HONORÁRIOS DE ADVOGADO - INVERTIDOS OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA Clito Fornaciari Júnior O sistema processual reserva um tratamento diferenciado entre as ações condenatórias julgadas procedentes e as mesmas ações quando julgadas improcedentes, isso porque a regra do § 3º do art. 20 do CPC, prevendo honorários em percentual entre 10 e 20%, refere-se ao valor da condenação, o que não existe nas demandas improcedentes. Para essas, o § 4º do mesmo artigo determina a fixação de honorários consoante apreciação equitativa do julgador. Inegável existir um deficiente entendimento do que seja equidade, tanto que é raro se conseguir honorários, nos casos de improcedência, equivalentes àqueles que teria o patrono da parte contrária no julgamento de procedência de ação condenatória. Esse reclamo é tão grande entre os advogados que o projeto de novo Código preocupou-se em colocar como base de cálculo de honorários não só o valor da condenação, como é no Código atual, mas também o "do proveito, do benefício ou da vantagem econômica obtida", com o que se protegeria a situação de improcedência, diante da qual a vantagem do réu consiste em não pagar aquilo que dele se reclama. Sem dúvida, o melhor que se viu em respeito à equidade referida pelo § 4º foi uma fórmula estereotipada, criada especialmente para os casos em que, em primeiro grau, houve uma decisão condenatória e, em segunda instância, o recurso é provido, advindo, então, uma decisão de improcedência. Nesses casos, não são poucos os acórdãos que proclamam, simplesmente, a inversão dos ônus da sucumbência. É o melhor que se tem, pois, rigorosamente, o vencedor de outrora, que se transformou em vencido, pagará de honorários 1 exatamente o quanto receberia, houvesse sido mantida a sentença. Aí está retratada a autêntica justiça do caso concreto, equiparando-se, com todo rigor, os direitos de ambas as partes, o que não se vê nem na previsão legal, dada a divergência dos termos com que se trata de honorários para as duas situações. Registre-se que o antigo Primeiro Tribunal de Alçada interpretou exatamente nesse sentido acórdão seu anterior, que dizia terem sido "invertidos os ônus da sucumbência". Cuida-se de julgado relatado por Cunha Garcia (Apelação nº 986.465-7, j. 31.07.07), firmando que havia sido fixado o percentual a incidir sobre "o valor da dívida almejada", aduzindo que "a regra da condenação seria aplicada em favor do embargante, ora recorrente, caso fosse mantida a r. sentença que julgou os embargos do devedor, em sede de apelação e, obviamente, o cumprimento de tal condenação seria exigido pelo exequente, nos exatos termos do valor da dívida, considerando ainda os encargos estabelecidos no contrato celebrado entre as partes, cuja incidência agora pretende afastar". Julgado da 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, todavia, negou essa interpretação, entendendo, mesmo diante da expressa afirmação, quando foi provida a apelação e julgada improcedente a ação (Apelação nº 542.983-4/2, Rel. Luiz Antonio Costa, j. 22.04.09), de que dava "provimento ao recurso, invertidos os ônus da sucumbência", que não há título jurídico para a execução de honorários. A questão surgiu, uma vez que, diante daquela anterior decisão, teve início a fase de cumprimento da sentença, quando, então, objetou o antigo vencedor, agora vencido, a incidência do percentual sobre o principal corrigido e juros de mora, tendo havido agravo contra a decisão de primeiro grau, que reconheceu correta a memória de cálculo oferecida pela novel credora. 2 Ao agravo, o mesmo relator que decidira, ao julgar a apelação, inverter os ônus da sucumbência, Luiz Antonio Costa, confessou a omissão de seu voto anterior, dizendo não haver condenação em honorários, pois entendeu que "o acórdão não condenou o agravante a pagar honorários, sendo devidos apenas os ônus da sucumbência (custas e despesas processuais), que foram invertidos" (AI nº 990.10.427994-1, j. 22.12.10). Acompanhou o Rel. Pedro Luiz Baccarat, deles dissentindo Miguel Brandi. A posição do acórdão é visceralmente equivocada, a contar da cisão realizada no conceito de verbas de sucumbência, que, a partir do conteúdo do capítulo que cuida das despesas e das multas no CPC, não pode ter outra conotação, a não ser aquela que abrange custas, despesas e honorários, tratando-os sob o mesmo regime jurídico, até porque essas verbas são as que se associam à sucumbência, vista como "a situação da parte perdedora da ação", na sintética posição de Othon Sidou (Dicionário Jurídico. Forense Universitária. 9. ed. 2004. p. 827). O pronunciamento do relator traz à baila acórdão do STJ (REsp nº 886.178, Rel. Luiz Fux) que trata de situação totalmente diversa, qual seja, a de cobrança de honorários por ação própria, quando, na ação originária, não houvera condenação. Isso é muito diferente da decisão que firma a inversão do ônus da sucumbência, que transparece completa e exaustiva: prevê condenação e prevê também base de cálculo, pois está determinando o pagamento exatamente daquilo que, a esse título, receberia o vencedor originário, agora perdedor. O STJ, tal como o antigo Primeiro Alçada, tem posição firme sobre o assunto. Há de se trazer, nessa linha, em primeiro lugar, julgado que pode induzir os menos atentos em erro, pois se refere a 3 mandado de segurança. Nele se firmou: "a inversão dos ônus da sucumbência refere-se somente às custas adiantadas pela empresa embargada", isso, porém, como ele próprio explicou, por se tratar de mandado de segurança, no qual, em face das Súmulas ns. 105/STJ e 512/STF, não são cabíveis honorários (EDcl no REsp nº 1.010.980, Rel. Benedito Gonçalves, j. 05.03.09). A ideia, pois, é que a inversão se faça completa, como corretamente colocou julgado relatado por Castro Meira, que entendeu "com a reforma in totum do acórdão proferido em segundo grau de jurisdição, configurou-se a vitória da Fazenda do Estado de São Paulo, seguindo-se sucumbência, daí inclusive a consequente os inversão honorários de dos ônus advogado, da como rotineiramente tem reconhecido a pacífica jurisprudência desta Casa, sem discrepância" (EDcl no REsp nº 995.290, j. 05.03.09). O pronunciamento divergente de Miguel Brandi buscou uma alternativa que teria, em primeiro lugar, a virtude de salvar o acórdão anterior do mesmo relator, que se autoproclamou, tardiamente, omisso, e, em segundo lugar, criava uma base de cálculo, modificando o valor da antiga condenação pelo valor da causa. Sua posição tem adeptos, inclusive no STJ (cf., entre outros, AgRg no Ag nº 1.195.835, Rel. Mauro Campbell Marques, j. 03.08.10). Tanto, porém, não se fazia necessário, pois a base de cálculo está na simples inversão decretada, que confere justiça concreta à situação, impondo ao vencido os mesmos ônus que teria a parte contrária se ela vencedora continuasse sendo. A conclusão do julgado denota aversão ao princípio da equidade, que estaria sendo observado com todo rigor com a igualdade de soluções para o mesmo trabalho, apenas realizado por profissionais em lados opostos. 4