusão de que ela teria trocado os aparelhos de 1/3 dos assinantes, e para isso seria preciso um exército de instaladores. Isso teria saído nos jornais. É por isso que eu digo que há indícios de que esses números estejam incorretos. EM FOCO estão em conformidade com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e com outros requisitos definidos pelo Inmetro. Eletrodomésticos sem certificação só poderão ser comercializados até 1o de janeiro de 2013. Na hora da compra, o consumidor deverá ficar atento à existência do selo, composto pelo símbolo do Inmetro e do organismo acreditado, assim como às informações da procedência (marca, fabricante, características etc.). Dentre os produtos que deverão ser certificados estão ferros de passar roupa, fogões, máquinas de costura, secadores de cabelo e sanduicheiras (veja matéria à página 20). Segundo Marcos Pó, assessor técnico do Idec, “A certificação vem em boa hora, pois o mercado brasileiro tem recebido produtos de qualidade duvidosa e o consumidor não tem instrumentos para saber se o que compra é seguro”. A avaliação de conformidade é uma maneira de garantir a segurança do produto, de forma a evitar acidentes de consumo, como choques elétricos. “Creio que a certificação contribui, a curto prazo, para que os fabricantes aperfeiçoem seus produtos. Quem será beneficiado é o próprio consumidor, que comprará utensílios domésticos que oferecem mais segurança”, diz Alfredo Lobo, diretor de qualidade do Inmetro. Até janeiro de 2013 tem muito chão, mas o Idec acompanhará o desenrolar dessa história. CARNE BOVINA Não ao desmatamento e ao trabalho escravo J á não era sem tempo. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, promulgou em 14 de janeiro a Lei no 15.120/2010, de autoria do vereador Roberto Tripoli (PV), que estabelece critérios para a compra de carne bovina pela prefeitura. Sendo mais claro, a lei proíbe a aquisição de carne oriunda de fazendas localizadas em áreas desmatadas e de terras indígenas da Amazônia, e/ou que tenha utilizado trabalho infantil e/ou escravo. Para participar de licitações, os fornecedores terão de assinar um documento declarando que seu produto não infringe a lei, além de apresentar o histórico da procedência daquele lote desde o início da cadeia produtiva. Apesar de a legislação ser restrita à cidade de São Paulo, é uma forma de pressionar os grandes frigoríficos a contribuírem com a diminuição (ou até mesmo com o fim) do desmatamento da Amazônia. A lei já está em vigor e deve ser regulamentada no prazo de 60 dias a contar da data da promulgação e publicação no Diário Oficial (ou seja, até 16 de março). Para que os cidadãos e as organizações sociais possam monitorar as práticas de compra de carne bovina, a Prefeitura de São Paulo precisa ser transparente, disponibilizando as declarações entregues. Revista do Idec | Fevereiro 2010 11