Tema I
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – Segundo Lugar
José Carlos Gerardo *
Receitas Atípicas e Restos a Pagar:
implicações sobre o Resultado Primário
do Governo Central
* Especialista em Economia do Setor Público pela Fundação Getulio Vargas (FGV-DF). Analista de Finanças e
Controle com exercício funcional na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF).
Agradecimentos
A Deus, por me conceder a dádiva de iluminar o meu caminho.
À minha esposa, Silvana, e aos meus filhos, Gabriel e Giovanna, pelo convívio
amoroso e harmonioso, precondição para redigir este trabalho.
Ao amigo Alexandre Manoel, pela confiança e por me apresentar o tema.
Ao amigo Bento André, pela valiosa contribuição na revisão dos manuscritos e
pelas pertinentes sugestões para o aperfeiçoamento desta monografia.
Aos amigos Marisa, Everaldo e Bernardo, pelo imprescindível incentivo para a
conclusão da monografia e sua apresentação ao Prêmio Tesouro Nacional.
À amiga Julieta, pelas palavras de carinho.
E aos demais colegas da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, pela alegria do convívio e pelo ambiente estimulante à discussão dos temas econômicos, essenciais ao desenvolvimento do Brasil.
Resumo
O objetivo desta monografia é avaliar se o resultado primário obtido é consistente, significando o termo “consistente” que a economia orçamentária primária de fato realizada (resultado primário ajustado) se situa no mesmo patamar do
superávit primário divulgado. Para avaliar a consistência na geração do superávit
primário, calcula-se o resultado primário ajustado (RPA) do Governo Central, que
abrange o Tesouro Nacional, o Banco Central e a Previdência Social para o período 1995-2009. A apuração do RPA consiste em subtrair do resultado primário
divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional as receitas primárias atípicas e o
float dos Restos a Pagar. As receitas primárias atípicas são caracterizadas pela sua
natureza não recorrente ao longo dos anos. O float dos Restos a Pagar é obtido
pela diferença entre o valor das despesas primárias inscritas em restos a pagar
no final do ano e a soma do valor dos restos a pagar que são pagos no exercício
financeiro com o montante de restos a pagar cancelados referentes ao total dos
inscritos. Ao descontar o float e as receitas atípicas do resultado primário divulgado, apura-se o resultado fiscal por competência, com o posicionamento de receitas
e despesas no exercício financeiro ao qual pertencem. Em síntese, pretende-se
apurar o resultado primário que, de fato, o Governo Central obteve, com correção de receitas e despesas que distorcem a real magnitude desta variável fiscal e
cotejá-lo com o resultado primário divulgado pelo Tesouro Nacional para avaliar
a consistência na geração do superávit primário.
A importância do tema decorre das implicações geradas pela obtenção do
resultado primário – que consiste nas receitas primárias (total das receitas deduzidas das receitas financeiras) subtraídas das despesas primárias (despesas totais
deduzidas das despesas financeiras) – na capacidade do governo em pagar a dívida pública. Caso o governo não seja capaz de pagar suas obrigações financeiras,
os credores abster-se-ão de financiar o governo, restando a opção da emissão de
moeda com a consequente elevação do patamar inflacionário. Ademais, conforme
se sustenta ao longo do trabalho, enquanto o governo se utilizar de receitas atípicas e fizer uso indiscriminado dos restos a pagar, não será possível estabelecer
mecanismos críveis de incentivos que aumentem a qualidade do gasto público.
Para o período 1995-2009, o resultado primário divulgado foi de, em média,
1,69% do PIB. Por sua vez, o resultado primário ajustado foi de, em média, 0,88%
do PIB, ou pouco mais da metade do resultado primário divulgado pelo Tesouro
Nacional, demonstrando que a geração do resultado primário foi inconsistente no
período. É possível afirmar que houve benefícios contábeis e econômicos no cur-
to prazo em que os policymakers se mostraram condescendentes com a tendência
de crescimento das receitas atípicas (em média de 0,43% do PIB no período) e
do float (em média de 0,38% do PIB) no período 1995-2009. Estes benefícios,
no entanto, tiveram como efeito colateral a redução da qualidade na execução
orçamentária e a consequente piora da qualidade na alocação dos gastos públicos.
Palavras-chave: expectativas; consistência; orçamento público; resultado primário.
Sumário
1 Introdução, 8
2 O tripé da política macroeconômica vigente no Brasil, 9
3 Referencial teórico, 10
3.1 Expectativas e a política macroeconômica, 10
3.2 O papel da política fiscal e a credibilidade da política econômica, 11
3.3 Os conceitos de resultado primário, receitas atípicas e Restos a Pagar, 12
3.3.1 O conceito de receitas atípicas, 14
3.3.2 O conceito de Restos a Pagar, 16
3.3.3 Conceito de float de Restos a Pagar, 17
3.4 Derivação matemática do resultado primário ajustado pelas receitas atípicas e pelo float, 18
4 A apuração do resultado primário ajustado, 22
4.1 Metodologia utilizada no resultado primário ajustado pelas receitas atípicas, 22
4.2 Apuração do resultado primário ajustado pelas receitas atípicas, 22
4.3 Metodologia utilizada no resultado primário ajustado pelo float, 27
4.4 Apuração do resultado primário ajustado pelo float, 28
4.5 Resultado primário ajustado do Governo Central, 29
5 Conclusões, 33
Referências, 35
Anexos, 39
Anexo 1, 39
Anexo 2, 40
Anexo 3, 41
Anexo 4, 42
Anexo 5, 43
Lista de tabelas
Tabela 1. Resultado primário ajustado pelas receitas atípicas do Governo Central
(R$ milhões correntes), 23
Tabela 2. Receitas atípicas do Governo Central em 2009, 24
Tabela 3. Dividendos da União (R$ milhões), 25
Tabela 4. Empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES, 27
Tabela 5. Resultado primário ajustado pelo float do Governo Central (R$ milhões correntes), 29
Tabela 6. Resultado primário ajustado do Governo Central (R$ milhões correntes), 30
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
1 Introdução
A política fiscal brasileira, adotada a partir de 1999, pode ser considerada
crível, pois o governo tem cumprido, em todos os anos, as metas de resultado primário, o que indica um regime de política fiscal austero. Contudo, segundo relatos
de analistas econômicos,1 o governo utiliza vários artifícios contábeis para alcançar
os resultados fiscais, tais como receitas fiscais esporádicas ou atípicas e a postergação de despesas por meio dos Restos a Pagar, o que suscita dúvidas quanto ao real
esforço fiscal que o governo está realizando para pagar o serviço da dívida pública.
O êxito obtido pelo governo no cumprimento das metas de resultado primário para o Governo Central, composto pelo Tesouro Nacional, pelo Banco Central
e pela Previdência Social, de fato ocorreu quando são descontados esses artifícios? Ou seja, o resultado primário é consistente?
Nesse contexto, o objetivo desta monografia é avaliar se o resultado primário obtido é consistente, significando o termo “consistente” que a economia
orçamentária primária de fato realizada se situa no mesmo patamar do superávit
primário divulgado.
Para avaliar se o resultado primário é consistente e seus efeitos sobre a qualidade dos gastos públicos, esta monografia está organizada, além desta introdução, em mais quatro seções. Na seção 2, discutem-se quais os efeitos esperados de
uma possível assimetria de informações na execução da política fiscal,2 dados os
princípios do tripé da política macroeconômica vigente no Brasil (câmbio flutuante, metas de inflação e política de superávit primário). Na seção 3 descrevemos
o referencial teórico que embasa o regime de política econômica e definimos os
conceitos de resultado primário, receitas atípicas e Restos a Pagar aqui utilizados.
Na seção 4, efetua-se a apuração do resultado primário ajustado, que evidencia
qual seria o resultado primário do Governo Central caso fossem deduzidas as receitas primárias atípicas e o regime contábil adotado fosse o de competência. Por
fim, na seção 5, extraímos as principais conclusões.
1SALTO; CORTEZ (2010).
2O fato de o gestor público saber dos efeitos do uso indiscriminado dos restos a pagar e de os agentes econômicos não
saberem caracteriza uma típica situação de assimetria de informações.
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Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
2. O tripé da política macroeconômica
vigente no Brasil
O tripé da política macroeconômica, formado pelo sistema de metas de inflação, pelo regime de câmbio flutuante e pela responsabilidade fiscal, por meio
de metas de superávit primário vigente no Brasil a partir de 1999, é embasado
por princípios de política econômica calcados na consistência intertemporal. Paralelamente à introdução do regime de metas de inflação e adoção do câmbio
flutuante, estabeleceu-se uma âncora fiscal com o objetivo de prover consistência
ao regime de política econômica. Nesse tripé a política fiscal passou a exercer
papel fundamental no mecanismo de coordenação das demais políticas, pois a
ampliação da poupança do setor público implicou menor necessidade de atração
de capital externo para complementar a poupança doméstica, tendo como efeitos
a redução do déficit em transações correntes e a valorização da taxa de câmbio.
Paralelamente, a redução da demanda efetiva do governo exerceu menor pressão
sobre o nível de preços, que em conjunto com a valorização da taxa de câmbio
contribuiu para a redução do patamar da taxa de juros.
Após a última crise da dívida externa, na década de 1990, esse tripé tem
dado solidez à política macroeconômica do Brasil, mostrando-se capaz de responder de forma adequada às mudanças das condições globais e domésticas. A
política fiscal, por exemplo, é regida desde 1999 por uma regra fiscal – a meta de
resultado primário – estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
um período de três anos. Praticamente desde sua vigência a meta vem sendo cumprida com superávits, inclusive acima da meta fixada, de modo que na área fiscal
brasileira, ao menos no curto prazo, parece não restar dúvidas do quão crível tem
sido a política fiscal, demonstrando consistência intertemporal.
Há, no entanto, indícios de que o resultado primário divulgado é inconsistente
devido aos seguintes fatores: (i) não serem descontadas do resultado fiscal as receitas atípicas; (ii) no cálculo “acima da linha” o regime oficial ser o de caixa; e (iii)
na contabilização “abaixo da linha” não haver o reconhecimento dos Restos a Pagar
na Dívida Líquida do Setor Público (DLSP).Há evidências na teoria econômica de
que a condução da política fiscal pautada por uma regra fiscal conduz a excelentes
resultados para um importante conjunto de indicadores econômicos, como a taxa
de juros, e taxas de crescimento econômico, com impacto positivo na redução do
custo de financiamento da dívida pública ao longo dos anos. Alterações das regras
vigentes, quando não são acompanhadas de explicações convincentes, afetam a reputação e a credibilidade das instituições, que demandam longo período para ser
construídas, mas são erodidas em curto espaço de tempo.
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3 Referencial teórico
3.1 Expectativas e a política macroeconômica
As expectativas racionais foram incorporadas ao ideário econômico por Lucas
(1972; 1976), sendo a introdução da hipótese das expectativas racionais nos modelos macroeconométricos efetuada por Sargent e Wallace (1975). Na crítica de Lucas,
o procedimento utilizado nos modelos da síntese neoclássica de origem keynesiana
é questionado, pois, segundo as hipóteses de expectativas adaptativas vigentes até
então, o padrão de comportamento dos agentes econômicos não seria alterado com
mudanças na política econômica. A adoção de expectativa racional pressupõe que
mudanças nas ações governamentais ou nas regras do jogo econômico sejam contempladas na análise, dado que os agentes econômicos alteram seu comportamento em
decorrência das novas condições vigentes (LUCAS; SARGENT, 1994). A abordagem
das expectativas racionais definiu que os policymakers devem considerar na sua atuação o impacto das expectativas nas decisões dos agentes. Estes reagem assumindo
posições baseadas na avaliação do regime de política econômica e do ambiente econômico esperados com respostas diferentes, conforme a avaliação quanto à política
implementada e a consistência intertemporal da estratégia escolhida. Nesse contexto,
a condução da política econômica permite a redução da instabilidade e beneficia-se
com os ganhos advindos de políticas bem compreendidas pelos agentes econômicos
e baseadas em regras.
Kydland e Prescott (1977), em seu texto pioneiro, destacaram, adicionalmente, que a adoção do regime de política econômica está frequentemente sujeito
a problemas de inconsistência intertemporal, dado que esta interfere no comportamento dos agentes que operam baseados em expectativas sobre as políticas futuras. Na hipótese de acreditarem que o governo não seguirá as políticas então
vigentes, os agentes alterarão suas decisões, e os efeitos esperados na implementação da política econômica baseada nas novas diretrizes não serão atingidos.
A gestão da política econômica defronta-se, então, com a restrição de que o
desenho da política corrente deve ser consistente com a política futura de equilíbrio. Para que o regime de política econômica seja consistente intertemporalmente, o governo deve cumprir com os objetivos inicialmente traçados, mantendo as
regras do jogo (KYDLAND; PRESCOTT, 1994).
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3.2 O papel da política fiscal e a credibilidade da política econômica
A política fiscal possui papel central na definição da política econômica,
concentrando os esforços na questão da sustentabilidade da dívida, na busca da
credibilidade da política econômica e na definição de regras fiscais para o controle das contas públicas.
O papel da política fiscal recolocou em novas bases o debate quanto a regras
versus discricionaridade. A literatura sobre consistência temporal, como ressaltado anteriormente, defende que os policymakers cumpram metas preestabelecidas,
pois, ao atingir as metas e não alterar as regras ao longo do tempo, estes irão, a
cada período, validar as expectativas e permitir que se atinjam os resultados almejados (BARRO; GORDON, 1994).
A questão da credibilidade ganhou destaque com as expectativas racionais
como determinantes do comportamento dos agentes, decorrendo desse paradigma
teórico a adoção de um regime de política econômica. A ideia de que o simples
anúncio de mudanças não é suficiente para ganhar a confiança dos agentes privados reforçou a premissa de que a credibilidade deve ser construída e transformar-se em meta a ser alcançada. A política econômica deve ser vista como um
processo contínuo, gerando um ambiente em que os agentes privados creem na
manutenção futura das políticas correntes. A presença de descontinuidades pode
afetar o cenário esperado, ampliar o risco de turbulências e prejudicar os resultados desejados. Os policymakers, visando a minimizar o risco, devem manter a
consistência intertemporal das ações e comprometer-se hoje com a política esperada no futuro, obtendo credibilidade e reputação na condução da política econômica (PERSSON; TABELLINI, 1994).
No Brasil, a despeito da incorporação, desde 1999, dos postulados oriundos da teoria das expectativas racionais, tanto na área fiscal (meta de resultado
primário) quanto na monetária (meta de inflação e taxa de câmbio flutuante), há a
possibilidade de assimetria de informações na execução da política fiscal. Assim,
ao menos no curto prazo, é possível que os policymakers obtenham vantagem
perante os agentes de mercado, tornando possível, por exemplo, o usufruto dos
benefícios de uma política fiscal aparentemente sustentável que pode passar a não
ser crível quando se eliminam as assimetrias de informação.
Os efeitos sobre a credibilidade decorrente das informações assimétricas são
agravados devido à importância da política fiscal no gerenciamento da política econômica. Lopreato (2006), Dinh (1999) e Mihaljek e Tissot (2003) apontam o papel
crucial exercido pela política fiscal no âmbito da política macroeconômica, sobretudo nos países de economia emergente, como é o caso da economia brasileira. Desequilíbrios persistentes das contas públicas, em geral, sinalizam a possibilidade de
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desajustes em áreas como o setor externo via depreciações cambiais (indesejadas)
decorrentes da elevação do gasto público, com a deterioração do resultado fiscal ou
monetário com elevação do patamar inflacionário e consequentemente com taxas
de juros elevadas quando são comparados países no mesmo estágio de desenvolvimento. Assim, os compromissos com a política monetária, dado o regime de metas
de inflação, podem tornar-se inconsistentes intertemporalmente devido a descontroles na política fiscal (ALESINA; TABELLINI, 1987).
A importância da política fiscal no Brasil decorre do seu papel como mecanismo de coordenação das demais políticas e sua inter-relação com as demais variáveis de política econômica. Assim, as decisões dos agentes econômicos quanto
ao nível e ao financiamento do déficit público têm reflexos sobre a taxa de juros e
a inflação. Essas variáveis, em um processo de retroalimentação, afetam a dívida
pública influenciando as expectativas dos agentes econômicos com relação à sustentabilidade da dívida e o esforço fiscal requerido para evitar trajetória explosiva
do estoque da dívida.
Nesse contexto, amplia-se a importância em reduzir os possíveis efeitos
decorrentes de assimetrias de informações relativa à execução da política fiscal
no Brasil, apurando-se o resultado primário com os devidos ajustes nas receitas e
nas despesas. Por conseguinte, com o objetivo de avaliar a execução orçamentária, com os impactos no médio e no longo prazos na sustentabilidade fiscal e seus
reflexos na qualidade dos gastos públicos, serão efetuadas apurações que corrijam
os desvios decorrentes da utilização desses subterfúgios contábeis e financeiros.
Nesta monografia, chama-se atenção para as variáveis contábeis e financeiras relacionadas à construção do resultado primário. Considerando-se essas
variáveis, são oferecidas sugestões para preservar a sustentabilidade da política
fiscal no médio e/ou no longo prazos e efetuar aperfeiçoamentos na execução da
política fiscal com vistas à melhoria da qualidade da despesa pública.
3.3 Os conceitos de resultado primário, receitas atípicas e Restos a Pagar
No Brasil, os principais indicadores fiscais de acompanhamento conjuntural
são produzidos pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional. As informações fiscais divulgadas pelo Banco Central referem-se à dívida líquida, às necessidades de
financiamento e ao resultado primário do setor público discriminados por esfera de
governo, enquanto o Tesouro Nacional é responsável pela divulgação dos itens não
financeiros de receitas e de despesas (resultado primário) do Governo Central.
Os resultados fiscais, no conceito primário, podem ser apurados de duas formas: “acima da linha”, que corresponde à diferença entre as receitas e as despesas
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não financeiras do setor público; e “abaixo da linha”, que corresponde à variação da
dívida líquida total, interna ou externa, excluídos os encargos financeiros líquidos.
Em outras palavras, o método “acima da linha” apura o resultado fiscal pela
diferença entre fluxos, e o método “abaixo da linha”, pela diferença entre estoques. Como vantagens, o primeiro conceito permite o melhor acompanhamento
da execução orçamentária pelo controle das receitas e das despesas, enquanto o
segundo método assegura a homogeneidade das informações e permite a análise
adequada do financiamento do setor público.
Os dados das necessidades de financiamento do governo central, compilados pelo Banco Central, baseiam-se em mudanças na dívida líquida, incluindo
fontes de financiamento domésticas e externas, e permitem certo grau de comparação com os dados correspondentes do critério “acima da linha” compilados pela
Secretaria do Tesouro Nacional.
Por definição, os dois métodos deveriam apresentar os mesmos resultados, ou
seja, o financiamento do déficit deveria ser igual ao próprio déficit. Entretanto, na
prática, isso não acontece, dado que a ocorrência de resultado fiscal idêntico somente seria possível caso a cobertura dos dois agregados fosse idêntica e os critérios
contábeis aplicados aos valores envolvidos fossem compatíveis. A metodologia, no
que tange à abrangência, está em avançado processo de convergência, ou seja, o
Bacen e a STN efetuam o cálculo de forma consolidada para praticamente o mesmo
conjunto de órgãos, autarquias e demais instituições que compõem o Governo Central. A diferença quanto a critérios de apuração, no entanto, implica, necessariamente, valores diferentes. Quando se apura o resultado primário pelo método “abaixo da
linha”, ou seja, pela diferença entre os saldos das dívidas líquidas, todos os estoques
estão com valores do fim de período (pois a dívida líquida é corrigida pelos índices
de atualização até o último dia do mês), enquanto quando a apuração é efetuada
pelo método “acima da linha” a apuração ocorre com valores correntes, derivada
da diferença entre receitas e despesas primárias. Quanto ao período de apuração,
tanto as séries temporais publicadas pelo Banco Central quanto aquelas divulgadas
pela Secretaria do Tesouro Nacional cobrem período de referência de um mês. As
diferenças apuradas segundo os dois métodos estão discriminadas no Resultado do
Tesouro, na rubrica discrepância estatística.
Deve-se ressaltar que na apuração do resultado primário brasileiro, no conceito “acima da linha”, o critério utilizado tanto para receitas como para despesas
é o regime de caixa, ou seja, a receita afeta o resultado primário quando são disponibilizadas na Conta Única do Tesouro Nacional, e a despesa somente afeta o
resultado primário quando é efetivamente paga.
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3.3.1 O conceito de receitas atípicas
As receitas atípicas são aquelas que afetam o resultado fiscal de determinado exercício financeiro sem, no entanto, refletir o esforço fiscal daquele ano.
O caso mais comum de receitas atípicas são aquelas cujos recursos financeiros
são provenientes de privatizações e que o Banco Central deduz da estatística do
cálculo da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) e das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), de forma a não deturpar o resultado fiscal de
determinado período.
As receitas atípicas têm sido amplamente utilizadas nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com efeitos sobre a avaliação da sustentabilidade da dívida e sobre a transparência fiscal
(BESNARD; PAUL, 2004a). O objetivo da maioria dessas operações tem sido a
obtenção de um aumento temporário das receitas para melhorar o resultado fiscal.
Esse procedimento, no entanto, não contribui para a sustentabilidade das finanças públicas intertemporalmente. O uso de tais receitas distorce as comparações
ao longo do tempo e entre países, tornando a real situação das finanças públicas
menos transparente, podendo afetar a credibilidade dos policymakers na coordenação da política macroeconômica (BESNARD; PAUL, 2004b). As receitas
atípicas, nos últimos dez anos, têm distorcido os resultados fiscais apurados por
alguns países da OCDE, situação que tem conduzido a equilíbrios fiscais efêmeros construídos com base nessas receitas que, em alguns casos, atingem vários
pontos percentuais do PIB (JOUMARD et. al., 2008).
No Brasil, o Banco Central efetua apenas o ajuste de privatização, não dispensando o mesmo tratamento para as demais receitas atípicas. Os ajustes são
efetuados para retirar apenas alguns fluxos (valores) que não representam esforço
fiscal despendido durante o período em análise. Os ajustes realizados na apuração
da DLSP e das NFSP e discriminados na Nota para a Imprensa – Política Fiscal,
quando pertinentes, são o ajuste metodológico, o ajuste externo de paridade e de
regime (caixa e competência), o ajuste de privatização e o ajuste de reconhecimento de dívidas.3
Outras receitas atípicas são as derivadas de ativos contingentes, entendidos
como direitos decorrentes do reconhecimento de decisões favoráveis ao governo
relativas a pendências judiciais, que, quando ingressam na conta única do Tesouro, implicam receita adicional para o governo (ALBUQUERQUE; MEDEIROS;
SILVA, 2008).
3BACEN (2009).
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Para efetuar uma avaliação não enviesada do resultado fiscal, a mesma lógica deveria ser utilizada para as demais receitas que apresentam característica
similar, ou seja, aquelas derivadas de exercícios fiscais diversos do que está sendo apurado. Esta, no entanto, não tem sido a metodologia utilizada no Brasil na
apuração do resultado primário, reduzindo-se, por conseguinte, a transparência
fiscal, podendo afetar a credibilidade e distorcer a avaliação sobre a sustentabilidade fiscal.
Cabe ressaltar que as receitas atípicas, sejam decorrentes de privatizações
(deduzidas da estatística do cálculo da DLSP e das NFSP pelo Bacen) sejam derivadas de outras fontes (não deduzidas da estatística do cálculo da DLSP e das
NFSP), reduzem, efetivamente, a dívida bruta do governo e implicam um menor
resultado primário requerido para manter a dívida pública em determinado patamar como proporção do PIB. Um exemplo elucida essa questão. Considere-se
que o crescimento do PIB tenha sido nulo, que a relação dívida/PIB seja de 60%
e que a taxa de juros incidente sobre a dívida seja de 10%. Para que a dívida não
cresça, o resultado primário requerido será de 6% (60% multiplicado por 10%).
Se o resultado primário for totalmente proveniente de receitas atípicas e for equivalente a 10%, a dívida será de 50%, e o resultado primário requerido intertemporalmente, ceteris paribus, para manter a dívida no mesmo patamar será de 5%.
O resultado primário requerido para estabilizar a dívida nesse novo patamar seria
de 5%, tendo sido, no entanto, nulo, insuficiente, portanto, para a sustentabilidade
intertemporal da dívida pública.4
O problema decorrente de resultados primários obtidos com receitas atípicas
não deduzidas da estatística do cálculo da DLSP é que estes não se sustentam intertemporalmente, pois as receitas são esporádicas e contribuem para disseminar,
entre os agentes econômicos, a assimetria de informação, gerando incerteza sobre
a sustentabilidade da política fiscal, com reflexos, no longo prazo, na elevação da
taxa de juros exigida para financiar a dívida pública. Esta distorção é ainda mais
grave caso se constate que devido ao elevado grau de vinculações orçamentárias,
que engessa a execução do orçamento, seja inviabilizada a obtenção de resultado
fiscal compatível com o resultado primário requerido para estabilizar a dívida.
Nesse contexto, o resultado fiscal obtido em determinado período, por meio
desses subterfúgios, exige sua reprodução e ampliação nos anos subsequentes.
A prática de contabilizar receitas atípicas para compor o resultado primário exige,
portanto, a utilização de artifícios que distorcem a apuração do resultado fiscal,
com reflexos intertemporais nos dois outros componentes do tripé da política macroeconômica: política de câmbio flutuante – com oscilações indesejáveis na taxa
4Para crescimento do PIB diferente de zero, o superávit primário requerido para que a dívida não cresça é dado por:
onde s = superávit primário requerido; r = taxa real de juros; g = crescimento real do PIB; e
d = relação dívida/PIB (GOLDFAJN, 2002).
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cambial; e metas de inflação – com a exigência de manutenção de taxas de juros
em patamar elevado – vis-à-vis aquela requerida com resultado primário mais
elevado – para manter a inflação sob controle.
3.3.2 O conceito de Restos a Pagar
A Lei n. 4.320/1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos da União, dos estados, dos municípios e
do Distrito Federal, preceitua que a despesa pública deve ser contabilizada sob o
regime contábil de competência e que esta percorre três etapas: empenho, liquidação e pagamento.
Os Restos a Pagar são decorrentes de despesas postergadas para o exercício
financeiro diferente daquele no qual elas foram inseridas no orçamento. Caso um
determinado produto ou serviço seja entregue ou efetuado para o governo em
julho de 2005, porém efetivamente pago pelo governo em janeiro de 2006, essa
compra somente afeta o resultado primário em 2006. Nesse contexto, ao final do
exercício financeiro de 2005 são inscritos os chamados restos a pagar, que correspondem às despesas realizadas em determinado ano com pagamentos postergados
para o(s) ano(s) seguinte(s).
Existem dois tipos de Restos a Pagar: os processados e os não processados.
Os do primeiro tipo correspondem a despesas que já foram liquidadas no
exercício anterior, mas não foram pagas. Os do segundo tipo correspondem
a despesas que foram empenhadas, mas não chegaram a ser liquidadas nem
pagas no exercício anterior. As despesas liquidadas, inscritas como Restos a
Pagar processados, conferem ao credor direito líquido e certo pelo prazo de
cinco anos a partir da data da inscrição, mas os valores não reclamados pelos
fornecedores durante esse prazo serão cancelados. Por sua vez, os empenhos
que estão na dependência da prestação do serviço, do fornecimento do bem
ou da execução da obra pelo credor podem ser inscritas em Restos a Pagar
no encerramento do exercício financeiro de emissão da nota de empenho,com
validade até 31 de dezembro do ano subsequente. O Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), no entanto, registra como
liquidados todos os empenhos não cancelados até o dia 31 de dezembro do
exercício em que foram emitidos, procedimento conhecido entre os técnicos da
área de orçamento como “liquidação automática” ou “forçada”.
Na contabilidade pública, o termo liquidação da despesa ocorre quando de
sua apropriação, o que equivale ao reconhecimento da despesa em um regime
contábil de competência (MOTA, 2004). Logo, sob o ponto de vista contábil,
somente haveria a postergação de despesas no caso dos Restos a Pagar processados.
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O conceito contábil, no entanto, não parece ser o mais apropriado para avaliar os reais efeitos dos Restos a Pagar sobre a programação financeira, devendo
ser considerados também os Restos a Pagar não processados (RPNP). A adição
dos RPNP aos restos a pagar processados como o conceito mais apropriado para a
postergação de despesas se justifica, haja vista que a inscrição dos Restos a Pagar
não processados tem como efeito a assunção de obrigações em volume superior
à capacidade de pagamento, acarretando o comprometimento de receitas futuras
e conduzindo a “concorrência” por recursos financeiros entre as dotações do orçamento vigente e aquelas de exercícios anteriores. Essa “concorrência” acarreta
o surgimento de grande parte das mazelas que distorcem a execução financeira
e deterioram a qualidade do gasto público. Outra distorção, também originada
dos Restos a Pagar não processados, é a comprovação de despesas decorrentes
de vinculações que tomam por base o valor empenhado.5 Ademais, o mecanismo
da “liquidação forçada” obscurece a identificação entre os estágios da despesa.6
Dadas as considerações efetuadas no parágrafo precedente, para os propósitos desta monografia adicionam-se os Restos a Pagar não processados com os
Restos a Pagar processados como mecanismos de postergação das despesas. Por
conseguinte, os incrementos da inscrição dos Restos a Pagar processados e não
processados ante o respectivo pagamento são fonte de inconsistências na apuração do resultado primário, pois desequilibram a programação financeira do ano
seguinte, dada a necessidade de satisfazer orçamentos paralelos ao vigente.
3.3.3 Conceito de float de Restos a Pagar
Fernandes (2004) efetua análise do cálculo do resultado primário considerando a estimativa do float. Segundo o autor, essa é a diferença entre o valor das
despesas primárias inscritas em Restos a Pagar no final do ano e o valor dos Restos a Pagar que são pagos no exercício financeiro. Utilizando dados provenientes
do Siafi para o período 1999-2003, o autor demonstra que há uma tendência de
crescimento do float dos restos a pagar processados e do float dos Restos a Pagar
não processados do Governo Central.
Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008) aperfeiçoaram a apuração do float,
pois consideram também no cálculo o total de restos a pagar cancelados. Segundo
os autores, a diminuição do montante de restos a pagar cancelados do total de
5Nesse sentido, destaque-se que as vinculações da saúde e da educação são feitas com base no valor empenhado. Assim,
não são raras as vezes que suas respectivas comprovações são feitas por meio da utilização de restos a pagar não
processados (Silva, et al. 2008).
6Gobetti (2006) mostra os efeitos que a liquidação forçada produz na apuração do efetivo montante de
investimento público.
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
17
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
inscritos na aferição do float explica-se, dado que, sob o ponto de vista econômico, o relevante é identificar o montante das despesas efetuadas que tenham sido
postergadas, em termos de pagamento, para o(s) ano(s) seguinte(s).7
Optou-se nesta monografia em utilizar o conceito de float desenvolvido por
Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008), pois este capta com maior precisão as
despesas sob o conceito de competência. É preciso ressaltar que sob o ponto de
vista da transparência das contas públicas o cálculo do float é particularmente
interessante porque a inscrição de Restos a Pagar, apesar de relevante sob a ótica
econômica, não impacta nem o superávit primário nem a dívida pública.
Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008) consideram o total de float8
o somatório entre o float de restos a pagar não processados com o float de restos a
pagar processados. O float de restos a pagar não processados é obtido pela diferença entre o valor das despesas primárias inscritas em restos a pagar não processados no final do ano e a soma do valor dos restos a pagar não processados que são
pagos no exercício financeiro com o montante de restos a pagar não processados
cancelados referentes ao total dos inscritos. De forma similar, obtém-se o float de
restos a pagar processados subtraindo-se do valor das despesas primárias inscritas
em restos a pagar processados no final do ano o somatório do valor dos restos a
pagar processados que são pagos no exercício financeiro com o montante de restos
a pagar processados cancelados referentes ao total dos inscritos.
Quando se adota o float, observa-se, para alguns anos, relevante diferença
entre o resultado primário no conceito de caixa (RP) e a real economia orçamentária efetuada pelo governo, isto é, o resultado primário apurado com as despesas
no conceito de competência. Quando se deduz o float do resultado primário no
conceito de caixa, obtém-se uma proxy do resultado primário ajustado pelo float
que utiliza a despesa no conceito de competência. Ao longo desta monografia,
chama-se essa proxy de resultado primário ajustado pelo float (RPA_float).
3.4 Derivação matemática do resultado primário ajustado pelas receitas
atípicas e pelo float
O resultado primário ajustado pelas receitas atípicas e pelo float pode ser
descrito em equações. Inicialmente, evidencia-se o resultado primário obtido no
conceito de caixa:
7No jargão dos técnicos que lidam com orçamento público, o uso do float significa “pedalar” despesas. Nesse sentido,
o termo “pedalar” é utilizado como sinônimo de postergar.
8Daqui por diante, denomina-se o total de float simplesmente como float.
18
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
RPt = RTIPt + RATt – DRAPt – DPRIMt
(1)
onde:
RTIPt são as receitas primárias típicas arrecadadas no ano t;
RATt são as receitas primárias atípicas no ano t;
DRAPt é o pagamento no ano t de Restos a Pagar inscritos em exercícios
anteriores ao ano t; e
DPRIMt constitui as demais despesas primárias pagas no ano t.
No caso do float, tem-se:
(2)
na qual RAPIt equivale aos Restos a Pagar (processados e não processados) inscritos referentes ao ano t, e
, aos Restos a Pagar (processados e não processados) cancelados no período t = 0 (que no nosso caso é o ano de 1995) até o ano t,
relativos ao ano t, referentes ao total de inscritos.
O resultado primário ajustado, por definição, é dado por:
RPAt = RPt – RATt – Ft
(3)
Ao substituir (1) e (2) em (3), obtém-se:
RPAt = RTIPt – DPRIMt – RAPIt + CRAPt
(4)
Cabe destacar que, para avaliar o impacto da execução orçamentária no médio e no longo prazos e, por conseguinte, a sustentabilidade da dívida pública, o
conceito mais apropriado é o de resultado primário ajustado. Nesse contexto, com
base na restrição orçamentária intertemporal do governo, é possível mostrar os efeitos das despesas atípicas e do float sobre essa sustentabilidade da dívida pública:
,
(5)
onde Bt é o estoque de dívida pública no período t e it-1 é a taxa nominal de juros
no período t-1.
Conforme proposto por Marinheiro (2005), a equação (5) pode ser reescrita
em termos reais ao dividi-la pelo nível de preços no período t (Pt ):
.
(6)
A equação (6) pode ser simplificada ao denominar suas frações por letras
minúsculas dos respectivos numeradores e utilizar a seguinte definição de taxa
real de juros (
):
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
19
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
(7)
Ao considerar a taxa real de juros estacionária em torno da média e resolvendo (7) de forma recursiva, obtém-se:
(8)
em que rat são as receitas atípicas e f é o float em termos reais. A equação (8)
pode ser reescrita da seguinte maneira:
(9)
Seja E (.) a esperança condicional sobre a informação no período t, a
sustentabilidade da dívida pública mantém-se se e somente se:
(10)
Se satisfeita a condição de transversalidade posta na equação (10), o valor
presente dos fluxos dos futuros superávits primários esperados (no conceito de
caixa) é igual aos fluxos futuros dos floats esperados deduzido dos fluxos futuros
das receitas atípicas esperadas acrescido do valor corrente da dívida pública em
termos reais. Dessa forma, esgotadas as receitas atípicas e com crescentes floats,
devem ser esperados crescentes fluxos de superávits primários a fim de manter a
sustentabilidade da dívida pública.
As receitas atípicas, dada sua característica ocasional, diminuem o estoque
da dívida (equação 5), o que reduz o patamar do superávit primário requerido para
manter a dívida pública pelo controle. Se essas receitas não forem expurgadas do
cálculo, o resultado fiscal obtido não se sustentará ao longo do tempo.
Dado que obter o resultado primário pela geração de maiores floats necessariamente significa maior esforço fiscal no futuro porque as despesas postergadas
deverão ser pagas no futuro, sob a perspectiva do gestor público, quais seriam os
benefícios em elevar continuamente o float?
Quanto às receitas atípicas, o que justifica sua manutenção na composição
do resultado primário se esta não expressa genuíno esforço fiscal efetuado em um
determinado ano?
Nesta monografia, advoga-se a tese de que existem ganhos contábeis e econômicos em obter-se superávit por meio de receitas atípicas e de elevar-se persistentemente o float.9 Quanto às receitas atípicas, mesmo quando implicam alívio
9Lima e Miranda (2006) chamam ainda a atenção para os incentivos políticos do float, haja vista que, segundo esses
autores, o efetivo pagamento dos restos a pagar é um instrumento de barganha política do Executivo com o Legislativo.
20
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Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
temporário no resultado fiscal, isentam os gestores públicos de responsabilidades
decorrentes do não cumprimento formal das metas de resultado primário legalmente instituído, mesmo ao custo de perda de credibilidade. No caso do float,
como as despesas se refletem no resultado primário apenas quando efetivamente
pagas, o governo, em geral, posterga o pagamento de um ano para o outro para
obter, temporariamente, um superávit primário mais elevado. Em outras palavras,
o ganho contábil em aumentar as receitas atípicas e/ou os restos a pagar é obter
resultado do superávit primário mais elevado em determinado ano, o que permite
evidenciar que está sendo efetuado um esforço fiscal maior, quando o que de fato
ocorreu foi ou a melhora transitória do resultado fiscal em função de receitas que
não se repetirão no futuro ou a postergação de pagamentos de despesas que já
foram realizadas. Com isso o Governo Central cumpre as metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e em outros normativos passíveis de
fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Ademais, cabe mencionar que os restos a pagar são contabilizados como
dívida flutuante, que devido à metodologia adotada na sua apuração não integra
a dívida líquida do setor público consolidado (DLSP). Esses Restos a Pagar, conquanto possibilitem gerar um superávit primário maior no ano corrente, podem se
transformar, futuramente, em dívida consolidada (fundada), conforme explicitado
no parágrafo a seguir.
Registre-se que há duas formas de efetuar o pagamento dos Restos a Pagar.
A primeira alternativa seria utilizar a receita corrente primária típica e atípica, o
que implica reduzir o caixa único do Tesouro, pressionando o resultado primário
e, consequentemente, comprometendo despesas que haviam sido autorizadas para
o ano corrente que devem ser postergadas caso não haja um aumento substancial
da receita. A segunda alternativa é pela redução do superávit primário. Nesse
caso, ampliam-se as necessidades de financiamento e o governo vê-se compelido
a captar recursos no mercado, via emissão de títulos, para quitar os restos a pagar,
elevando o endividamento. Assim, transforma-se uma dívida flutuante (Restos a
Pagar) em dívida fundada (dívida mobiliária), redundando em aumento da DLSP.
É por isso que o aumento do superávit primário via incremento de float é inconsistente, pois ou se tem um impacto negativo na execução da programação financeira
do ano seguinte ou se amplia a DLSP.
Dados esses efeitos danosos sobre a transparência fiscal, por que os policymakers utilizariam esses expedientes para elevar o resultado primário? Haveria
uma lógica para tal comportamento? Quais os incentivos econômicos em obter
resultados fiscais ampliando continuamente o float e pela utilização de receitas
atípicas? A resposta para essas questões é que, em geral, os governos reduzem
seus custos de financiamento ao demonstrar serem fiscalmente mais austeros do
que o são de fato, obtendo, portanto, credibilidade e reputação, mesmo que essas
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
21
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
práticas não se sustentem intertemporalmente. Conforme exposto anteriormente,
o anúncio, reiteradas vezes, de que o governo está sendo austero no controle dos
seus gastos, cumprindo as metas fiscais citadas, inclusive as metas previamente
estabelecidas, torna a política fiscal mais crível. No curto prazo, como resultado
dessa política, é possível serem obtidas reduções mais acentuadas nos custos de
financiamento da dívida pública com impacto positivo na trajetória da dívida,
mesmo com a utilização de subterfúgios como as receitas atípicas e o float.10
4 A apuração do resultado primário ajustado
4.1 Metodologia utilizada no resultado primário ajustado pelas receitas atípicas
Na apuração das receitas tributárias atípicas, a fonte de informação foram
as publicações Análise da arrecadação das receitas federais para os anos de 1995
a 2009, nas quais a Receita Federal do Brasil (RFB/MF) avalia a arrecadação
federal informando as receitas atípicas. Para as receitas não tributárias atípicas,
as fontes de informação foram as publicações Resultado do Tesouro Nacional
para os anos de 1995 a 2009, divulgadas mensalmente pela Secretaria do Tesouro
Nacional (STN/MF). Adicionalmente, apuraram-se, tendo como fonte o Siafi, as
receitas patrimoniais pontuais decorrentes de outorgas, bônus de assinatura e concessões, que configuram a venda de um ativo (por exemplo, a venda de licenças
de exploração de serviços de telecomunicações) pelo Governo Central.
4.2 Apuração do resultado primário ajustado pelas receitas atípicas
As receitas atípicas, apuradas segundo metodologia descrita na seção anterior, estão discriminadas na Tabela 1.11 Conforme se constata nessa tabela, a utilização das receitas atípicas como artifício para a obtenção de resultado primário
para o Governo Central é prática que remonta ao ano de 1997, dois anos antes de
o Brasil ter firmado acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo
como critério de desempenho metas para o resultado primário. Desde a edição da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, as metas de superávit primário
10Conforme o referencial teórico (seção 3), o sucesso dessa estratégia, reflexo da miopia fiscal, depende da extensão da
assimetria de informações entre os agentes privados e o governo. Caso os agentes privados reduzam a assimetria de
informações, julgando que o resultado primário informado não expressa a real situação fiscal, não haverá, mesmo no
curto prazo, reduções no custo de financiamento.
11No Anexo 1 há uma descrição detalhada de cada rubrica considerada anualmente.
22
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
são estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentária
(LDO), sendo critério de avaliação da gestão fiscal no País. No período entre
1995 e 2009, o maior volume de receitas atípicas como proporção do PIB ocorreu
em 2003, com 1,21% do PIB. Nos anos de 1998, 1999, 2000 e 2009, as parcelas
de receitas atípicas na composição do resultado primário também foram expressivas, situando-se acima de 0,5% do PIB.
Tabela 1
Resultado primário ajustado pelas receitas atípicas do
Governo Central (R$ milhões correntes)
Ano
Resultado
primário
Receitas atípicas
Resultado
primário ajustado
(RPA_Rec_At)
Resultado
Primário
(% PIB)
Receitas
atípicas
(%PIB)
RPA_Rec At
(% PIB)
1995
6.261,39
0,00
6.261,39
0,89
0,00
0,89
1996
2.760,13
0,00
2.760,13
0,33
0,00
0,33
1997
1.800,75
1.518,12
282,64
0,19
0,16
0,03
1998
7.577,02
11.134,28
-3.557,26
0,77
1,14
-0,36
1999
20.164,29
10.094,63
10.069,66
1,89
0,95
0,95
2000
20.982,20
11.981,24
9.000,96
1,78
1,02
0,76
2001
21.737,10
4.702,56
17.034,54
1,67
0,36
1,31
2002
31.712,76
2.242,04
29.470,71
2,15
0,15
1,99
2003
39.289,08
20.523,78
18.765,30
2,31
1,21
1,10
2004
49.368,56
1.208,41
48.160,15
2,54
0,06
2,48
2005
52.816,61
1.495,48
51.321,12
2,46
0,07
2,39
2006
48.891,98
1.001,74
47.890,25
2,10
0,04
2,05
2007
57.650,39
9.668,99
47.981,40
2,17
0,36
1,80
2008
85.671,01
6.204,39
79.466,62
2,85
0,21
2,64
2009
38.033,79
21.609,17
16.424,63
1,25
0,71
0,54
Total
484.717,07
103.384,84
381.332,23
1,91
0,41
1,51
Fonte: RFB/MF e STN/MF
Nota: em 2008, o resultado primário antes da dedução do aporte ao Fundo Soberano do Brasil, no valor de R$ 14,24 bilhões.
Para o ano de 2009 (Tabela 2), as receitas atípicas apuradas não incorporam os dividendos do BNDES dada a necessidade em utilizar critérios com elevada discricionariedade para apartar os lucros, que resultaram em dividendos,
decorrentes das operações do banco e aqueles derivados de ganhos financeiros
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
23
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
advindos dos empréstimos concedidos pela STN à instituição financeira.12 Foram
apurados, no entanto, os montantes envolvidos para dimensionamento da ordem
de grandeza decorrente dessas operações.
Parte das receitas de dividendos distribuída pelo BNDES deve-se a lucros
acumulados em períodos anteriores ao ano de 2008 e que, após concessão de
empréstimos a partir de 2008 pela STN ao BNDES, puderam ser distribuídos à
União sem o risco de descapitalização da instituição financeira.
Tabela 2
Receitas atípicas do Governo Central em 2009
Receita atípica
Valor (R$ milhões)
Descrição
Rec. recol e transf. dep. judicial/
extrajudicial
8.900,00
Compensação no pagamento de tributos: foi apurado, no período
de janeiro a dezembro de 2009, acréscimo de compensações,
especialmente de Cofins, PIS e Cide, no valor aproximado de R$
3,0 bilhões
Parcelamento instituído pela Lei n.
11.941/2009
4.700,00
Parcelamento ou pagamento de dívidas: recolhimentos em conformidade com a Lei n. 11.941/09, e relativos ao parcelamento
instituído pela MP 470/2009 (crédito prêmio do IPI)
Crédito prêmio - MP n. 470/2009
600,00
Dividendos Eletrobras
Total
3.500,00
17.700,00
Crédito prêmio - MP n. 470/2009
Compra pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) de dividendos da Eletrobras não pagos até 2009
(MP n. 478/2009)
Fonte: RFB/MF e STN/MF
Essa estratégia pode ser constatada ao verificar-se que os saldos devedores
dos empréstimos concedidos ao BNDES evoluíram de R$ 7,4 bilhões em 2007
para 37,49 bilhões em 2008, totalizando R$ 146,8 bilhões em dezembro de 2009
e atingindo R$ 228 bilhões em agosto de 2010, consideradas as liberações de R$
80 bilhões em 2010.
Entre 1995 e 2009, a liberação dos empréstimos do Tesouro para o BNDES
contribuiu para a obtenção dos lucros e dos dividendos em 2008 e, sobretudo, em
2009 (Tabela 3). Os valores de dividendos pagos pelo BNDES elevaram-se em
impressionantes R$ 10 bilhões de 2007 para 2009, o equivalente a 0,33% do PIB,
resultado decorrente, em grande parte, da elevação das receitas de intermediação
12Optou-se, nesta monografia, por não apurar as receitas atípicas decorrentes dos dividendos distribuídos até 2009 pelo
BNDES, pois sua apuração envolve elevado grau de discricionariedade no que tange à distribuição da parcela do lucro
acumulado e sua distribuição ao longo dos anos. Quanto aos empréstimos subsidiados concedidos pelo Tesouro ao
BNDES totalizando R$ 180 bilhões, seus impactos nos dividendos do BNDES ocorrerão apenas a partir de 2010,
havendo a necessidade de definição de metodologia para sua apuração, dada a distorção que essas receitas primárias
terão no resultado primário caso não sejam expurgadas do resultado fiscal.
24
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
financeira decorrente dos empréstimos concedidos pelo Tesouro ao BNDES, das
receitas financeiras da alienação de ativos realizada pelo BNDES13 e da distribuição de lucros acumulados em períodos anteriores.14
Tabela 3
Dividendos da União (R$ milhões)
2007(A)
2008(B)
2009(C)
(B-A)
(C-B)
(C-A)
Petrobras
2.588,10
2.170,80
5.333,90
-417,30
3.163,10
2.745,80
Banco do Brasil
1.607,60
1.798,20
2.277,00
190,60
478,80
669,40
CEF
996,80
2.124,60
2.565,30
1.127,80
440,70
1.568,50
BNDES
923,60
6.016,50
10.950,10
5.092,90
4.933,60
10.026,50
Eletrobras
124,40
263,10
4.315,20
138,70
4.052,10
4.190,80
ECT
267,2
403,1
392,6
135,90
-10,50
125,40
IRB
15,8
86
207
70,20
121,00
191,20
Serpro
29,4
57
10
27,60
-47,00
-19,40
Basa
120
74,4
101,3
-45,60
26,90
-18,70
FND
32,2
26,8
24,9
-5,40
-1,90
-7,30
BNB
117,9
170,7
137,3
52,80
-33,40
19,40
Demais
154,3
172,7
368,4
18,40
195,70
214,10
6.977,30
13.363,90
26.683,00
6.386,60
13.319,10
19.705,70
Total
Fonte: STN/MF
Uma análise mais minuciosa aponta que o impacto fiscal dos R$ 180,0 bilhões, emprestados pela União ao BNDES, deve ser calculado com base na diferença de taxas entre, de um lado, o custo médio da dívida pública federal e, de
outro, a remuneração do empréstimo pactuada com o BNDES somada aos ganhos
brutos do banco com os recursos obtidos com a operação, adicionado ao impacto
fiscal oriundo do saldo dos empréstimos concedidos pelo BNDES no âmbito do
Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI). Esquematicamente, o Impacto
Fiscal (IF) para um período (t) seria:
13A nota divulgada pelo BNDES informa: “Os efeitos negativos sobre o lucro do Banco, que foi 83% inferior ao obtido
no primeiro semestre do ano de 2008, vieram principalmente da diminuição dos resultados de participações acionárias
de R$ 4,8 bilhões nos seis primeiros meses de 2008 para R$ 1,3 bilhão no mesmo período de 2009. A queda foi
consequência da interrupção do processo de venda de ações em função de um mercado desfavorável. As operações de
desinvestimentos geraram um lucro bruto de R$ 72 milhões ante os R$ 4 bilhões do primeiro semestre do ano passado”.
14Vide balanços patrimoniais, individual e consolidado, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e controladas, levantados em 31 de dezembro de 2008, especialmente as demonstrações das mutações do
patrimônio líquido.
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IFBNDES(t) = SDBNDES(t) * (iTN(t) – iBNDES(t) – iSpred(t))+SEBNDESPSI(t) * (iTJLP(t) – iPSI(t))
Onde:
IFBNDES(t)
I mpacto Fiscal no ano t do empréstimo concedido pelo Tesouro
ao BNDES
SDBNDES(t)
Valor do saldo devedor do empréstimo no ano t
iTN(t)
Custo médio da Dívida Pública Federal no ano t
iBNDES(t)
Taxa de Juros Média paga pelo BNDES ao Tesouro no ano t
iSpred(t)
S pread médio cobrado pelo BNDES pelos desembolsos
efetuados no ano t
SEBNDESPSI(t)
Saldo médio dos empréstimos concedidos no âmbito do PSI
iPSI(t)
axa de juros média cobrada pelo BNDES pelos desembolsos
T
efetuados no âmbito do PSI no ano t
iTJLP(t)
Taxa de Juros de Longo Prazo no ano t
Os empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES, com
ônus para o erário, discriminados na Tabela 3, têm como principal efeito
elevar o patamar do superávit primário requerido, pois as taxas às quais os
empréstimos foram concedidos ao BNDES, em geral taxa de juros de longo
prazo (TJLP), fixada para o ano de 2010 em 6% a.a., são inferiores ao custo
médio da dívida pública federal, que está em torno de 10,6% a.a., conforme
o Relatório mensal da dívida pública federal, divulgado em agosto de 2010
pela Secretaria do Tesouro Nacional. Assumindo-se esses dois parâmetros
e o valor do empréstimo como proporção do PIB, o superávit adicional requerido seria em torno de 0,25% do PIB para o ano de 2010, sem considerar
as demais variáveis e seus impactos fiscais.
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Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Tabela 4
Empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES
Legislação
Data de Captação
Tranche
MP n. 453
31/03/2009
1ª tranche
13.000,00
TJLP + 2,5% a.a.
MP n. 462
15/06/2009
2ª tranche
26.000,00
TJLP + 1% a.a.
30/07/2009
Única
16.297,60
TJLP
30/07/2009
Única
8.702,40
5,97% a.a.
21/08/2009
1ª tranche
8.535,60
TJLP
25/08/2009
2ª tranche
21.225,60
TJLP
27/08/2009
3ª tranche
6.238,80
TJLP
20/04/2010
1ª tranche
74.200,00
TJLP
04/05/2010
2ª tranche
5.800,00
TJLP
MP n. 465
MP n. 472
Totais Valor (R$ milhões)
180.000,00
Custo
Fonte: STN e BNDES
Conforme a equação 11, outros dois efeitos sobre o resultado primário gerados pelos empréstimos discriminados na Tabela 4 com efeitos a partir de 2010
serão: (i) elevar a receita primária oriunda de dividendos obtidos pela instituição
financeira, pois o spread cobrado pelo BNDES se traduzirá em lucros mais elevados, que serão, em certa proporção, repassados ao Tesouro Nacional; e (ii) elevar
as despesas primárias, pois os empréstimos concedidos no âmbito do Programa
de Sustentação dos Investimentos (PSI), com taxas de juros entre 4,5% e 5,5%,
serão equalizados pelo Tesouro Nacional até o limite de R$ 134 bilhões, conforme estabelecido na Medida Provisória n. 501, de 2010.
4.3 Metodologia utilizada no resultado primário ajustado pelo float
A apuração do resultado primário ajustado pelo float foi efetuada conforme
metodologia proposta por Silva, Cândido Júnior e Gerardo (2008), que consistiu
da extração no Siafi gerencial, para o triênio 2007-2009, de todos os restos a
pagar do ano, com exceção daquelas despesas reunidas nos grupos natureza de
despesa (GND) de juros e encargos da dívida interna e externa e de amortização
da dívida interna e externa do orçamento fiscal e da seguridade.
Na apuração das despesas postergadas em cada exercício financeiro,
efetuou-se, para os anos de 2007 a 2009, consulta dos restos a pagar cancelados
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
27
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
por conta corrente, de forma que se identificasse exatamente a que ano se referia
o empenho cancelado.
Para o período 1995 a 2006, utilizaram-se as informações apuradas por Silva et al. (2008).15 O float para alguns desses períodos, no entanto, foi alterado devido ao cancelamento de restos a pagar processados e não processados ocorridos
no período 2007-2009 e cuja nota de empenho se referia ao período 1995-2006.
4.4 Apuração do resultado primário ajustado pelo float
Na análise da Tabela 4, constata-se que no primeiro governo FHC, 1995-1998,
praticamente não foram obtidos superávits primários, o que pode ser verificado tanto
pela média dos resultados primários divulgados (cerca de 0,5% do PIB) quanto pela
média dos resultados primários ajustados pelo float (cerca de 0,05% do PIB).
No segundo governo FHC, observa-se que a política de geração de superávits primários, iniciada em 1999, foi eficaz, isto é, a média dos resultados primários divulgados e ajustados pelo float aumentou para 1,87% e 2,02% do PIB no
período entre 1999-2002, respectivamente.
O resultado primário obtido no primeiro governo Lula, 2003-2006, em torno
de 2,35% do PIB, dá a impressão de que foi fiscalmente mais austero na geração
de superávits primários do que o segundo governo FHC. Ao se efetuar a apuração
do resultado primário ajustado pelo float, no entanto, constata-se que a política
fiscal brasileira no primeiro governo Lula teve comportamento semelhante ao da
política fiscal do segundo governo FHC. A política de geração de resultado primário no segundo governo FHC foi de, em média, 2,02% do PIB e de 2,03% no
primeiro governo Lula no conceito de resultado primário ajustado.
No triênio 2007-2009, observa-se queda moderada do resultado primário
oficial, que atingiu 2,09% no período. Mas quando a aferição do resultado primário no triênio é efetuada pelo critério do resultado primário ajustado, a deterioração é mais acentuada, o equivalente a 1,09% do PIB, ou seja, um ponto percentual
inferior ao resultado oficial.
Segundo a Tabela 5, desde 2000, com exceção de 2002, o float persistentemente auxilia o governo central na obtenção de metas de superávit primário
superiores àquelas relativas à apuração por competência, de modo que, em todos
esses anos, a economia orçamentária auferida (resultado primário ajustado pelo
float) foi inferior ao resultado primário alcançado (divulgado), o que aponta para
a inconsistência no cumprimento das metas de superávit primário.
15Vide Tabela 1 pag. 21.
28
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Tabela 5
Resultado primário
ajustado_float
(% PIB)
Resultado
primário (% PIB)
Resultado primário
ajustado_float
6.935,96
2.341,54
2.538,21
2.056,21
4.205,18
0,89
0,29
0,60
1996
2.760,13
5.510,05
355,86
4.594,42
559,77
2.200,36
0,33
0,07
0,26
1997
1.800,75
3.651,48
111,66
5.115,35
-1.575,53
3.376,28
0,19
-0,17
0,36
1998
7.577,02
21.233,93
350,93
3.190,67
17.692,32
-10.115,30
0,77
1,81
-1,03
1999
20.164,29
6.337,38
646,96
18.268,54
-12.578,13
32.742,43
1,89
-1,18
3,07
2000
20.982,20
12.053,19
2.859,17
5.491,31
3.702,71
17.279,49
1,78
0,31
1,47
2001
21.737,10
23.625,25
5.296,98
8.996,56
9.331,70
12.405,40
1,67
0,72
0,95
2002
31.712,76
16.717,64
6.142,94
17.050,01
-6.475,31
38.188,06
2,15
-0,44
2,58
2003
39.289,08
25.033,67
12.062,03
8.932,84
4.038,80
35.250,28
2,31
0,24
2,07
2004
49.368,56
20.056,56
5.384,30
11.854,57
2.817,69
46.550,88
2,54
0,15
2,40
2005
52.816,61
34.540,63
9.582,86
12.693,88
12.263,89
40.552,71
2,46
0,57
1,89
2006
48.891,98
40.930,84
11.711,28
21.030,64
8.188,92
40.703,07
2,10
0,35
1,74
2007
57.650,39
55.109,92
7.702,82
25.311,04
22.096,06
35.554,33
2,17
0,83
1,34
2008
85.671,01
78.514,00
7.836,82
34.702,09
35.975,09
49.695,92
2,85
1,20
1,65
2009
38.033,79
90.277,64
19.348,36
40.904,09
30.025,19
8.008,60
1,25
0,99
0,26
91.734,54 220.674,23 128.119,38 356.597,68
1,91
0,51
1,41
Total
484.717,07 440.528,15
Float (% PIB)
Restos a
Pagar pagos
6.261,39
Float
Restos a Pagar
cancelados
1995
Ano
Restos a Pagar
inscritos
Resultado primário
Resultado primário ajustado pelo float do Governo Central
(R$ milhões correntes)
Fonte: SIAFI
Nota: de 1995 a 2001, os cancelamentos são os registrados no Siafi para o exercício. De 2002 a 2008, os cancelamentos
são os efetivos de cada ano, depurados por nota de empenho.
4.5 Resultado primário ajustado do Governo Central
A Tabela 6 explicita os efeitos das receitas atípicas e do float sobre o resultado primário apurado entre 1995 e 2009. Verifica-se após 1998, quando o resultado
primário foi deficitário em 2,17% do PIB que em todos os anos, com exceção
de 2009, o resultado primário se manteve positivo. Ressalte-se que o resultado
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
29
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
primário ajustado deficitário obtido em 2009 deveu-se, em grande parte, à crise
financeira mundial de 2008, que comprimiu receitas orçamentárias e ampliou despesas primárias, como as referentes ao seguro-desemprego.
4.205,18
0,89
0,00
0,29
0,60
1996
2.760,13
0,00
5.510,05
355,86
4.594,42
559,77
2.200,36
0,33
0,00
0,07
0,26
1997
1.800,75
1.518,12
3.651,48
111,66
5.115,35
-1.575,53
1.858,16
0,19
0,16
-0,17
0,20
1998
7.577,02
11.134,28
21.233,93
350,93
3.190,67
17.692,32
-21.249,59
0,77
1,14
1,81
-2,17
1999
20.164,29
10.094,63
6.337,38
646,96
18.268,54
-12.578,13
22.647,79
1,89
0,95
-1,18
2,13
2000
20.982,20
11.981,24
12.053,19
2.859,17
5.491,31
3.702,71
5.298,25
1,78
1,02
0,31
0,45
2001
21.737,10
4.702,56
23.625,25
5.296,98
8.996,56
9.331,70
7.702,84
1,67
0,36
0,72
0,59
2002
31.712,76
2.242,04
16.717,64
6.142,94
17.050,01
-6.475,31
35.946,02
2,15
0,15
-0,44
2,43
2003
39.289,08
20.523,78
25.033,67
12.062,03
8.932,84
4.038,80
14.726,50
2,31
1,21
0,24
0,87
2004
49.368,56
1.208,41
20.056,56
5.384,30
11.854,57
2.817,69
45.342,46
2,54
0,06
0,15
2,34
2005
52.816,61
1.495,48
34.540,63
9.582,86
12.693,88
12.263,89
39.057,23
2,46
0,07
0,57
1,82
2006
48.891,98
1.001,74
40.930,84
11.711,28
21.030,64
8.188,92
39.701,33
2,10
0,04
0,35
1,70
2007
57.650,39
9.668,99
55.109,92
7.702,82
25.311,04
22.096,06
25.885,34
2,17
0,36
0,83
0,97
2008
85.671,01
6.204,39
78.514,00
7.836,82
34.702,09
35.975,09
43.491,52
2,85
0,21
1,20
1,45
2009
38.033,79
21.609,17
90.277,64
19.348,36
40.904,09
30.025,19
-13.600,57
1,25
0,71
0,99
-0,45
Total
484.717,07
103.384,84
440.528,15
91.734,54
220.674,23
128.119,38
253.212,85
1,91
0,41
0,51
1,00
Float
Float (% PIB)
Receitas atípicas
(% PIB)
2.056,21
Resultado
primário
ajustado
2.538,21
Restos a Pagar
pagos
2.341,54
Restos a Pagar
cancelados
6.935,96
Restos a Pagar
inscritos
0,00
Receitas
atípicas
6.261,39
Resultado
primário
1995
Ano
Resultado
primário (% PIB)
Resultado primário
ajustado (% PIB)
Tabela 6
Resultado primário ajustado do Governo Central (R$ milhões correntes)
Fonte: SIAFI
Nota: de 1995 a 2001, os cancelamentos são os registrados no Siafi para o exercício. De 2002 a 2008, os cancelamentos são
os efetivos de cada ano, depurados por nota de empenho. Em 2009, utilizaram-se 48,2% como estimativa da relação
entre RP canc/RP inscr – derivada do Max (RP canc/RP inscr – 1995 a 2008). Em 2008, o resultado primário antes
da dedução do aporte ao Fundo Soberano do Brasil foi de R$ 14,24 bilhões.
De acordo com a Tabela 6, a média do resultado primário foi de 0,54% do
PIB no primeiro governo FHC (1995-1998). Considerando o conceito de resultado primário ajustado pelas receitas atípicas e pelo float, o que denominamos
30
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
de resultado primário ajustado (RPA), houve déficit de, em média, -0,28% no
primeiro governo FHC (1995-1998). No segundo governo FHC, o resultado primário foi, em média, de 1,87%. Por sua vez, o RPA foi, em média, de 1,74% no
período, cerca de 0,47% inferior ao resultado primário divulgado.
Ainda conforme a Tabela 6, no período 2003-2006, referente ao primeiro
governo Lula, quando descontadas as receitas atípicas e o float, obteve-se resultado primário ajustado de, em média, 1,68% do PIB. Constata-se que em nenhum
ano se obteve a economia orçamentária de 2,45% do PIB, que foi a meta oficial
de superávit primário do governo central estabelecida na LDO para o período.
Portanto, pode-se afirmar que no período 2003 a 2006, apesar da maior meta de
superávit primário estabelecida, não houve alteração na consistência da política
de geração de superávit primário em relação ao período 1999 a 2002. Quanto
ao período 2007 a 2009, relativo ao segundo governo Lula, observa-se, além da
acentuada redução dos resultados primários, que passaram de 1,68% do PIB, no
primeiro governo Lula, para 0,66% no triênio do segundo governo, uma redução
acentuada do resultado primário ajustado. Além disso, de acordo com a discussão
anterior, é possível afirmar que houve benefícios contábeis e econômicos para os
gestores federais em se mostrarem condescendentes com a tendência de crescimento das receitas atípicas e, principalmente, do float no período 1995 a 2009.
Conforme se observa pelo exposto nos parágrafos precedentes, do ponto
de vista do policymaker responsável pela política fiscal parece serem óbvios os
benefícios de utilizar as receitas atípicas e o float. Outrossim, faz-se necessário
saber quais os custos incorridos quando se utilizam as receitas atípicas e o float.
Além do impacto negativo sobre a sustentabilidade da dívida pública, como demonstrado anteriormente, é preciso destacar que o uso das receitas atípicas e do
float deteriora a programação financeira e impõe sérios obstáculos à melhoria da
qualidade das despesas públicas.
Contribui para a degradação na alocação de recursos públicos a existência
de orçamentos múltiplos (Lei Orçamentária do ano em curso e os orçamentos
anteriores derivados dos restos a pagar), pois o volume de receitas do exercício
financeiro é insuficiente para atender às despesas do orçamento vigente e de
orçamentos passados, o que gera incentivos ao processo de barganha política, que
não privilegia, necessariamente, a execução das despesas mais eficientes para o
conjunto da sociedade.
Em muitos casos, esse processo de barganha política traduz-se em vinculação de receitas, contribuindo para a rigidez na alocação de recursos e para a
cristalização da alocação de recursos públicos em despesas que não são nem prioritárias nem as mais eficientes para a sociedade. Outro efeito da existência de orçamentos múltiplos é a necessidade de contingenciamento de recursos públicos,
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
31
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
ou seja, o bloqueio de despesas previstas no Orçamento Geral da União – procedimento empregado pela administração federal para assegurar o equilíbrio entre a
execução das despesas e a disponibilidade efetiva de recursos no decorrer do ano.
O contingenciamento e a utilização do expediente dos Restos a Pagar são,
portanto, disfunções correlacionadas do processo orçamentário federal.
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O contingenciamento gera uma série de distorções, conforme apontado por Lima e Miranda (2006) dado que: (i) o setor privado eleva os preços dos bens e serviços
nas compras governamentais devido à incerteza quanto à data efetiva em que o
governo efetuará o pagamento; (ii) os lobbies empregam recursos financeiros e
humanos para a liquidação e o pagamento da despesa com os ministérios, relegando ao segundo plano a eficiência e as ações prioritárias na execução dos gastos
públicos; (iii) geração de incentivos à aprovação de leis que vinculem as receitas
públicas para evitar o contingenciamento; (iv) pulverização dos recursos decorrentes das emendas orçamentárias, pois com um número elevado de emendas de
menor valor e sob a ótica dos parlamentares reduz-se o risco de o contingenciamento abranger todas as suas proposições.
Outra distorção ocasionada pela utilização das receitas atípicas e do float
são os artifícios utilizados pelo governo para garantir os múltiplos objetivos da
execução orçamentária e financeira. Por um lado, é necessário cumprir as diversas metas estabelecidas como aquelas relativas à saúde e à educação, por outro,
os policymakers são instados a cumprir metas quanto ao superávit primário. Para
alcançar esse objetivo, uma das estratégias usadas é gerar elevados superávits
primários nos primeiros nove meses do ano e calibrar o descontingenciamento
no último trimestre do ano para alcançar a meta de superávit primário no final
do ano. Registre-se que, ao se concentrar a execução das despesas no final do
ano, é possível utilizar o float para cumprir os múltiplos objetivos da execução
orçamentária, pois algumas metas são satisfeitas pela inscrição de restos a pagar
no final do ano, uma vez que o critério para sua comprovação é o empenho da
despesa. Adicionalmente, podem ser utilizados artifícios para a obtenção de receitas atípicas no final do período, como ocorreu com a antecipação de receitas
de dividendos da Eletrobras efetuada pela edição da Medida Provisória n. 478 ao
final do ano de 2009.
Deve-se ressaltar que a inscrição de despesas em Restos a Pagar não implica
garantia para sua execução no ano seguinte. Os Restos a Pagar inscritos podem,
em muitos casos, ser cancelados no ano seguinte. Este, por sua vez, é outro fator
de distorção do orçamento, pois uma das possibilidades de obtenção de crédito
adicional tem como fonte o superávit financeiro (que é obtido deduzindo-se da arrecadação líquida apurada os empenhos efetuados no exercício financeiro). Caso
uma despesa inscrita como restos a pagar seja cancelada, pode-se utilizar esta
“receita orçamentária” em uma nova despesa não prevista na Lei Orçamentária
32
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anual (LOA), contribuindo ainda mais para pressionar a execução financeira do
ano corrente, afetando o resultado primário e contribuindo para acentuar as distorções e a inconsistência na geração do superávit primário.
5 Conclusões
Nesta monografia, em virtude da centralidade da política fiscal no gerenciamento da política econômica brasileira, evidenciam-se as possíveis assimetrias de
informação entre o governo e os agentes econômicos.
Como discutido no texto, a utilização de receitas atípicas e o crescimento
do uso do float influenciam a sustentabilidade da dívida pública no médio e no
longo prazos, desorganizam a execução dos programas de governo e reordenam
prioridades, afetando diretamente a eficiência dos gastos públicos.
As receitas atípicas, embora contribuam para a queda do estoque da Dívida
Líquida do Setor Público (DLSP), reduzindo, ceteris paribus, o patamar do superávit primário requerido para a sustentabilidade intertemporal da DLSP, geram a
ilusão de que a situação financeira é sustentável. A parcela de resultado primário
obtida por meio desse artifício obriga os policymakers à obtenção de novas receitas atípicas, que, dada sua natureza ocasional, se esgota. Essa prática redunda
ou em redução do superávit primário nos exercícios financeiros posteriores ou na
geração artificial de receitas primárias, com a perda de transparência e de credibilidade dos agentes públicos e seus reflexos negativos sobre a taxa de juros exigida
pelos agentes privados para financiar a dívida pública.
Assim como as receitas atípicas, o float gera distorções, contribuindo com
dois procedimentos interligados: o contingenciamento financeiro e os Restos
a Pagar, que representam graves disfunções no processo orçamentário federal.
Esses mecanismos conduzem a um processo de barganha política ao longo da
execução orçamentária que elevam os custos dos bens e dos serviços públicos,
geram incentivos para aumentar a rigidez dos gastos públicos, ampliam o poder
dos lobbies, fomentam a corrupção e contribuem para a pulverização dos recursos
públicos. A prática reiterada do uso indiscriminado do contingenciamento e dos
restos a pagar gera condições propícias para sua retroalimentação.
Nas últimas três décadas, a política fiscal no Brasil tem obtido importantes
avanços institucionais, como a eliminação dos orçamentos múltiplos, a unificação orçamentária federal, a instituição da conta única e a imposição de limites
e regras para o controle das despesas públicas. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000 como instrumento de disciplina fiscal representa um
amadurecimento desse processo de evolução institucional.
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
33
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Todavia, é preciso obter maiores ganhos no tocante aos instrumentos e às
práticas da execução orçamentária no Brasil. Nesse sentido, as disfunções constatadas nesta monografia geram três recomendações: inicialmente, é preciso expurgar do cálculo do resultado primário as receitas atípicas que distorcem o efetivo
esforço fiscal efetuado pelos gestores públicos para pagar no todo ou em parte as
despesas financeiras. Segundo, é necessário passar a controlar metas de superávit
primário apuradas pelo critério de competência, que são mais transparentes e robustas que as inconsistências intertemporais.
Finalmente, é preciso normatizar de maneira adequada ou extinguir a utilização do expediente dos Restos a Pagar, o que, de alguma forma, permite pôr
em xeque o grau de funcionalidade e de atualidade da Lei n. 4.320/1964. Nesse
sentido, encontra-se no Senado Substitutivo ao PLS n. 229, de 2009, de autoria
do senador Arthur Virgílio, com o intuito de elaborar norma em substituição à Lei
n. 4.320, de 17/03/1964, que estatui normas gerais sobre finanças públicas e foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Dentre as propostas levantadas,
destacam-se algumas que, acrescidas às sugestões já apresentadas, contribuiriam
para a melhoria da qualidade da gestão orçamentária: (i) introdução de orçamento
plurianual para despesas de investimento; (ii) limitação do âmbito e do número
das emendas parlamentares; (iii) adoção de critérios mais rígidos no que tange à
inscrição dos Restos a Pagar; (iv) melhor conceituação/definição das diversas variáveis sujeitas a limites; (v) elaboração de estudos técnicos que balizem o superávit primário requerido para garantir trajetória não explosiva da dívida pública; e
(vi) ampliação do enfoque sobre a qualidade do gasto público com a instituição de
orçamento por resultados em substituição à vinculação de receitas. Com a aprovação dessas propostas que constam no Substitutivo ao PLS n. 229/2009, é possível
melhorar a qualidade dos gastos públicos e preservar as vantagens advindas da
austeridade fiscal.
Um último alerta quanto à obtenção inconsistente de superávits primários
é que reputação e credibilidade se constroem no decorrer de um longo período.
A credibilidade no cumprimento da meta fiscal é um ativo intangível que reduz o
custo de financiamento do governo ao longo dos anos. A perda de credibilidade,
contrariamente, ocorre rapidamente. O tripé de política econômica, do qual o
cumprimento de metas de superávit primário é um dos principais pilares, deve
ser preservado a fim de consolidar o processo de desenvolvimento do País e promover o crescimento econômico sustentável que beneficie amplas parcelas da
população brasileira.
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Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
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38
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anexos
Anexo 1
Inscrição de Restos a Pagar (R$ milhões correntes)
Restos
a Pagar
inscritos
Restos
a Pagar
processados
inscritos
Restos a
Pagar não
processados
inscritos
Restos a Pagar
inscritos(% PIB)
Restos a Pagar
processados
inscritos(% PIB)
Restos a Pagar
não processados
inscritos(% PIB)
1995
6.935,96
n.d
6.935,96
0,98
n.d
0,98
1996
5.510,05
n.d
5.510,05
0,65
n.d
0,65
1997
3.651,48
n.d
3.651,48
0,39
n.d
0,39
1998
21.233,93
n.d
21.233,93
2,17
n.d
2,17
1999
6.337,38
n.d
6.337,38
0,60
n.d
0,60
2000
12.053,19
n.d
12.053,19
1,02
n.d
1,02
2001
23.625,25
2.672,99
20.952,25
1,81
0,21
1,61
2002
16.717,64
3.540,57
13.177,08
1,13
0,24
0,89
2003
25.033,67
7.881,27
17.152,40
1,47
0,46
1,01
2004
20.056,56
4.295,15
15.761,42
1,03
0,22
0,81
2005
34.540,63
4.760,28
29.780,35
1,61
0,22
1,39
2006
40.930,84
5.160,94
35.769,90
1,75
0,22
1,53
2007
55.109,92
6.970,10
48.139,82
2,07
0,26
1,81
2008
78.514,00
26.853,79
51.660,21
2,61
0,89
1,72
2009
90.277,64
22.662,78
67.614,86
2,96
0,74
2,22
Total
440.528,15
84.797,87
355.730,27
1,74
0,33
1,40
Fonte: SIAFI
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
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Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anexo 2
Cancelamento por competência(*) e cancelamentos no exercício
financeiro efetuados no SIAFI (R$ milhões correntes)
Cancelamento de RP
processados
RP não processados cancelados
RP processados e não processados
cancelados_competência
1995
0,00
2.341,54
2.341,54
1996
0,00
355,86
355,86
1997
0,00
111,66
111,66
1998
134,41
216,52
350,93
1999
420,83
226,14
646,96
2000
511,89
2.347,29
2.859,17
2001
461,67
4.835,32
5.296,98
2002
456,60
5.686,34
6.142,94
2003
860,93
11.201,10
12.062,03
2004
597,40
4.786,90
5.384,30
2005
466,96
9.115,90
9.582,86
2006
351,77
11.359,51
11.711,28
2007
670,61
7.032,21
7.702,82
2008
4.950,32
2.886,50
7.836,82
2009
4.856,56
14.491,80
19.348,36
Total
14.739,94
76.994,59
91.734,54
Fonte : SIAFI
Notas: (*) de 1995 a 2000 cancelamentos regstrados no siafi para o exercicio.
(*) de 2001 a 2008 os cancelamentos são os efetivos de cada ano, depurados por nota de empenho.
(**) em 2009, utilizou-se 48,2% como estimativa da relação entre RP canc/RP inscr - derivada do Max (RP canc/RP
inscr - 1995 à 2008).
40
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anexo 3
Restos a Pagar pagos (em R$ milhões correntes)
RP processados
pagos
RP não
processados
pagos
RP processados e não processados
pagos_competência
1995
0,00
2.538,21
2.538,21
1996
0,00
4.594,42
4.594,42
1997
0,00
5.115,35
5.115,35
1998
0,00
3.190,67
3.190,67
1999
0,00
18.268,54
18.268,54
2000
0,00
5.491,31
5.491,31
2001
0,00
8.996,56
8.996,56
2002
1.482,81
15.567,20
17.050,01
2003
2.410,24
6.522,60
8.932,84
2004
6.182,59
5.671,98
11.854,57
2005
2.759,15
9.934,73
12.693,88
2006
3.003,78
18.026,87
21.030,64
2007
3.432,41
21.878,63
25.311,04
2008
3.389,73
31.312,36
34.702,09
2009
15.086,61
25.817,49
40.904,09
Total
37.747,31
182.926,92
220.674,23
Fonte : SIAFI
Notas: (*) de 1995 a 2000 cancelamentos regstrados no Siafi para o exercicio.
(*) de 2001 a 2009 os cancelamentos são os efetivos de cada ano, depurados por nota de empenho.
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41
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anexo 4
Receitas atípicas (R$ milhões correntes)
Receitas atípicas exceto
receitas patrimoniais
Receitas patrimoniais participações e concessões
1995
0,00
0,00
0,00
1996
0,00
0,00
0,00
1997
0,00
1.518,12
1.518,12
1998
1.767,00
9.367,28
11.134,28
1999
5.682,00
4.412,63
10.094,63
2000
6.756,20
5.225,04
11.981,24
2001
322,00
4.380,56
4.702,56
2002
419,00
1.823,04
2.242,04
2003
20.126,00
397,78
20.523,78
2004
0,00
1.208,41
1.208,41
2005
744,00
751,48
1.495,48
2006
111,00
890,74
1.001,74
2007
7.717,00
1.951,99
9.668,99
2008
240,00
5.964,39
6.204,39
2009
17.700,00
3.909,17
21.609,17
Total
61.584,20
41.800,64
103.384,84
Fonte: SIAFI e RFB/MF
42
Total
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Anexo 5
Demonstrativo de receitas atípicas exceto receitas patrimoniais -1995-2009
Ano
Receita atípica
Valor
(R$ milhões correntes)
Descrição
Pagamento referente a débitos em atraso efetuado pelo setor
público no valor total de cerca de R$ 1.767 milhões
1998
Débitos em atraso
1.767,00
1999
Desistência de ação judicial
4.682,00 Desistência de ação judicial (PIS/Pasep, CSLL, Cofins e IRPJ)
1999
Conversão de depósitos
judiciais
Arrecadação extra no valor de cerca de R$ 1,0 bilhão refe1.000,00 rente à conversão de depósitos judiciais à Cofins (R$ 694
milhões) e à CSLL (R$ 312 milhões)
1999
Total
5.682,00 2000
Depósitos judiciais em atraso
2.432,20 Decorrentes do IRPJ e da CSLL
2000
Débitos em atraso
117,10 Decorrente do IOF
2000
Ações judiciais
400,30 CPMF - MP 2037/2000
2000
Dívida ativa
733,60 Dívida ativa (Cofins e PIS/Pasep)
2000
Demais receitas
Ingresso de arrecadação oriunda da quitação de parcela re3.073,00 ferente ao processo de privatização de empresas estatais no
mês de agosto/2000 no valor de R$ 3.073 milhões
2000
Total
6.756,20 Mudança na forma de tributação do setor de combustíveis
e pagamento por substituição pelo setor automotivo. A
322,00 diferença de crescimento percentual entre Cofins e PIS/Pasep
decorreu de arrecadação atípica em junho/2000 no valor de
R$ 322 milhões
2001
Cofins e PIS/Pasep
2002
Lei n. 10.637/2002
2002
Depósitos judiciais
350,00 • Depósitos judiciais/administrativos e conversão de depósitos
2002
Total
419,00 2003
Fundos de pensão
9.267,00 • Fundos de pensão (MP n. 2.222/2001 e MP n. 66/2002, art. 24)
2003
Transferência de títulos
públicos
1.516,00
2003
Depósito garantia
2003
Depósitos judiciais
3.680,00 • Depósitos judiciais/administrativos e conversão de depósitos
2003
MP n. 38, art. 11
2.233,00 • MP n. 38, art. 11
2003
MP n. 66/2002 (exceto art. 24)
1.700,00 • MP n. 66/2002 (exceto art. 24)
2003
MP n. 75/2002, art. 14
1.295,00 • MP n. 75/2002, art. 14
2003
Total
69,00 • Lei n. 10.637/2002, art. 13
• Realização de lucro pela transferência de títulos públicos
(empresa estatal)
435,00 • Receitas da dívida ativa - depósito garantia
20.126,00 continua
Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
43
Política Fiscal e Sustentabilidade do Crescimento – José Carlos Gerardo
Ano
Receita atípica
Valor
(R$ milhões correntes)
Descrição
IPI - outros
Arrecadação atípica em janeiro, novembro e dezembro de
378,00 2005 decorrente de débitos em atraso no valor total de R$
378 milhões
2005
Depósitos judiciais
Recolhimento atípico de depósitos judiciais especialmente
referente ao PIS e à Cofins. O valor recolhido a esse título,
216,00
em dezembro/2005, foi superior em R$ 216 milhões ao valor
recolhido em novembro/2005
2005
Outras receitas administradas
150,00
2005
Total
744,00 2006
IPI - bebidas
111,00
2007
Cofins e PIS/Pasep
Compensações de pagamento indevido ou a maior no mon870,00 tante de R$ 870 milhões a empresa distribuidora de combustíveis
2007
IPO - IRPJ, da CSLL e do IRPF
5.247,00
Ganho adicional de R$ 5.247 milhões, comparando-se a arrecadação do IRPJ, da CSLL e do IRPF, relativos à abertura de
capital, nos três meses citados acima, com igual período do
exercício de 2006
2007
Outras receitas administradas
1.600,00
Arrecadação atípica de receitas relativas a depósitos
judiciais, no valor de R$ 1,6 bilhão, no ano de 2007
2007
Total
7.717,00 2008
IRRF - outros rendimentos
2009
Rec. recol e transf. dep.
judicial/extrajudicial
Compensação no pagamento de tributos: foi apurado, no período de janeiro a dezembro de 2009, acréscimo de compen8.900,00
sações, especialmente de Cofins, PIS e Cide, no valor aproximado de R$ 3,0 bilhões
2009
Parcelamento instituído pela
Lei n. 11.941/2009
Parcelamento ou pagamento de dívidas: recolhimentos em
4.700,00 conformidade com a Lei n. 11.941/2009 e relativos ao parcelamento instituído pela MP n. 470/2009 (crédito prêmio do IPI)
2009
Crédito prêmio - MP n.
470/2009
2009
Dividendos Eletrobras
2009
Total
17.700,00 Total geral
61.584,20 2005
240,00
Arrecadação atípica de receita da dívida ativa por meio de
depósitos em garantia no valor de R$ 150 milhões
Arrecadação de débitos em atraso, em conformidade com a
MP n. 303/2006
Depósito judicial extraordinário em dezembro/2008 no valor
de R$ 240 milhões
600,00 Crédito prêmio - MP n. 470/2009
Compra pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
3.500,00 e Social (BNDES) de dividendos da Eletrobras não pagos até
2009 (MP n. 478/2009)
Fonte: RFB/MF
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Finanças Públicas – XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010
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Receitas Atípicas e Restos a Pagar - Tesouro Nacional