Valores: a base de uma liderança S V E O AL R : A BASE DE UMA LIDERANÇA ÍNTEGRA E QUE INTEGRA O líder precisa ter foco no resultado e no relacionamento, ou seja, precisa contar com pessoas que queiram fazer o trabalho, sintam-se parte da empresa e tenham um propósito. s abemos que um dos gran des desafios de todos os tempos é liderar pessoas para que alcancem objetivos comuns, dentro de prazos previstos e em condições específicas. Muito se tem falado e escrito sobre o tema e a grande dificuldade é que, atualmente, a necessidade de rapidez nas ações exige ajustes precisos entre líderes e liderados. Não há tempo para discussões in- 54 R e v i s t a d a ES P M – janeiro / fevereiro de termináveis e nem é possível que uma pessoa centralize todas as decisões. Para isso, o líder precisa ter foco no resultado e no relacionamento, ou seja, precisa contar com pessoas que queiram fazer o trabalho, sintam-se parte da empresa e tenham um propósito. Assim, cada vez mais é necessário que a gestão ocorra a partir de prin- 2009 cípios e valores que sejam comuns entre líderes e liderados. No entanto, percebo que nem sempre esses valores são definidos, e, quando são, a forma utilizada para sua implementação dificulta a compreensão e vivência. Observo que em muitas empresas acabam sendo mais um dos modismos que não passam de palavras escritas em um quadro, fixado em uma parede, por vezes esquecido pelos próprios líderes. î Fátima Motta }Os fracos nunca podem perdoar.~ s Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como “Mahatma” (grande alma) Gandhi, liderou mais de 250 milhões de hindus por seus direitos como cidadãos, através da não-violência. janeiro / fevereiro de 2009 – R e v i s t a d a ES P M © Bettmann/CORBIS Mahatma Gandhi 55 Valores: a base de uma liderança O que se encontra são valores que não têm significado e geram falta de credibilidade e de confiança em relação às reais intenções da liderança. Muitas vezes, isso acontece porque os valores são definidos pela matriz da empresa, fora do Brasil, sem a participação da liderança local, portanto, sem o real comprometimento das pessoas que, efetivamente, vão viver esses valores. Outro motivo para isso é a definição proforma desses valores feita pelos profissionais da empresa, que desempenham, em um workshop ou em uma reunião, um papel distante do que realmente acreditam, posicionando-se de forma superficial, apenas para manter uma imagem, falando sobre valores que não praticam e que não estão predispostos a vivenciar. A consequência dessas posturas são valores sem força, sem vida, sem aplicação. Percebo, então, que há vários cuidados a serem tomados para que a liderança, com base em valores, seja realmente possível. Em primeiro lugar, há a necessidade de se entender o significado e a importância da existência e observação dos valores por todos os profissionais que trabalham na empresa. Em segundo, a forma utilizada para a definição desses valores deve garantir sua efetividade e aceitação por parte de todos os profissionais. Em terceiro, a postura dos líderes deve garantir a que esses valores sejam vividos; portanto, precisam ser utilizados como critérios de recrutamento, seleção e avaliação de profissionais e também como guias para qualquer tomada de decisão ou de ações. Passemos, então, a analisar cada um desses três aspectos. 1 ENTENDENDO O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA DOS VALORES Valor é aquilo que consideramos importante, são as nossas verdades profundas. Para o antropólogo Clyde Kluckhohn, no livro Um Espelho para o Homem, valor é “uma concepção do desejável explícita e implícita, característica de um indivíduo ou grupo, e que influencia a seleção dos modos, meios e fins da ação”. Ou seja, são os valores que orientam as nossas ações e existem, consciente ou inconscientemente. Da mesma forma, nas empresas os valores também estão presentes. A questão é que nem sempre são explícitos, gerando margem para que cada profis- VALOR é }uma concepção do desejável explícita e implícita, característica de um indivíduo ou grupo, e que influencia a seleção dos modos, meios e fins da ação~. Clyde Kluckhohn 56 R e v i s t a d a ES P M – janeiro / fevereiro de 2009 sional atue com base nos valores que tiver ou que lhe for mais conveniente. Sem definir valores, objetivos e metas estratégicas podem ser alcançados de diversas formas. Exemplificando, o objetivo de aumentar o volume de vendas pode ser realizado com a cooperação entre todos os vendedores se cooperação for um dos valores da empresa ou com competição entre eles, se o valor praticado for a competição. Um problema com um fornecedor pode ser resolvido com respeito ou com agressividade, o desligamento de um profissional pode ser feito com arrogância ou com humildade. E assim, os mais diferentes posicionamentos da liderança ocorrem a partir de valores declarados ou não, ou seja, toda ação tem como base um conjunto de valores, sejam conscientes ou não, explícitos ou não. Então, quando cada líder atua de acordo com um diferente conjunto de valores, os liderados também assim o fazem, o que multiplica a possibilidade de conflitos e posicionamentos que diferem entre si, dificultando a sustentabildade da gestão. Na medida em que os valores praticados pela liderança são os mesmos e estabelecem diretrizes compartilhadas por todos os colaboradores haverá maior coerência nas decisões e ações, menor necessidade de centralização e uma melhora no ambiente, uma vez que haverá clareza e uniformidade nos posicionamentos. No entanto, esse não é um processo fácil de ser estabelecido, porque as pessoas são diferentes, pensam e sentem de forma específica. Há empresas onde convivem baby-boomers (os nascidos entre 1945 e 1964), o pessoal Fátima Motta tabela 1 - gERAÇÕES Geração Baby Boomers Principais ideais Reconstruir o mundo Geração X Lutar pela paz, liberdade, anarquismo Geração Y Globalização, autogestão l O Trabalho é... A principal razão da vida O que paga as contas Satisfação do desejo de consumismo l l Não é tudo na vida l Média de tempo nas empresas 30 a 40 anos 10 a 15 anos 3 anos l Carreira da geração X (nascidos entre 19651977) e da geração Y (nascidos a partir de 1978). Sabemos que as diferenças entre eles são significativas. O quadro acima mostra algumas das diferenças entre essas gerações: (ver tabela 1). Então, além das diferentes gerações, há diferenças culturais, de gênero e socioeconômicas, residindo, aí, a grande dificuldade de conseguir que as pessoas com visões diferentes do mundo trabalhem juntas. No entanto, o que pode uni-las são os valores pelos quais direcionam suas vidas. Como explica Stephen Covey, “ao lidar com veteranos, ou baby-boomers, ou pessoal das gerações X e Estabilidade, lealdade l Autoconfiança, independência l Y – que têm diferentes sistemas de valores e veem a vida sob óticas diversas -, só há uma coisa que os pode unir: princípios atemporais, universais, que possam ser a base para a formulação de uma visão e um sistema de valores comuns1.” Assim, independentemente das diferenças existentes, os colaboradores precisam ser orientados quanto à importância do alinhamento dos valores, por facilitar e tornar mais rápido qualquer processo, além de favorecer maior vínculo e sentimento de pertencer a um lugar onde se sabe o que é possível esperar e obter. Para tanto, os valores devem ser utilizados como um dos critérios l Realização Ter vários trabalhos simultâneos l de seleção, pois, muitas vezes, é mais fácil qualificar tecnicamente um profissional do que estimular a mudança de valores já arraigados. Por vezes, a admissão dos colaboradores é baseada em critérios de conhecimento, formação escolar, experiência empresarial anterior, mas não se presta atenção aos valores e, frequentemente, as atitudes e comportamentos derivados da inadequação dos valores são os causadores da ruptura de vínculos entre o profissional e a empresa. Certa vez fui chamada para auxiliar a liderança de uma empresa, onde o conflito fora instalado pela presença de um diretor, cujos valores eram î janeiro / fevereiro de 2009 – R e v i s t a d a ES P M 57 Valores: a base de uma liderança Os valores são também um dos norteadores dos feedbacks e das avaliações. Quando assim utilizados possibilitam que haja um constante realinhamento de expectativas, assim como uma orientação clara do desempenho. Esse aspecto nos leva a considerar a importância da definição clara dos valores, a partir de um processo que envolva e comprometa líderes e liderados. Mas, então, qual o processo para a identificação dos valores? 2 IDENTIFICANDO OS VALORES 58 R e v i s t a d a ES P M – janeiro / fevereiro de O processo é feito de forma que a liderança se posicione em relação ao que é percebido como valores comuns, discuta a coerência desses valores com a missão e visão da empresa e se posicione perante a prontidão pessoal para vivenciá-los ou não. Percebo que nem sempre esses valores são compartilhados em um primeiro momento por todos, mas podem ser ressignificados, desde s Os valores de uma empresa são identificados coletivamente, a partir da realidade vivida pela liderança e pelos liderados, observada a partir da missão e visão da empresa. Entendendo-se que missão é a finalidade, o significado da existência da empresa, e a visão, a forma como quer ser reconhecida no mercado, dentro de um período específico de tempo. Os valores, nesse contexto, caracterizam-se pela forma, por meio da qual a missão e visão são vividas no cotidiano da empresa. Coordeno com frequência trabalhos onde a missão, visão e valores são profundamente discutidos, inicialmente com a liderança e depois com toda a empresa, de forma bastante intensa, chegando-se a definir os comportamentos que refletem cada um dos valores e a forma como serão disseminados pela empresa. Um cuidado que percebo ser importante é o de não registrar o desejável e deixar de lado o realizável. Ou seja, frases bonitas e sem sentido não servem para nada. Uma coisa é o que se quer ser e outra é o que é possível ser. Valores complexos e sem sentido também de nada servem. Simplicidade e realidade devem pautar essa identificação de valores e a profundidade da discussão não deve ficar presa às palavras de efeito, mas sim, ao que faz sentido aos profissionais que se sentem conectados à missão a que a empresa se propõe. 2009 que se entenda sua importância para o alcance dos objetivos. Por outro lado, alguns profissionais podem sentir que não estão na empresa certa, pela distância entre seus valores pessoais e os da empresa e prefiram fazer sua vida profissional de outra forma, em outro lugar, o que é salutar para a empresa e para o colaborador, uma vez que é muito difícil gerar resultados sustentáveis havendo distorções nos valores. Definidos os valores no nível da liderança, são discutidos e compartilhados com os demais colaboradores, em um processo em que ajustes e modificações poderão ser feitos, acrescentando, eliminando, ou alterando valores. A partir daí define-se, com toda a equipe, mecanismos e ações para que os valores sejam observados, vivenciados e sustentados no dia-a-dia. Essa fase do processo é muito importante, porque é a que garante que os valores não se percam. Qualquer ação definida deve ter apoio e participação efetiva da liderança, bem como suporte para que sustentem os valores no decorrer dos anos. Portanto, de tempos em tempos, esses valores precisam ser avaliados, discutidos e repensados, bem como as ações que os mantêm vivos. Muitas vezes, isso acontece porque os valores são definidos pela matriz da empresa, fora do Brasil, sem a participação da liderança local, portanto, sem o real comprometimento das pessoas que, efetivamente, vão viver esses valores. Divulgação completamente diferentes dos da presidência e dos outros diretores. Assim, ele causava problemas constantes em todas as reuniões e começou a dividir a empresa em feudos, uma vez que sua gestão tinha como valor o conflito e a presidência tinha como valores a gentileza e a educação nos diversos relacionamentos estabelecidos. No final, após vários meses de problemas consecutivos, a solução foi a demissão desse profissional, o que foi muito desgastante, pelo custo emocional de todos os envolvidos. Santiago Arce s Não adianta assumir um valor como transparência, por exemplo, e não deixar claro os critérios utilizados para a transferência e promoção de pessoas, ou definir um valor que seja vivido com o público externo e não com o público interno. Fátima Motta A boca da verdade é uma espécie de oráculo que narra o caráter verdadeiro de quem a consulta. 3 O PAPEL DA LIDERANÇA NA SUSTENTAÇÃO DOS VALORES É para os líderes o primeiro olhar que os colaboradores direcionam, com o objetivo de validar a existência real de um valor declarado. Sendo assim, cabe à liderança viver cada valor de forma bastante clara e precisa e se questionar em relação à coerência existente entre os valores declarados pela empresa e os que pautam sua vida. Nem sempre os valores do líder e da empresa são exatamente iguais, mas o importante é que haja consonância entre eles. Por exemplo: um dos valores do líder pode ser espiritualidade e a empresa não tem esse valor declarado, mas vive o respeito (com os colaboradores, fornecedores, ambiente, clientes etc.), valor que está em consonância com a espiritualidade. Não adianta assumir um valor como transparência, por exemplo, e não deixar claro os critérios utilizados para a transferência e promoção de pessoas, ou definir um valor que seja vivido com o público externo e não com o público interno. Assim como de nada vale relacionar a verdade como um dos valores, se muitas informações são deturpadas ou guardadas como forma de poder. Sendo assim, cada valor precisa ser vivido, principalmente pela liderança, em cada ação e em cada decisão tomada. Falar sobre os valores em encontros formais ou informais ajuda na sua assimilação, assim como na compreensão das ações da liderança e no reconhecimento dos padrões que determinam as escolhas relativas às mais variadas decisões. Mais do que falar, cabe aos líderes agir em conformidade com os valores. Se o cuidado com o ambiente é um valor, observado pela limpeza existente, por exemplo, quando um líder se abaixa para pegar um papel do chão, mostra que não só o reconhece, mas o vive. Quando há fofoca no departamento e existe o valor do bom relacionamento, o líder não pode ficar conivente com o fato de pessoas falarem mal umas das outras. Pelo contrário, se bom relacionamento é um valor, precisa chamar as pessoas e atuar no seu papel de líder para que esse problema termine. Assim, em todos os feedbacks, orientações e reorientações, avaliações, conversas formais e informais, os valores devem estar presentes, tanto na fala dos líderes, como nas suas ações. Então, observo que viver a partir de valores traz benefícios à empresa, ao líder e aos profissionais, que passam, realmente, a entender a importância de reconhecer quais são as bases que lhes sustentam nas diversas situações da vida. Dessa forma, liderar torna-se um exercício até certo ponto mais fácil, porque, independentemente das pessoas e suas diferenças, os valores que pautam as decisões e as ações são os mesmos e, sendo claros e compartilhados, menor é a necessidade de justificar a natureza do que é feito e das decisões tomadas. Cabe, então, finalizar este artigo, lembrando que gerir com base em valores não é uma nova teoria, mas sim um resgate da humanidade e da essência de cada profissional, o que é um desfio para cada ser que ainda se ESPM considera humano. nota 1. COVEY, Stephen. O 8o Hábito. Fátima Motta Professora de Fator Humano, Gestão de Pessoas, Liderança com foco em resultados, Times de Alta Performance, Líder Coach, nos Programas de Pós-Graduação e MBA e nos cursos de férias. Sóciadiretora da F&M Consultores. janeiro / fevereiro de 2009 – R e v i s t a d a ES P M 59