A FREQUÊNCIA ESCOLAR COMO CONDICIONALIDADE
NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA1
Julcéia Carmen Kroth Gheller2 - UNOCHAPECÓ
Mauricio Roberto da Silva3 - UNOCHAPECÓ
Grupo de Trabalho – Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo tem como escopo apresentar algumas reflexões e "achados" da pesquisa de
dissertação de Mestrado em Educação defendida em fevereiro de 2015 no PPGE da
Unochapecó. O objetivo principal é “apresentar o que revelam as vozes dos sujeitos do
Programa Bolsa Família em relação à frequência escolar como condicionalidade". Em termos
teórico-metodológicos, foram utilizadas referências de livros e periódicos que veiculavam
conceitos e categorias relacionadas à problemática do Bolsa família. A pesquisa de campo foi
realizada a partir da inspiração de alguns pressupostos dos estudos de caso etnográficos. O
Programa Bolsa Família (PBF), na atualidade, traduz-se como o maior "carro-chefe" das
políticas sociais no Brasil, ganhando ênfase nos dois mandatos da presidência de Lula e da
presidente Dilma Rousseff. O tema complexo e multidimensional gera polêmica entre o senso
comum de diversas classes sociais, partidos políticos e estudiosos da problemática em
questão. À guisa de conclusões provisórias, a pesquisa aponta uma melhora na qualidade de
vida das famílias beneficiadas pelo PBF, principalmente nas situações de saúde, educação e
alimentação. Em relação à frequência escolar como condicionalidade, pode-se dizer que o
PBF garante a frequência e a permanência dos beneficiários na escola, ou seja, o programa
contribui para a inserção das crianças e jovens na rede de ensino e a permanência deles na
1
Dissertação de Mestrado em Educação: As vozes dos sujeitos e as repercussões do Programa Bolsa Família
com foco na frequência escolar como condicionalidade.
2
Graduada em Pedagogia com habilitação em séries iniciais (UNOCHAPECÓ), Cursando Graduação em
Letras Português/Inglês e respectivas Literaturas (UNOCHAPECO). Especialista em Educação Infantil e Séries
Iniciais pelas Faculdades Integradas do Vale do Ribeira - SP. Mestre em Educação (UNOCHAPECÓ)/ e-mail:
[email protected]
3
Possui graduação em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador (1977), Pós-Graduação Lato
Sensu - Especialização em Educação Pré-escolar (Universidade Federal de Sergipe/1978/1979); mestrado em
Educação Física - Frankfurt Universitaet an Main - Johann Wolfgang Goethe (1986) e doutorado em Ciências
Sociais Aplicadas à Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2000); Pós-Doutoramento na
Universidade do Minho/Portugal sobre "Estudos da Criança" (2007). Professor do programa de Pós-Graduação
em Educação Física da Universidade federal de Santa Catarina/CDS/2002 a 2008; professor aposentado da
Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professor Stricto Sensu da UNOCAPECÓ/SC no
Programa de Mestrado em Educação, especificamente, na linha de pesquisa "Desigualdades sociais,
diversidades socioculturais e práticas educativas”.
ISSN 2176-1396
104
escola por meio de: roupas, calçados, material escolar e alimentação. Todavia, vale destacar
que devido à precarização em que se encontram as escolas brasileiras, mesmo considerando
os avanços obtidos pelo PBF, há limites no que se refere à efetividade dessas políticas de
"inclusão social", em razão ao caráter meramente emergencial. Essas evidências empíricoteóricas nos levam a refletir o fato de que fica ainda em aberto o espaço para a realização de
políticas estruturadoras que possam permitir a "cidadania como projeto em construção”,
principalmente, no que se refere não apenas ao fim da pobreza extrema, mas ao fim das
desigualdades sociais escolares e, neste sentido, a real emancipação social, política e
econômica de famílias beneficiadas.
Palavras-Chave: Educação. Condicionalidade. Frequência Escolar. Programa Bolsa Família.
Introdução
O presente artigo tem como escopo apresentar algumas reflexões e "achados" da
pesquisa de dissertação de mestrado supramencionada. A pergunta-problema que norteia o
texto pode ser traduzida da seguinte forma: "O que revelam as vozes dos sujeitos das famílias
beneficiadas do Programa Bolsa Família em relação à frequência escolar como
condicionalidade?”
Em vista da delimitação do estudo, foram considerados algumas categorias empíricoteóricas e indicadores analíticos, tais como: conjuntura social, o PBF, educação e
condicionalidades, família, escola e a avaliação do referido programa sob a ótica dos
beneficiados.
Em termos teórico-metodológicos, foram utilizadas referências de livros e periódicos,
que, direta ou indiretamente, veiculam conceitos e categorias relacionados à problemática do
Bolsa família. A pesquisa de campo foi realizada tomando como inspiração alguns
pressupostos dos estudos de caso de etnográfico. O “lócus” da pesquisa foi o município de
Chapecó, especificamente a Escola Básica Municipal Victor Meirelles. A escolha da escola
deve-se a ela ter o maior número de alunos vinculados ao PBF no município. Os sujeitos da
pesquisa foram alunos, pais e professores.
O estudo possui relevância acadêmico-social, considerando que o PBF, além der ser
uma problemática controversa, complexa, contraditória e multidimensional, gera polêmicas
no senso comum de diversas classes sociais, partidos políticos e estudiosos e nos estudos das
diversas áreas do conhecimento que lidam com a as políticas públicas e sociais.
No ponto de vista da atualidade da pesquisa e de sua relevância acadêmico-social,
pode-se dizer que o Programa Bolsa Família foi o fator decisivo para a reeleição da presidente
105
Dilma em 2014, e continua sendo o maior "carro-chefe" das políticas sociais no Brasil. Isso
pode ser verificado na mídia, nas pesquisas de intenção de voto, enfim, nos debates realizados
pela população e pelos pesquisadores. Neste sentido, o PBF foi nas últimas eleições para
Presidente da República, e ainda continua sendo, foco de disputas de projetos políticos e
eleitorais e nos debates políticos, acadêmicos e da população em geral.
Desenvolvimento
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades; criado pela Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004, ele unificou quatro
programas federais: Bolsa Escola 4, Bolsa Alimentação5, Vale Gás6 e Cartão Alimentação.
No âmbito das políticas públicas de cunho social voltadas para o enfrentamento da
pobreza no Brasil, o Programa Bolsa Família (PBF) se insere como um desenho atual
resultante dos Programas de transferência de Renda, após sucessivas experiências
desenvolvidas tanto no âmbito federal quanto nas esferas estaduais e municipais.
O Programa beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo
o País, possuindo três eixos principais focados na transferência de renda, condicionalidades e
ações e programas complementares.
A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades
reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social.
Já as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo
que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade.
O PBF foi criado com o objetivo de combater a miséria e a exclusão social e promover
a emancipação das famílias pobres. Ele representa um avanço frente às propostas anteriores
por resgatá-las em outro nível. Ele se destaca no cenário dos programas sociais não somente
pelo aspecto da focalização na família, mas também por ser um programa grande abrangência.
4
O Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação (Bolsa Escola) foi instituído em 2001, pelo
Ministério da Educação. Destinava-se a famílias com crianças de 7 a 15 anos de idade, sendo o benefício
transferido para cada família no valor de R$ 15,00 por criança, até no máximo de três filhos, totalizando R$
45,00. A contrapartida era requisito condicional a matrícula e frequência da criança na escola (SILVA, 2010, p.
20).
5
O Programa Bolsa Alimentação visava reduzir deficiências nutricionais e a mortalidade infantil entre as
famílias com renda per capta de até meio salário-mínimo. Destinado a famílias com mulheres gestantes ou que
tivessem amamentando os filhos, ou ainda com crianças de 6 meses a 6 anos de idade (SILVA, 2010, p. 20).
6
O Programa Vale Gás foi criado em 2002, pelo Ministério de Minas e Energias, para compensar as famílias
pobres devido à retirada de subsídio ao gás de cozinha. Para receber já deveria inteirar-se em algum dos
programas do Governo Federal (SILVA, 2010, p. 20).
106
A seleção das famílias para o PBF é feita com base nas informações registradas pelo
município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de
coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa renda existentes
no Brasil.
Os participantes do Cadastro Único podem fazer uso de diversos benefícios, tais
como: participar de programas de transferência de renda, o PBF e o BPC (Benefício de
Prestação Continuada); programas de habitação (Minha Casa, Minha Vida); cursos de geração
de renda ofertados pelas Secretarias de Assistência Social; programa de proteção à criança em
vulnerabilidade social, chamado de Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e
projetos de contraturno.
O benefício (PBF) é preferencialmente pago à mulher. A família beneficiária têm
contrapartidas a cumprir em forma de condicionalidades, ou seja, compromissos assumidos
no cumprimento de atividades nas áreas de saúde, educação e assistência social, a saber:
na área de saúde, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar
o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7
anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento
e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o
acompanhamento da sua saúde e do bebê;
na educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar
devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85% da
carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no
mínimo, 75%;
na área de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em risco, ou
retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(Peti), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV) do Peti e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal
(BRASIL, Manual de Gestão de Condicionalidades, 2006).
Então, ao ingressarem no Programa Bolsa Família, as famílias beneficiárias se
comprometem em cumprir as condicionalidades. A exigência de frequência escolar7 mínima,
para crianças e jovens de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família, foi estabelecida
com intuito de romper o chamado ciclo intergeracional da pobreza e de coibir o trabalho
infantil. O MDS realiza o acompanhamento das condicionalidades juntamente com o MEC;
7
A partir das reflexões de Bourdieu (2010), serão colocadas em xeque as possibilidades de ascensão e
mobilidade social a partir da frequência escolar, uma vez que, no entendimento do sociólogo francês, a escola é
uma das instituições que mais contribuem para a manutenção das desigualdades sociais, visto que legitima, pela
atuação do Estado na elaboração dos currículos escolares, por exemplo, formas de reprodução social que
sancionam a herança cultural como um dos fatores mais relevantes para o sucesso dos indivíduos. Então, o
sistema escolar trata como iguais os desiguais e assim contribui fortemente para a legitimação da reprodução
social de forma excludente (BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2010).
107
esse acompanhamento é realizado a partir do registro bimestral da frequência escolar, por
meio do Sistema de Acompanhamento da Frequência Escolar (Sistema Presença) 8.
A coleta dos dados é realizada cinco vezes ao ano, nos seguintes períodos9: 1° período:
fevereiro e março; 2° período: abril e maio; 3° período: junho e julho; 4° período: agosto e
setembro; 5° período: outubro e novembro.
A frequência escolar como condicionalidade
Há uma intensa e polêmica discussão que gira em torno das condicionalidades. Para
Monnerat et al. (2007), no Brasil, o debate sobre as condicionalidades aponta para o fato de
que, apesar de terem apresentado potencial para prover o acesso aos serviços de saúde e
educação a esta parcela da população, pode ameaçar o direito de cidadania, à medida que este
aparece como obrigação.
Outros autores Medeiros, Britto e Soares (2007) questionam a potencialidade dada às
condicionalidades para o acesso aos direitos sociais básicos. Ao tratar dos seus resultados e
impactos, aponta que 95% das famílias as têm cumprido, todavia, enfatiza que não há como
precisar se a frequência escolar decorre realmente desta contrapartida.
Sobre o seu impacto, apresenta que a criança e/ou adolescente de uma família que
recebe o repasse monetário do PBF tem menor probabilidade de evasão escolar, mas, mais
uma vez, demonstra que não é possível precisar se isso decorre das condicionalidades, já que
programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que não exigem contrapartida,
também apresentam tal impacto.
Nesse sentido, a probabilidade positiva estaria ligada ao recebimento da renda e
independeria da condicionalidade. Todavia, se por um lado as pesquisas indicam que as
condicionalidades seriam desnecessárias, por outro lado, podem apresentar-se de grande
importância para indicar as famílias que em situação de maior vulnerabilidade estariam
impossibilitadas de cumpri-las, e necessitadas de um acompanhamento específico.
8
O Sistema de Acompanhamento da Frequência Escolar do Programa Bolsa Família (Sistema Presença – PBF)
está disponível no link: <http://frequenciaescolarpbf.mec.gov.br>. O acesso ao Sistema é restrito aos usuários
cadastrados. No sistema, o usuário devidamente cadastrado pode atualizar o código Inep das escolas e a escola e
série dos alunos; imprimir os formulários para as escolas realizarem o acompanhamento de seus alunos e
também registrar a frequência dos que são beneficiários do PBF.
9
Para a realização desta pesquisa, tomei como base os dados dos anos de 2012, 2013 e o primeiro período de
2014, apresentados na Tabela de Informações de Frequência Escolar, os quais serão analisados no próximo item.
108
Outro aspecto, muito polêmico, refere-se às questões políticas e de valores que
envolvem as condicionalidades. Segundo Medeiros; Brito; Soares (2007) ao inserir tal
contrapartida no Programa obtém-se apoio da parcela da população que defende que as
pessoas devem fazer algo para receber uma renda por parte do Estado.
Uma questão interessante citada por Monnerat et al. (2007) é o fato de que as
condicionalidades são oficialmente promulgadas no Programa em uma perspectiva de
inclusão social e de emancipação pela via do acesso aos direitos sociais básicos, mas o
acompanhamento dessas condicionalidades ocorre de forma punitiva.
Além disso, há de se questionar a capacidade dos serviços de saúde e educação
conseguirem responder, com qualidade, à demanda criada por meio das condicionalidades e
às condições destas famílias para atenderem às condicionalidades. Neste último caso, “[...] a
contrapartida condiciona o direito constitucional à assistência ao cumprimento de exigências
numa situação em que os potenciais beneficiários já estão em situação bastante vulnerável”
(LAVINAS, 2004 apud MONNERAT et al., 2007, p. 1459).
As condicionalidades esbarram, portanto, na visão paternalista sobre a pobreza, a qual
pressupõe que a população pobre não sabe gastar ou agir “adequadamente” e que esta precisa
que o Estado obrigue-a a gastar a renda recebida por meio de benefícios em alimentos, por
exemplo, ou mandando as crianças para a escola ou cuidando da saúde de todos os familiares.
Em linhas gerais, as críticas em relação à exigência de condicionalidades nos
programas de transferência de renda são associadas à penalização da família, da Escola, e dos
professores e, subjacente, se encontra uma reflexão quanto às questões estruturais na política
de educação no País, como falta de condições técnicas e operativas das instituições em
fornecer uma educação com qualidade.
O PBF sugere uma relação recíproca e proporcional entre pobreza e frequência
escolar 10, desconsiderando a complexidade do fenômeno da pobreza quanto as suas reais
causas, ou seja, a situação de pobreza da geração futura passa a ser uma questão meritocrática,
uma vez que permanece na condição de pobre somente aquele que não faz a sua parte e não
cumpre as condicionalidades.
É evidente na fala das famílias beneficiadas o temor pela perda do benefício, “Se não
tiver mais o PBF, vai ser difícil, vai faltar comida, roupa, calçado e material escolar”
10
Para Castel (1998, p. 521), é legítimo e até mesmo necessário, do ponto de vista da democracia, atacar o
problema das "baixas qualificações" (isto é, numa linguagem menos tecnocrática, acabar com o
subdesenvolvimento cultural de uma parte da população). Mas é ilusório deduzir daí que os não empregados
possam encontrar um emprego simplesmente pelo fato de uma elevação do nível de escolaridade (CASTEL, R.
As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998).
109
(entrevistado 7); e, devido a esse fator, os pais obrigam o filho a manter a frequência escolar,
garantindo, assim, a redução da infrequência e evasão escolar. Os dados poderão ser
visualizados na tabela abaixo.
Na EEB Victor Meirelles, a implantação do PBF não trouxe aumento do número de
matrículas escolares, mas tem garantido a frequência e a permanência do aluno na escola:
Em relação à justificativa da infrequência escolar, os motivos mais citados no Projeto
Presença são:
Desinteresse/ Desmotivação pelos estudos (2012 citado 108 vezes; em 2013 o número
subiu para 252 vezes);
Tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno (2012 citado 22 vezes, em 2013
citado 24 vezes);
Abandono Escolar (2012 citado 11 vezes, em 2013 citado 17 vezes);
Gravidez (2012 citado apenas uma vez, em 2013 citado 5 vezes);
Doença na família/ óbito na família, óbito do aluno, EJA semipresencial,
envolvimento com drogas/ atos infracionais (citados de uma a três vezes em cada ano).
Com base no questionário aplicado aos professores da escola, os efeitos mais
perceptíveis com o PBF na escola foram a permanência escolar e o aumento da frequência.
Porém, isso não foi visto pelos professores como um ponto positivo, pois a obrigatoriedade da
permanência da criança na escola e a responsabilidade dos pais em acompanhar a educação
dos filhos já estavam estabelecidas em lei (LDB 9394/1996).
Para eles a condicionalidade do programa apenas faz com que se cumpra uma parte da
lei, pois não percebem o acompanhamento dos pais no processo educacional dos filhos, “Não
percebi um acompanhamento escolar maior dos pais em relação aos filhos, depois de receber
o PBF. Continuam vindo quando solicitado.” (Entrevistado 11).
Os professores mencionam que, mesmo com a condicionalidade, há crianças que não
apresentam a frequência mínima, e algumas precisam ser assistidas pelo Conselho Tutelar.
Em relação à exigência de frequência escolar para crianças e jovens participantes do
PBF como forma de enfrentamento ao trabalho infantil, percebe-se que ele não está sendo
efetiva: “Trabalho de tarde” (Aluna C); “Trabalho de tarde. Meu pai me manda para a
escola, para ser alguém na vida.” (Aluna I).
Durante a pesquisa de campo ficou notório, a partir das representações dos
professores, pais e as crianças, que os valores pagos às famílias não estão sendo suficientes
110
para coibir o trabalho infantil11, desse modo, muitas crianças ou jovens precisam trabalhar e
estudar, comprometendo o processo de aprendizagem.
As autoras Barbosa; Sant´anna (2009) afirmam que há um ciclo de reprodução da
pobreza e da desigualdade, decorrente da combinação da má qualidade das escolas com a
condição social das famílias participantes do programa e que, para que haja a ruptura desse
ciclo vicioso, é necessária a aproximação dessas famílias com os valores escolares e a
melhoria das escolas em adequação a esses novos públicos; fatores sem os quais se fazem
inúteis os ganhos promovidos pelas condicionalidades do Bolsa Família.
Adentrando na questão da aprovação escolar dos alunos beneficiados, percebe-se que
nas séries iniciais
ao
ano do
contrapartida, nas séries finais
ao
nsino
undamental há uma aprovação maciça em
ano) do Ensino Fundamental, inicia-se o problema da
reprovação.
As reprovações estão associadas a dois fatores: rendimento escolar (nota) e frequência
(faltas); e, ainda, o índice de reprovação devido ao fator rendimento (nota) é superior ao fator
frequência (faltas).
As principais causas que levam os alunos a serem reprovados, segundo os professores,
são a falta de interesse do aluno e da família, a necessidade de trabalhar para ajudar na renda
familiar, as dificuldades de acompanhar os conteúdos das disciplinas, as conversas paralelas,
a discussão com professores e o excesso de faltas, brincadeiras, farras e péssimas amizades, o
acúmulo de conteúdos após a greve dos professores (que dificultou muito a aprendizagem), a
forma como alguns professores ensinavam, explanavam os conteúdos no quadro e não davam
explicações, e a falta de tempo para os estudos para os que cursavam em um turno e
trabalhavam em outro.
11
No dia 30 de dezembro de 2005 foi publicada a integração entre o Programa Bolsa Família (PBF) e o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Essa integração mobilizou os setores da sociedade que
atuam diretamente no combate ao trabalho infantil.
O Peti é um programa do Governo Federal que tem como objetivos: retirar as crianças e adolescentes, de 07 a 14
anos, do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante, ou seja, aquele trabalho que coloca em
risco a saúde e segurança das crianças e adolescentes; fomentar e incentivar a ampliação do universo de
conhecimentos da criança e do adolescente, por meio de atividades culturais, esportivas, artísticas e de lazer no
período complementar à escola, ou seja, na jornada ampliada; proporcionar apoio e orientação às famílias por
meio da oferta de ações socioeducativas; implementar programas e projetos de geração de trabalho e renda para
as famílias.
Desse modo, a família que for inserida no Peti recebe uma bolsa mensal por cada filho, com idade entre 07 e 14
anos, que for retirado do trabalho. Para isto, as crianças e adolescentes devem estar frequentando a escola e a
jornada ampliada: em um período as crianças e adolescentes devem ir para a escola e no outro período devem ir
para jornada ampliada, em que elas terão um reforço escolar além de desenvolverem atividades esportivas,
culturais, artísticas e de lazer.
111
Em linhas gerais, observou-se que o PBF não interferiu no número de matrículas
escolares da E. E. B. Victor Meirelles, mas, o benefício por meio de sua condicionalidade
educacional tem um efeito significativo na frequência escolar e permanência dos beneficiários
na escola.
O PBF contribui para a inserção das crianças e jovens na rede de ensino, entretanto,
ele não se configura como uma política educacional que promova a superação do ciclo
intergeracional da pobreza via educação, que pressupõe ações relativas à qualidade do ensino
que extrapolam os aspectos limitados de incentivo seletivo embutidos na condicionalidade
educacional do PBF.
Considerações Finais
O presente artigo apresenta algumas reflexões e "achados" da pesquisa de dissertação
de mestrado, a saber:
O PBF não interferiu no número de matrículas escolares, mas ele contribui para a
inserção das crianças e jovens na rede de ensino; ele também não se configura como uma
política educacional que promova a superação do ciclo intergeracional da pobreza via
educação; apesar da condicionalidade garantir aos beneficiários um direito constitucional que
nem sempre é efetivado – a educação –, a exigência dessa condicionalidade pode e tem levado
algumas famílias, em maior situação de vulnerabilidade, a perder o benefício, que,
supostamente, tem a função combater a pobreza.
O PBF é eficiente em atingir um de seus objetivos fundamentais: elevar o atendimento
escolar das crianças; por outro lado, é incapaz de reduzir a incidência de trabalho infantil,
fenômeno perverso intrinsecamente relacionado com o menor atendimento escolar entre
crianças de famílias pobres. O programa como condicionalidade para a educação tem seus
equívocos e limites, o programa reduziu a pobreza extrema e, não necessariamente, as
desigualdades sociais e, particularmente, as desigualdades educacionais,
todavia trouxe
também avanços e possibilidades de superação e lições para o seu redimensionamento e
qualidade política e pedagógica.
Em suma, o PBF, apesar dos avanços, está sujeito às ingerências dos rumos
ideológicos, cuja incerteza se assenta entre as propostas neoliberais ou a continuidade e
aperfeiçoamento das políticas de caráter neodesenvolvimentista e, supostamente, pósneoliberais.
112
Por enquanto o PBF com suas condicionalidades vem permitindo em algumas escolas
e, particularmente na escola investigada, alguns avanços já mencionados. O desafio é lutar
incansavelmente pelo direito de ter uma educação de qualidade, que possa romper simultânea
e definitivamente com o "apartheid social" e o "apartheid educacional", ou seja,
uma
educação para além do capitalismo neoliberal.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira SANT’ANNA GABRI L, Maria Josefina. As classes
populares e a valorização da educação no Brasil. IFCS/UFRJ, 2009.
BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2010.
BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Manual de
Gestão de Condicionalidades. Brasília, 2006.
_______. Lei nº. 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Brasília, 2004.
_______. Decreto nº. 5.209, de 17 de setembro de 2004. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/Decreto_Bolsa_Familia.pdf>. Acesso em: 04 nov. de
2013.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996.
CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes,
1998.
GHELLER, Julcéia Carmen Kroth. As vozes dos sujeitos e as repercussões do programa
bolsa família com foco na frequência escolar como condicionalidade. 2015. 169f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Comunitária da Região de Chapecó,
2015.
MEDEIROS, Marcelo; BRITO, Tatiana; SOARES, Fábio. Programas focalizados de
transferência de renda: contribuições para o debate. Brasília: IPEA, 2007.
MONNERAT, Giselle Lavinas; SENNA, Mônica de Castro Maia; SCHOTTZ, Vanessa;
MAGALHÃES, Rosana; BURLANDY, Luciene. Do direito incondicional à condicionalidade
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Rio de Janeiro, v. 12, n. 6, nov./ dez. 2007.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando
e problematizando a realidade brasileira. Rev. katálysis, Florianópolis , v. 13, n. 2, 2010 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141449802010000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 jun. 2014.
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