MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO
Exmo. Sr. DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR E DEMAIS MEMBROS DA
SEGUNDA TURMA DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª
REGIÃO
Processo
: 0000217-19.2011.4.05.8201
(APELREEX31374-PB)
Referência
: Apelação Cível
Apelante
: Município de Gurjão-PB
Apelado
: IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
Relator
: Desembargador Federal Fernando Braga – Segunda Turma
PARECER N.º
9987 / 2015
PROCESSUAL
CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL.
OPINATIVO PELO CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO
DA APELAÇÃO.
I – SÍNTESE DOS FATOS
Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de
Gurjão-PB, desafiando Sentença (fls. 175/178) da lavra do MM. Juiz Federal da 4ª Vara da
Subseção Judiciária de Campina Grande/PB, que, julgou procedente o pedido inicial para que
o Município apresente num prazo de 90 (noventa) dias Projeto de Aterro Sanitário à
Superintendência de Administração do Meio Ambiente-SUDEMA, devidamente
acompanhado do cronograma de execução, indicando as áreas que poderão ser destinadas à
localização do aterro sanitário, bem como no prazo de 90 (noventa) dias apresentar à
SUDEMA o Projeto de Recuperação de Área Degradada, relativamente à área do atual lixão,
caso este não seja a área onde se implantará o aterro sanitário devidamente acompanhado de
cronograma de execução.
Fixou, ainda, o Magistrado, multa de R$ 1.000,00 (um mil reais)
por dia de atraso, a contar do fim do prazo acima estipulado.
Em suas Razões Recursais (fls. 238/258), o Apelante, aduz, em
síntese: a) em preliminar destacou a interdependência dos poderes e a violação à separação
dos poderes, aduzindo que o Poder Executivo não pode ser mitigado por determinação do
Judiciário; b) que a falta de aterro sanitário seria um problema que assola inúmeras cidades e
que não dependeria única e exclusivamente da vontade do administrador público; c)
impossibilidade financeira para construção do aterro sanitário, e que a exigência de se
construir um aterro sanitário poderia gerar abalo financeiro que teria repercussão em outros
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setores como no custeio de serviços públicos essenciais, gerando graves consequências à
população; d) que é preciso manter as outras necessidades prioritárias da população como a
manutenção das escolas, assim no momento atual seria impossível para o Município, em curto
prazo, construir aterro sanitário; e) que o Município se encontra em Estado de Emergência
oficialmente declarado, desse modo sua situação financeira estaria voltada a atual situação; f)
que o Município sozinho não comportaria uma obra de alto custo, e que seria necessário
convênio com o Estado ou com a União, para poder atender todas as recomendações do
IBAMA; g) caso não seja feito o convênio, seria necessário a dotação orçamentária de acordo
com o previsto na lei orçamentária; e h) princípio da reserva do possível.
Ao final o Apelante requer, que seja recebida a Apelação para
julgar a Ação Ordinária totalmente improcedente, ante a violação ao ordenamento jurídico
vigente que prevê a separação dos poderes, e normas específicas para despesas públicas e o
princípio da reserva legal, e caso não sejam admitidas as argumentações expostas, requer um
prazo maior para as providências determinadas na Sentença, e também a redução da multa
estipulada.
O Apelado, devidamente intimado, apresentou Contrarrazões
(fls. 270/275) onde afirma que desde o dia 12/06/2008 requeria medidas por parte do
Município, entretanto, o mesmo persiste em se manter indiferente. Rebate os argumentos da
disponibilidade orçamentária, independência dos poderes e da reserva do possível, afirmando
que a Reserva do Possível não seria uma “carta de alforria” para o administrador
incompetente, que cabe ao Judiciário interferir nos demais poderes quando estes evidenciam a
presença de ilegalidade ou inconstitucionalidade, colacionando decisão do Superior Tribunal
de Justiça que, segundo o Apelado, esclarece que não pode prevalecer argumentos como o do
Apelante. E por fim, requer que se negue provimento ao Recurso de Apelação, sendo mantida
a sentença do Juízo a quo.
Vieram os autos a esta Procuradoria Regional da República para
o oferecimento do parecer.
É o relatório.
Passo a opinar.
II – PRELIMINARMENTE
DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL
In casu, restam presentes todos os requisitos que concernem à
admissibilidade recursal, quais sejam: cabimento, tempestividade, interesse e legitimidade
para recorrer, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, e regularidade
formal; razão pela qual é de se opinar pelo conhecimento da Apelação interposta.
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III – MÉRITO
Não merece prosperar o argumento do Apelante, quanto à
violação da separação dos poderes, já que há o entendimento de que o Judiciário pode atuar
como órgão controlador do Executivo, quando este não cumpre ou atende o que está previsto
para o mesmo, sem que se viole a separação dos poderes. E, quanto ao Principio da Reserva
do Possível, não pode o Apelante usá-lo como justificativa para não cumprir o que lhe é
devido.
Esse é o entendimento do STJ:
ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS
PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.
MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS
OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA
RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ
OFENSA À SÚMULA 126/STJ.
1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa
vontade do Administrador, sendo de suma importância que o
Judiciário atue como órgão controlador da atividade
administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da
separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo
de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado
justamente como óbice à realização dos direitos sociais,
igualmente importantes.
2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de
mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o
Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública
nos planos orçamentários do ente político, mormente quando
não houver comprovação objetiva da incapacidade econômicofinanceira da pessoa estatal.
3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a
assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o
Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o
funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de
responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios,
de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam
para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do
acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos
financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJ 3.10.2005).
4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido
interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal
matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF.
5.
Agravo
Regimental
não
provido.
..EMEN:
(AGRESP 200802653389, Herman Benjamin - Segunda Turma, Dje
Data:06/12/2013 ..DTPB:.) (negritei)
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANO AMBIENTAL. IMPLEMENTAÇÃO
DE OBRA PÚBLICA. USINA DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS
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SÓLIDOS. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO
DA
SEPARAÇÃO
DOS
PODERES.
INEXISTÊNCIA.VIOLAÇÃO AO ART.
333,
I,
DO
CPC
CARACTERIZADA.
1. Cinge-se a controvérsia dos autos à possibilidade do Ministério
Público, em obrigação de fazer, por meio de ação civil pública,
compelir o administrador a implementar obra pública, qual seja, usina
de reciclagem de entulhos provenientes da construção civil, que
estivesse causando danos ao meio ambiente.
2. Irretocável, a posição do Supremo Tribunal Federal e desta
Corte, no sentido de que "O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar que a Administração Pública
adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente
reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação
do princípio da separação de poderes" (AI 708667 AgR,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em
28/02/2012).
3. Reconheço que em algumas situações é impossível
estabelecer, num plano abstrato, qual a ordem de prioridades
que a atividade administrativa deve tomar. Nestes casos, a
identificação pela preferência de atuação estatal apenas poderia
ser identificada na análise do caso. Todavia, ainda que
abstratamente, não se pode deixar de reconhecer que alguns
direitos, tais como a educação, a saúde e o meio ambiente
equilibrado fazem parte de um núcleo de obrigações que o
estado deve considerar como prioritárias.
(...)
(REsp 1367549/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado em 02/09/2014, DJe 08/09/2014) (negritei)
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO.
PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO
POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL.
1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor
ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em
relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na
política e social.
(...)
4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na
formulação ou execução de programas sociais ou econômicos.
Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas
se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade,
mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de
uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou
cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente.
5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o
administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação
da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa
legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão
de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da
"limitação de recursos orçamentários" frequentemente não
passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas
suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na
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Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às
necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a
aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os
limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas
públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário,
não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do
Administrador, nem indicando rompimento do princípio da
separação dos Poderes.
6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do
governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser
encarada como tema que depende unicamente da vontade política.
Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana
não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto
das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010).
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012) (negritei)
Em relação aos demais argumentos do Apelante, todos fazendo
referência quanto à disponibilidade orçamentária, entendo que o Município por muito tempo
teve a oportunidade de buscar medidas para sanar esta questão de saúde pública e não o fez, o
que nos leva a entender que a indisponibilidade de recursos não seria por falta de verbas e sim
por falta de planejamento e atenção com a questão.
Quanto ao pedido de que seja concedido prazo maior a adoção
das para providências determinadas na Sentença, entendo que não seria necessário tal dilação,
visto que a Sentença data de 07/11/2012, ou seja, o Município teve um prazo de mais de dois
anos para tomar as medidas necessárias.
IV – CONCLUSÃO
Diante das razões acima expendidas, opina este Órgão
Ministerial, preliminarmente, pelo CONHECIMENTO da Apelação interposta, e, no mérito
pelo seu IMPROVIMENTO, mantendo-se, portanto, a Sentença a quo pelos seus próprios
fundamentos.
É o parecer.
Recife, 01 de junho de 2015.
JOAQUIM JOSÉ DE BARROS DIAS
Procurador Regional da República
JJBD/HKBR
9987par2015/ cpa
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Íntegra da manifestação da PRR-5