Publicado em: Gazeta Mercantil, no dia 23/24/25-10-98, na pág. A-3 Autora: Maria Clara R.M. do Prado RESULTADO FISCAL AJUSTADO O conceito conhecido como "primário", para medir o comportamento das contas fiscais, foi incorporado ao linguajar do FMI não faz muitos anos. Desde os primórdios, a organização trabalha com o conceito de resultado nominal para as necessidades de financiamento do setor público. Mede todo o esforço que o governo (federal, estadual e municipal) precisa fazer para cobrir com a contratação de empréstimos o buraco entre as despesas e a receita fiscal. O nominal é o conceito mais importante. Incorpora todo tipo de gasto, inclusive as despesas com juro e com correções monetária e cambial que o governo assume quando se endivida no mercado financeiro. Mas a inflação galopante exercia grande influência sobre o déficit nominal. Boa parte era atribuída à correção monetária. Nos anos 80, quando teve de recorrer pela primeira vez ao FMI, o Brasil conseguiu introduzir um novo conceito, o operacional. Mede os gastos, deixando de lado o impacto das correções monetária e cambial. Por detrás estava a idéia de que o esforço fiscal do governo poderia ser mais bem percebido quando se descontava o efeito da inflação sobre os números. A menos pela importância que uma nova idéia sempre possa ter, de pouco adiantou a introdução do conceito de resultado operacional. É largamente conhecido o fato de que o Brasil jamais conseguiu cumprir até hoje as metas fiscais dos programas que assinava com o FMI. O tempo passou, vieram os planos que tentaram a estabilização e o problema maior que passou a pesar nas contas do setor público já não era tanto a inflação, mas o elevado nível das taxas de juros. O governo brasileiro começou, então, a utilizar-se do conceito primário para medir as suas necessidades de financiamento. É como se fosse o terceiro estágio de uma metodologia depurada: o primário como o operacional não contabiliza os efeitos da inflação mas vai além, deixa também de computar o peso dos juros em seus cálculos. Ainda que esses juros sejam efetivamente devidos com impacto, portanto, nas necessidades financeiras do setor público. Alegam os defensores do conceito primário que essa é a melhor maneira de se conhecer o verdadeiro esforço do governo para equilibrar suas contas. Altas taxas de juros seriam resultado do desequilíbrio fiscal. Quando as despesas ficam equiparadas à receita, os juros tendem a cair. Desse modo, a taxa de juro é tratada como uma variável mais exógena do que endógena: seria conseqüência e não causa do desajuste fiscal. O governo brasileiro assinou a última cartada de intenções com o FMI no início de 1992. Embora tivesse tentado, o governo conseguiu emplacar o conceito primário nas metas fiscais daquele acordo. A novidade aparecia no texto como uma espécie de referência complementar. Foi o acordo que menos tempo durou. Serviu apenas para o Brasil fechar no âmbito do Clube de Paris o reescalonamento da dívida junto aos organismos oficiais de crédito, como os eximbanks. Transcorridos seis anos e meio, o Brasil volta a socorrer-se junto ao FMI. Negocia desta vez um acordo baseado em metas fiscais pelo conceito primário. Tem como objetivo manter estabilizada em tomo de 40% do PIB a dívida líquida do setor público. Uma quarta novidade, porém, surgiu recentemente em meio às discussões dos indicadores da política fiscal. Trata-se do resultado primário ajustado. A idéia, aqui, é tentar corrigir o resultado primário contra os efeitos do ciclo econômico. Em princípio, esses efeitos atingem tanto as receitas como as despesas mas é sobre a arrecadação fiscal que exercem maior influência. Esse ajuste de metodologia está diretamente relacionado com a evolução do valor do PIB e o impacto que isso possa ter sobre a receita. Uma economia crescendo mais assegura maior arrecadação para os cofres do governo. O oposto é verdadeiro. O ajuste também considera o efeito que a taxa de inflação pode ter sobre o resultado primário mesmo que indiretamente. É que períodos inflacionários ajudam as contas públicas: o governo sempre ganha com a defasagem de tempo entre o recolhimento de impostos e o efetivo desembolso das despesas. Assim, a dupla de economistas da PUC do Rio, Rogério Werneck e Afonso Beviláqua, desenvolveu um trabalho para o Banco lnteramericano de Desenvolvimento (BID) no qual procuram medir o resultado primário no período de 1989 a 1996, ajustado à variação do PIB e aos efeitos da inflação. Concluem que os números teriam piorado - exceção para os anos de 1991 e de 1992, com os de 1993 praticamente inalterados depois de calcularem o resultado que teria prevalecido em um determinado ano se o PIB e a taxa de inflação tivessem permanecidos nos mesmos níveis do ano anterior. Desse modo, o déficit de 1996 teria sido de 0,8 %, não de 0,1 % do PIB (ver tabela). Resultado Primário Déficit efetivo Déficit ajustado Déficit subjacente 1989 1.0 2.7 2.7 ( % PIB 1990 1991 -4.6 -2.8 -2.8 -3.6 -4.3 -3.8 ) 1992 1993 1994 1995 1996 -1.6 -2.2 -5.3 -0.3 0.1 -2.1 -2.1 -4.0 0.5 0.8 -1.8 -1.8 -4.7 0.2 0.6 Fonte: Werneck e Beviláqua, Gazeta Mercantil (+) Déficit (-) Superávit A partir daí, Werneck e Beviláqua procuraram chegar ao "impulso fiscal": subtraíram do déficit ajustado do período "t" o valor do déficit efetivo do período "t-1", ou seja, do período anterior. Finalmente, chegaram ao resultado primário subjacente. É o que teria ocorrido se o nível de atividade tivesse mantido a tendência dos anos anteriores. Assim, expurgados os efeitos da atividade econômica, o déficit em 1996 teria sido de 0,6% do PIB.